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JOSIANE ARAÚJO GOMES Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Direito das Famílias pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Gestão Pública em Saúde pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). Usucapião Familiar Pro Morare: Aspectos Jurídicos e Práticos © Josiane Araújo Gomes EDITORA MIZUNO 2021 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG) G633u Gomes, Josiane Araújo. Usucapião familiar pro morare: aspectos jurídicos e práticos / Josiane Araújo Gomes. – Leme, SP: Mizuno, 2021. 185 p. : 16 x 23 cm ISBN 978-65-5526-239-1 Inclui referências. Inclui índice alfabético remissivo. 1. Usucapião – Brasil. 2. Direito civil. 3. Processo civil – Brasil. I. Título. CDD 347.81 Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422 Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial destes textos, inclusive a produção de apostilas, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, reprográficos, de fotocópia ou gravação. Qualquer reprodução, mesmo que não idêntica a este material, mas que caracterize similaridade confirmada judicialmente, também sujeitará seu responsável às sanções da legislação em vigor. A violação dos direitos autorais caracteriza-se como crime incurso no art. 184 do Código Penal, assim como na Lei n. 9.610, de 19.02.1998. O conteúdo da obra é de responsabilidade dos autores. Desta forma, quaisquer medidas judiciais ou extrajudiciais concernentes ao conteúdo serão de inteira responsabilidade dos autores. Todos os direitos desta edição reservados à JH MIZUNO Rua Benedito Zacariotto, 172 - Parque Alto das Palmeiras, Leme - SP, 13614-460 Correspondência: Av. 29 de Agosto, nº 90, Caixa Postal 501 - Centro, Leme - SP, 13610-210 Fone/Fax: (0XX19) 3571-0420 Visite nosso site: www.editorajhmizuno.com.br e-mail: atendimento@editorajhmizuno.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil SUMÁRIO APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 1 Dissolução do Casamento e da União Estável: Aspectos Pessoais e Patrimoniais 1.1 Da Entidade Familiar: Amplitude, Formação e Dissolução 1.2 Culpa pela Dissolução da Entidade Familiar e a Emenda Constitucional nº 66/2010 1.3 Consequências da Separação de Fato dos Cônjuges 1.4 Regime de Bens e a Partilha do Patrimônio Comum CAPÍTULO 2 Da Possibilidade de Usucapião entre Cônjuges ou Companheiros Antes do Advento do Art. 1240-A 2.1 Funções Sociais da Propriedade e da Posse 2.2 Da Aquisição da Propriedade por Usucapião 2.2.1 Aspectos Gerais 2.2.2 Da Posse Ad Usucapionem 2.2.3 Do Tempo 2.2.4 Da Possibilidade de Interversão da Posse 2.2.5 Da Configuração de Usucapião entre Condôminos 2.3 Da Ocorrência de Usucapião entre Ex- Cônjuges ou Ex-Companheiros 2.3.1 Da Comunhão de Direito de Propriedade entre Cônjuges ou Companheiros 2.3.2 Posicionamentos Contrários à Ocorrência de Usucapião 2.3.3 Posicionamentos Favoráveis à Ocorrência de Usucapião CAPÍTULO 3 Usucapião Familiar Pro Morare 3.1 Considerações Iniciais 3.2 Constitucionalidade do Art. 1.240-A do Código Civil 3.3 Posses Iniciadas Antes do Advento do Art. 1.240-A 3.4 Requisitos do Usucapião Familiar Pro Morare 3.4.1 Possuidor Legitimado 3.4.2 Área Usucapível 3.4.3 Posse Exigível 3.4.4 Prazo da Posse 3.4.5 Abandono do Lar 3.5 Reflexos Quanto ao Regime de Bens 3.6 Aspectos Processuais do Usucapião Familiar Pro Morare 3.6.1 Juízo Competente 3.6.2 Petição Inicial e Procedimento 3.6.3 Prova 3.6.4 Sentença: Natureza e Registro 3.6.5 Usucapião Familiar Pro Morare em Defesa 3.6.6 É Possível o Reconhecimento Extrajudicial do Usucapião Familiar Pro Morare? 3.7 Usucapião Familiar pro Morare e o Direito Fundamental à Moradia CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS APRESENTAÇÃO O estudo ora proposto buscará construir fundamentos teóricos e práticos aptos a justificar a criação da mais recente modalidade de usucapião, à qual se atribui a denominação “usucapião familiar pro morare”, levada a efeito pelo advento da Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, que inseriu o art. 1.240-A ao texto do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/02). Com efeito, o usucapião familiar pro morare se trata de direito novo, haja vista ser a primeira vez que o legislador pátrio dispõe que o abandono do lar pelo ex-consorte ou ex-convivente possa levar à consequência jurídica de usucapião em favor daquele que permaneça no imóvel, utilizando-o como sua moradia. Em razão disso, referido instituto tornou-se alvo de intensas críticas fundadas em interpretações equivocadas dos seus requisitos, dentre as quais se destaca a que identifica o retorno à discussão quanto à culpa pelo término da sociedade conjugal, sob o argumento de que a verificação do abandono do lar pressupõe a perquirição sobre o motivo da separação do casal. Dessa forma, o presente estudo se faz necessário para seja obtido o adequado sentido dos requisitos configuradores do usucapião familiar pro morare e, via de consequência, a sua finalidade enquanto modalidade de aquisição do direito de propriedade: assegurar o direito à moradia a quem, efetivamente, exerça a função social da propriedade, sem levantar qualquer discussão sobre as razões do término da união conjugal e sem alterar qualquer instituto do Direito de Família. Nesse passo, a fim de responder a problemática apresentada, o presente estudo será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, o enfoque da análise serão os aspectos pessoais e patrimoniais da dissolução do casamento e da união estável. Para tanto, proceder- se-á à análise da amplitude, da formação e da dissolução das entidades familiares no sistema jurídico brasileiro. Diante disso, analisar-se-á a adoção do instituto da culpa pelo Direito de Família e a insubsistência de sua discussão após o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010. Analisar-se-á as consequências pessoais e patrimoniais da separação de fato do casal. E, por fim, serão apresentados os diferentes regimes de bens previstos no ordenamento jurídico pátrio, atribuindo especial atenção ao regramento quanto aos bens considerados de propriedade comum entre cônjuges ou companheiros, bem como os efeitos patrimoniais decorrentes da dissolução do casamento ou da união estável, notadamente quanto à partilha do patrimônio comum. Já no segundo capítulo, buscar-se-á constatar se antes da inserção do art. 1240-A ao texto do Código Civil havia a possibilidade de ocorrência de usucapião entre ex-cônjuges ou ex-companheiros. Para tanto, será necessário definir o direito de propriedade a partir de sua função social, responsável pelo rompimento da sua concepção puramente individualista, ao buscar concretizar o bem-estar social, como forma, inclusive, de se garantir o bem- estar individual. Outrossim, será abordada a concepção social do instituto da posse, tendo em vista ser este direito autônomo, que não está subordinado ao direito de propriedade e que não se reduz à sua exteriorização. Em seguida, examinar-se- á o instituto do usucapião, abordando seus diversos requisitos e modalidades, bem como a sua finalidade principal: premiar o atendimento da função social da propriedade e da posse. Após esse ponto, será possível abordar a possibilidade de usucapião entre condôminos. E, por fim, serão analisados os posicionamentos contrários e favoráveis à ocorrência de usucapião entre ex-cônjuges ou ex-companheiros antes do advento do art. 1.240-A. Por sua vez, no terceiro e último capítulo, o enfoque da análise será o usucapião familiar pro morare propriamente dito. Nesse passo, em primeiro lugar será necessário abordar a sua inserção no Código Civil Brasileiro, bem como a sua constitucionalidade. Em seguida, analisar-se-á a sua vigência e, portanto, se referidoinstituto incide em relação aos exercícios possessórios iniciados antes do advento do art. 1.240-A. Em seguida, passar-se-á à análise dos requisitos legais exigidos para a configuração do usucapião familiar pro morare, atribuindo especial atenção quanto ao requisito de abandono do lar, com o intuito de extirpar qualquer interpretação que tenha por fundamento a atribuição de culpa pelo término da vida conjugal, bem como identificar que referida modalidade de prescrição aquisitiva em nada altera o regramento do regime de bens vigente na constância da união. Por fim, buscar- se-á demonstrar que o instituto do usucapião familiar pro morare possui, por finalidade última, concretizar a função social da propriedade e da posse e, principalmente, o direito fundamental à moradia. Em vista disso, para a realização do estudo ora proposto, será necessário, por meio da adoção do método de abordagem hipotético dedutivo, o desenvolvimento de pesquisa teórica e documental. Quanto à pesquisa teórica, esta se faz necessária na medida em que, para a análise do tema propriamente dito – usucapião familiar pro morare –, é imprescindível o conhecimento conceitual e doutrinário acerca dos institutos de Direito de Família e de Direito Real relacionados ao referido tema, bem como a análise dos estudos específicos já desenvolvidos sobre a espécie de prescrição aquisitiva ora em questão. Outrossim, quanto à pesquisa documental, constitui modalidade de pesquisa importante a ser adotada neste trabalho, haja vista que, ao lado da legislação ora em vigor − notadamente o Código Civil −, são as demandas apreciadas pelo Poder Judiciário as responsáveis por suscitar os principais questionamentos relativos ao instituto objeto deste estudo. Diante do exposto, espera-se, ao final deste estudo, identificar o usucapião familiar pro morare não como instituto responsável por fomentar as discussões sobre culpa pela dissolução das uniões conjugais, ou mesmo de impedir qualquer possibilidade de reconciliação do casal, face ao estímulo à formalização do término da entidade familiar. Objetiva-se, portanto, identificá-lo como instituto responsável por concretizar a função social da propriedade e da posse e, principalmente, o direito fundamental à moradia, na medida em que é responsável por atribuir, de forma plena e exclusiva, o direito de propriedade ao ex-cônjuge ou ex- companheiro que permaneça utilizando o imóvel como sua morada, sem qualquer oposição da parte ex adversa que o abandonou de forma definitiva. CAPÍTULO 1 Dissolução do Casamento e da União Estável: Aspectos Pessoais e Patrimoniais 1.1 Da Entidade Familiar: Amplitude, Formação e Dissolução O ser humano é, indiscutivelmente, um ser sociável, pois necessita se organizar em grupos para poder suprir suas necessidades físicas, psíquicas e culturais, em busca de sua realização pessoal. Como estrutura social básica está a família, entendida como a reunião de pessoas ligadas por vínculos sanguíneos e afetivos, a qual é responsável pelo desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, bem como pela construção de suas potencialidades em prol da convivência em sociedade. Logo, a família representa a unidade primária de associação dos indivíduos e, portanto, a unidade fundamental da sociedade. A análise histórica das relações interpessoais exterioriza que, visando estabelecer padrões de moralidade, a fim de promover a harmonia social, houve a imposição, pelo Estado, de diretrizes e proibições a serem observadas na formação da família. 1 Nesse passo, tem-se a institucionalização da entidade familiar, a qual passou a ser identificada apenas com o instituto do casamento. 2 Dessa forma, a partir do intervencionismo estatal, “os vínculos interpessoais, para merecerem aceitação social e o reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio” 3 , o qual, sob as influências da Revolução Francesa (século XVIII), caracterizava-se como sendo patriarcal, hierarquizado e transpessoal, na medida em que tinha por objetivo principal a constituição de patrimônio, em detrimento dos laços afetivos. A identificação da família à união de pessoas pelo casamento esteve presente na legislação pátria desde a instituição da República. De fato, a Constituição Federal de 1891, em seu art. 72, §4º, dispunha que “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”. Já a Constituição Federal de 1934, em seu art. 144, previa que “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”. Assim, o casamento era reconhecido como exclusiva entidade familiar e, como tal, a única idônea a receber proteção do Estado. Em face disso, entende-se por casamento – e, portanto, por família – a união legal entre homem e mulher, celebrado perante o Estado, em observância a normas de ordem pública, que cria família e estabelece comunhão plena de vida com base na imposição de direitos e deveres conjugais. Assim, corresponde à instituição jurídica e social originária das justas núpcias, contraídas por duas pessoas de sexos distintos. “Abrange necessariamente os cônjuges, mas para sua configuração não é essencial a existência de prole”. 4 O Código Civil de 1916 adotou a ideia de identificação da família ao casamento e, por isso, vedava o reconhecimento de quaisquer direitos às relações consideradas espúrias, adulterinas ou concubinárias. Apenas a entidade familiar tida por legítima merecia reconhecimento, o que implicava efeitos à filiação, na medida em que só se admitia o reconhecimento dos filhos nascidos na constância do casamento. Dessa forma, o Estatuto Civil de 1916 impunha a preservação da família matrimonial, na medida em que não se restringia apenas a atribuir responsabilidades aos cônjuges, mas sim interferia na vida íntima do casal, impondo deveres e assegurando direitos de observância obrigatória na constância da união conjugal. Por isso, o casamento era indissolúvel − só se dissolvia com a morte −, sendo desconstituído somente em caso de anulação, para a qual era indispensável a ocorrência de erro essencial ou erro quanto à identidade e/ou personalidade do outro. Nesse passo, os atos de infração aos deveres conjugais, dentre eles o de fidelidade recíproca, davam causa à dissolução da sociedade conjugal pelo desquite, aplicando-se sanções ao cônjuge culpado. Com a decretação do desquite, cessavam-se os deveres conjugais, contudo não se dissolvia o vínculo matrimonial, “o que impedia os desquitados de buscarem reconstruir suas vidas mediante novo casamento”. 5 , 6 Em 1977, com o advento da Lei nº 6.515 – Lei do Divórcio – houve a instituição da dissolubilidade do vínculo matrimonial, a qual era possível desde que houvesse prévia separação judicial – nova designação atribuída ao desquite – por mais de três anos ou separação de fato pelo prazo de cinco anos, se iniciada antes de 1977. Outrossim, a separação judicial consensual só poderia ser requerida pelo casal após dois anos de casados, e o divórcio só viria três anos após o trânsito em julgado da homologação da separação. Ressalte-se que, em sua redação original, a lei previa que o pedido de divórcio, em qualquer de seus casos, somente poderia ser formulado uma única vez (art. 38, da Lei nº 6.515/77). 7 Pelo exposto, verifica-se que, até o advento da Constituição Federal de 1988, a legislação dedicava especial atenção à proteção do vínculo conjugal e da coesão formal da família, em detrimento da realização pessoal dos seus integrantes. Buscava-se a máxima proteção da paz doméstica, considerando-se a família fundada no casamento como um bem em si mesmo, de essencialidade inquestionável. Acreditava- se que as imposições sociais e os mandamentos legais eram capazes de manter os consortes unidos, desconsiderando, pois, serem os vínculos e pactos afetivos íntimos os únicos responsáveis pela instituiçãode comunhão de vidas entre o casal. Contudo, com o advento da Carta Magna de 1988, o conceito de entidade familiar sofreu profundas alterações. Ao estabelecer, como princípio fundamental da República, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o Texto Maior impede a superposição de qualquer estrutura institucional à tutela de seus integrantes, razão pela qual se tem que “o centro da tutela constitucional se desloca do casamento para as relações familiares dele (mas não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros [...]”. 8 Nesse passo, a Constituição Federal de 1988, ao adotar o princípio do pluralismo das entidades familiares, reconheceu, ao lado da família conjugal, a união estável (art. 226, §3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §4º). 9 Ademais, estabeleceu plena igualdade entre homem e mulher no exercício dos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (art. 226, §5º), além de garantir iguais direitos e qualificações aos filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, proibidas quaisquer designações discriminatórias (art. 227, §6º). Dessa forma, a Carta Magna de 1988 foi responsável por promover importante transformação no conceito de família, a qual deixou de ser um organismo preordenado a fins externos, para se tornar “um núcleo de companheirismo a serviços das próprias pessoas que a constituem”. 10 De fato, não cabe ao Estado-legislador criar o fenômeno familiar, mas apenas tutelar as famílias que se formam naturalmente, de modo a proteger a dignidade de seus membros. Portanto, a família representa o ambiente em que cada pessoa busca a sua própria realização, por meio do relacionamento com outra, ou outras, pessoas, não se restringindo apenas ao casamento, estrutura familiar instituída pelo Estado. E, nesse contexto, especificamente quanto à união estável, é inquestionável que a união afetiva livre e informal sempre esteve presente na sociedade, não sendo a ausência de regulamentação legal capaz de impedir a sua constituição. E isto porque a família corresponde a um fato natural, enquanto o casamento se resume apenas a uma convenção social que, por consequência, não abrange todas as espécies de manifestações afetivas. Por isso, ao reconhecer a união estável como entidade familiar, a Carta Magna deixa indene de dúvidas a noção de que “toda e qualquer entidade familiar, seja matrimonializada ou não, merece especial proteção, não se justificando tratamento desigual e discriminatório que, em última análise, implicará em negar proteção à pessoa humana – violando a ratio constitucional”. 