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Usucapião_Familiar_Pro_Morare _Aspectos_Jurídicos_

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JOSIANE ARAÚJO GOMES
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU). Especialista em Direito das Famílias
pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Especialista em Gestão Pública em Saúde pela
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Servidora do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).
Usucapião Familiar Pro Morare: Aspectos
Jurídicos e Práticos
© Josiane Araújo Gomes
EDITORA MIZUNO 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)
G633u Gomes, Josiane Araújo.
Usucapião familiar pro morare: aspectos jurídicos e
práticos / Josiane Araújo Gomes. – Leme, SP: Mizuno,
2021.
185 p. : 16 x 23 cm
ISBN 978-65-5526-239-1
Inclui referências.
Inclui índice alfabético remissivo.
1. Usucapião – Brasil. 2. Direito civil. 3. Processo civil –
Brasil. I. Título.
CDD 347.81
Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422
Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais, é
expressamente proibida a reprodução total ou parcial
destes textos, inclusive a produção de apostilas, de
qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou
mecânico, inclusive através de processos xerográficos,
reprográficos, de fotocópia ou gravação.
Qualquer reprodução, mesmo que não idêntica a este
material, mas que caracterize similaridade confirmada
judicialmente, também sujeitará seu responsável às
sanções da legislação em vigor.
A violação dos direitos autorais caracteriza-se como
crime incurso no art. 184 do Código Penal, assim como na
Lei n. 9.610, de 19.02.1998.
O conteúdo da obra é de responsabilidade dos autores.
Desta forma, quaisquer medidas judiciais ou extrajudiciais
concernentes ao conteúdo serão de inteira
responsabilidade dos autores.
Todos os direitos desta edição reservados à
JH MIZUNO
Rua Benedito Zacariotto, 172 - Parque Alto das
Palmeiras, Leme - SP, 13614-460
Correspondência: Av. 29 de Agosto, nº 90, Caixa Postal
501 - Centro, Leme - SP, 13610-210
Fone/Fax: (0XX19) 3571-0420
Visite nosso site: www.editorajhmizuno.com.br
e-mail: atendimento@editorajhmizuno.com.br
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO 1
Dissolução do Casamento e da União Estável:
Aspectos Pessoais e Patrimoniais
1.1 Da Entidade Familiar: Amplitude, Formação
e Dissolução
1.2 Culpa pela Dissolução da Entidade Familiar e
a Emenda Constitucional nº 66/2010
1.3 Consequências da Separação de Fato dos
Cônjuges
1.4 Regime de Bens e a Partilha do Patrimônio
Comum
CAPÍTULO 2
Da Possibilidade de Usucapião entre Cônjuges
ou Companheiros Antes do Advento do Art.
1240-A
2.1 Funções Sociais da Propriedade e da Posse
2.2 Da Aquisição da Propriedade por Usucapião
2.2.1 Aspectos Gerais
2.2.2 Da Posse Ad Usucapionem
2.2.3 Do Tempo
2.2.4 Da Possibilidade de Interversão da
Posse
2.2.5 Da Configuração de Usucapião entre
Condôminos
2.3 Da Ocorrência de Usucapião entre Ex-
Cônjuges ou Ex-Companheiros
2.3.1 Da Comunhão de Direito de
Propriedade entre Cônjuges ou
Companheiros
2.3.2 Posicionamentos Contrários à
Ocorrência de Usucapião
2.3.3 Posicionamentos Favoráveis à
Ocorrência de Usucapião
CAPÍTULO 3
Usucapião Familiar Pro Morare
3.1 Considerações Iniciais
3.2 Constitucionalidade do Art. 1.240-A do
Código Civil
3.3 Posses Iniciadas Antes do Advento do Art.
1.240-A
3.4 Requisitos do Usucapião Familiar Pro
Morare
3.4.1 Possuidor Legitimado
3.4.2 Área Usucapível
3.4.3 Posse Exigível
3.4.4 Prazo da Posse
3.4.5 Abandono do Lar
3.5 Reflexos Quanto ao Regime de Bens
3.6 Aspectos Processuais do Usucapião Familiar
Pro Morare
3.6.1 Juízo Competente
3.6.2 Petição Inicial e Procedimento
3.6.3 Prova
3.6.4 Sentença: Natureza e Registro
3.6.5 Usucapião Familiar Pro Morare em
Defesa
3.6.6 É Possível o Reconhecimento
Extrajudicial do Usucapião Familiar Pro
Morare?
3.7 Usucapião Familiar pro Morare e o Direito
Fundamental à Moradia
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
O estudo ora proposto buscará construir
fundamentos teóricos e práticos aptos a justificar a
criação da mais recente modalidade de usucapião, à
qual se atribui a denominação “usucapião familiar pro
morare”, levada a efeito pelo advento da Lei nº
12.424, de 16 de junho de 2011, que inseriu o art.
1.240-A ao texto do Código Civil Brasileiro (Lei nº
10.406/02).
Com efeito, o usucapião familiar pro morare se
trata de direito novo, haja vista ser a primeira vez
que o legislador pátrio dispõe que o abandono do lar
pelo ex-consorte ou ex-convivente possa levar à
consequência jurídica de usucapião em favor daquele
que permaneça no imóvel, utilizando-o como sua
moradia. Em razão disso, referido instituto tornou-se
alvo de intensas críticas fundadas em interpretações
equivocadas dos seus requisitos, dentre as quais se
destaca a que identifica o retorno à discussão quanto
à culpa pelo término da sociedade conjugal, sob o
argumento de que a verificação do abandono do lar
pressupõe a perquirição sobre o motivo da
separação do casal.
Dessa forma, o presente estudo se faz necessário
para seja obtido o adequado sentido dos requisitos
configuradores do usucapião familiar pro morare e, via
de consequência, a sua finalidade enquanto
modalidade de aquisição do direito de propriedade:
assegurar o direito à moradia a quem, efetivamente,
exerça a função social da propriedade, sem levantar
qualquer discussão sobre as razões do término da
união conjugal e sem alterar qualquer instituto do
Direito de Família.
Nesse passo, a fim de responder a problemática
apresentada, o presente estudo será dividido em três
capítulos.
No primeiro capítulo, o enfoque da análise serão
os aspectos pessoais e patrimoniais da dissolução do
casamento e da união estável. Para tanto, proceder-
se-á à análise da amplitude, da formação e da
dissolução das entidades familiares no sistema
jurídico brasileiro. Diante disso, analisar-se-á a
adoção do instituto da culpa pelo Direito de Família e
a insubsistência de sua discussão após o advento da
Emenda Constitucional nº 66/2010. Analisar-se-á as
consequências pessoais e patrimoniais da separação
de fato do casal. E, por fim, serão apresentados os
diferentes regimes de bens previstos no
ordenamento jurídico pátrio, atribuindo especial
atenção ao regramento quanto aos bens
considerados de propriedade comum entre cônjuges
ou companheiros, bem como os efeitos patrimoniais
decorrentes da dissolução do casamento ou da união
estável, notadamente quanto à partilha do
patrimônio comum.
Já no segundo capítulo, buscar-se-á constatar se
antes da inserção do art. 1240-A ao texto do Código
Civil havia a possibilidade de ocorrência de usucapião
entre ex-cônjuges ou ex-companheiros. Para tanto,
será necessário definir o direito de propriedade a
partir de sua função social, responsável pelo
rompimento da sua concepção puramente
individualista, ao buscar concretizar o bem-estar
social, como forma, inclusive, de se garantir o bem-
estar individual. Outrossim, será abordada a
concepção social do instituto da posse, tendo em
vista ser este direito autônomo, que não está
subordinado ao direito de propriedade e que não se
reduz à sua exteriorização. Em seguida, examinar-se-
á o instituto do usucapião, abordando seus diversos
requisitos e modalidades, bem como a sua finalidade
principal: premiar o atendimento da função social da
propriedade e da posse. Após esse ponto, será
possível abordar a possibilidade de usucapião entre
condôminos. E, por fim, serão analisados os
posicionamentos contrários e favoráveis à ocorrência
de usucapião entre ex-cônjuges ou ex-companheiros
antes do advento do art. 1.240-A.
Por sua vez, no terceiro e último capítulo, o
enfoque da análise será o usucapião familiar pro
morare propriamente dito. Nesse passo, em primeiro
lugar será necessário abordar a sua inserção no
Código Civil Brasileiro, bem como a sua
constitucionalidade. Em seguida, analisar-se-á a sua
vigência e, portanto, se referidoinstituto incide em
relação aos exercícios possessórios iniciados antes do
advento do art. 1.240-A. Em seguida, passar-se-á à
análise dos requisitos legais exigidos para a
configuração do usucapião familiar pro morare,
atribuindo especial atenção quanto ao requisito de
abandono do lar, com o intuito de extirpar qualquer
interpretação que tenha por fundamento a atribuição
de culpa pelo término da vida conjugal, bem como
identificar que referida modalidade de prescrição
aquisitiva em nada altera o regramento do regime de
bens vigente na constância da união. Por fim, buscar-
se-á demonstrar que o instituto do usucapião familiar
pro morare possui, por finalidade última, concretizar a
função social da propriedade e da posse e,
principalmente, o direito fundamental à moradia.
Em vista disso, para a realização do estudo ora
proposto, será necessário, por meio da adoção do
método de abordagem hipotético dedutivo, o
desenvolvimento de pesquisa teórica e documental.
