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Trabalho PRECISAMOS FALAR SOBRE KEVIN CORRIGIDO

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Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto
CONSEQUÊNCIAS DE UMA MATERNAGEM INSUFICIENTE, NA VISÃO DE DONALD W. WINNICOTT ATRAVÉS DE CORRELAÇÕES COM A OBRA DE FICÇÃO “PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN”
Módulo: Introdução à Obra de Donald W. Winnicott
 Aluna: Margareth Aparecida Marchesin 
 Gestor: Fabio Augusto Bronzi Guimarães
RIBEIRÃO PRETO
OUTUBRO 2021
Apresentação do Tema e Justificativa
O presente trabalho se originou a partir do desenvolvimento de um Trabalho de Conclusão de Módulo de Introdução à Obra de Donald Winnicott do Instituto de Estudos Psicanalíticos – IEP de Ribeirão Preto.
O tema da relação entre mãe e bebê e suas consequências no desenvolvimento emocional deste último, conforme a visão de Winnicott, é tema recorrente na clínica psicoterápica, entretanto a análise do filme Precisamos Falar sobre o Kevin, traz um panorama bem abrangente, ao mesmo tempo em que através de minúcias e cenas aparentemente despretensiosas consegue sintetizar a questão, dando margem a interpretações profundas.
A justificativa para este trabalho é de contribuir para a observação de casos de comportamentos antissociais e delinquências e suas implicações com as falhas ambientais produzidas pela falta de afeto e dificuldades no manejo da relação mãe-bebê segundo os conceitos winnicottianos (Winnicott, 1939). Isso poderá ser de máxima importância no atendimento de crianças, adolescentes e adultos observados em contextos de atitudes de transgressão ao oferecer, mesmo na idade adulta, condições favoráveis para a obtenção de afeto e acolhimento na pessoa do analista.
Também pode-se pensar em se estimular a Preocupação Materna Primária (Winnicott, 1956), desde a gestação visando ampliar a intimidade entre mãe e bebê, tão necessária para um desenvolvimento satisfatório e uma integração psicossocial deste.
Serão apresentados alguns dos principais conceitos de Winnicott e posteriormente o relato do filme “Precisamos falar sobre o Kevin”, concluindo com uma discussão do entrelaçamento entre as ideias winnicottianas e as ideias defendidas pela roteirista do filme.
Fundamentação teórica
	Como fundamentação teórica serão usados alguns dos principais conceitos da obra de Donald Woods Winnicott, autor inglês, que desenvolveu sua teoria a partir do pensamento freudiano, se expandindo na linha seguida por Ferenzci, Klein entre outros (OUTEIRAL, 2005).
	A Preocupação Materna Primária acontece (ou deveria acontecer) no período que vai desde o final da gestação até algumas semanas após o parto, e consiste numa sensibilidade exacerbada da mãe, comparável a um episódio esquizoide, “onde um aspecto da personalidade toma o poder temporariamente” (Winnicott, 1956 p. 401). Tal preocupação deve ser acolhida pelo pai do bebê e/ou outros familiares que auxiliam a mãe nesse momento. À medida em que se sente liberada pelos progressos sucessivos do bebê, a mãe vai abandonando essa condição e recuperando o que pode chamar-se saúde normal (Winnicott, 1956).
Quando a mãe desenvolve a Preocupação Materna Primária, seu bebê se desenvolve experimentando movimentos espontâneos. Esse desenvolvimento permite ao bebê ser pouco perturbado por “reações à intrusão” que causariam em última análise uma ameaça de aniquilação. O fornecimento de um ambiente suficientemente bom resulta na formação de um ego pessoal no bebê. O contrário, ou um ambiente inicial não suficientemente bom, onde o sentimento de realidade encontre-se ausente levará a uma sensação de inutilidade e uma ausência de satisfações. Também pode propiciar a criação de um “eu falso que esconde o eu verdadeiros, que se submete às exigências, que reage aos estímulos e que se livra das experiências instintivas tendo-as, mas que está apenas ganhando tempo”. (WINNICOTT, 1956 p. 403).
Entretanto isso não acontece em todos os casos. “Algumas mulheres não conseguem preocupar-se com o seu bebê a ponto de excluírem quaisquer outros interesses” (WINNICOTT, 1956 p. 402). O Dr. Winnicott correlaciona esse procedimento com mulheres com fortes “identificações masculinas” (Winnicott, 1956), que poderiam ser hoje identificadas como necessidade de dedicação profunda a uma carreira profissional ou a uma divisão de tarefas totalmente igualitária com o pai do bebê.