11 Diante das alterações introduzidas no Direito das Famílias pela Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 foi responsável por regular a nova concepção de entidade familiar, a qual se caracteriza por ser pluralizada, democrática, igualitária substancialmente, além de representar um instrumento para realização pessoal de seus integrantes. Nesse passo, destaca-se a presença de dispositivos específicos sobre a união estável (arts. 1.723 a 1727) 12 , reconhecendo-a como entidade familiar, caracterizada pela “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (art. 1.723). Ressalte-se, ainda, que a consagração do princípio do pluralismo das entidades familiares pela Constituição Federal de 1988 possibilita reconhecer como entidade familiar toda e qualquer relação pontificada pelo afeto, independentemente da existência de sua previsão em texto legal 13 , inclusive com a atribuição de tratamento isonômico pelo Direito das Famílias − não se restringindo, pois, à produção de reflexos do Direito das Obrigações. Assim, ao lado do casamento, da união estável e da família monoparental – previstas no texto constitucional –, também devem ser reconhecidas como família: a união homoafetiva – união afetiva entre pessoas do mesmo sexo –; a família anaparental 14 – convivência duradoura e contínua entre pessoas que possuam ou não vínculo de parentesco –; a família pluriparental 15 (ou mosaico) – união entre pessoas egressas de outras famílias desfeitas, sendo compostas por filhos unilaterais e comuns –; e a família paralela 16 – concomitância de duas entidades familiares, em que um dos membros de cada união é uma única pessoa. 17 Especificamente com relação à união homoafetiva, cumpre consignar que o Supremo Tribunal Federal, em 05/05/2011, ao julgar a ADI 4277 e a ADPF 132, reconheceu a configuração de união estável para casais do mesmo sexo. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Resp 1183378, em 25/10/2011, proveu recurso de duas mulheres que pleiteavam a habilitação ao casamento civil. E, em vista desse cenário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em 14/05/2013, a Resolução nº 175, que determina aos Cartórios de todo o país que celebrem casamento homoafetivo ou convertam a união estável homoafetiva em casamento civil. Referida Resolução restou redigida nos seguintes termos: “Art. 1º- É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º- A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis”. 18 , 19 Diante desse cenário, tem-se que as pessoas constituem família com o intuito de alcançar sua própria felicidade. E, por consequência, no momento em que a família se torna inviável para a realização desse fim, deve-se ter a possibilidade de sua dissolução. Nesse sentido, a Constituição Federal vigente promoveu alterações no que concerne à dissolução do casamento, instituindo o divórcio direto como regra no §6º, segunda parte, do seu art. 226. Ademais, quanto aos prazos, estabeleceu que o divórcio por conversão pode ser requerido após um ano do trânsito em julgado da decisão de separação judicial, e o divórcio direto, após dois anos de separação de fato. Em face de tal disposição constitucional, o Estatuto Civil de 2002 manteve o sistema dual de dissolução da entidade conjugal, ao determinar, em seu art. 1.571, que o término da sociedade conjugal se dará pela separação judicial (inciso III) e pelo divórcio (inciso IV). A separação pode assumir a forma consensual (art. 1.574) ou litigiosa, sendo esta última dividida em três modalidades: separação-sanção (art. 1.572, caput – discussão sobre culpa); separação- falência (art. 1.572, §1º); separação-remédio (art. 1.572, §2º). Por sua vez, o divórcio pode ser indireto (divórcio por conversão – art. 1.580, caput e §1º) ou direto (art. 1.580, §2º). Diante de tais disciplinamentos legais, verifica-se que, na separação de direito – que pode ser judicial ou extrajudicial 20 –, opera-se a extinção do vínculo entre os cônjuges no que se refere aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca, além de por fim ao regime de bens (art. 1.576). Já quando da decretação do divórcio, há a dissolução do casamento propriamente dito, ocasião em que os consortes se tornam livres para contrair novas núpcias. Referido cenário legal é alvo de inúmeras críticas, notadamente na hipótese de o término do casamento ocorrer consensualmente. De fato, se ambos os consortes querem o fim do matrimônio, por que então esperar um ano de casado para a separação e mais um ano para o divórcio? Já quanto à dissolução litigiosa, não basta apenas a cessação do amor e do afeto e, portanto, da compatibilidade da vida em comum, para que se pretenda a decretação do divórcio, ou é necessária a atribuição de culpa a um dos cônjuges pelo término da sociedade conjugal, a qual deve ser comprovada na competenteação de separação judicial? Em vista de tais discussões, a Emenda Constitucional nº 66, de 14 de julho de 2010, alterou o texto do §6º, do art. 226, da Constituição Federal, suprimindo-lhe a menção quanto à separação judicial e ao prazo de separação de fato para a decretação do divórcio. Sua nova redação estabelece: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Inferem-se, de imediato, duas conclusões: manteve- se o princípio de que o casamento é dissolúvel e que a dissolubilidade do vínculo matrimonial se dá pelo divórcio. Mas, quanto ao instituto da separação, há a sua permanência no ordenamento jurídico brasileiro? Quanto à referida questão, três posicionamentos surgiram na doutrina e na jurisprudência. O primeiro deles, ao afirmar que o art. 226, §6º, é dotado de eficácia imediata e plena, defende a ocorrência da revogação dos dispositivos infraconstitucionais que disciplinam a separação judicial e extrajudicial 21 , pelo que subsistiria apenas o instituto do divórcio, o qual não mais estaria submetido a qualquer prazo de separação de fato para a sua decretação. Tal posicionamento já era defendido mesmo antes da aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010, conforme se verifica nos dizeres de Câmara e Simão 22 , in verbis: “A Proposta de Emenda à Constituição n. 413/2005 propõe exatamente o fim dessa pluralidade procedimental, que se mostra inadequada ao atual contexto jurídico, que tende à simplificação dos procedimentos e principalmente ao fim da discussão de culpa nas ações de dissolução da sociedade conjugal”. O segundo posicionamento defende que a exclusão, do texto constitucional, da menção à separação judicial e ao prazo para decretação do divórcio apenas produz como efeito a permissão, dada ao legislador infraconstitucional, de alterar as normas até então vigentes acerca dos institutos da separação e do divórcio, motivo pelo qual, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, as legislações infraconstitucionais permaneceram intactas e em plena vigência. 23 Por sua vez, o terceiro posicionamento acaba por ficar no meio do caminho entre os dois anteriores. De fato, apesar de afirmar que a Emenda Constitucional nº 66/2010 não foi capaz de suprimir o instituto da separação da ordem jurídica pátria, defende, ao mesmo tempo, a extinção de qualquer requisito ou prazo para a decretação do divórcio. Assim, cabe ao casal que pretenda pôr fim à união escolher entre a separação ou o divórcio, não sendo aquele pré-requisito deste. 24 , 25 Valendo-se de princípios que orientam a hermenêutica constitucional, a conclusão a que se chega é a de que inexiste, após o advento da Emenda nº 66/2010, fundamento constitucional para a manutenção da separação de direito na ordem jurídica pátria, impondo-se, pois, o reconhecimento da revogação dos dispositivos legais que disciplinam referido instituto, conforme defendido pelo primeiro posicionamento acima indicado. Com efeito, de acordo com o princípio da força normativa da Constituição, a “Constituição é uma lei vinculativa dotada de efectividade e aplicabilidade” 26 , vale dizer, a Carta Magna não se resume em ser mero catálogo de diretrizes e de competências que devem ser observadas pelo legislador infraconstitucional, mas sim corresponde a um conjunto de normas – regras e princípios – de aplicabilidade direta e imediata tanto para os entes públicos – Legislativo, Executivo e Judiciário – quanto para os entes privados. Aliás, referido princípio encontra previsão expressa no art. 5º, §1º, do Texto Maior, por meio dos seguintes dizeres: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Logo, aplicando-se, diretamente, a atual disposição do art. 226, §6º, da Constituição Federal, conclui-se ser impositiva a conclusão de que restaram revogadas as disposições legais relativas à separação de direito, pois, caso contrário, estar-se-á negando eficácia ao texto constitucional. 27 Outrossim, o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição vem a corroborar a conclusão alcançada no parágrafo anterior, na medida em que, de acordo com referido princípio, o intérprete, ao se deparar com mais de uma possibilidade de interpretação do texto legal, deve adotar o significado que esteja de acordo com o texto constitucional, promovendo a sua maior e mais efetiva concretização. 28 Nesse contexto, tanto o entendimento de que as legislações infraconstitucionais permaneceram intactas e em plena vigência após o advento da emenda constitucional quanto aquele que defende que a adoção da separação de direito é uma opção do casal, são contrários à Constituição, seja em sua literalidade, seja axiologicamente. Com efeito, a literalidade do art. 226, §6º, dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, ou seja, podem os consortes optar entre se manterem ou não unidos, sendo que, no caso em que decidam pela extinção do vínculo, esta deve ocorrer pelo divórcio, não sendo exigido prazo mínimo de separação nem mesmo a adoção de procedimento pré-divórcio (separação de direito). 