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como o juízo de realidade é explorado na psiquiatria ?

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Geici Martins

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Geici Martins

Delírio e a perda do juízo de realidade

Juízo pode ser entendido quanto: sensatez, siso, tino, faculdade intelectual de comparar e julgar, ou seja, a realidade (o que existe realmente!) é representada pela nossa capacidade em criar juízos e criar conceitos sobre o mundo (existência e valor) – raciocínio dialético, lógica, as representações, sensopercepções, memória, linguagem e etc.

A perda do juízo de realidade implica necessariamente em alterações do pensamento, os quais segundo Dalgalarrondo (2008) podem ter uma distinção que vai do erro simples (distorções) a patologia em si (delírio). Disto, é preciso distinguir os fatores relativos às crenças do sujeito que envolve diretamente sua cultura, juízos de valor (valores morais, preconceitos, sexismo etc), superstições, ideologias, posições religiosas e etc.

O erro consiste dos julgamentos advindos de premissas falsas, diferente do processo primário do Delírio que etimologicamente significa “sair dos trilhos”, surge pelo fenômeno psicologicamente incompreensível, mórbido e incorrigível, como visto em Dalgalarrondo (2008) et al., ou seja, não nasce das relações do homem com o ambiente privado ou público e sim de algo inteiramente novo, que se insere em determinado momento no ciclo vital do sujeito.

No delírio, segundo o que nos sugere Jaspers (2005), apresentam-se juízos patologicamente falsos, ou seja, são manifestações nos transtornos mentais. Delírio é uma transformação na consciência de realidade, secundários aosjuízos de realidade, que se construiriam sobre as experiências no mundo (na prática, nas resistências e nas trocas), onde o contexto “delirante” somente tem papel transitório, não-suficiente, junto a modificações de experiências básicas, cuja captação causa grandes dificuldades.

Podemos resumir pela teoria sugerida:

1. Uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável; 
2. Impenetrabilidade e incompreensibilidade psicológica para o indivíduo normal, bem como, impossibilidade de sujeitar-se às influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica;

3. Impossibilidade de conteúdo (da realidade).

Podemos flexionar ou mesmo subdividir os Delírios em delírios primários (percepção, cognição e representação delirantes) e secundários (idéias deliróides / erro simples) advém da perspectiva fenomenológico-compreensiva desenvolvida por Karl Jaspers (1883-1969), idéia qual rompe com o pressuposto organicista desenvolvido por Emil Kraepelin (1856-1926) e sua dementia precox que caracterizava o curso deteriorante em longo prazo dos acometidos pelo quadro comum as manifestações de alucinação e delírio; fechado a sua objetividade esqueceu-se dos sintomas patognomônicos¹.

Vejamos, os erros simples de julgamento vão configurar-se patologicamente ou não em uma perturbação secundária, criação de idéias deliróides, ou seja, construção de conceitos irracionais ou distorcidos sobre o self, como em outras áreas da estrutura mental. O tipo de Delírio é definido por sua congruência ao transtorno específico.

Em casos como da depressão grave (depressão maior / DSM-IV), a vivência sintomática (humor alterado) é contribuinte para a construção de distorções sobre as quais podemos destacar nos baseando como exemplo pelomodelo cognitivo de Aaron Beck (1921-) na tríade cognitiva (self + experiências + futuro), a irracionalidade da estrutura do pensamento pode corresponder aos delírios secundários - significados maladaptativos - como vistos, por exemplo, no delírio de ruína, auto-acusação e/ou de culpa, ou seja, a tríade neste caso exemplificado é vista de forma negativa.

“- Eu não sou uma pessoa boa, e é por isso que ninguém gosta de mim”;

“- Eu dou muito trabalho as pessoas deveria morrer logo”;

“- Se eu tivesse ficado mais em casa meus filhos me amariam hoje”.

Para amarrar os conceitos precisamos diferenciar alguns pontos. Kurt Schneider (1887-1967) trabalhou o conceito de sintomas de primeira ordem, como Crow (1980) que posteriormente introduziu a idéia de dimensões positivas e negativas, mediante o conceito de sintomas positivos (psicóticos) e negativos (deficitários) estudados e definidos a partir de 1974 sobre o neologismo das Esquizofrenias defendido por Bleuler (1911), mas, para que não haja confusões literárias os autores falavam em todos os casos dos transtornos psicóticos, mais particularmente da Esquizofrenia em sua base mais objetiva. (KAPLAN & COLS, 1997; ELKIS, 2000; PEREIRA, 2000)

Então o Delírio pode surgir em mecanismos formadores por: interpretação, intuição, imaginação, afetividade, memória, alteração da consciência, e/ou alterações sensoperceptivas, é também uma característica sintomática positiva na Esquizofrenia como em outros transtornos psicóticos, como também pode ser uma manifestação secundária (espectro) em outros transtornos, ou como define Rodrigues (2006) não apresentando as características propostas por Karl Jaspers quanto ao que define por delírios verdadeiros (primários), seria apenas imitações psicopatológicas do mesmo.