Quanto à pesquisa teórica, esta se faz necessária na
medida em que, para a análise do tema propriamente
dito – usucapião familiar pro morare –, é
imprescindível o conhecimento conceitual e
doutrinário acerca dos institutos de Direito de
Família e de Direito Real relacionados ao referido
tema, bem como a análise dos estudos específicos já
desenvolvidos sobre a espécie de prescrição
aquisitiva ora em questão. Outrossim, quanto à
pesquisa documental, constitui modalidade de
pesquisa importante a ser adotada neste trabalho,
haja vista que, ao lado da legislação ora em vigor −
notadamente o Código Civil −, são as demandas
apreciadas pelo Poder Judiciário as responsáveis por
suscitar os principais questionamentos relativos ao
instituto objeto deste estudo.
Diante do exposto, espera-se, ao final deste
estudo, identificar o usucapião familiar pro morare
não como instituto responsável por fomentar as
discussões sobre culpa pela dissolução das uniões
conjugais, ou mesmo de impedir qualquer
possibilidade de reconciliação do casal, face ao
estímulo à formalização do término da entidade
familiar. Objetiva-se, portanto, identificá-lo como
instituto responsável por concretizar a função social
da propriedade e da posse e, principalmente, o
direito fundamental à moradia, na medida em que é
responsável por atribuir, de forma plena e exclusiva,
o direito de propriedade ao ex-cônjuge ou ex-
companheiro que permaneça utilizando o imóvel
como sua morada, sem qualquer oposição da parte
ex adversa que o abandonou de forma definitiva.
CAPÍTULO 1
Dissolução do Casamento e da União
Estável: Aspectos Pessoais e Patrimoniais
1.1 Da Entidade Familiar: Amplitude, Formação
e Dissolução
O ser humano é, indiscutivelmente, um ser
sociável, pois necessita se organizar em grupos para
poder suprir suas necessidades físicas, psíquicas e
culturais, em busca de sua realização pessoal. Como
estrutura social básica está a família, entendida como
a reunião de pessoas ligadas por vínculos sanguíneos
e afetivos, a qual é responsável pelo desenvolvimento
da personalidade de seus integrantes, bem como pela
construção de suas potencialidades em prol da
convivência em sociedade. Logo, a família representa
a unidade primária de associação dos indivíduos e,
portanto, a unidade fundamental da sociedade.
A análise histórica das relações interpessoais
exterioriza que, visando estabelecer padrões de
moralidade, a fim de promover a harmonia social,
houve a imposição, pelo Estado, de diretrizes e
proibições a serem observadas na formação da
família.
1
 Nesse passo, tem-se a institucionalização da
entidade familiar, a qual passou a ser identificada
apenas com o instituto do casamento.
2
 Dessa forma,
a partir do intervencionismo estatal, “os vínculos
interpessoais, para merecerem aceitação social e o
reconhecimento jurídico, necessitavam ser
chancelados pelo que se convencionou chamar de
matrimônio”
3
, o qual, sob as influências da Revolução
Francesa (século XVIII), caracterizava-se como sendo
patriarcal, hierarquizado e transpessoal, na medida
em que tinha por objetivo principal a constituição de
patrimônio, em detrimento dos laços afetivos.
A identificação da família à união de pessoas pelo
casamento esteve presente na legislação pátria desde
a instituição da República. De fato, a Constituição
Federal de 1891, em seu art. 72, §4º, dispunha que
“A República só reconhece o casamento civil, cuja
celebração será gratuita”. Já a Constituição Federal
de 1934, em seu art. 144, previa que “A família,
constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a
proteção especial do Estado”. Assim, o casamento
era reconhecido como exclusiva entidade familiar e,
como tal, a única idônea a receber proteção do
Estado.
Em face disso, entende-se por casamento – e,
portanto, por família – a união legal entre homem e
mulher, celebrado perante o Estado, em observância
a normas de ordem pública, que cria família e
estabelece comunhão plena de vida com base na
imposição de direitos e deveres conjugais. Assim,
corresponde à instituição jurídica e social originária
das justas núpcias, contraídas por duas pessoas de
sexos distintos. “Abrange necessariamente os
cônjuges, mas para sua configuração não é essencial a
existência de prole”.
4
O Código Civil de 1916 adotou a ideia de
identificação da família ao casamento e, por isso,
vedava o reconhecimento de quaisquer direitos às
relações consideradas espúrias, adulterinas ou
concubinárias. Apenas a entidade familiar tida por
legítima merecia reconhecimento, o que implicava
efeitos à filiação, na medida em que só se admitia o
reconhecimento dos filhos nascidos na constância do
casamento.
Dessa forma, o Estatuto Civil de 1916 impunha a
preservação da família matrimonial, na medida em
que não se restringia apenas a atribuir
responsabilidades aos cônjuges, mas sim interferia na
vida íntima do casal, impondo deveres e assegurando
direitos de observância obrigatória na constância da
união conjugal. Por isso, o casamento era indissolúvel
− só se dissolvia com a morte −, sendo
desconstituído somente em caso de anulação, para a
qual era indispensável a ocorrência de erro essencial
ou erro quanto à identidade e/ou personalidade do
outro.
Nesse passo, os atos de infração aos deveres
conjugais, dentre eles o de fidelidade recíproca,
davam causa à dissolução da sociedade conjugal pelo
desquite, aplicando-se sanções ao cônjuge culpado.
Com a decretação do desquite, cessavam-se os
deveres conjugais, contudo não se dissolvia o vínculo
matrimonial, “o que impedia os desquitados de
buscarem reconstruir suas vidas mediante novo
casamento”.
5
, 
6
Em 1977, com o advento da Lei nº 6.515 – Lei do
Divórcio – houve a instituição da dissolubilidade do
vínculo matrimonial, a qual era possível desde que
houvesse prévia separação judicial – nova designação
atribuída ao desquite – por mais de três anos ou
separação de fato pelo prazo de cinco anos, se
iniciada antes de 1977. Outrossim, a separação
judicial consensual só poderia ser requerida pelo
casal após dois anos de casados, e o divórcio só viria
três anos após o trânsito em julgado da homologação
da separação. Ressalte-se que, em sua redação
original, a lei previa que o pedido de divórcio, em
qualquer de seus casos, somente poderia ser
formulado uma única vez (art. 38, da Lei nº
6.515/77).
7
Pelo exposto, verifica-se que, até o advento da
Constituição Federal de 1988, a legislação dedicava
especial atenção à proteção do vínculo conjugal e da
coesão formal da família, em detrimento da
realização pessoal dos seus integrantes. Buscava-se a
máxima proteção da paz doméstica, considerando-se
a família fundada no casamento como um bem em si
mesmo, de essencialidade inquestionável. Acreditava-
se que as imposições sociais e os mandamentos legais
eram capazes de manter os consortes unidos,
desconsiderando, pois, serem os vínculos e pactos
afetivos íntimos os únicos responsáveis pela
instituiçãode comunhão de vidas entre o casal.
Contudo, com o advento da Carta Magna de 1988,
o conceito de entidade familiar sofreu profundas
alterações. Ao estabelecer, como princípio
fundamental da República, a dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), o Texto Maior impede a
superposição de qualquer estrutura institucional à
tutela de seus integrantes, razão pela qual se tem que
“o centro da tutela constitucional se desloca do
casamento para as relações familiares dele (mas não
unicamente dele) decorrentes; e que a milenar
proteção da família como instituição, unidade de
produção e reprodução dos valores culturais, éticos,
religiosos e econômicos, dá lugar à tutela
essencialmente funcionalizada à dignidade de seus
membros [...]”.
8
Nesse passo, a Constituição Federal de 1988, ao
adotar o princípio do pluralismo das entidades
familiares, reconheceu, ao lado da família conjugal, a
união estável (art. 226, §3º) e a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226,
§4º).
9
 Ademais, estabeleceu plena igualdade entre
homem e mulher no exercício dos direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal (art. 226, §5º), além
de garantir iguais direitos e qualificações aos filhos,
havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, proibidas quaisquer designações
discriminatórias (art. 227, §6º).
Dessa forma, a Carta Magna de 1988 foi
responsável por promover importante transformação
no conceito de família, a qual deixou de ser um
organismo preordenado a fins externos, para se
tornar “um núcleo de companheirismo a serviços das
próprias pessoas que a constituem”.
10
 De fato, não
cabe ao Estado-legislador criar o fenômeno familiar,
mas apenas tutelar as famílias que se formam
naturalmente, de modo a proteger a dignidade de
seus membros. Portanto, a família representa o
ambiente em que cada pessoa busca a sua própria
realização, por meio do relacionamento com outra,
ou outras, pessoas, não se restringindo apenas ao
casamento, estrutura familiar instituída pelo Estado.
E, nesse contexto, especificamente quanto à união
estável, é inquestionável que a união afetiva livre e
informal sempre esteve presente na sociedade, não
sendo a ausência de regulamentação legal capaz de
impedir a sua constituição. E isto porque a família
corresponde a um fato natural, enquanto o
casamento se resume apenas a uma convenção social
que, por consequência, não abrange todas as
espécies de manifestações afetivas. Por isso, ao
reconhecer a união estável como entidade familiar, a
Carta Magna deixa indene de dúvidas a noção de que
“toda e qualquer entidade familiar, seja
matrimonializada ou não, merece especial proteção,
não se justificando tratamento desigual e
discriminatório que, em última análise, implicará em
negar proteção à pessoa humana – violando a ratio
constitucional”.
11
Diante das alterações introduzidas no Direito das
Famílias pela Constituição Federal de 1988, o Código
Civil de 2002 foi responsável por regular a nova
concepção de entidade familiar, a qual se caracteriza
por ser pluralizada, democrática, igualitária
substancialmente, além de representar um
instrumento para realização pessoal de seus
integrantes. Nesse passo, destaca-se a presença de
dispositivos específicos sobre a união estável (arts.