29 Outrossim, o art. 226, caput, da Carta Magna, consagra que a “família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, dispositivo este que carrega consigo a concepção de que a entidade familiar é merecedora de tutela apenas enquanto promova o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, motivo pelo qual, deixando de existir o affectio maritalis, deve-se possibilitar o término da união, sem maiores percalços fáticos e/ou jurídicos. Destaca-se, ainda, o princípio da máxima efetividade, segundo o qual “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê” 30 . Logo, concluir que a alteração promovida no texto do art. 226, §6º, da Constituição Federal, não foi capaz de revogar os dispositivos infraconstitucionais que disciplinam a separação de direito é o mesmo que negar efetividade ao texto constitucional, posicionando a legislação ordinária acima da Carta Magna, tornando, pois, inócua a Emenda nº 66/2010, por impedir a sua produção de efeitos sobre a ordem jurídica pátria. Além dessa análise à luz da hermenêutica constitucional, é inconteste que a exigência de prévia separação de direito ou de fato, para que se busque a dissolução do vínculo matrimonial pela decretação do divórcio, traz consigo várias problematizações, tanto de ordem pessoal – desgaste emocional do casal, além da possibilidade de constituição de novos relacionamentos amorosos antes do término jurídico do casamento – quanto de ordem patrimonial – haja vista o estado de comunhão de bens que surge pela união matrimonial. Portanto, a melhor opção a ser adotada pelo legislador infraconstitucional, em face da atual disposição do art. 226, §6º, da Constituição Federal, corresponde à revogação dos dispositivos legais concernentes ao instituto da separação, bem como pela extinção dos requisitos para a concessão do divórcio, o qual deve ter por único fundamento o fim do afeto, ou seja, o fracasso da união conjugal. 31 Entrementes, o atual Código de Processo Civil − Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 − manteve a previsão do sistema dual de dissolução da entidade conjugal, fazendo menção expressa à separação judicial. Tal constatação decorre, notadamente, do seu art. 693, que prevê que as normas dos procedimentos das ações de família são aplicadas aos processos contenciosos de separação. Outrossim, nos arts. 731 a 734, o CPC traz seção específica acerca “Do Divórcio e da Separação Consensuais, da Extinção Consensual de União Estável e da Alteração do Regime de Bens do Matrimônio”. Outrossim, as Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2017, firmaram entendimento no sentido de que a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010 não aboliu a figura da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, mas apenas facilitouaos cônjuges o exercício pleno de sua autonomia privada. 32 Ocorre que referido entendimento, ao privilegiar, de certo modo, a autonomia dos então cônjuges, possibilitando-lhes a escolha entre obter, primeiramente, a extinção da sociedade conjugal ou, de outra forma, obter a imediata extinção do vínculo matrimonial, traz em seu bojo perigosa consequência, qual seja, o renascimento da discussão sobre a culpa pelo término da união conjugal, questão esta sempre aviventada nos processos de separação judicial, além de se traduzir em posicionamento que contraria a força normativa da Constituição, impedindo, em última análise, a máxima efetividade do texto constitucional. Por fim, ainda sobre a temática acerca da desconstituição dos vínculos familiares, cumpre analisar a hipótese de dissolução da união estável. Nesse caso, verifica-se que, ao contrário da dissolução do vínculo matrimonial, inexiste qualquer formalidade ou requisito para o rompimento do vínculo de companheirismo, haja vista ser aquela uma situação de fato. Dessa forma, basta o rompimento da convivência pública, contínua e duradoura, bem como do objetivo de constituição de família, para que se tenha o término da união estável. Portanto, a mesma liberdade de autodeterminação que leva as pessoas a optarem por viver uma união livre, sem se submeterem às solenidades legais impostas ao casamento, também lhes permite romper, a qualquer tempo, referida união, independentemente da discussão ou atribuição de responsabilidade pelo fim da relação afetiva. Contudo, visando à partilha do patrimônio adquirido a título oneroso na constância da relação convivencial – em face da incidência do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do Código Civil) –, torna-se necessário o ajuizamento de ação declaratória de reconhecimento e dissolução de união estável, seja por mútuo consenso 33 ou por provocação de apenas um dos interessados 34 , ou mesmo apenas a lavratura de escritura pública de dissolução de união estável, caso a ruptura da união seja consensual e sem a presença de filhos incapazes. 35 Ademais, verifica-se que a via judicial também se faz necessária quando há discussão acerca da fixação de prestação alimentícia 36 e da guarda dos filhos. 1.2 Culpa pela Dissolução da Entidade Familiar e a Emenda Constitucional nº 66/2010 O casamento, como instituto personificador da família, sempre esteve sob a influência da religião, o que o tornou, desde a sua origem, um ato religioso. Passou a ser identificado como ato civil, no Brasil, somente a partir de 1889, após a Proclamação da República e a laicização do Estado, o que, contudo, não eliminou a influência dos dogmas católicos sobre a ordem jurídica pátria, sendo a sua principal evidência a manutenção do princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial até 1977, ano este em que o divórcio foi regulamentado pela Lei nº 6.515. Nesse passo, para que se instalasse a plena comunhão de vida entre os consortes e, por consequência, o entrelaçamento definitivo do casal, foram previstos, pelo legislador, direitos e deveres recíprocos, de observância obrigatória, cuja infringência acarretava a perda de direitos e a imposição de sanções de índole civil e penal. Foram expressamente enumerados pelo Código Civil de 1916, em seu art. 231, in verbis: Art. 231. São deveres de ambos os cônjuges: I. Fidelidade recíproca. II. Vida em comum, no domicílio conjugal (art. 233, nº IV, e 234). III. Mutua assistência. IV. Sustento, guarda e educação dos filhos. Todavia, a previsão de deveres matrimoniais bilateralmente impostos não é capaz de promover a unidade e a indissolubilidade do casamento, haja vista ser inquestionável que a “inseparabilidade forçada do casal não conduzia à felicidade, além de gerar inúmeros problemas no lar, como a violência entre os integrantes da família”. 37 Por isso, em um primeiro momento, permitiu-se o desquite, na modalidade consensual ou litigiosa, previstas nos arts. 317 e 318 do Código Civil de 1916. Logo, estando os cônjuges de acordo com o término da sociedade conjugal, tinham em mãos o desquite consensual, desde que casados há mais de dois anos. Caso contrário, caberia ao cônjuge que quisesse o fim do enlace conjugal pleitear o desquite litigioso, o qual era permitido nas taxativas hipóteses de adultério, tentativa de morte, sevícias ou injúria grave e abandono voluntário do lar por mais de dois anos contínuos. Restava, pois, consagrada na legislação pátria, a figura da culpa como elemento propulsor da dissolução da sociedade conjugal. 38 Com o advento da Lei nº 6.515/77, torna-se possível a dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio e o até então conhecido desquite recebe a designação de separação. Nesse passo, verifica-se a mitigação da discussão quanto à culpa pelo término da sociedade conjugal, haja vista que, ao lado da separação-sanção (art. 5º, caput) – associada à figura da culpa – também foram insculpidas as modalidades de separação-remédio (art. 5º, §2º) – associada à existência de doença incurável que torna impossível o convívio conjugal – e de separação-falência – associada à constatação fática da falência do casamento (art. 5º, §1º) – sendo a ruptura do vínculo, nestes dois últimos casos, “o único meio ou remédio para se minorar o drama em que se tornou a convivência familiar”. 39 Contudo, com relação à questão patrimonial, a culpa se fazia presente nas três modalidades de separação judicial, haja vista que aquele que pleiteava a dissolução da sociedade conjugal sofria uma perda patrimonial em benefício do outro consorte (art. 5º, §3º). Com o advento da Constituição Federal de 1988 e, por decorrência, do Código Civil de 2002, houve a redução, ainda maior, do papel da culpa para a dissolução da sociedade conjugal, a qual, contudo, ainda se fez presente. Em primeiro lugar, há a consagração da possibilidade da decretação do divórcio independente de prévia separação judicial, desde que comprovada a separação de fato dos cônjuges por mais de dois anos (art. 1.580, §2º, do Código Civil) e, portanto, sem a discussão quanto ao motivo ensejador da ruptura matrimonial. Quanto à separação judicial, permaneceram as três modalidades já previstas na Lei nº 6.515/77, conforme se verifica no art. 1.572, in verbis: Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum. § 1o A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. § 2o O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável. § 3o No caso do parágrafo 2o, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal. No que se refere às consequências imputadas ao cônjuge considerado culpado pela dissolução do casamento, previstas no Código Civil de 2002, a primeira diz respeito à perda do direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e que a alteração não lhe acarrete evidente prejuízo para a sua identificação, manifesta distinção entre o seu nome de família e os dos filhos havidos da união dissolvida, ou dano grave reconhecido na decisão judicial (art. 1.578, caput e incisos I a III). Como segunda consequência, tem-se a perda do direito à percepção de alimentos pelo cônjuge culpado, conforme estabelece o art. 1.704, do Código Civil, in verbis: Art. 1.704.Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência. Traçados os aspectos normativos, há, então, que se definir o que se entende por culpa pela dissolução da sociedade conjugal. A culpa tem sua origem fincada no âmbito da responsabilidade civil, sendo reconhecida, pelos juristas da modernidade, como sua categoria nuclear, ao ser delineada como o “mau uso da liberdade individual” 40 . Por isso, afirma-se que a “averiguação, identificação e apenação de um culpado só têm significado quando o agir de alguém coloca em risco a vida ou a integridade física, moral, psíquica ou patrimonial de outra ou de outras pessoas, ou de algum bem jurídico tutelado pelo direito”. 41 No âmbito do direito das famílias, a culpa 42 diz respeito ao descumprimento dos deveres conjugais 43 , que vem a permitir, ao cônjuge inocente, a propositura de ação de separação judicial, imputando ao outro consorte a culpa pela falência da sociedade conjugal e, por consequência, a imposição de sanções. Nesse passo, verifica-se que a discussão sobre culpa possui como fundamento apenas o de justificar o término do matrimônio e o consequente pedido de separação, em nada protegendo a família enquanto ainda vigente, haja vista que, conforme afirma Papin 44 : os deveres atinentes ao casamento não permitem que seu adimplemento seja exigido judicialmente. Não há a possibilidade de se ajuizar ação visando o cumprimento dos deveres conjugais, o que os torna inócuos em relação à justificativa de sua própria existência e de sua manutenção no ordenamento jurídico: a preservação e a proteção da entidade familiar, passando a ocupar importante lugar apenas no campo da moral. Dessa forma, a adoção da culpa pelo Direito de Família tem, como único propósito, a identificação de um comportamento causador de dano que, por si só, se exterioriza por ser injusto e que, portanto, leva à dissolução da sociedade conjugal. Ou seja, visa imputar a um dos cônjuges a responsabilidade pelo término da união, a qual se concretiza pela violação dos deveres conjugais considerados, pela lei, necessários para a estabilidade conjugal. Contudo, referida noção apresenta sua primeira falha nos casos em que se verifica a violação dos deveres conjugais por ambos os cônjuges. Qual a relevância da apuração da culpa quando ambos os consortes deixam de observar qualquer dos deveres recíprocos estabelecidos pela lei? Tal situação não demonstra, em suma, que a dissolução do casamento se faz necessária devido ao fracasso da união conjugal, sem se perquirir sobre culpa? Outra questão palpitante diz respeito à existência de um motivo originário que leva à violação de algum dever conjugal. Por exemplo, pode ocorrer que um dos cônjuges passe a tratar o outro de forma indiferente, com frieza, sem o reconhecer como seu companheiro; em face disso, este acaba conhecendo outra pessoa, com a qual tem um relacionamento amoroso, violando, assim, o dever de fidelidade recíproca. Neste caso, de acordo com a legislação vigente, cabe ao cônjuge “traído” buscar a separação judicial, imputando ao outro a culpa pela dissolução da sociedade conjugal, pela caracterização do adultério. Mas, será que a violação do dever de fidelidade recíproca não teve como causa o fracasso do casamento já configurado anteriormente? E, assim, cabe culpar apenas o consorte “traidor” pelo término do matrimônio? Ademais, a adoção da ideia de culpa apenas se faz presente na hipótese de separação judicial litigiosa (separação-sanção), não sendo objeto de análise quando da ocorrência do divórcio direto. Aliás, para a decretação deste, não mais existe sequer a exigência de separação de fato do casal por mais de dois anos, devido à alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 66/2010. Assim, como sustentar a permanência da culpa pelo término do casamento, se a Carta Magna não traz qualquer requisito ou condição para a decretação do divórcio? Em vista das indagações acima elencadas, bem como considerando a abordagem constitucional acerca da entidade familiar, verifica-se a insubsistência da discussão sobre culpa para a dissolução do vínculo conjugal. 45 Com efeito, na ordem jurídica pátria vigente, a sociedade familiar é merecedora de tutela enquanto promova, efetivamente, o desenvolvimento digno das potencialidades de seus membros. Deixando de existir situação de afeto mútuo e de comunhão espiritual, não mais existirá a família, pouco importando a possível ocorrência de ofensa a qualquer dos deveres conjugais previstos na legislação e, outrossim, da atribuição de culpa a qualquer dos consortes, para que se tenha a declaração de dissolução da união conjugal. 46 Portanto, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 reconhece a família como instrumento para a realização pessoal dos seus membros, devendo ser ambiente democrático e marcado pela característica da confiança mútua, tem- se como necessária a possibilidade de dissolução da união matrimonial sem que se perquira acerca do responsável pelo seu término 47 , haja vista que a investigação sobre a culpa em nada contribui para a dissolução do casamento, mas, muito pelo contrário, prorroga a situação de conflito e tensões familiares. Tal problemática, contudo, permanece para aqueles que mantêm o instituto da separação de direito vigente mesmo após o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010 – entendimento este adotado pelo Superior Tribunal de Justiça a partir dos REsp nº 1.247.098/MS e REsp nº 1.431.370/SP –, o que, conforme visto no item anterior, contraria a literalidade do art. 226, §6º, da Carta Magna, privando referido dispositivo constitucional de sua plena eficácia e efetividade. Dessa forma, a “função serviente da família como formação social implica o não merecimento de tutela do seu prosseguimento quando se ponha, em concreto, em insanável contraste com o desenvolvimento da personalidade de um de seus membros” 48 . Destarte, há a substituição da noção de culpa pela noção de ruptura, sendo que o grupo familiar somente é tutelado na exata medida em que for capaz de preservar a dignidade de seus membros. 1.3 Consequências da Separação de Fato dos Cônjuges Ao lado das modalidades previstas no Código Civil para o término da sociedade conjugal (art. 1.571), verifica-se a ocorrência, no âmbito social, de situação que, apesar de não estar diretamente disciplinada no sistema normativo, produz efeitos jurídicos equivalentes à dissolução do casamento: a separação de fato. Por separação de fato entende-se a cessação da vida em comum pelos cônjuges, sem que, para tanto, seja tomada qualquer providência, judicial ou extrajudicial, para por fim ao vínculo matrimonial. Dessa forma, apesar de formalmente casados, os consortes não mais comungam dos mesmos planos de vida, devido ao término do affectio maritalis, surgindo, pois, a posse do estado de separado. Contudo, “não há como se pretender que a separação de fato seja também considerada forma de dissolução da sociedade conjugal, levando em conta a circunstância da necessidade da formalização de tal ruptura, tal como se exigiu na constituição dela própria”. 49 Destarte, tem-se que a separação de fato evidencia o reconhecimento da teoria da aparência no âmbito conjugal, na medida em que há a atribuição de consequências jurídicas – de caráter pessoal e patrimonial – a uma situação fática – separação do casal. Entrementes, é inquestionável que a ruptura da união é a responsável pela produção dos efeitos decorrentes da dissolução dasociedade conjugal, razão pela qual afirma Dias 50 , in verbis: Não obstante o rompimento da sociedade conjugal se dê mediante a separação e o divórcio, é a separação de fato que, realmente, põe fim ao matrimônio. Todos os efeitos decorrentes da nova situação fática passam a fluir da ruptura da união. Quando cessa a convivência, o casamento não gera mais efeitos, faltando apenas a chancela estatal. O casamento nada mais produz, porque simplesmente deixou de existir. Não há mais sequer o dever de fidelidade, a impedir a constituição de novos vínculos afetivos. Tanto isso é verdade que os separados de fato podem constituir união estável. Só há proibição de casar. Em vista disso, verifica-se que a separação de fato é marcada pela existência de alguns requisitos para a sua configuração. O primeiro deles é a existência de casamento válido 51 , na medida em que, posteriormente à separação de fato, deve ocorrer a separação de direito e/ou o divórcio para que se tenha a dissolução do vínculo conjugal. Nesse passo, não há que se cogitar em separação de fato quando a relação familiar seja uma união estável, haja vista que, nesta hipótese, a única forma de ruptura da união é pela cessação da convivência. Como segundo requisito para a constatação da separação de fato, tem-se o término da comunhão de vidas, o qual deve ser verificado nas três esferas do relacionamento conjugal: física (débito conjugal), financeira (mútua assistência material) e espacial (domicílio conjugal). Assim, havendo a separação de corpos do casal, bem como o rompimento da solidariedade conjugal e a extinção de qualquer sentimento afetivo que una os consortes, ter-se-á, portanto, a dissolução fática da sociedade conjugal. Nesse passo, desse segundo requisito configurador da separação de fato, decorrem outros dois, de ordem subjetiva: a impossibilidade de manutenção da vida em comum e a dissolução do affectio maritalis. Com efeito, resta impossibilitada a permanência da comunhão de vidas quando os cônjuges – ou apenas um deles – não mais queiram permanecer unidos, seja pela divergência dos interesses, ou mesmo pela perda do sentimento afetivo anteriormente existente, ou qualquer outra situação pessoal que impeça, portanto, a conservação da entidade familiar. Outrossim, tal hipótese vem a caracterizar a extinção do affectio maritalis, na medida em que, para a constituição do casamento, é necessário o ânimo de constituir uma família: inexistindo um projeto familiar, a troca de afetos, a soma de objetivos comuns, não mais restará instituído o casamento. 