Ainda, os sintomas prodrômicos primários podem surgir também como fenômenos psicóticos durante ou imediatamente após o uso de substâncias psicoativas ou em abstinência causando alucinação e idéias de referências e/ou delírios persecutórios; difere-se dos casos de delirium (toxiconfusão). (CID-10, 1993; DSM-IV, 2003)

Existem vários tipos de Delírios como visto em Jaspers (2005); Dalgalarrondo (2008) et al. são eles: delírio de perseguição; referência (alusão ou auto-referência); de relação; de influência; de grandeza, de reinvidicação; de invenção; de reforma; místico ou religioso; de ciúmes ou infidelidade (Síndrome de Othello); erótico (Síndrome de Clérambault); depressivo (Ruina, Culpa e Auto-acusação); negação de órgãos (Síndrome de Cotard), hipocondríaco; cenestopático (objetos ou bichos dentro do corpo); de infestação (síndrome de Ekbom); fantástico ou mitomaníaco; de identificação (Síndrome de Capgras, Capgras inversa, Frégoli, Frégoli inversa, Intermetamorfose e Falso desconhecimento).

Um ponto importante a comentar ainda é o que Kaplan e cols (1997) advertem: Folie à Deux. Tal quadro pode ser avaliado na CID-10 (1993, p. 103) e DSM-IV (2003, p. 157) pelos critérios de Transtorno Delirante Induzido e Transtorno Psicótico Induzido respectivamente. Folie à Deux seria para os autores um transtorno psicótico raro que tem como característica o compartilhar, ou seja, a exposição de uma pessoa a um longo prazo de tempo a outra portadora de síndrome psicótica onde se constrói uma similaridade nos comportamentos, como uma cópia da mesma. São mais comuns os casos de Folie Imposée, onde o sujeito dominante desenvolve um sistema delirante aonde progressivamente vai se impondo a outra, contudo, a separação dos dois elimina o comportamento delirante do submetido, o que se difere, por exemplo, dos casos de Folie Simultanée e Folie Communiquée, onde mesmo havendo separação os delírios permanecem intactos.

Os transtornos psicóticos compartilhados ocorrem geralmente em 95% dos casos com duas pessoas da mesma família - um dominante e um submisso - o sujeito dominante normalmente é portador de esquizofrenia ou transtorno similar, e o submisso em 25% dos casos tem quanto características pessoais, deficiências físicas, e/ou outras dificuldades (introspecção, inabilidades sociais, depressão...) que o levam a dependência em relação ao sujeito dominante que tem como características marcantes: ser mais velho, mais instruído, mais persuasivo. Essa relação se dá à distância das influências sociais e culturais. (KAPLAN & COLS, p. 470-471)

O entendimento mais claro do que é e como se dá o Delírio vai muito além das leituras, dá-se mais da relação profissional-paciente. O tema é complexo, rico, e extenso, afinal, delírio é sintoma, o qual é referente em diversos Transtornos Mentais, seja na sua forma primária ou secundária, induzido ou produzidos, o Delírio é apenas uma parte de um elemento mais global do que vem a definir os estudos em psicopatologia.

  

______________

¹Patognomônicos é referente à sintoma típico que caracteriza especificamente uma doença.

REFERÊNCIAS

CID-10. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas – Coord. Organização Mundial da Saúde; trad. Dorgival Caetano – Porto Alegre: Artmed, 1993.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

DSM-IV-TR, American Psychiatric Association. Referência rápida aos critérios diagnósticos. 4ª ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2003. 

ELKIS, H. A evolução do conceito de esquizofrenia neste século. Revista Brasileira de Psiquiatria; 22(Supl I):23-6, 2000.

KAPLAN, Harold I., SADOCK, Benjamin J., GREBB, Jack A. Compêndio de Psiquiatria: Ciências Comportamentais e Psiquiatria Clínica. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1997.

JASPERS, K. Psicopatologia Geral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2005.

PEREIRA, M. E. C. Bleuler e a invenção da esquizofreniaRevista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, ano III, n. 1, p. 158-163, 2000.

RODRIGUES, Adriano Carvalho T. Considerações sobre as noções de primariedade e incompreensibilidade em Karl Jaspers: implicações para o conceito de delírioRevista AdVerbum 1 (1): pp. 43-58, 2006.

http://belopsico.blogspot.com.br/2011/05/delirio-e-perda-do-juizo-de-realidade.html

 

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