1.723 a 1727)
12
, reconhecendo-a como entidade
familiar, caracterizada pela “convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo
de constituição de família” (art. 1.723).
Ressalte-se, ainda, que a consagração do princípio
do pluralismo das entidades familiares pela
Constituição Federal de 1988 possibilita reconhecer
como entidade familiar toda e qualquer relação
pontificada pelo afeto, independentemente da
existência de sua previsão em texto legal
13
, inclusive
com a atribuição de tratamento isonômico pelo
Direito das Famílias − não se restringindo, pois, à
produção de reflexos do Direito das Obrigações.
Assim, ao lado do casamento, da união estável e da
família monoparental – previstas no texto
constitucional –, também devem ser reconhecidas
como família: a união homoafetiva – união afetiva
entre pessoas do mesmo sexo –; a família
anaparental
14
 – convivência duradoura e contínua
entre pessoas que possuam ou não vínculo de
parentesco –; a família pluriparental
15
 (ou mosaico) –
união entre pessoas egressas de outras famílias
desfeitas, sendo compostas por filhos unilaterais e
comuns –; e a família paralela
16
 – concomitância de
duas entidades familiares, em que um dos membros
de cada união é uma única pessoa.
17
Especificamente com relação à união homoafetiva,
cumpre consignar que o Supremo Tribunal Federal,
em 05/05/2011, ao julgar a ADI 4277 e a ADPF 132,
reconheceu a configuração de união estável para
casais do mesmo sexo. Por sua vez, o Superior
Tribunal de Justiça, ao julgar o Resp 1183378, em
25/10/2011, proveu recurso de duas mulheres que
pleiteavam a habilitação ao casamento civil. E, em
vista desse cenário, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) aprovou, em 14/05/2013, a Resolução nº 175,
que determina aos Cartórios de todo o país que
celebrem casamento homoafetivo ou convertam a
união estável homoafetiva em casamento civil.
Referida Resolução restou redigida nos seguintes
termos: “Art. 1º- É vedada às autoridades
competentes a recusa de habilitação, celebração de
casamento civil ou de conversão de união estável em
casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º- A
recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata
comunicação ao respectivo juiz corregedor para as
providências cabíveis”.
18
, 
19
Diante desse cenário, tem-se que as pessoas
constituem família com o intuito de alcançar sua
própria felicidade. E, por consequência, no momento
em que a família se torna inviável para a realização
desse fim, deve-se ter a possibilidade de sua
dissolução. Nesse sentido, a Constituição Federal
vigente promoveu alterações no que concerne à
dissolução do casamento, instituindo o divórcio
direto como regra no §6º, segunda parte, do seu art.
226. Ademais, quanto aos prazos, estabeleceu que o
divórcio por conversão pode ser requerido após um
ano do trânsito em julgado da decisão de separação
judicial, e o divórcio direto, após dois anos de
separação de fato.
Em face de tal disposição constitucional, o Estatuto
Civil de 2002 manteve o sistema dual de dissolução
da entidade conjugal, ao determinar, em seu art.
1.571, que o término da sociedade conjugal se dará
pela separação judicial (inciso III) e pelo divórcio
(inciso IV). A separação pode assumir a forma
consensual (art. 1.574) ou litigiosa, sendo esta última
dividida em três modalidades: separação-sanção (art.
1.572, caput – discussão sobre culpa); separação-
falência (art. 1.572, §1º); separação-remédio (art.
1.572, §2º). Por sua vez, o divórcio pode ser indireto
(divórcio por conversão – art. 1.580, caput e §1º) ou
direto (art. 1.580, §2º).
Diante de tais disciplinamentos legais, verifica-se
que, na separação de direito – que pode ser judicial
ou extrajudicial
20
 –, opera-se a extinção do vínculo
entre os cônjuges no que se refere aos deveres de
coabitação e fidelidade recíproca, além de por fim ao
regime de bens (art. 1.576). Já quando da decretação
do divórcio, há a dissolução do casamento
propriamente dito, ocasião em que os consortes se
tornam livres para contrair novas núpcias.
Referido cenário legal é alvo de inúmeras críticas,
notadamente na hipótese de o término do
casamento ocorrer consensualmente. De fato, se
ambos os consortes querem o fim do matrimônio,
por que então esperar um ano de casado para a
separação e mais um ano para o divórcio? Já quanto à
dissolução litigiosa, não basta apenas a cessação do
amor e do afeto e, portanto, da compatibilidade da
vida em comum, para que se pretenda a decretação
do divórcio, ou é necessária a atribuição de culpa a
um dos cônjuges pelo término da sociedade conjugal,
a qual deve ser comprovada na competenteação de
separação judicial?
Em vista de tais discussões, a Emenda
Constitucional nº 66, de 14 de julho de 2010, alterou
o texto do §6º, do art. 226, da Constituição Federal,
suprimindo-lhe a menção quanto à separação judicial
e ao prazo de separação de fato para a decretação
do divórcio. Sua nova redação estabelece: “O
casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Inferem-se, de imediato, duas conclusões: manteve-
se o princípio de que o casamento é dissolúvel e que
a dissolubilidade do vínculo matrimonial se dá pelo
divórcio. Mas, quanto ao instituto da separação, há a
sua permanência no ordenamento jurídico brasileiro?
Quanto à referida questão, três posicionamentos
surgiram na doutrina e na jurisprudência.
O primeiro deles, ao afirmar que o art. 226, §6º, é
dotado de eficácia imediata e plena, defende a
ocorrência da revogação dos dispositivos
infraconstitucionais que disciplinam a separação
judicial e extrajudicial
21
, pelo que subsistiria apenas o
instituto do divórcio, o qual não mais estaria
submetido a qualquer prazo de separação de fato
para a sua decretação. Tal posicionamento já era
defendido mesmo antes da aprovação da Emenda
Constitucional nº 66/2010, conforme se verifica nos
dizeres de Câmara e Simão
22
, in verbis: “A Proposta
de Emenda à Constituição n. 413/2005 propõe
exatamente o fim dessa pluralidade procedimental,
que se mostra inadequada ao atual contexto jurídico,
que tende à simplificação dos procedimentos e
principalmente ao fim da discussão de culpa nas
ações de dissolução da sociedade conjugal”.
O segundo posicionamento defende que a
exclusão, do texto constitucional, da menção à
separação judicial e ao prazo para decretação do
divórcio apenas produz como efeito a permissão,
dada ao legislador infraconstitucional, de alterar as
normas até então vigentes acerca dos institutos da
separação e do divórcio, motivo pelo qual, com o
advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, as
legislações infraconstitucionais permaneceram
intactas e em plena vigência.
23
Por sua vez, o terceiro posicionamento acaba por
ficar no meio do caminho entre os dois anteriores.
De fato, apesar de afirmar que a Emenda
Constitucional nº 66/2010 não foi capaz de suprimir
o instituto da separação da ordem jurídica pátria,
defende, ao mesmo tempo, a extinção de qualquer
requisito ou prazo para a decretação do divórcio.
Assim, cabe ao casal que pretenda pôr fim à união
escolher entre a separação ou o divórcio, não sendo
aquele pré-requisito deste.
24
, 
25
Valendo-se de princípios que orientam a
hermenêutica constitucional, a conclusão a que se
chega é a de que inexiste, após o advento da Emenda
nº 66/2010, fundamento constitucional para a
manutenção da separação de direito na ordem
jurídica pátria, impondo-se, pois, o reconhecimento
da revogação dos dispositivos legais que disciplinam
referido instituto, conforme defendido pelo primeiro
posicionamento acima indicado.
Com efeito, de acordo com o princípio da força
normativa da Constituição, a “Constituição é uma lei
vinculativa dotada de efectividade e aplicabilidade”
26
,
vale dizer, a Carta Magna não se resume em ser
mero catálogo de diretrizes e de competências que
devem ser observadas pelo legislador
infraconstitucional, mas sim corresponde a um
conjunto de normas – regras e princípios – de
aplicabilidade direta e imediata tanto para os entes
públicos – Legislativo, Executivo e Judiciário – quanto
para os entes privados. Aliás, referido princípio
encontra previsão expressa no art. 5º, §1º, do Texto
Maior, por meio dos seguintes dizeres: “As normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata”. Logo, aplicando-se, diretamente,
a atual disposição do art. 226, §6º, da Constituição
Federal, conclui-se ser impositiva a conclusão de que
restaram revogadas as disposições legais relativas à
separação de direito, pois, caso contrário, estar-se-á
negando eficácia ao texto constitucional.
27
Outrossim, o princípio da interpretação das leis
em conformidade com a Constituição vem a
corroborar a conclusão alcançada no parágrafo
anterior, na medida em que, de acordo com referido
princípio, o intérprete, ao se deparar com mais de
uma possibilidade de interpretação do texto legal,
deve adotar o significado que esteja de acordo com o
texto constitucional, promovendo a sua maior e mais
efetiva concretização.
28
Nesse contexto, tanto o entendimento de que as
legislações infraconstitucionais permaneceram
intactas e em plena vigência após o advento da
emenda constitucional quanto aquele que defende
que a adoção da separação de direito é uma opção
do casal, são contrários à Constituição, seja em sua
literalidade, seja axiologicamente. Com efeito, a
literalidade do art. 226, §6º, dispõe que o casamento
civil pode ser dissolvido pelo divórcio, ou seja,
podem os consortes optar entre se manterem ou
não unidos, sendo que, no caso em que decidam pela
extinção do vínculo, esta deve ocorrer pelo divórcio,
não sendo exigido prazo mínimo de separação nem
mesmo a adoção de procedimento pré-divórcio
(separação de direito).