52 Como quinto requisito caracterizador da separação de fato, a doutrina elenca o lapso temporal de separação fática. Gama afirma que, “de acordo com o sistema jurídico introduzido pela Lei nº 8.408/92 – e mantido no Código Civil de 2002 –, deve ser o de um ano de não-convivência ininterrupta, diante da possibilidade de obtenção da separação-falência após separação de fato por, pelo menos, um ano” 53 . Contudo, com a devida vênia ao entendimento defendido por referido autor, constata-se não ser possível considerar a necessidade de rompimento da convivência pelo prazo mínimo de um ano para a configuração da separação de fato. Com efeito, verifica-se que o Código Civil, em seu art. 1.723, §1º, menciona a possibilidade de constituição de união estável por pessoa casada, desde que esta esteja separada de fato ou judicialmente, não mencionando, quanto à separação de fato, a observância de qualquer prazo para a sua verificação. Outrossim, considerando que a Emenda Constitucional nº 66/10 eliminou qualquer pressuposto para a dissolução do casamento pelo divórcio, tem-se por contraditório permitir a decretação do divórcio a qualquer tempo e, para a configuração da separação de fato, a cessação da convivência pelo prazo de um ano. Em vista disso, por ser uma situação fática, verifica-se ser muito mais importante para a configuração da separação de fato a continuidade e a notoriedade da não convivência do que a mera observância de certo transcurso de tempo. Com efeito, a inexistência de reconciliação do casal – até que ocorra a dissolução jurídica do casamento ou a constituição de união estável –, bem como o reconhecimento, pelo grupo social do qual o casal faça parte, de que não estejam mais unidos, exteriorizam o término do affectio maritalis e da comunhão de vidas e, assim, permite-se reconhecer a separação de fato dos cônjuges. 54 Como último requisito para que se tenha a separação de fato, é citada a falta de justo motivo para a separação. De fato, é comum existirem casais que, por motivos profissionais, venham a residir em cidades diferentes, o que, contudo, não significa o término do ânimo de constituir família, por permanecer acesa a comunhão de vidas entre eles. Logo, havendo motivo para a separação espacial do casal – trabalho, doença, opção etc. – não há que se falar em dissolução fática da sociedade conjugal. Traçados os requisitos configuradores da separação de fato, é possível delinear os efeitos pessoais e patrimoniais que dela decorrem. Ressalte- se, desde já, que referidos efeitos ficam condicionados à posterior dissolução jurídica da sociedade conjugal, pois, caso desapareçam quaisquer dos requisitos caracterizadores da separação de fato – p. ex., ocorra a reconciliação do casal – ter-se-á por restabelecida a vigência do casamento. Nesse passo, quanto aos efeitos pessoais da separação de fato, cabe ressalvar que tal situação fática não produz qualquer alteração no estado civil dos consortes, os quais, portanto, permanecem casados. Contudo, referido aspecto não impede a constituição de novas entidades familiares, haja vista que, conforme preconiza o art. 1.723, §1º, do Código Civil, a união estável se constituirá no caso de a pessoa casada se achar separada de fato. 55 Outrossim, a separação de fato do casal extingue os deveres de coabitação e fidelidade recíproca 56 . Com efeito, para a sua caracterização, é necessário o rompimento da comunhão de vidas e, portanto, a cessação da convivência do casal sob o mesmo teto e do débito conjugal. Aliás, é devido a não mais subsistirem referidos deveres conjugais que o cônjuge separado de fato pode constituir união estável. Por sua vez, quanto aos efeitos patrimoniais da separação de fato, verifica-se a antecipação do término do regime de bens entre os cônjuges, o qual terá solução definitiva de continuidade quando da dissolução da sociedade conjugal (por morte, separação judicial, divórcio ou invalidação do casamento). Há quem afirme ainda mais, considerando que a cessação da vida em comum, por si só, leva ao rompimento do regime de bens 57 . Nesse sentido, afirma Dias, in verbis: Apesar do que dizem os arts. 1.575 e 1.576, é a data da separação de fato que põe fim ao regime de bens. Este é o marco que finaliza, definitivamente, o estado patrimonial, não tendo nenhuma relevância que seja um período de tempo prolongado. A partir de então, o patrimônio adquirido por qualquer dos cônjuges não se comunica. Dessa forma, após a separação de fato, embora não decretada a separação de corpos nem oficializada a separação jurídica ou o divórcio, os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges só a ele passam a pertencer, ainda que se mantenham legalmente na condição de casados. 58 Diante de tais considerações, tem-se que a separação fática do casal é responsável por impedir a produção futura de qualquer efeito decorrente do regime de bens até então vigente entre os cônjuges. Dessa forma, após o rompimento da convivência, os bens adquiridos individualmente, a título oneroso ou gratuito, por um dos consortes, não mais se comunicam ao outro, cessando, pois, a comunhão de bens. 59 Nesse passo, a fim de evitar a ocorrência de enriquecimento sem causa, deve-se reconhecer a cessação da comunhão de bens no momento em que se dá o rompimento da convivência pelo casal. Com efeito, tal orientaçãoé expressamente consagrada pelo Código Civil, quando disciplina o regime de participação final nos aquestos, em seu art. 1.683, nos seguintes termos: “Na dissolução do regime de bens por separação judicial ou por divórcio, verificar- se-á o montante dos aquestos à data em que cessou a convivência”. Em vista disso, a separação de fato do casal também é responsável por romper o estado de indivisão patrimonial decorrente do regime de bens, situação essa denominada de mancomunhão. Com efeito, na constância do casamento e, portanto, na vigência do regime de bens, o patrimônio adquirido, seja em conjunto ou isoladamente – neste último, no caso de regime de comunhão universal de bens – é de ambos os cônjuges, não existindo divisão por quotas. Advindo a separação fática dos consortes, ter-se-á a divisão do patrimônio em meações e, assim, a situação de mancomunhão será substituída pela de condomínio. 60 Ressalte-se, contudo, que, para efeito de registro de imóveis, o desaparecimento do estado de mancomunhão produzido pela separação de fato não produz efeito, sendo necessária, pois, a efetivação da partilha de bens. Isto porque a separação fática não altera o estado civil dos cônjuges, os quais permanecem casados perante o Cartório de Registro de Imóveis, razão pela qual a alienação de algum bem imóvel que componha o patrimônio do casal, por apenas um dos consortes, dependerá da anuência do outro com sua outorga marital ou uxória, conforme o caso. 1.4 Regime de Bens e a Partilha do Patrimônio Comum Conforme já delineado neste estudo, do casamento e da união estável decorrem efeitos jurídicos que geram consequências tanto no âmbito pessoal quanto no campo material (patrimonial). Especificamente no que diz respeito aos efeitos econômico-financeiros, tem-se que a união conjugal é marcada pela formação de um patrimônio que decorrerá, em geral, do esforço comum dos consortes, haja vista a presença dos deveres de mútua assistência e de sustento. Nesse passo, com o intuito de estabelecer regras específicas acerca da formação e da gestão do patrimônio conjugal, é que surgem as normas concernentes aos regimes de bens entre os cônjuges. Por regime de bens entende-se o “estatuto patrimonial dos consortes” 61 , uma vez que consiste no conjunto de regras aplicáveis à sociedade conjugal É no que concerne aos seus interesses patrimoniais. É responsável por regular todos os efeitos financeiros decorrentes do matrimônio/união estável, englobando, pois, a definição da propriedade dos bens – haja vista a existência de bens anteriores privativos de cada um dos consortes e de bens adquiridos na constância da união –, a administração, a fruição e a disponibilidade desses bens, bem como a responsabilidade civil