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actualmente. Esta série será composta de doze pinturas a óleo sobre tela, em que seis terão 40x50cm e as outras seis serão um pouco maiores, e estu...

actualmente. Esta série será composta de doze pinturas a óleo sobre tela, em que seis terão 40x50cm e as outras seis serão um pouco maiores, e estudos em papel. 4.2. Ruptura e continuidade A sequência de acontecimentos que me trouxeram à presente situação são relevantes para ambas as séries. De forma a introduzir estes temas e estados de espírito recorrentes, darei uma breve explicação autobiográfica. Tenho 36 anos e vivo na casa em que cresci entre os sete e os onze anos. As minhas filhas dormem na minha cama de criança no meu quarto de criança e andam na escola que frequentei durante dois anos durante a instrução primária. Saber que sou responsável por este presente que está tão ligado à minha infância, torna-se claro que estou à procura de uma parte de mim que tive de deixar para trás. Nasci em Timor Leste em 1974, vivi na Alemanha durante um ano até fazer dois, depois vim para Lisboa onde ficámos até aos meus onze anos; então deu-se a maior ruptura, com uma súbita mudança para os Estados Unidos, mais precisamente para Washington D. C. Em adulta, e já responsável pelas minhas próprias mudanças, estive um ano em Kassel (1995-6), regressei a Lisboa em 1997 depois de acabar o B. A., fui para Berlim por dois anos (1998-99) e pouco antes da viragem do século voltei para Lisboa, onde tenho estado desde então. A constante oscilação entre ruptura e continuidade tem criado em mim uma saudade que se reflecte na minha pintura. Um estado de espírito constante na pintura reflecte sentimentos de ausência, se saudade, de uma busca pelo contexto, por um sentido de lugar. Ao contrário das duas pintoras de que falei no capítulo anterior, tão claramente enraizadas no local onde vivem e trabalham (e nas suas tradições de pintura), sinto-me dispersa. Nascida num lugar de que não tenho memória, criada em três culturas diferentes, onde quer que estivesse era uma estrangeira. Sentir-me estrangeiro passou a ser o meu estado normal de identidade. E porque nunca podia dar uma resposta simples, a questão mais temida era: de onde és? Até hoje não consigo dar uma resposta simples, mas para simplificar tentarei responder de acordo com o contexto em que estou. Claramente a minha situação não é de forma alguma única, apenas um sinal dos tempos em que vivemos. À medida que a emigração por razões pessoais e profissionais se torna cada vez mais evidente, o estrangeiro, o estranho, tornou-se uma parte essencial da sociedade. Cada vez mais pessoas crescem sem um sentido claro de lugar, em termos de território mais também em termos de cultura e tradições. As adaptações constantes eram essenciais para a minha sobrevivência e a adaptação implica uma grande capacidade para esquecer. As minhas memórias da primeira infância estão desfocadas. Estava tão ocupada a adaptar-me que não tive tempo para formar rotinas memoráveis. Lembro-me de estar constantemente a mudar, de novas escolas, de novos amigos, de novas fechaduras e novas chaves para novas casas e de estar parada diante de uma porta nova com uma chave nova a tentar descobrir o truque que faria a porta abrir-se. Esta descrição de uma situação real funciona igualmente como metáfora para ter de compreender e funcionar no seio de diferentes culturas. Significava também que era forçada a manter-me de fora (num espaço exterior) ao tentar entrar (para um espaço interior). Quando tentava abrir a porta nova com um truque usado com a porta antiga a minha frustração crescia; tinha a chave certa para a porta certa, mas não os meios de a manipular devidamente. Sentia-me estrangeira, especada diante da porta, do lado de fora, e cresci a adaptar-me a novas fechaduras e culturas, esquecendo rapidamente o que aprendera no passado para começar a aprender a lidar com o presente. Embora por vezes certos aspectos da minha identidade cultural tenham permanecido, na maior parte das vezes adaptar significava mudar e esquecer. Deixar para trás pessoas e lugares, repetidamente, potenciou o meu lado nostálgico. Visto que a memória é activa, está sempre a mudar e a adaptar-se ao presente e depende do contexto. Tive uma infância turbulenta, com muitas e constantes mudanças de ambiente que levaram a constantes alterações de identidades culturais. Devido a estas pequenas e grandes adaptações, o meu trabalho muitas vezes centra-se no vazio psicológico de estar sempre a deixar coisas para