29
 Outrossim, o art. 226,
caput, da Carta Magna, consagra que a “família, base
da sociedade, tem especial proteção do Estado”,
dispositivo este que carrega consigo a concepção de
que a entidade familiar é merecedora de tutela
apenas enquanto promova o desenvolvimento da
personalidade de seus integrantes, motivo pelo qual,
deixando de existir o affectio maritalis, deve-se
possibilitar o término da união, sem maiores
percalços fáticos e/ou jurídicos.
Destaca-se, ainda, o princípio da máxima
efetividade, segundo o qual “a uma norma
constitucional deve ser atribuído o sentido que maior
eficácia lhe dê”
30
. Logo, concluir que a alteração
promovida no texto do art. 226, §6º, da Constituição
Federal, não foi capaz de revogar os dispositivos
infraconstitucionais que disciplinam a separação de
direito é o mesmo que negar efetividade ao texto
constitucional, posicionando a legislação ordinária
acima da Carta Magna, tornando, pois, inócua a
Emenda nº 66/2010, por impedir a sua produção de
efeitos sobre a ordem jurídica pátria.
Além dessa análise à luz da hermenêutica
constitucional, é inconteste que a exigência de prévia
separação de direito ou de fato, para que se busque a
dissolução do vínculo matrimonial pela decretação do
divórcio, traz consigo várias problematizações, tanto
de ordem pessoal – desgaste emocional do casal,
além da possibilidade de constituição de novos
relacionamentos amorosos antes do término jurídico
do casamento – quanto de ordem patrimonial – haja
vista o estado de comunhão de bens que surge pela
união matrimonial. Portanto, a melhor opção a ser
adotada pelo legislador infraconstitucional, em face
da atual disposição do art. 226, §6º, da Constituição
Federal, corresponde à revogação dos dispositivos
legais concernentes ao instituto da separação, bem
como pela extinção dos requisitos para a concessão
do divórcio, o qual deve ter por único fundamento o
fim do afeto, ou seja, o fracasso da união conjugal.
31
Entrementes, o atual Código de Processo Civil −
Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 − manteve a
previsão do sistema dual de dissolução da entidade
conjugal, fazendo menção expressa à separação
judicial. Tal constatação decorre, notadamente, do
seu art. 693, que prevê que as normas dos
procedimentos das ações de família são aplicadas aos
processos contenciosos de separação. Outrossim,
nos arts. 731 a 734, o CPC traz seção específica
acerca “Do Divórcio e da Separação Consensuais, da
Extinção Consensual de União Estável e da Alteração
do Regime de Bens do Matrimônio”.
Outrossim, as Terceira e Quarta Turmas do
Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2017,
firmaram entendimento no sentido de que a entrada
em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010 não
aboliu a figura da separação judicial do ordenamento
jurídico brasileiro, mas apenas facilitouaos cônjuges
o exercício pleno de sua autonomia privada.
32
Ocorre que referido entendimento, ao privilegiar, de
certo modo, a autonomia dos então cônjuges,
possibilitando-lhes a escolha entre obter,
primeiramente, a extinção da sociedade conjugal ou,
de outra forma, obter a imediata extinção do vínculo
matrimonial, traz em seu bojo perigosa
consequência, qual seja, o renascimento da discussão
sobre a culpa pelo término da união conjugal,
questão esta sempre aviventada nos processos de
separação judicial, além de se traduzir em
posicionamento que contraria a força normativa da
Constituição, impedindo, em última análise, a
máxima efetividade do texto constitucional.
Por fim, ainda sobre a temática acerca da
desconstituição dos vínculos familiares, cumpre
analisar a hipótese de dissolução da união estável.
Nesse caso, verifica-se que, ao contrário da
dissolução do vínculo matrimonial, inexiste qualquer
formalidade ou requisito para o rompimento do
vínculo de companheirismo, haja vista ser aquela uma
situação de fato. Dessa forma, basta o rompimento
da convivência pública, contínua e duradoura, bem
como do objetivo de constituição de família, para que
se tenha o término da união estável. Portanto, a
mesma liberdade de autodeterminação que leva as
pessoas a optarem por viver uma união livre, sem se
submeterem às solenidades legais impostas ao
casamento, também lhes permite romper, a qualquer
tempo, referida união, independentemente da
discussão ou atribuição de responsabilidade pelo fim
da relação afetiva.
Contudo, visando à partilha do patrimônio
adquirido a título oneroso na constância da relação
convivencial – em face da incidência do regime da
comunhão parcial de bens (art. 1.725 do Código
Civil) –, torna-se necessário o ajuizamento de ação
declaratória de reconhecimento e dissolução de
união estável, seja por mútuo consenso
33
 ou por
provocação de apenas um dos interessados
34
, ou
mesmo apenas a lavratura de escritura pública de
dissolução de união estável, caso a ruptura da união
seja consensual e sem a presença de filhos
incapazes.
35
 Ademais, verifica-se que a via judicial
também se faz necessária quando há discussão acerca
da fixação de prestação alimentícia
36
 e da guarda dos
filhos.
1.2 Culpa pela Dissolução da Entidade Familiar
e a Emenda Constitucional nº 66/2010
O casamento, como instituto personificador da
família, sempre esteve sob a influência da religião, o
que o tornou, desde a sua origem, um ato religioso.
Passou a ser identificado como ato civil, no Brasil,
somente a partir de 1889, após a Proclamação da
República e a laicização do Estado, o que, contudo,
não eliminou a influência dos dogmas católicos sobre
a ordem jurídica pátria, sendo a sua principal
evidência a manutenção do princípio da
indissolubilidade do vínculo matrimonial até 1977,
ano este em que o divórcio foi regulamentado pela
Lei nº 6.515.
Nesse passo, para que se instalasse a plena
comunhão de vida entre os consortes e, por
consequência, o entrelaçamento definitivo do casal,
foram previstos, pelo legislador, direitos e deveres
recíprocos, de observância obrigatória, cuja
infringência acarretava a perda de direitos e a
imposição de sanções de índole civil e penal. Foram
expressamente enumerados pelo Código Civil de
1916, em seu art. 231, in verbis:
Art. 231. São deveres de ambos os cônjuges:
I. Fidelidade recíproca.
II. Vida em comum, no domicílio conjugal (art. 233, nº IV, e
234).
III. Mutua assistência.
IV. Sustento, guarda e educação dos filhos.
Todavia, a previsão de deveres matrimoniais
bilateralmente impostos não é capaz de promover a
unidade e a indissolubilidade do casamento, haja vista
ser inquestionável que a “inseparabilidade forçada do
casal não conduzia à felicidade, além de gerar
inúmeros problemas no lar, como a violência entre os
integrantes da família”.
37
 Por isso, em um primeiro
momento, permitiu-se o desquite, na modalidade
consensual ou litigiosa, previstas nos arts. 317 e 318
do Código Civil de 1916. Logo, estando os cônjuges
de acordo com o término da sociedade conjugal,
tinham em mãos o desquite consensual, desde que
casados há mais de dois anos. Caso contrário, caberia
ao cônjuge que quisesse o fim do enlace conjugal
pleitear o desquite litigioso, o qual era permitido nas
taxativas hipóteses de adultério, tentativa de morte,
sevícias ou injúria grave e abandono voluntário do lar
por mais de dois anos contínuos. Restava, pois,
consagrada na legislação pátria, a figura da culpa
como elemento propulsor da dissolução da
sociedade conjugal.
38
Com o advento da Lei nº 6.515/77, torna-se
possível a dissolução do vínculo matrimonial pelo
divórcio e o até então conhecido desquite recebe a
designação de separação. Nesse passo, verifica-se a
mitigação da discussão quanto à culpa pelo término
da sociedade conjugal, haja vista que, ao lado da
separação-sanção (art. 5º, caput) – associada à figura
da culpa – também foram insculpidas as modalidades
de separação-remédio (art. 5º, §2º) – associada à
existência de doença incurável que torna impossível
o convívio conjugal – e de separação-falência –
associada à constatação fática da falência do
casamento (art. 5º, §1º) – sendo a ruptura do
vínculo, nestes dois últimos casos, “o único meio ou
remédio para se minorar o drama em que se tornou
a convivência familiar”.
39
 Contudo, com relação à
questão patrimonial, a culpa se fazia presente nas
três modalidades de separação judicial, haja vista que
aquele que pleiteava a dissolução da sociedade
conjugal sofria uma perda patrimonial em benefício
do outro consorte (art. 5º, §3º).
Com o advento da Constituição Federal de 1988
e, por decorrência, do Código Civil de 2002, houve a
redução, ainda maior, do papel da culpa para a
dissolução da sociedade conjugal, a qual, contudo,
ainda se fez presente. Em primeiro lugar, há a
consagração da possibilidade da decretação do
divórcio independente de prévia separação judicial,
desde que comprovada a separação de fato dos
cônjuges por mais de dois anos (art. 1.580, §2º, do
Código Civil) e, portanto, sem a discussão quanto ao
motivo ensejador da ruptura matrimonial. Quanto à
separação judicial, permaneceram as três
modalidades já previstas na Lei nº 6.515/77,
conforme se verifica no art. 1.572, in verbis:
Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de
separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que
importe grave violação dos deveres do casamento e torne
insuportável a vida em comum.
§ 1o A separação judicial pode também ser pedida se um dos
cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um
ano e a impossibilidade de sua reconstituição.