dos cônjuges/companheiros perante terceiros. Outrossim, o regime de bens também é responsável por regular outra questão, de crucial importância para o tema central deste estudo, que consiste na liquidação patrimonial do casamento/união estável devido à sua dissolução. Com efeito, em todos os regimes de bens – com exceção do regime de separação de bens (salvo no caso de separação legal de bens) – o término do matrimônio/união estável gera consequências financeiras, em face da existência de patrimônio comum. Dessa forma, existindo patrimônio, é necessário proceder-se à sua partilha. Assim, para que seja possível compreender o modo como se dará a partilha de bens em razão da dissolução do casamento ou da união estável, necessário se faz traçar as diretrizes gerais das espécies de regime de bens previstas na legislação em vigor. Nesse passo, verifica-se que a ordem jurídica pátria é marcada pela variedade de regimes de bens, na medida em que disponibiliza aos nubentes quatro espécies distintas: o da comunhão universal; o da comunhão parcial; o da separação de bens; e o da participação final nos aquestos. Outrossim, o casal não se encontra vinculado às espécies legais, podendo combiná-las de forma a obter um regime misto ou especial, bem como estipular cláusulas particulares (art. 1.639, do Código Civil) – desde que não contrariem os princípios de ordem pública –, o que se torna concretizável, no casamento, por meio do pacto antenupcial (arts. 1.653 a 1.657, do Código Civil), e na união estável, pelo contrato de convivência (art. 1.725). Ressalte-se, ainda, que, no que se refere à vigência do regime de bens, tem-se o seu termo inicial na data da celebração do casamento (art. 1.639, §1º) ou quando do início da convivência na forma do art. 1.723, salvo posterior lavratura de escritura pública disciplinando o regime de bens adotado pelo casal. 62 Diante desse cenário, primeiramente, no que se refere ao regime da comunhão universal de bens − que era, até a entrada em vigor da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), o regime legal supletivo −, tem-se que acarreta a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas (art. 1.667, do Código Civil), excetuando-se, apenas, aqueles que possuem efeitos personalíssimos ou que a sua própria natureza impossibilite a comunhão, elencados no art. 1.668 do Código Civil. Assim, tal regime instaura verdadeiro estado de indivisão dos bens, passando a ter cada consorte o direito à metade ideal do patrimônio comum, razão pela qual é possível afirmar que, sob a vigência deste regime de bens, ter-se-á o perfeito estado de mancomunhão (propriedade em mão comum) entre os cônjuges. Já quanto ao regime da comunhão parcial de bens, tem-se que consiste no regime legal supletivo, haja vista que, “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial” (art. 1.640, caput, do Código Civil). Do mesmo modo, “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens” (art. 1.725, do Código Civil). Tal regime caracteriza- se pela comunicação dos bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento/união estável (art. 1.658, do Código Civil), desde que: sejam adquiridos a título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; sejam adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; sejam adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; consistam em benfeitorias realizadas em bens particulares de cada cônjuge; e consistam nos frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão (art. 1.660, do Código Civil). Desse modo, verifica-se a constituição de três massas patrimoniais distintas: o patrimônio particular de cada consorte e o patrimônio comum do casal. Somente com relação aos bens comuns é que se terá o estado de mancomunhão, haja vista formarem “uma massa patrimonial que pertence globalmente a ambos os cônjuges, representando uma comunhão sem cotas, ou seja, o patrimônio não se reparte entre os cônjuges por cotas determinadas”. 63 Por sua vez, o regime da separação de bens caracteriza-se pela incomunicabilidade dos bens, tanto dos já existentes anteriormente ao casamento quanto dos adquiridos na constância da união, razão pela qual se verifica a existência de apenas duas massas patrimoniais, consistentes no patrimônio particular de cada cônjuge/companheiro. Dessa forma, adotado o regime da separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos consortes, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real (art. 1.687, do Código Civil), o que, contudo, não exclui a obrigação, atribuída a ambos os cônjuges/companheiros, de contribuírem para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial (art. 1.688, do Código Civil). 64 A adoção de tal regime pode se dar de modo convencional– separação convencional de bens –, ou ser imposta pela lei, nas hipóteses taxativas do art. 1.641 do Código Civil 65 – separação legal (ou obrigatória) de bens. E, especificamente com relação ao regime da separação legal de bens, cumpre fazer duas observações. A primeira diz respeito à possibilidade de constituição de um patrimônio comum ao longo da convivência do casal − tendo em vista que a adoção do regime da separação de bens não foi uma escolha, mas sim uma imposição legal −, que tornará necessária a sua partilha na hipótese de dissolução da união conjugal, sob pena de enriquecimento sem causa por parte de apenas um dos consortes. Inclusive, referida conclusão restou consolidada no texto da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. 66 A segunda diz respeito à controvérsia existente quanto à possibilidade ou não de imposição do regime da separação obrigatória de bens na união estável, na hipótese de um dos companheiros ter idade superior a setenta anos. Tal questionamento surge em razão de que o art. 1.641 faz alusão expressa apenas ao casamento e, assim, por limitar a autonomia dos consortes, não poderia, a princípio, ser estendida para a união estável. 67 Entretanto, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a imposição do regime da separação obrigatória de bens se estende à união estável quando ao menos um dos companheiros já possua a idade prevista no inciso II do art. 1.641 à época do início do relacionamento, com o intuito de promover a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento. 68 Por fim, voltando à análise das espécies de regime de bens, no que se refere ao regime de participação final nos aquestos, verifica-se que consiste em regime de bens misto, na medida em que, na constância do casamento, aplicam-se as regras do regime da separação de bens, e quando da dissolução da união matrimonial, são aplicáveis as regras do regime da comunhão parcial de bens. Com efeito, prevê o art. 1.672 do Código Civil, in verbis: “No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento”. Dessa forma, durante o casamento, cada consorte possui seu patrimônio particular, por ele administrado livremente; quando da dissolução do casamento, cada cônjuge terá direito à meação sobre os bens adquiridos, onerosamente, pelo outro na constância da união – daí a adoção da expressão “aquestos”, que significa bens adquiridos, a título oneroso, na constância da convivência. Traçadas as diretrizes gerais acerca dos regimes de bens disciplinados pela legislação civil, torna-se possível analisar o modo e as consequências da partilha do patrimônio comum do casal quando da dissolução do casamento e da união estável. Em vista disso, destaca-se, primeiramente, que a vigência do regime de bens entre os cônjuges cessa com a mera separação de fato do casal e, portanto, a partir da ocorrência dessa situação fática, não mais haverá a comunicabilidade dos bens e direitos adquiridos por qualquer dos consortes, sob pena de ocorrência de enriquecimento ilícito. Assim, o marco temporal para a partilha de bens é a separação de fato dos cônjuges. 69 Ademais, não há previsão legal de prazo para a formalização da partilha de bens, prevendo, inclusive, o art. 1.581, do Código Civil, que o “divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”, o que significa, portanto, que a divisão do patrimônio comum pode ser realizada após a dissolução do vínculo matrimonial. Contudo, haverá o término do estado de mancomunhão dos bens com o rompimento da sociedade conjugal, haja vista deixar de existir a comunhão de vidas e de bens, surgindo, pois, as meações ou quotas, razão pela qual os ex- cônjuges permanecerão como coproprietários dos bens comuns sob o regime de condomínio. 70 Nesse passo, permanecendo o patrimônio comum na posse e administração de apenas um dos ex- cônjuges, caberá a este a obrigação de prestar contas ao outro (arts. 668 c/c art. 1.324, ambos do Código Civil) 71 . Outrossim, considerando que apenas um dos coproprietários estará usufruindo o bem, será cabível a imposição de pagamento pelo seu uso exclusivo. Todavia, neste ponto deve ser feita ressalva, conforme leciona Dias 72 , in verbis: “Permanecendo no imóvel quem faz jus a alimentos, seja o ex-cônjuge, seja os filhos, não cabe o pagamento, pois o uso configura alimentos in natura. Porém, quando não existe encargo alimentar, quem permanece no imóvel deve pagar pelo uso a título de aluguel”. Isto posto, tem-se que a partilha de bens pode ser levada a efeito mediante proposta dos próprios cônjuges em ação de separação e/ou divórcio consensuais – ou ação de dissolução de união estável –, a qual será homologada pelo juiz, ou ser por este deliberada, em sendo a demanda litigiosa (art. 1.575, parágrafo único, do Código Civil). Outrossim, pode ser realizada por meio de escritura pública, nos termos do art. 733 do Código de Processo Civil (separação e divórcio extrajudiciais) 73 . Posteriormente à dissolução do casamento, os ex- consortes poderão, a qualquer tempo, pleitear, em juízo de família sucessivo, a partilha do patrimônio comum, com fundamento no procedimento disciplinado nos arts. 1.320 e 1.321 do Código Civil, os quais se remetem às regras de partilha de herança, no que couber. 