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A psicanálise nas suas diversas abordagens tem se ocupado em apontar para a importância das figuras parentais ou de seus substitutos no processo de...

A psicanálise nas suas diversas abordagens tem se ocupado em apontar para a importância das figuras parentais ou de seus substitutos no processo de constituição psíquica da criança. Quando ocorrem mudanças na sociedade em relação ao exercício destas funções certamente isso não se dá sem conseqüências. Nossa intenção não é fazer um julgamento moral, apontar o certo e o errado, mas apenas registrar que há diferenças e que estas têm efeitos na constituição subjetiva. Guignard (2001, p. 390-394), em diferentes publicações, vem afirmando o quase desaparecimento do tempo de latência. Considera que a realidade social e familiar tem favorecido desde os anos 60 e 70 do século XX, a constituição de um grande período de contornos imprecisos que abarca o tempo de latência e os primeiros anos da adolescência. Este período se caracteriza pela ambigüidade em relação à identificação sexual e por modificações na organização simbólica, em que a criança permanece fixada à posição de objeto parcial ou de objeto de comércio em uma sociedade que explora a onipotência infantil. A autora constata uma nova forma de economia pulsional na qual o tempo de latência, enquanto organizador das defesas da ordem do recalque secundário, pós-edípico, encontra-se em vias de desaparecer. Alerta que na França as crianças de 5 a 12 anos estão tão pouco organizadas pelo recalque em seu funcionamento afetivo e intelectual quanto às de 3 a 5 anos, por um lado, e os jovens de 12 a 17, por outro. A autora se questiona sobre efeitos desse fenômeno sobre a adolescência e se pergunta: estamos diante de uma decadência ou de uma mutação? Não há mais adolescência? Ou só há adolescência? Lembrando que para Freud a neurose infantil se constitui em dois tempos, a travessia edípica e a adolescência, entre os quais o tempo de latência tem um papel primordial pela barreira do recalque que aí se impõe, na medida em que este último começa a desaparecer, pergunta-se em que se converte a teoria bifásica freudiana e com ela a teoria edípica? Segundo Guignard (2001, p. 395), diversas fontes de observação confirmam a incidência na clínica contemporânea de transtornos relacionados à constituição do recalque, o que está exigindo uma nova elaboração da técnica psicanalítica. Ainda no entendimento desta autora (2001, p. 397), outro aspecto da cultura contemporânea que produz efeitos na constituição subjetiva é o fato de estarmos vivendo cada vez mais sob o signo do virtual, o que deixa um espaço exíguo ao princípio de realidade. O virtual favorece a permanência do regime do princípio do prazer na medida em que propõe múltiplas vias de evitar o confronto com a realidade e com o que isto pode ter de doloroso. Sabe-se que, segundo Freud, o predomínio do funcionamento psíquico pelo princípio da realidade é uma característica pós-edípica, uma das marcas do tempo de latência. Acreditamos que as recentes mudanças culturais que, como relatamos, causam impacto na constituição subjetiva, são o pano de fundo de muitas formações clínicas que se apresentam no tempo de latência. Estas constituem o tema do próximo capítulo.

Essa pergunta também está no material:

COMPLEXO_DE_EDIPO_A_SUBJETIVAÇÃO_DA_CRIANÇA_ESCOLAR_UM_ESTUDO_SOBRE
145 pág.

Psicologia Universidade Federal FluminenseUniversidade Federal Fluminense

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A psicanálise nas suas diversas abordagens tem se ocupado em apontar para a importância das figuras parentais ou de seus substitutos no processo de constituição psíquica da criança. Quando ocorrem mudanças na sociedade em relação ao exercício destas funções certamente isso não se dá sem consequências. As mudanças sociais e familiares têm favorecido desde os anos 60 e 70 do século XX, a constituição de um grande período de contornos imprecisos que abarca o tempo de latência e os primeiros anos da adolescência. Este período se caracteriza pela ambiguidade em relação à identificação sexual e por modificações na organização simbólica, em que a criança permanece fixada à posição de objeto parcial ou de objeto de comércio em uma sociedade que explora a onipotência infantil. A autora constata uma nova forma de economia pulsional na qual o tempo de latência, enquanto organizador das defesas da ordem do recalque secundário, pós-edípico, encontra-se em vias de desaparecer.

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