trás. Este tipo de rupturas são também comuns na minha pintura. A adaptação a situações novas, a mudanças grandes, à maternidade e a um emprego a tempo inteiro provoca a constante interrupção no meu trabalho de pintura durante longos períodos de tempo. A ansiedade relacionada com rupturas é, no meu caso, directamente ligada a um desejo de continuidade. A ruptura e a continuidade estão no centro das minhas influências autobiográficas. Enquanto estou presente num espaço estou ausente noutro, constantemente deixando para trás partes de mim. Muitas vezes estou presente mas sinto-me ausente, e claramente sinto a ausência de outros. A ausência de outros tem sido um tema recorrente na minha pintura há mais de uma década. Estas ausências estão presentes dentro de mim, são parte das nossas memórias e parte de mim. 4.2.1 Exterior vs. interior Como vivi em cidades grandes ao longo da vida, acabei por passar mais tempo em interiores do que em exteriores. Pelo menos recordo mais interiores do que exteriores. Pintar paisagens é para mim um estranho território novo, enquanto que pintar interiores é um território muito familiar. O que me preocupa, seja nos motivos exteriores e interiores, é um espaço interior e um estado de espírito. Quer esteja a pintar uma paisagem ou uma sala, estou sempre a pintar um estado de espírito. Quando pintei sobre os slides de Timor Leste de 1974 fui mais experimental, porque estas memórias não são as minhas. A denominada amnésia infantil que todos vivemos significa que podemos ter conhecimento, mas não uma memória real, das experiências da infância. Visto que nos dois primeiros anos de vida o indivíduo ainda não está consciente de si, não pode contextualizar as suas próprias experiências e por isso não consegue formar memórias duradouras. Embora possamos não ter recordações da primeira infância, esses anos formativos terão um impacto duradouro por todos os anos vindouros. O passado pessoal esquecido leva a um desejo de ter a perspectiva e as memórias de outros, como forma de contextualizar o sentido de si. Em Setenta e quatro apoio-me em slides tirados pelos meus pais, e por isso estou entre a imagem projectada e uma narrativa imaginária. Estou a reconstruir um passado que tive mas de que não tenho qualquer memória. Este tempo e espaço foram para mim formativos, ainda que não sinta qualquer ligação com a ilha tropical distante. A distância que sinto cria um sentimento de desprendimento. Foi aqui que pela primeira vez entrei no mar, foi aqui que pela primeira vez andei de mota (uma experiência traumática, já que sou uma moto-fóbica), foi aqui que a minha mãe temeu que os macacos me roubassem, foi aqui que comecei a minha vida, onde fui concebida e nasci. Timor Leste é parte de mim através de histórias e de slides; tenho um conhecimento deste tempo através das memórias de outros. A distância que sinto em relação a esta parte da minha história, juntamente com a minha falta de experiência com as paisagens permitiu que esta série de pinturas fosse mais virada para o processo em si. Por vezes projectava vários slides sobre uma tela ou sobre a parede; por vezes pintava directamente de uma projecção na tela, por vezes da projecção na parede. Alguns dos quadros têm várias camadas de imagens, porque os próprios slides tiveram exposições duplas ou porque projectei vários slides numa só tela. O álbum de slides conta o princípio da história da minha vida, e os quadros que resultam dos slides mostram como me relaciono com esse passado. Os meus quadros começam sempre com uma história, mas não existem para ilustrar essa história. Os quadros representam um estado emocional relacionado com a memória dessa história. O que se vê nos quadros é claramente reconhecível, sabemos onde estamos, mas falta alguma coisa, alguma coisa que o espectador tem de trazer para a história. Existe um espaço ambíguo entre o que está a ser representado e o que representa. Os quadros têm o fim em aberto, não mostram toda a história, mostram um instante de um episódio algures a meio da história, representam momentos que têm passado e futuro. As histórias e as memórias estão sempre ligadas e emoções e a lugares, e estas duas séries de quadros tratam de memórias específicas e da própria sensação de recordar. Quando recordamos estamos a relembrar o passado a partir da perspectiva presente e todas as experiências que ocorreram ao longo

Essa pergunta também está no material:

Memorias_imaginadas_da_pintura
85 pág.

Tintas Humanas / SociaisHumanas / Sociais

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