§ 2o O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o
outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada
após o casamento, que torne impossível a continuação da vida
em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a
enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.
§ 3o No caso do parágrafo 2o, reverterão ao cônjuge
enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os
remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o
regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos
na constância da sociedade conjugal.
No que se refere às consequências imputadas ao
cônjuge considerado culpado pela dissolução do
casamento, previstas no Código Civil de 2002, a
primeira diz respeito à perda do direito de usar o
sobrenome do outro, desde que expressamente
requerido pelo cônjuge inocente e que a alteração
não lhe acarrete evidente prejuízo para a sua
identificação, manifesta distinção entre o seu nome
de família e os dos filhos havidos da união dissolvida,
ou dano grave reconhecido na decisão judicial (art.
1.578, caput e incisos I a III).
Como segunda consequência, tem-se a perda do
direito à percepção de alimentos pelo cônjuge
culpado, conforme estabelece o art. 1.704, do
Código Civil, in verbis:
Art. 1.704.Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a
necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los
mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido
declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a
necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de
prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será
obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à
sobrevivência.
Traçados os aspectos normativos, há, então, que se
definir o que se entende por culpa pela dissolução da
sociedade conjugal.
A culpa tem sua origem fincada no âmbito da
responsabilidade civil, sendo reconhecida, pelos
juristas da modernidade, como sua categoria nuclear,
ao ser delineada como o “mau uso da liberdade
individual”
40
. Por isso, afirma-se que a “averiguação,
identificação e apenação de um culpado só têm
significado quando o agir de alguém coloca em risco a
vida ou a integridade física, moral, psíquica ou
patrimonial de outra ou de outras pessoas, ou de
algum bem jurídico tutelado pelo direito”.
41
No âmbito do direito das famílias, a culpa
42
 diz
respeito ao descumprimento dos deveres conjugais
43
,
que vem a permitir, ao cônjuge inocente, a
propositura de ação de separação judicial, imputando
ao outro consorte a culpa pela falência da sociedade
conjugal e, por consequência, a imposição de
sanções. Nesse passo, verifica-se que a discussão
sobre culpa possui como fundamento apenas o de
justificar o término do matrimônio e o consequente
pedido de separação, em nada protegendo a família
enquanto ainda vigente, haja vista que, conforme
afirma Papin
44
:
os deveres atinentes ao casamento não permitem que seu
adimplemento seja exigido judicialmente. Não há a
possibilidade de se ajuizar ação visando o cumprimento dos
deveres conjugais, o que os torna inócuos em relação à
justificativa de sua própria existência e de sua manutenção no
ordenamento jurídico: a preservação e a proteção da entidade
familiar, passando a ocupar importante lugar apenas no campo
da moral.
Dessa forma, a adoção da culpa pelo Direito de
Família tem, como único propósito, a identificação de
um comportamento causador de dano que, por si só,
se exterioriza por ser injusto e que, portanto, leva à
dissolução da sociedade conjugal. Ou seja, visa
imputar a um dos cônjuges a responsabilidade pelo
término da união, a qual se concretiza pela violação
dos deveres conjugais considerados, pela lei,
necessários para a estabilidade conjugal.
Contudo, referida noção apresenta sua primeira
falha nos casos em que se verifica a violação dos
deveres conjugais por ambos os cônjuges. Qual a
relevância da apuração da culpa quando ambos os
consortes deixam de observar qualquer dos deveres
recíprocos estabelecidos pela lei? Tal situação não
demonstra, em suma, que a dissolução do casamento
se faz necessária devido ao fracasso da união
conjugal, sem se perquirir sobre culpa?
Outra questão palpitante diz respeito à existência
de um motivo originário que leva à violação de algum
dever conjugal. Por exemplo, pode ocorrer que um
dos cônjuges passe a tratar o outro de forma
indiferente, com frieza, sem o reconhecer como seu
companheiro; em face disso, este acaba conhecendo
outra pessoa, com a qual tem um relacionamento
amoroso, violando, assim, o dever de fidelidade
recíproca. Neste caso, de acordo com a legislação
vigente, cabe ao cônjuge “traído” buscar a separação
judicial, imputando ao outro a culpa pela dissolução
da sociedade conjugal, pela caracterização do
adultério. Mas, será que a violação do dever de
fidelidade recíproca não teve como causa o fracasso
do casamento já configurado anteriormente? E,
assim, cabe culpar apenas o consorte “traidor” pelo
término do matrimônio?
Ademais, a adoção da ideia de culpa apenas se faz
presente na hipótese de separação judicial litigiosa
(separação-sanção), não sendo objeto de análise
quando da ocorrência do divórcio direto. Aliás, para
a decretação deste, não mais existe sequer a
exigência de separação de fato do casal por mais de
dois anos, devido à alteração promovida pela
Emenda Constitucional nº 66/2010. Assim, como
sustentar a permanência da culpa pelo término do
casamento, se a Carta Magna não traz qualquer
requisito ou condição para a decretação do divórcio?
Em vista das indagações acima elencadas, bem
como considerando a abordagem constitucional
acerca da entidade familiar, verifica-se a
insubsistência da discussão sobre culpa para a
dissolução do vínculo conjugal.
45
 Com efeito, na
ordem jurídica pátria vigente, a sociedade familiar é
merecedora de tutela enquanto promova,
efetivamente, o desenvolvimento digno das
potencialidades de seus membros. Deixando de
existir situação de afeto mútuo e de comunhão
espiritual, não mais existirá a família, pouco
importando a possível ocorrência de ofensa a
qualquer dos deveres conjugais previstos na
legislação e, outrossim, da atribuição de culpa a
qualquer dos consortes, para que se tenha a
declaração de dissolução da união conjugal.
46
Portanto, tendo em vista que a Constituição
Federal de 1988 reconhece a família como
instrumento para a realização pessoal dos seus
membros, devendo ser ambiente democrático e
marcado pela característica da confiança mútua, tem-
se como necessária a possibilidade de dissolução da
união matrimonial sem que se perquira acerca do
responsável pelo seu término
47
, haja vista que a
investigação sobre a culpa em nada contribui para a
dissolução do casamento, mas, muito pelo contrário,
prorroga a situação de conflito e tensões familiares.
Tal problemática, contudo, permanece para aqueles
que mantêm o instituto da separação de direito
vigente mesmo após o advento da Emenda
Constitucional nº 66/2010 – entendimento este
adotado pelo Superior Tribunal de Justiça a partir dos
REsp nº 1.247.098/MS e REsp nº 1.431.370/SP –, o
que, conforme visto no item anterior, contraria a
literalidade do art. 226, §6º, da Carta Magna,
privando referido dispositivo constitucional de sua
plena eficácia e efetividade.
Dessa forma, a “função serviente da família como
formação social implica o não merecimento de tutela
do seu prosseguimento quando se ponha, em
concreto, em insanável contraste com o
desenvolvimento da personalidade de um de seus
membros”
48
. Destarte, há a substituição da noção de
culpa pela noção de ruptura, sendo que o grupo
familiar somente é tutelado na exata medida em que
for capaz de preservar a dignidade de seus membros.
1.3 Consequências da Separação de Fato dos
Cônjuges
Ao lado das modalidades previstas no Código Civil
para o término da sociedade conjugal (art. 1.571),
verifica-se a ocorrência, no âmbito social, de situação
que, apesar de não estar diretamente disciplinada no
sistema normativo, produz efeitos jurídicos
equivalentes à dissolução do casamento: a separação
de fato.
Por separação de fato entende-se a cessação da
vida em comum pelos cônjuges, sem que, para tanto,
seja tomada qualquer providência, judicial ou
extrajudicial, para por fim ao vínculo matrimonial.
Dessa forma, apesar de formalmente casados, os
consortes não mais comungam dos mesmos planos
de vida, devido ao término do affectio maritalis,
surgindo, pois, a posse do estado de separado.
Contudo, “não há como se pretender que a
separação de fato seja também considerada forma de
dissolução da sociedade conjugal, levando em conta a
circunstância da necessidade da formalização de tal
ruptura, tal como se exigiu na constituição dela
própria”.
49
Destarte, tem-se que a separação de fato
evidencia o reconhecimento da teoria da aparência
no âmbito conjugal, na medida em que há a
atribuição de consequências jurídicas – de caráter
pessoal e patrimonial – a uma situação fática –
separação do casal. Entrementes, é inquestionável
que a ruptura da união é a responsável pela produção
dos efeitos decorrentes da dissolução dasociedade
conjugal, razão pela qual afirma Dias
50
, in verbis:
Não obstante o rompimento da sociedade conjugal se dê
mediante a separação e o divórcio, é a separação de fato que,
realmente, põe fim ao matrimônio. Todos os efeitos
decorrentes da nova situação fática passam a fluir da ruptura
da união. Quando cessa a convivência, o casamento não gera
mais efeitos, faltando apenas a chancela estatal. O casamento
nada mais produz, porque simplesmente deixou de existir.
Não há mais sequer o dever de fidelidade, a impedir a
constituição de novos vínculos afetivos. Tanto isso é verdade
que os separados de fato podem constituir união estável. Só
há proibição de casar.
Em vista disso, verifica-se que a separação de fato
é marcada pela existência de alguns requisitos para a
sua configuração. O primeiro deles é a existência de
casamento válido
51
, na medida em que,
posteriormente à separação de fato, deve ocorrer a
separação de direito e/ou o divórcio para que se
tenha a dissolução do vínculo conjugal. Nesse passo,
não há que se cogitar em separação de fato quando a
relação familiar seja uma união estável, haja vista que,
nesta hipótese, a única forma de ruptura da união é
pela cessação da convivência.