A ausência dessa condição pode predispor essas mulheres a tentar compensar os comportamentos distorcidos de seus filhos em relação a outras crianças, com mimos e/ou terapias. No bebê isso se reflete numa sensação de inutilidade e numa ausência de satisfações (Winnicott, 1956).
Sobre a constituição e o desenvolvimento psíquico no bebê, (Winnicott, 1963) diz que, ao nascer o bebê encontra-se numa situação de dependência absoluta, indiferenciada do ser da mãe, onde não tem consciência desses cuidados, mas fantasia que suas expectativas serão atendidas prontamente. Ela lhe dá isso propiciando um ambiente facilitador. Porém, uma falha significativa nesse processo proporciona ao bebê uma quebra no seu “vir-a-ser” (Winnicott, 1963).
Passado esse primeiro momento, o bebê ingressa no período de dependência relativa, onde o bebê começa a distinguir seu eu do “não eu”. É então que surge alguma capacidade de espera por parte do bebê, bem como de mantê-la viva na mente, quando ausente fisicamente e gradualmente de pensá-la separada de si próprio (Abram, 1996).
Acrescenta-se aos processos iniciais citados o desenvolvimento suficientemente bom das três funções básicas maternas. A saber: holding e manejo (ou handling). Da qualidade dessas funções depende a saúde mental do indivíduo, pois livra-o da psicose (Winnicott, 1945).
A expressão holding (no inglês – segurar) tomou depois da obra de Winnicott um significado próprio. O holding é naturalmente já sabido pelas mulheres instintivamente, e, se nada atrapalhar a intuição dessas mulheres sobre o que devem fazer, tudo tende a se desenvolver naturalmente; vai acontecer sem sobressaltos (Winnicott, 1987).
Podem acontecer, entretanto, perturbações a este ato tão corriqueiro e importante; o fato de o pai não gostar de dividir com a mulher as responsabilidades com o bebê; ou mesmo de não haver um pai (Winnicott, 1987). Isso dificulta, sobremaneira que a mãe se dedique tempo suficiente a esse ato, pois ela precisa alimentar-se, banhar-se, dormir, enfim, manter sua subsistência, para isso contando com o apoio de um pai ou pessoa que o substitua.
Sem maiores intercorrências o holding se dá de maneira natural, sendo que as mães:
Como não estão ansiosas, não apertam o bebê ao segurá-lo, e não temem deixá-lo cair. Apenas adaptam a pressão de seus braços às necessidades do bebê, movem-se lentamente e, talvez, emitem alguns sons. O bebê sente a sua respiração, e do seu hálito e de sua pele irradia-se um calor que leva o bebê a sentir que é agradável estar em seu colo. (WINNICOTT, 1987 p. 15).
Mesmo em situações normais, onde há um pai presente e atuante, podem existir mães que não se sintam seguras e a vontade ao segurar seus bebês. Podem ter sido coibidas de segurar bebês em sua infância ou mesmo terem tido mães inseguras que lhes transmitiram uma ansiedade tal, que ela prefira se utilizar do berço ao máximo, ou mesmo delegar esse ato a uma enfermeira ou cuidadora especializada. Esse ato, aparentemente tão corriqueiro pode ser o responsável pelos alicerces da saúde mental do bebê (Winnicott, 1987).
O fato de que o espaço circundante pode conter surpresas e sobressaltos ao desenvolvimento do bebê deve ser “controlado”, na medida do possível, por uma mãe suficientemente boa, para que tais surpresas não se choquem com ele antes que ele obtenha condições para lidar com elas. Dito de outra forma:
O bebê situado no espaço torna-se pronto, com o passar do tempo, para executar o movimento que surpreende o mundo e o bebê que assim descobriu o mundo se torna, no devido tempo, preparado para receber com alegria as surpresas que o mundo contém. (WINNICOTT, 1987 p. 17).
Tal experiência de vital importância – oholding – pode se revestir de mérito, também, no caso de crianças maiores, após algum evento inesperado, necessitem por alguns instantes voltar a esses estágios iniciais. Basta então acolhê-las nos braços com a mesma intenção de proteger e dar segurança e terão feito com isso um bom trabalho. (Winnicott, 1987).
