Buscar

Freud, em “O Futuro de uma Ilusão” (1927), afirma que as necessidades dos homens teriam sido responsáveis pela criação das ideias religiosas – espe...

Freud, em “O Futuro de uma Ilusão” (1927), afirma que as necessidades dos homens teriam sido responsáveis pela criação das ideias religiosas – especialmente a de estar sob a proteção e os cuidados de um deus-pai, seja sob a forma totêmica animal, responsável pelas proibições do assassinato e do incesto, como a apresentada em seu texto “Totem e Tabu” (1913[1912-13]), seja sob a forma humana como a evidenciada nas crenças e mitos religiosos, em especial o cristianismo – e por todas as outras realizações da civilização – arte, descobertas, invenções, entre outras, quando diante da esmagadora força da natureza. Desamparo é a resultante de tal encontro, de um lado a fragilidade, a impotência e a mortalidade do homem; e de outro, a magnitude e a grandiosidade da natureza. Freud, nesse mesmo texto, vincula a ideia do desamparo e da necessidade de proteção do homem com o complexo paterno e diz: “Essas vinculações não são difíceis de encontrar. Consistem na relação do desamparo da criança com o desamparo do adulto (...). Transportemo-nos para a vida mental de uma criança. Você se recorda da escolha de objeto de acordo com o tipo anaclítico [ligação], de que fala a psicanálise? A libido segue aí os caminhos das necessidades narcísicas e liga-se aos objetos que asseguram a satisfação dessas necessidades. Desta maneira, a mãe, que satisfaz a fome da criança, torna-se seu primeiro objeto amoroso e, certamente, também sua primeira proteção contra todos os perigos indefinidos que a ameaçam no mundo externo – sua primeira proteção contra a ansiedade, podemos dizer”. (p.32). Posteriormente, a mãe protetora – cuja função se deu através do amor – é substituída pelo pai, que passa então a ocupar esse lugar até o fim da infância. Contudo, em função da rivalidade inerente à vivência do complexo de Édipo, a relação da criança com o pai assume um caráter de ambivalência, de modo que esse se torna ora temido – em função da ameaça de castração – ora desejado e admirado, tal como a relação do homem com seus deuses, na qual o primeiro anseia e, ao mesmo tempo, teme o segundo, sob a forma de punições ou castigos divinos. Freud (1927): “Quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme, a quem procura propiciar e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. Assim, seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua necessidade de proteção contra as consequências de sua debilidade humana. É a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto frente ao desamparo que ele tem de reconhecer – reação que é, exatamente, a formação da religião”.(p.33) Em suma, o sucesso do homem frente ao desamparo parece ser herdeiro do sucesso deste enquanto criança frente ao complexo de Édipo: a identificação com seu deus-pai. E isso Paulo havia feito claramente, ainda que a renúncia ao seu objeto incestuoso tenha sido escamoteada pelo fetiche. Amar uma mulher fálica que o fizesse sentir-se amado. Sua paixão era sua religião! E seu deus a sua amada. Assim como seu pai ao lado de sua mãe, Paulo escolhera viver essa ilusão ao lado de sua amada. Afinal “O segredo de sua força reside na força desses desejos” (FREUD, 1927, p.39). No entanto, assim como a fantasia de estar protegido e de ser salvo por uma divindade qualquer presente nas ideias religiosas, a fantasia de estar protegido pelo amor de sua amada e de ser salvo da solidão pela paixão em relação a essa, não são mais que ilusões. Contudo, como afirma Freud: “(...) Uma ilusão não é a mesma coisa que um erro; tampouco é necessariamente um erro. (...) O que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos. (...) As ilusões não precisam ser necessariamente falsas, ou seja, irrealizáveis ou em contradição com a realidade.” (pp. 39 e 40). Paulo acreditava, e mais do que isso, precisava e desejava acreditar que sua ilusão era real. E assim fora. O que seria de Paulo sem essa ilusão? O que seria dos homens sem nenhuma ilusão? “Isso soa esplêndido! Uma raça de homens que renunciou a todas as ilusões e assim se tornou capaz de fazer tolerável sua existência na Terra!” (FREUD, 1927, p. 59). Contudo, permanecer vinculado a uma ilusão – tal como as crianças o fazem por algum tempo – não é privilégio dos homens. Assim, a desilusão parece se fazer imperativa e necessária. E com Paulo não fora diferente.

Essa pergunta também está no material:

COMPLEXO DE DIPO DO FETICHE À RELÍQUIA PAIXÃO
73 pág.

Psicologia Universidade Federal FluminenseUniversidade Federal Fluminense

💡 1 Resposta

User badge image

Ed Verified user icon

O texto apresenta uma reflexão sobre a relação entre as necessidades humanas e a criação das ideias religiosas, bem como a relação entre o desamparo infantil e a formação da religião. Freud argumenta que a necessidade de proteção do homem está relacionada ao complexo paterno, no qual a mãe é o primeiro objeto amoroso e protetor da criança, sendo substituída pelo pai até o fim da infância. A relação da criança com o pai assume um caráter de ambivalência, de modo que esse se torna ora temido, ora desejado e admirado, tal como a relação do homem com seus deuses. A fantasia de estar protegido pelo amor de sua amada e de ser salvo da solidão pela paixão em relação a essa, não são mais que ilusões, mas as ilusões não precisam ser necessariamente falsas, ou seja, irrealizáveis ou em contradição com a realidade.

0
Dislike0

✏️ Responder

SetasNegritoItálicoSublinhadoTachadoCitaçãoCódigoLista numeradaLista com marcadoresSubscritoSobrescritoDiminuir recuoAumentar recuoCor da fonteCor de fundoAlinhamentoLimparInserir linkImagemFórmula

Para escrever sua resposta aqui, entre ou crie uma conta

User badge image

Outros materiais