Como segundo requisito para a constatação da
separação de fato, tem-se o término da comunhão
de vidas, o qual deve ser verificado nas três esferas
do relacionamento conjugal: física (débito conjugal),
financeira (mútua assistência material) e espacial
(domicílio conjugal). Assim, havendo a separação de
corpos do casal, bem como o rompimento da
solidariedade conjugal e a extinção de qualquer
sentimento afetivo que una os consortes, ter-se-á,
portanto, a dissolução fática da sociedade conjugal.
Nesse passo, desse segundo requisito configurador
da separação de fato, decorrem outros dois, de
ordem subjetiva: a impossibilidade de manutenção da
vida em comum e a dissolução do affectio maritalis.
Com efeito, resta impossibilitada a permanência da
comunhão de vidas quando os cônjuges – ou apenas
um deles – não mais queiram permanecer unidos,
seja pela divergência dos interesses, ou mesmo pela
perda do sentimento afetivo anteriormente
existente, ou qualquer outra situação pessoal que
impeça, portanto, a conservação da entidade familiar.
Outrossim, tal hipótese vem a caracterizar a extinção
do affectio maritalis, na medida em que, para a
constituição do casamento, é necessário o ânimo de
constituir uma família: inexistindo um projeto familiar,
a troca de afetos, a soma de objetivos comuns, não
mais restará instituído o casamento.
52
Como quinto requisito caracterizador da
separação de fato, a doutrina elenca o lapso temporal
de separação fática. Gama afirma que, “de acordo
com o sistema jurídico introduzido pela Lei nº
8.408/92 – e mantido no Código Civil de 2002 –,
deve ser o de um ano de não-convivência
ininterrupta, diante da possibilidade de obtenção da
separação-falência após separação de fato por, pelo
menos, um ano”
53
.
Contudo, com a devida vênia ao entendimento
defendido por referido autor, constata-se não ser
possível considerar a necessidade de rompimento da
convivência pelo prazo mínimo de um ano para a
configuração da separação de fato. Com efeito,
verifica-se que o Código Civil, em seu art. 1.723, §1º,
menciona a possibilidade de constituição de união
estável por pessoa casada, desde que esta esteja
separada de fato ou judicialmente, não mencionando,
quanto à separação de fato, a observância de
qualquer prazo para a sua verificação. Outrossim,
considerando que a Emenda Constitucional nº 66/10
eliminou qualquer pressuposto para a dissolução do
casamento pelo divórcio, tem-se por contraditório
permitir a decretação do divórcio a qualquer tempo
e, para a configuração da separação de fato, a
cessação da convivência pelo prazo de um ano.
Em vista disso, por ser uma situação fática,
verifica-se ser muito mais importante para a
configuração da separação de fato a continuidade e a
notoriedade da não convivência do que a mera
observância de certo transcurso de tempo. Com
efeito, a inexistência de reconciliação do casal – até
que ocorra a dissolução jurídica do casamento ou a
constituição de união estável –, bem como o
reconhecimento, pelo grupo social do qual o casal
faça parte, de que não estejam mais unidos,
exteriorizam o término do affectio maritalis e da
comunhão de vidas e, assim, permite-se reconhecer
a separação de fato dos cônjuges.
54
Como último requisito para que se tenha a
separação de fato, é citada a falta de justo motivo
para a separação. De fato, é comum existirem casais
que, por motivos profissionais, venham a residir em
cidades diferentes, o que, contudo, não significa o
término do ânimo de constituir família, por
permanecer acesa a comunhão de vidas entre eles.
Logo, havendo motivo para a separação espacial do
casal – trabalho, doença, opção etc. – não há que se
falar em dissolução fática da sociedade conjugal.
Traçados os requisitos configuradores da
separação de fato, é possível delinear os efeitos
pessoais e patrimoniais que dela decorrem. Ressalte-
se, desde já, que referidos efeitos ficam
condicionados à posterior dissolução jurídica da
sociedade conjugal, pois, caso desapareçam
quaisquer dos requisitos caracterizadores da
separação de fato – p. ex., ocorra a reconciliação do
casal – ter-se-á por restabelecida a vigência do
casamento.
Nesse passo, quanto aos efeitos pessoais da
separação de fato, cabe ressalvar que tal situação
fática não produz qualquer alteração no estado civil
dos consortes, os quais, portanto, permanecem
casados. Contudo, referido aspecto não impede a
constituição de novas entidades familiares, haja vista
que, conforme preconiza o art. 1.723, §1º, do
Código Civil, a união estável se constituirá no caso de
a pessoa casada se achar separada de fato.
55
Outrossim, a separação de fato do casal extingue
os deveres de coabitação e fidelidade recíproca
56
.
Com efeito, para a sua caracterização, é necessário o
rompimento da comunhão de vidas e, portanto, a
cessação da convivência do casal sob o mesmo teto e
do débito conjugal. Aliás, é devido a não mais
subsistirem referidos deveres conjugais que o
cônjuge separado de fato pode constituir união
estável.
Por sua vez, quanto aos efeitos patrimoniais da
separação de fato, verifica-se a antecipação do
término do regime de bens entre os cônjuges, o qual
terá solução definitiva de continuidade quando da
dissolução da sociedade conjugal (por morte,
separação judicial, divórcio ou invalidação do
casamento). Há quem afirme ainda mais,
considerando que a cessação da vida em comum, por
si só, leva ao rompimento do regime de bens
57
.
Nesse sentido, afirma Dias, in verbis:
Apesar do que dizem os arts. 1.575 e 1.576, é a data da
separação de fato que põe fim ao regime de bens. Este é o
marco que finaliza, definitivamente, o estado patrimonial, não
tendo nenhuma relevância que seja um período de tempo
prolongado. A partir de então, o patrimônio adquirido por
qualquer dos cônjuges não se comunica. Dessa forma, após a
separação de fato, embora não decretada a separação de
corpos nem oficializada a separação jurídica ou o divórcio,
os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges só a ele passam
a pertencer, ainda que se mantenham legalmente na condição
de casados.
58
Diante de tais considerações, tem-se que a
separação fática do casal é responsável por impedir a
produção futura de qualquer efeito decorrente do
regime de bens até então vigente entre os cônjuges.
Dessa forma, após o rompimento da convivência, os
bens adquiridos individualmente, a título oneroso ou
gratuito, por um dos consortes, não mais se
comunicam ao outro, cessando, pois, a comunhão de
bens.
59
Nesse passo, a fim de evitar a ocorrência de
enriquecimento sem causa, deve-se reconhecer a
cessação da comunhão de bens no momento em que
se dá o rompimento da convivência pelo casal. Com
efeito, tal orientaçãoé expressamente consagrada
pelo Código Civil, quando disciplina o regime de
participação final nos aquestos, em seu art. 1.683,
nos seguintes termos: “Na dissolução do regime de
bens por separação judicial ou por divórcio, verificar-
se-á o montante dos aquestos à data em que cessou
a convivência”.
Em vista disso, a separação de fato do casal
também é responsável por romper o estado de
indivisão patrimonial decorrente do regime de bens,
situação essa denominada de mancomunhão. Com
efeito, na constância do casamento e, portanto, na
vigência do regime de bens, o patrimônio adquirido,
seja em conjunto ou isoladamente – neste último, no
caso de regime de comunhão universal de bens – é
de ambos os cônjuges, não existindo divisão por
quotas. Advindo a separação fática dos consortes,
ter-se-á a divisão do patrimônio em meações e,
assim, a situação de mancomunhão será substituída
pela de condomínio.
60
Ressalte-se, contudo, que, para efeito de registro
de imóveis, o desaparecimento do estado de
mancomunhão produzido pela separação de fato não
produz efeito, sendo necessária, pois, a efetivação da
partilha de bens. Isto porque a separação fática não
altera o estado civil dos cônjuges, os quais
permanecem casados perante o Cartório de Registro
de Imóveis, razão pela qual a alienação de algum bem
imóvel que componha o patrimônio do casal, por
apenas um dos consortes, dependerá da anuência do
outro com sua outorga marital ou uxória, conforme
o caso.
1.4 Regime de Bens e a Partilha do Patrimônio
Comum
Conforme já delineado neste estudo, do
casamento e da união estável decorrem efeitos
jurídicos que geram consequências tanto no âmbito
pessoal quanto no campo material (patrimonial).
Especificamente no que diz respeito aos efeitos
econômico-financeiros, tem-se que a união conjugal
é marcada pela formação de um patrimônio que
decorrerá, em geral, do esforço comum dos
consortes, haja vista a presença dos deveres de
mútua assistência e de sustento. Nesse passo, com o
intuito de estabelecer regras específicas acerca da
formação e da gestão do patrimônio conjugal, é que
surgem as normas concernentes aos regimes de bens
entre os cônjuges.
Por regime de bens entende-se o “estatuto
patrimonial dos consortes”
61
, uma vez que consiste
no conjunto de regras aplicáveis à sociedade conjugal
É
no que concerne aos seus interesses patrimoniais. É
responsável por regular todos os efeitos financeiros
decorrentes do matrimônio/união estável,
englobando, pois, a definição da propriedade dos
bens – haja vista a existência de bens anteriores
privativos de cada um dos consortes e de bens
adquiridos na constância da união –, a administração,
a fruição e a disponibilidade desses bens, bem como
a responsabilidade civil dos cônjuges/companheiros
perante terceiros.