O fato de serem seguradas com displicência ou sem contato com o corpo da mãe ou cuidadora tem o equivalente a um mau trato que vai se revelar no futuro como um evento altamente traumatizante (Winnicott, 1987).
Processos básicos, tais como o holding e o manejo, bem como a amamentação deveriam se naturais e instintivos a todas as mulheres que se tornam mães. No entanto a má interferência de enfermeiras, médicos e “curiosos” pode redundar em falhas nesse processo. Além dos fatores citados, deve chamar particularmente a atenção o fato de que uma mãe possa se apresentar doente por ocasião da gestação e do pós parto (Winnicott, 1987).
Em contraste com a mulher saudável e amadurecida que se coloca sob os cuidados da parteira, há a mulher que está doente, isto é:
emocionalmente imatura ou desinformada sobre o papel representado pela mulher na ópera da natureza, ou que talvez se encontra deprimida, ansiosa, desconfiada ou, simplesmente, confusa. Nestes casos, a enfermeira deve ser capaz de fazer um diagnóstico, e aqui temos outra razão pela qual ela precisa conhecer sua paciente antes que esta se encontre no estado especial e desconfortável que é a fase final da gravidez. A parteira certamente precisa receber um treinamento especial no diagnóstico de adultos psiquiatricamente doentes, para que tenha condições de tratar como saudáveis aqueles que são saudáveis. (WINNICOTT, 1987 p. 66).
Sobre o handling ou manejo pode-se dizer que compreende os básicos cuidados maternos, como dar-lhe banho, mantê-la aquecida e chamá-la pelo nome. Esses cuidados juntamente com o holding são cruciais no sentido de aglutinar a personalidade no sentido da formação de um self verdadeiro. É devido ao toque, suficientemente bom que o bebê passa a perceber que existe dentro de seu próprio corpo (Winnicott, 1945).
Entretanto o processo de integração envolve muito mais ainda de uma mãe madura e fisicamente capaz. “Ela deve ser a parte que tolera e compreende, sendo ela, portanto, quem produz uma situação que, com sorte, pode resultar no primeiro vínculo estabelecido pelo bebê com um objeto externo” (WINNICOTT, 1945 p. 227).
O mundo é assim divido pela mãe em pedacinhos assimiláveis por seu bebê. As falhas de uma mãe não suficientemente boa podem complicar todo o processo de objetividade na infância ou na vida adulta. “Por esta razão não é possível a um bebê existir sozinho, física ou psicologicamente, e de fato é preciso que uma pessoa específica cuide dele no início” (WINNICOTT, 1945 p. 229).
O relacionamento primitivo de um bebê com sua mãe obedece a certos estágios, tendo como objetivo atingir a integração, ou seja, sentir-se um eu completo e desvinculado do “não eu”. O primeiro desses estágios é aquele conhecido como ruthless (que aceita a tradução de impiedoso, sem piedade ou compaixão). Esse primitivo relacionamento objetal está disponível na saúde, tendo a criança normal prazer nessa relação impiedosa com mãe, já que ela “é a única de quem se pode esperar que tolere sua ausência de compaixão, mesmo por brincadeira, pois isto na verdade a fere e a cansa. Sem a possibilidade de brincar sem compaixão, a criança terá que esconder seu eu impiedoso e dar-lhe vida apenas em estados dissociados” (WINNICOTT, 1945 p. 230).
Em seguida se dá o estágio do concernimento, onde existe o reconhecimento de que o bebê pode fazer mal ao objeto externo e as consequentes sensações de culpa e compaixão (Winnicott, 1945).
Cabe ressaltar que a desintegração é mais grave do que a não integração, pois de uma vez que o bebê atinge o estágio do concernimento já não é mais possível ignorar as consequências de seus impulsos que passam a agir sem controle (Winnicott, 1945).
Num estágio ulterior a criança pode parecer ter se integrado e que haja a predominância da integração e do concernimento. Porém, quando sente dentro de si que 
as forças cruéis ou destrutivas ameaçam dominar as forças de amor, o indivíduo tem de fazer alguma coisa para salvar-se, e uma das coisas que ele faz é pôr para fora o seu íntimo, dramatizar exteriormente o mundo interior, representar ele próprio o papel destrutivo e provocar seu controle por uma autoridade externa (WINNICOTT, 1939 p. 94).
 
Apresentação do material cinematográfico baseado no filme “Precisamos falar sobre o Kevin”.
