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O Código Civil adotou, em seu art. 1.196, a teoria objetiva, ao dispor: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou n...

O Código Civil adotou, em seu art. 1.196, a teoria objetiva, ao dispor: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Verifica-se, por esse preceito legal, que a posse, na sistemática jurídica nacional, é o exercício de fato dos poderes constitutivos da propriedade, ou de algum deles somente, como no caso de direito real sobre a propriedade alheia. Diante dessa previsão legal, tem-se a subordinação da posse à propriedade, pois aquela é reduzida à aparência desta. Tal concepção, entretanto, não condiz com as noções de função social, de direito à moradia e de garantia da dignidade da pessoa humana, consagrados constitucionalmente, os quais exigem a adoção de uma ideia autônoma sobre a posse. Com efeito, a posse é um direito autônomo, que não está subordinado ao direito de propriedade e nem se reduz à sua exteriorização. Pela consagração da função social da posse, esta se fortalece, permitindo que, em alguns casos e diante de certas circunstâncias, venha a preponderar sobre o direito de propriedade, em atenção à superior previsão constitucional do direito à moradia (art. 6º, Constituição Federal) e ao acesso aos bens mínimos hábeis a conceder dignidade à pessoa humana. Dessa forma, ao se tutelar a posse, busca-se valorizar o sujeito que de fato exerce os poderes inerentes ao domínio, mesmo que não seja o seu titular, protegendo aquele que explora economicamente a coisa, seja trabalhando, seja residindo no bem possuído. Anote-se que ao possuidor, cuja posse não esteja em conformidade com os deveres que lhe são constitucionalmente impostos, não é deferida a tutela processual da posse. O próprio Código Civil, em consonância aos princípios constitucionais e à previsão de figuras especiais de usucapião nos arts. 183 e 191 da Constituição Federal de 1988, traz disposições que valorizam a posse-trabalho, p. ex., nos arts. 1.238, parágrafo único, e 1.242, parágrafo único, que reduzem o prazo do usucapião nos casos de posse qualificada pela moradia ou por investimento de interesse socioeconômico, e o art. 1.228, §§ 4º e 5º, que trazem a modalidade de desapropriação judicial privada por posse-trabalho. E, no mesmo sentido, tem-se o art. 1.240-A, introduzido ao texto do Código Civil pela Lei nº 12.424/2011, o qual defere a aquisição do pleno domínio ao ex-cônjuge ou ex-companheiro que permaneça residindo no imóvel de propriedade comum do casal, após o abandono do lar pelo outro, fazendo, do bem, sua moradia e de sua família. Portanto, para o ordenamento jurídico brasileiro, o possuidor não se encontra subordinado ao direito de propriedade, pois a posse é um direito individual e autônomo que, se exercido de forma a assegurar o mínimo essencial para a sobrevivência digna do seu titular e de sua família, pode se sobrepor ao direito do proprietário desidioso que não outorga ao seu bem destinação útil e social. A proteção de que goza a propriedade deve igualmente abranger a posse, pois tanto uma quanto a outra servem de veículo para que o homem alcance grau superior em termos de qualidade de vida, indiferentemente seja ela exercida sobre bem móvel ou imóvel, urbano ou rural. Dessa forma, em situações nas quais há o abandono do bem pelo seu titular – ou por um dos cotitulares –, e, diante disso, terceiro – ou o outro cotitular – passa a exercitar ingerência socioeconômica plena e exclusiva sobre o bem, tornando-se seu único possuidor, cria-se uma tensão entre posse e propriedade, a qual será por vezes solucionada pela lei – p. ex., usucapião – ou pela ponderação dos interesses conflituosos realizada pelo magistrado. Em qualquer hipótese, buscar-se-á a preponderância do interesse social, inerente à coletividade, sobre aquele de caráter meramente individual e particular, como forma de se assegurar a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia.

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O artigo 1.196 do Código Civil adotou a teoria objetiva da posse, que considera possuidor aquele que exerce de fato algum dos poderes inerentes à propriedade. No entanto, essa concepção não condiz com as noções de função social, direito à moradia e garantia da dignidade da pessoa humana, consagrados constitucionalmente. Assim, a posse é um direito autônomo, que não está subordinado ao direito de propriedade e nem se reduz à sua exteriorização. A proteção de que goza a propriedade deve igualmente abranger a posse, pois tanto uma quanto a outra servem de veículo para que o homem alcance grau superior em termos de qualidade de vida, indiferentemente seja ela exercida sobre bem móvel ou imóvel, urbano ou rural.

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