Outrossim, o regime de bens também é
responsável por regular outra questão, de crucial
importância para o tema central deste estudo, que
consiste na liquidação patrimonial do
casamento/união estável devido à sua dissolução.
Com efeito, em todos os regimes de bens – com
exceção do regime de separação de bens (salvo no
caso de separação legal de bens) – o término do
matrimônio/união estável gera consequências
financeiras, em face da existência de patrimônio
comum. Dessa forma, existindo patrimônio, é
necessário proceder-se à sua partilha.
Assim, para que seja possível compreender o
modo como se dará a partilha de bens em razão da
dissolução do casamento ou da união estável,
necessário se faz traçar as diretrizes gerais das
espécies de regime de bens previstas na legislação
em vigor.
Nesse passo, verifica-se que a ordem jurídica
pátria é marcada pela variedade de regimes de bens,
na medida em que disponibiliza aos nubentes quatro
espécies distintas: o da comunhão universal; o da
comunhão parcial; o da separação de bens; e o da
participação final nos aquestos. Outrossim, o casal
não se encontra vinculado às espécies legais,
podendo combiná-las de forma a obter um regime
misto ou especial, bem como estipular cláusulas
particulares (art. 1.639, do Código Civil) – desde que
não contrariem os princípios de ordem pública –, o
que se torna concretizável, no casamento, por meio
do pacto antenupcial (arts. 1.653 a 1.657, do Código
Civil), e na união estável, pelo contrato de
convivência (art. 1.725). Ressalte-se, ainda, que, no
que se refere à vigência do regime de bens, tem-se o
seu termo inicial na data da celebração do casamento
(art. 1.639, §1º) ou quando do início da convivência
na forma do art. 1.723, salvo posterior lavratura de
escritura pública disciplinando o regime de bens
adotado pelo casal.
62
Diante desse cenário, primeiramente, no que se
refere ao regime da comunhão universal de bens −
que era, até a entrada em vigor da Lei do Divórcio
(Lei nº 6.515/77), o regime legal supletivo −, tem-se
que acarreta a comunicação de todos os bens
presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas
passivas (art. 1.667, do Código Civil), excetuando-se,
apenas, aqueles que possuem efeitos personalíssimos
ou que a sua própria natureza impossibilite a
comunhão, elencados no art. 1.668 do Código Civil.
Assim, tal regime instaura verdadeiro estado de
indivisão dos bens, passando a ter cada consorte o
direito à metade ideal do patrimônio comum, razão
pela qual é possível afirmar que, sob a vigência deste
regime de bens, ter-se-á o perfeito estado de
mancomunhão (propriedade em mão comum) entre
os cônjuges.
Já quanto ao regime da comunhão parcial de bens,
tem-se que consiste no regime legal supletivo, haja
vista que, “não havendo convenção, ou sendo ela
nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os
cônjuges, o regime da comunhão parcial” (art. 1.640,
caput, do Código Civil). Do mesmo modo, “Na união
estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no
que couber, o regime da comunhão parcial de bens”
(art. 1.725, do Código Civil). Tal regime caracteriza-
se pela comunicação dos bens que sobrevierem ao
casal, na constância do casamento/união estável (art.
1.658, do Código Civil), desde que: sejam adquiridos
a título oneroso, ainda que só em nome de um dos
cônjuges; sejam adquiridos por fato eventual, com ou
sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
sejam adquiridos por doação, herança ou legado, em
favor de ambos os cônjuges; consistam em
benfeitorias realizadas em bens particulares de cada
cônjuge; e consistam nos frutos dos bens comuns, ou
dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de
cessar a comunhão (art. 1.660, do Código Civil).
Desse modo, verifica-se a constituição de três massas
patrimoniais distintas: o patrimônio particular de cada
consorte e o patrimônio comum do casal. Somente
com relação aos bens comuns é que se terá o estado
de mancomunhão, haja vista formarem “uma massa
patrimonial que pertence globalmente a ambos os
cônjuges, representando uma comunhão sem cotas,
ou seja, o patrimônio não se reparte entre os
cônjuges por cotas determinadas”.
63
Por sua vez, o regime da separação de bens
caracteriza-se pela incomunicabilidade dos bens,
tanto dos já existentes anteriormente ao casamento
quanto dos adquiridos na constância da união, razão
pela qual se verifica a existência de apenas duas
massas patrimoniais, consistentes no patrimônio
particular de cada cônjuge/companheiro. Dessa
forma, adotado o regime da separação de bens, estes
permanecerão sob a administração exclusiva de cada
um dos consortes, que os poderá livremente alienar
ou gravar de ônus real (art. 1.687, do Código Civil),
o que, contudo, não exclui a obrigação, atribuída a
ambos os cônjuges/companheiros, de contribuírem
para as despesas do casal na proporção dos
rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo
estipulação em contrário no pacto antenupcial (art.
1.688, do Código Civil).
64
 A adoção de tal regime
pode se dar de modo convencional– separação
convencional de bens –, ou ser imposta pela lei, nas
hipóteses taxativas do art. 1.641 do Código Civil
65
 –
separação legal (ou obrigatória) de bens.
E, especificamente com relação ao regime da
separação legal de bens, cumpre fazer duas
observações.
A primeira diz respeito à possibilidade de
constituição de um patrimônio comum ao longo da
convivência do casal − tendo em vista que a adoção
do regime da separação de bens não foi uma escolha,
mas sim uma imposição legal −, que tornará
necessária a sua partilha na hipótese de dissolução da
união conjugal, sob pena de enriquecimento sem
causa por parte de apenas um dos consortes.
Inclusive, referida conclusão restou consolidada no
texto da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal
Federal, in verbis: “No regime de separação legal de
bens, comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento”.
66
A segunda diz respeito à controvérsia existente
quanto à possibilidade ou não de imposição do
regime da separação obrigatória de bens na união
estável, na hipótese de um dos companheiros ter
idade superior a setenta anos. Tal questionamento
surge em razão de que o art. 1.641 faz alusão
expressa apenas ao casamento e, assim, por limitar a
autonomia dos consortes, não poderia, a princípio,
ser estendida para a união estável.
67
 Entretanto,
prevalece no Superior Tribunal de Justiça o
entendimento de que a imposição do regime da
separação obrigatória de bens se estende à união
estável quando ao menos um dos companheiros já
possua a idade prevista no inciso II do art. 1.641 à
época do início do relacionamento, com o intuito de
promover a isonomia no sistema, evitando-se
prestigiar a união estável no lugar do casamento.
68
Por fim, voltando à análise das espécies de regime
de bens, no que se refere ao regime de participação
final nos aquestos, verifica-se que consiste em regime
de bens misto, na medida em que, na constância do
casamento, aplicam-se as regras do regime da
separação de bens, e quando da dissolução da união
matrimonial, são aplicáveis as regras do regime da
comunhão parcial de bens. Com efeito, prevê o art.
1.672 do Código Civil, in verbis: “No regime de
participação final nos aquestos, cada cônjuge possui
patrimônio próprio, consoante disposto no artigo
seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da
sociedade conjugal, direito à metade dos bens
adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância
do casamento”. Dessa forma, durante o casamento,
cada consorte possui seu patrimônio particular, por
ele administrado livremente; quando da dissolução
do casamento, cada cônjuge terá direito à meação
sobre os bens adquiridos, onerosamente, pelo outro
na constância da união – daí a adoção da expressão
“aquestos”, que significa bens adquiridos, a título
oneroso, na constância da convivência.
Traçadas as diretrizes gerais acerca dos regimes de
bens disciplinados pela legislação civil, torna-se
possível analisar o modo e as consequências da
partilha do patrimônio comum do casal quando da
dissolução do casamento e da união estável.
Em vista disso, destaca-se, primeiramente, que a
vigência do regime de bens entre os cônjuges cessa
com a mera separação de fato do casal e, portanto, a
partir da ocorrência dessa situação fática, não mais
haverá a comunicabilidade dos bens e direitos
adquiridos por qualquer dos consortes, sob pena de
ocorrência de enriquecimento ilícito. Assim, o marco
temporal para a partilha de bens é a separação de
fato dos cônjuges.
69
Ademais, não há previsão legal de prazo para a
formalização da partilha de bens, prevendo, inclusive,
o art. 1.581, do Código Civil, que o “divórcio pode
ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”,
o que significa, portanto, que a divisão do patrimônio
comum pode ser realizada após a dissolução do
vínculo matrimonial. Contudo, haverá o término do
estado de mancomunhão dos bens com o
rompimento da sociedade conjugal, haja vista deixar
de existir a comunhão de vidas e de bens, surgindo,
pois, as meações ou quotas, razão pela qual os ex-
cônjuges permanecerão como coproprietários dos
bens comuns sob o regime de condomínio.
70
Nesse passo, permanecendo o patrimônio comum
na posse e administração de apenas um dos ex-
cônjuges, caberá a este a obrigação de prestar contas
ao outro (arts. 668 c/c art. 1.324, ambos do Código
Civil)
71
. Outrossim, considerando que apenas um dos
coproprietários estará usufruindo o bem, será cabível
a imposição de pagamento pelo seu uso exclusivo.
Todavia, neste ponto deve ser feita ressalva,
conforme leciona Dias
72
, in verbis: “Permanecendo no
imóvel quem faz jus a alimentos, seja o ex-cônjuge,
seja os filhos, não cabe o pagamento, pois o uso
configura alimentos in natura. Porém, quando não
existe encargo alimentar, quem permanece no imóvel
deve pagar pelo uso a título de aluguel”.