O filme “Precisamos falar sobre o Kevin” é uma obra de ficção produzida em 2011, numa coprodução entre os Estados Unidos da América, Reino Unido e Irlanda do Norte. Foi dirigido pela escocesa Lynne Ramsay e baseia-se em livro de mesmo nome escrito por Lionel Shriver. Lionel Shriver é o pseudônimo utilizado por Margaret Ann Shriver, que nasceu em Gastonia, Carolina do Norte, EUA, no seio de uma família extremamente religiosa, sendo o seu pai pastor presbiteriano (Intrínseca, on line).
O enredo do filme se desenvolve através de flashes das lembranças vividas por Eva, em ordem não cronológica, e trata de sua relação conturbada com o filho Kevin.
Eva, antes do nascimento de Kevin, demonstrava ser independente e bem sucedida, tanto na carreira, quanto na vida amorosa, mas se mostra ambivalente em relação à maternidade, pois receia que um filho possa comprometer sua liberdade e vida profissional. Assim, ao se descobrir grávida fica apreensiva, não demonstra instintos maternais e fica notoriamente incomodada com a situação.
O momento do parto é retratado como extremamente dolorido, mas ao mesmo tempo, algo no olhar de Eva revela que ela se sente dissociada do que está realmente acontecendo. Após o nascimento ela não consegue pegar o filho no colo e é o marido (Franklin) que o acolhe e tenta consolar, pois a criança chora descontroladamente.
As situações de choro se sucedem na vida do lar e o desespero de Eva fica evidente numa cena em que ela leva o carrinho do menino para perto de uma britadeira, para que o barulho da máquina pudesse abafar o som do choro do menino. Antes disso, acontecem cenas em que ela segura Kevin, mas ao invés de aconchega-lo no colo, se mantém com os braços esticados afastando-o de seu corpo.
Apesar de seu distanciamento e olhar sem qualquer afetividade, Eva parece projetar no filho todas as dificuldades, considerando-o com personalidade própria e propenso a se desencontrar com a dela. Numa cena em que ela tenta brincar de jogar bola com o filho, este parece propositalmente incitado a provocá-la não devolvendo a bola quando ela a joga.
Após um incidente onde Kevin evacua nas fraldas e Eva o troca e ele evacua de novo, por várias vezes, provocando-a, ela o atira contra a parede, quebrando seu braço. Quando o pai pergunta, depois como foi que ele se quebrou ele diz que caiu e ela, então, se torna como que refém desse segredo (em relação ao pai) e ele passa a manipulá-la segundo suas vontades.
Durante o filme Kevin vai mostrando a Eva sua insatisfação, como no momento em que diz que ela não gosta dele, apenas está acostumada com ele. Ao mesmo tempo parece dar mostras de que necessita de contenção, quando diz que os donos de gatos esfregam seu rosto no cocô para o fazerem fazer cocô no lugar certo.
Por outro lado, o filme mostra uma interação boa para com o pai (Franklin), com quem Kevin brinca, joga vídeo game e conversa um pouco. No entanto, Franklin não dá atenção aos sinais de que Kevin tem um comportamento desafiador em relação à mãe, não consegue entendê-la quando ela tenta conversar sobre o filho e nunca o repreende.
A relação entre os dois é truncada e ela demonstra insatisfação em relação a ele, mesmo quando parece cuidar, como quando o leva ao médico suspeitando que ele tivesse alguma enfermidade, pelo fato dele não falar até aparentemente uns 3 anos e pelo fato dele não controlar os esfíncteres até a mesma idade. A constatação médica é de que ele não tem nenhuma deficiênciae que, talvez, não queira mesmo se comunicar.
Numa das vezes em que se sente especialmente irritada, Eva diz que ela era muito feliz antes dele nascer. Noutra quebra um brinquedo dele porque ele pichou seu escritório. 
Algum tempo depois Eva engravida novamente e tem uma menina, Célia. Seu relacionamento com ela é completamente diferente do que teve com Kevin. Numa rápida cena na maternidade, em que apresentam o bebê a Kevin ela já a segura no colo com notória ternura e tem o rosto sorridente. Kevin tem um olhar perturbador ao ver a bebê e pela vida afora, vai demonstrando sua insatisfação com ela chamando-a de “idiota” e “retardada” e demonstrando desprezo pelas coisas que ela faz. Em uma cena, fica implícito que ele mata o porquinho da Índia de estimação dela, jogando-o no triturador da pia. A mãe acaba percebendo e jogando um líquido desentupidor para acabar de descer os dejetos, mas esquece o líquido sobre a pia, o que propicia que Kevin o utilize contra a irmã acarretando a perda de uma das vistas de Célia. Mesmo nessa hora, Franklin entende que se tratou de um acidente e como que responsabiliza Eva por ter deixado o liquido, tão perigoso, acessível às crianças.