74 Quanto aos bens sujeitos à partilha e ao modo como esta se dará, deve-se observar o regime de bens vigente na constância da união. Desse modo, sendo o regime da comunhão universal, todo o patrimônio do casal, adquirido antes ou na constância do casamento (união estável) – salvo as exceções do art. 1.668 do Código Civil – será dividido ao meio. Por sua vez, sendo o regime da comunhão parcial, serão partilhados todos os bens que compõem a comunhão (art. 1.660, do Código Civil) – que, em regra, são os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento (união estável) – ficando, cada consorte, com metade do patrimônio comum, bem como com aqueles bens que já possuíam quando do enlace matrimonial. Já quanto ao regime da separação de bens, nada haverá para ser partilhado, haja vista a incomunicabilidade total de bens – salvo a exceção consagrada na Súmula nº 377 do STF. Por fim, sendo o regime de participação final nos aquestos, caberá a cada consorte metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento (art. 1.672, do Código Civil), sendo que os aquestos serão apurados conforme o disciplinado nos arts. 1.674 a 1.676 do Código Civil. Destarte, verifica-se que a partilha de bens será necessária quando o casamento/união estável dissolvido tiver sido celebrado/constituído em regime de bens que ocasione a comunhão de aquestos – comunhão universal, comunhão parcial, participação final nos aquestos ou separação legal (Súmula nº 377 do STF), sendo que, no primeiro, haverá também a partilha do patrimônio anterior à união, devido à comunhão total de bens. Algumas situações peculiares fazem surgir questionamentos quando da partilha dos bens, exceto no caso do regime da comunhão universal de bens. A primeira delas diz respeito aos bens adquiridos em sub-rogação. Com efeito, havendo a sub-rogação parcial – o bem adquirido for de valor superior ao bem particular alienado – será objeto de partilha apenas o valor correspondente ao acréscimo patrimonial 75 . Já no que se refere à aquisição de bem por meio de saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) na constância do casamento, tem- se que referido bem será partilhado entre o casal, independentemente da época do recolhimento da parcela para o fundo76 . Do mesmo modo, no que se refere à aquisição de bem mediante financiamento, tem-se que o consorte que não permanecer com o bem terá direito a receber a metade da parcela paga durante o casamento/união estável, independentemente de a aquisição ter ocorrido em momento anterior ao enlace matrimonial, por apenas um dos cônjuges/companheiros 77 . Especificamente quanto à partilha de bens no caso de dissolução de união estável, cumpre consignar que, conforme já mencionado, prevê o art. 1.725 do Código Civil que “salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Dessa forma, considerando o já consignado acerca do regime da comunhão parcial, em regra, na união estável haverá a comunhão dos bens adquiridos a título oneroso na constância da relação 78 , sendo que referidos bens serão partilhados pela metade quando da dissolução da convivência. 79 Por fim, destaca-se que, sendo a dissolução do casamento – ou da união estável – realizada por mútuo consentimento, há liberdade na estipulação da partilha dos bens, sendo possível, inclusive, a divisão desigual de patrimônio, a doação de bens entre eles e o favorecimento de terceiros 80 . Entrementes, no caso de partilha desigual, restará configurada situação de transferência patrimonial e, portanto, haverá incidência de imposto de transmissão. 81 Conforme lecionam Gagliano e Pamplona Filho, in verbis: “O casamento como instituição, por sua vez, deriva efetivamente de um sistema organizado socialmente, com o estabelecimento de regras formais, de fundo espiritual ou laico. Justamente por isso, as referências ao Direito Romano e ao Sistema Canônico parecem fundamentais para a sua compreensão no mundo Ocidental. [...] Essa utilização do matrimônio como fato jurídico lato sensu para a produção de efeitos foi continuamente observada na história da humanidade, inclusive como instrumento para a reunião de patrimônios, como se fosse uma negociação financeira ou, muitas vezes, de Estados, notadamente na Idade Média, em que casamentos eram literalmente negociados entre nobres de reinos distintos. Ademais, não se podia descartar, por certo, a influência da religiosidade na história do casamento, pois a união permitia, em especial, a propagação e a continuidade do culto nas famílias constituídas pelos nubentes”. (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: direito de família. vol. 6. 9. ed. [livro digital]. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 132/133). Cabe ressaltar que, ainda nos dias atuais, há quem defenda ser o casamento a principal modalidade de entidade familiar, sendo a única responsável por promover a estabilidade social. Nesse sentido, destacam-se os dizeres de Wardle, in verbis: “A família baseada no casamento, a criação dos filhos no casamento e a integridade familiar são a infra-estrutura da civilização, os fundamentos de qualquer sociedade bem-sucedida. (...) O casamento tradicional é a fundação das relações de companheirismo mais estáveis e seguras e o ambiente mais promissor, e geralmente bem-sucedido, para a criação de filhos. O casamento é o melhor protetor da felicidade das famílias e dos indivíduos e da estabilidade da sociedade. A família baseada no casamento é a mais promissora forma de família, a ideal. Não é uma instituição perfeita (nenhuma instituição humana é), mas ela geralmente funciona melhor do que qualquer outra forma ou estrutura para nutrir uma associação humana íntima interdependente”. (WARDLE, Lynn D. Questões de Família: a importância da estrutura familiar e da integridade familiar. (Tradução de Giselle Groeninga). In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 25/45, p. 44/45). DIAS, Maria Berenice. A Estatização das Relações Afetivas e a Imposição de Direitos e Deveres no Casamento e na União Estável. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 301/308, p. 302. LIRA, Ricardo César Pereira. Breve Estudo sobre as Entidades Familiares. In: BARRETO, Vicente (Org.). A Nova Família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 25/46, p. 25. DIAS, Maria Berenice. A Estatização das Relações Afetivas e a Imposição de Direitos e Deveres no Casamento e na União Estável. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 301/308, p. 305. Nesse passo, conforma afirmou Assis Júnior, in verbis: “O casamento não estava ao arbítrio dos cônjuges mas do Estado; era à sustentação deste que aquele servia, por isso, se o casal se separasse, passariam os cônjuges a estarem não quites com o Estado, ou seja, desquites”. (ASSIS JÚNIOR, Luiz Carlos de. A Inviabilidade da Manutenção da Separação como requisito para o Divórcio frente à Autonomia Privada. In: Revista IOB de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, nº 59, abr/maio/2010, p. 16/31, p. 20). Somente em 1989, com o advento da Lei nº 7.841, houve a abolição do limite de concessão de divórcio até então estabelecido pelo art. 38 da Lei nº 6.515/77. TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: BARRETO, Vicente (Org.). A Nova Família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 47/69, p. 48/49. Ressalte-se o posicionamento doutrinário e jurisprudencial que defende que as modalidades de entidades familiares previstas no texto constitucional não encerram numerus clausus. De acordo com Netto Lôbo, in verbis: “Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductibilidade e adaptabilidade”. (NETTO LÔBO, Paulo Luiz. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 89/107, p. 95). VILLELA, João Baptista. Família hoje. In: BARRETO, Vicente (Org.). A Nova Família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 71/86, p. 71. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 429. A Lei nº 8.971/1994 foi a primeira legislação a regulamentar a união estável, a qual era definida em seu art. 1º, in verbis: “A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva”. Referido sistema fechado de reconhecimento da união estável − convivência há mais de cinco anos ou a existência de prole comum − foi alterado em 1996, quando do advento da Lei nº 9.278, que, em seu art. 1º, previa que: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Desde que, é claro, inexista vedação legal ou rejeição moral, o que é o caso da proibição do incesto, que consiste em lei moral orientadora do Direito das Famílias. A título exemplificativo, destaca-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, in verbis:
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