Isto posto, tem-se que a partilha de bens pode ser
levada a efeito mediante proposta dos próprios
cônjuges em ação de separação e/ou divórcio
consensuais – ou ação de dissolução de união estável
–, a qual será homologada pelo juiz, ou ser por este
deliberada, em sendo a demanda litigiosa (art. 1.575,
parágrafo único, do Código Civil). Outrossim, pode
ser realizada por meio de escritura pública, nos
termos do art. 733 do Código de Processo Civil
(separação e divórcio extrajudiciais)
73
.
Posteriormente à dissolução do casamento, os ex-
consortes poderão, a qualquer tempo, pleitear, em
juízo de família sucessivo, a partilha do patrimônio
comum, com fundamento no procedimento
disciplinado nos arts. 1.320 e 1.321 do Código Civil,
os quais se remetem às regras de partilha de
herança, no que couber.
74
Quanto aos bens sujeitos à partilha e ao modo
como esta se dará, deve-se observar o regime de
bens vigente na constância da união. Desse modo,
sendo o regime da comunhão universal, todo o
patrimônio do casal, adquirido antes ou na constância
do casamento (união estável) – salvo as exceções do
art. 1.668 do Código Civil – será dividido ao meio.
Por sua vez, sendo o regime da comunhão parcial,
serão partilhados todos os bens que compõem a
comunhão (art. 1.660, do Código Civil) – que, em
regra, são os bens adquiridos onerosamente na
constância do casamento (união estável) – ficando,
cada consorte, com metade do patrimônio comum,
bem como com aqueles bens que já possuíam
quando do enlace matrimonial. Já quanto ao regime
da separação de bens, nada haverá para ser
partilhado, haja vista a incomunicabilidade total de
bens – salvo a exceção consagrada na Súmula nº 377
do STF. Por fim, sendo o regime de participação final
nos aquestos, caberá a cada consorte metade dos
bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na
constância do casamento (art. 1.672, do Código
Civil), sendo que os aquestos serão apurados
conforme o disciplinado nos arts. 1.674 a 1.676 do
Código Civil.
Destarte, verifica-se que a partilha de bens será
necessária quando o casamento/união estável
dissolvido tiver sido celebrado/constituído em regime
de bens que ocasione a comunhão de aquestos –
comunhão universal, comunhão parcial, participação
final nos aquestos ou separação legal (Súmula nº 377
do STF), sendo que, no primeiro, haverá também a
partilha do patrimônio anterior à união, devido à
comunhão total de bens.
Algumas situações peculiares fazem surgir
questionamentos quando da partilha dos bens,
exceto no caso do regime da comunhão universal de
bens. A primeira delas diz respeito aos bens
adquiridos em sub-rogação. Com efeito, havendo a
sub-rogação parcial – o bem adquirido for de valor
superior ao bem particular alienado – será objeto de
partilha apenas o valor correspondente ao acréscimo
patrimonial
75
. Já no que se refere à aquisição de bem
por meio de saldo do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS) na constância do casamento, tem-
se que referido bem será partilhado entre o casal,
independentemente da época do recolhimento da
parcela para o fundo76
. Do mesmo modo, no que se
refere à aquisição de bem mediante financiamento,
tem-se que o consorte que não permanecer com o
bem terá direito a receber a metade da parcela paga
durante o casamento/união estável,
independentemente de a aquisição ter ocorrido em
momento anterior ao enlace matrimonial, por apenas
um dos cônjuges/companheiros
77
.
Especificamente quanto à partilha de bens no caso
de dissolução de união estável, cumpre consignar
que, conforme já mencionado, prevê o art. 1.725 do
Código Civil que “salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no
que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
Dessa forma, considerando o já consignado acerca
do regime da comunhão parcial, em regra, na união
estável haverá a comunhão dos bens adquiridos a
título oneroso na constância da relação
78
, sendo que
referidos bens serão partilhados pela metade quando
da dissolução da convivência.
79
Por fim, destaca-se que, sendo a dissolução do
casamento – ou da união estável – realizada por
mútuo consentimento, há liberdade na estipulação da
partilha dos bens, sendo possível, inclusive, a divisão
desigual de patrimônio, a doação de bens entre eles
e o favorecimento de terceiros
80
. Entrementes, no
caso de partilha desigual, restará configurada situação
de transferência patrimonial e, portanto, haverá
incidência de imposto de transmissão.
81
Conforme lecionam Gagliano e Pamplona Filho, in verbis: “O casamento
como instituição, por sua vez, deriva efetivamente de um sistema
organizado socialmente, com o estabelecimento de regras formais, de
fundo espiritual ou laico. Justamente por isso, as referências ao Direito
Romano e ao Sistema Canônico parecem fundamentais para a sua
compreensão no mundo Ocidental. [...] Essa utilização do matrimônio
como fato jurídico lato sensu para a produção de efeitos foi continuamente
observada na história da humanidade, inclusive como instrumento para a
reunião de patrimônios, como se fosse uma negociação financeira ou,
muitas vezes, de Estados, notadamente na Idade Média, em que
casamentos eram literalmente negociados entre nobres de reinos distintos.
Ademais, não se podia descartar, por certo, a influência da religiosidade na
história do casamento, pois a união permitia, em especial, a propagação e a
continuidade do culto nas famílias constituídas pelos nubentes”.
(GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de
direito civil: direito de família. vol. 6. 9. ed. [livro digital]. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019, p. 132/133).
Cabe ressaltar que, ainda nos dias atuais, há quem defenda ser o casamento
a principal modalidade de entidade familiar, sendo a única responsável por
promover a estabilidade social. Nesse sentido, destacam-se os dizeres de
Wardle, in verbis: “A família baseada no casamento, a criação dos filhos no
casamento e a integridade familiar são a infra-estrutura da civilização, os
fundamentos de qualquer sociedade bem-sucedida. (...) O casamento
tradicional é a fundação das relações de companheirismo mais estáveis e
seguras e o ambiente mais promissor, e geralmente bem-sucedido, para a
criação de filhos. O casamento é o melhor protetor da felicidade das
famílias e dos indivíduos e da estabilidade da sociedade. A família baseada
no casamento é a mais promissora forma de família, a ideal. Não é uma
instituição perfeita (nenhuma instituição humana é), mas ela geralmente
funciona melhor do que qualquer outra forma ou estrutura para nutrir uma
associação humana íntima interdependente”. (WARDLE, Lynn D. Questões
de Família: a importância da estrutura familiar e da integridade familiar.
(Tradução de Giselle Groeninga). In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.).
Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte:
IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 25/45, p. 44/45).
DIAS, Maria Berenice. A Estatização das Relações Afetivas e a Imposição de
Direitos e Deveres no Casamento e na União Estável. In: PEREIRA, Rodrigo
da Cunha (Coord.). Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis.
Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 301/308, p. 302.
LIRA, Ricardo César Pereira. Breve Estudo sobre as Entidades Familiares.
In: BARRETO, Vicente (Org.). A Nova Família: problemas e perspectivas.
Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 25/46, p. 25.
DIAS, Maria Berenice. A Estatização das Relações Afetivas e a Imposição de
Direitos e Deveres no Casamento e na União Estável. In: PEREIRA, Rodrigo
da Cunha (Coord.). Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis.
Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 301/308, p. 305.
Nesse passo, conforma afirmou Assis Júnior, in verbis: “O casamento não
estava ao arbítrio dos cônjuges mas do Estado; era à sustentação deste que
aquele servia, por isso, se o casal se separasse, passariam os cônjuges a
estarem não quites com o Estado, ou seja, desquites”. (ASSIS JÚNIOR, Luiz
Carlos de. A Inviabilidade da Manutenção da Separação como requisito para
o Divórcio frente à Autonomia Privada. In: Revista IOB de Direito de
Família. Porto Alegre: Síntese, nº 59, abr/maio/2010, p. 16/31, p. 20).
Somente em 1989, com o advento da Lei nº 7.841, houve a abolição do
limite de concessão de divórcio até então estabelecido pelo art. 38 da Lei
nº 6.515/77.
TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações
familiares. In: BARRETO, Vicente (Org.). A Nova Família: problemas e
perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 47/69, p. 48/49.
Ressalte-se o posicionamento doutrinário e jurisprudencial que defende que
as modalidades de entidades familiares previstas no texto constitucional não
encerram numerus clausus. De acordo com Netto Lôbo, in verbis: “Os tipos
de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da
Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os
mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais
entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência
do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como
todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na
experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductibilidade
e adaptabilidade”. (NETTO LÔBO, Paulo Luiz. Entidades Familiares
Constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: PEREIRA, Rodrigo
da Cunha (Coord.). Família e a Cidadania: o novo CCB e a vacatio legis.
Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 89/107, p. 95).
VILLELA, João Baptista. Família hoje. In: BARRETO, Vicente (Org.). A
Nova Família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.
71/86, p. 71.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das
Famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 429.
A Lei nº 8.971/1994 foi a primeira legislação a regulamentar a união estável,
a qual era definida em seu art. 1º, in verbis: “A companheira comprovada de
um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com
ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do
disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir
nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual direito
e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira,
separada judicialmente, divorciada ou viúva”. Referido sistema fechado de
reconhecimento da união estável − convivência há mais de cinco anos ou a
existência de prole comum − foi alterado em 1996, quando do advento da
Lei nº 9.278, que, em seu art. 1º, previa que: “É reconhecida como
entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um
homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família”.
Desde que, é claro, inexista vedação legal ou rejeição moral, o que é o caso
da proibição do incesto, que consiste em lei moral orientadora do Direito
das Famílias. A título exemplificativo, destaca-se o seguinte julgado do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, in verbis:

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