Há uma cena da infância, em que Eva e Kevin parecem estar se dando bem, enquanto ela lê uma história sobre Robin Hood para ele. Ele parece fascinado pela história, principalmente pelos episódios de uso de arco e flecha. Se mostra afetuoso e até se deita em seu colo. Nesse momento o pai abre a porta, observa, mas Kevin pede para que ele saia. Eva demonstra estar muito feliz com esse momento, no entanto, cenas assim não se repetem durante o filme.
Durante a adolescência de Kevin, Eva faz tentativas de aproximação, como quando o convida para jogarem mini golfe. Nesse passeio, após um comentário preconceituoso de Eva em relação a pessoas gordas, Kevin pergunta a ela se ela não percebe ser muito cruel. Após o passeio, estava combinado deles irem jantar juntos, mas enquanto ela se apronta ele devora um frango inteiro para não comer nada durante o jantar com ela.
Eva continua estranhando muito o comportamento do filho, e numa cena revira seu quarto a procura de algum indício da causa de sua hostilidade. Nessa busca encontra um CD com a inscrição “eu te amo” e quando o coloca em seu próprio computar percebe que ele contém um vírus poderoso que destrói todo o sistema.
Durante uma conversa entre Eva e Franklin, onde falam sobre Kevin, não fica claro se estão falando em se separarem um do outro, ou separar o menino do convívio familiar. No entanto Kevin está ouvindo a conversa e diz aos pais que o assunto é sempre ele.
Ao completar 16 anos, Kevin elabora um plano para assassinar vários de seus colegas e funcionários da escola, trancando-os no ginásio e atirando contra eles com seu arco e flecha. A cena é mostrada em flashes durante o filme, com Eva percorrendo desesperada um mar de pessoas aglomeradas defronte a escola, pois fora alertada por um colega de trabalho a respeito de Kevin estar envolvido num incidente naquele ginásio. Em um momento em que a polícia rompe um lacre de bicicleta que Kevin havia colocado para travar a porta, ele sai com as mãos para cima e uma expressão de satisfação no olhar. Então se joga no chão e se deixa aprisionar, calmamente.
Quando vai para casa, Eva constata muito chocada que Kevin assassinou seu pai e sua irmã, da mesma forma que fez com os colegas de escola e fica desesperada.
A vida de Eva então se torna um inferno, sendo hostilizada por muitas pessoas da cidade. Ela teve que vender a linda casa em que moravam para pagar pela defesa de Kevin e fora morar em uma pequena casa de subúrbio. Essa casa foi totalmente vandalizada com tinta vermelha pelos habitantes da cidade e ela era tratada como culpada por tudo o que Kevin havia feito. 
Com muita dificuldade, encontrou um emprego bem aquém de sua capacidade, mas mesmo lá, quase ninguém conversava com ela.
O filme mostra suas visitas a Kevin na detenção e posteriormente na penitenciária. Essas visitas eram permeadas por silêncios e olhares profundos entre os dois, mas ao final de um dos encontros Eva o abraça e ele, embora não corresponda, não a repele. Durante esse encontro Eva havia lhe perguntado o por quê dele ter cometido esse crime e ele responde que achava que sabia, mas agora não tinha mais certeza.
O filme acaba e fica a sensação de que, na verdade, nunca se falou seriamente a respeito de Kevin. 
Discussão:
A escolha do filme Precisamos falar sobre o Kevin se deu, porque, apesar de ser uma obra de ficção, ele retrata com riqueza de detalhes uma relação entre mãe e filho onde a privação do afeto aparenta redundar em um comportamento psicótico e num final trágico em que Kevin torna-se um assassino cruel. Tal correlação entre privação e suas consequências encontra respaldo teórico na obra de Winnicott.
Ainda explorando o título, nota-se que pouco “se fala sobre o Kevin”. As tentativas da mãe de tocar no assunto de que há algo errado com o menino são caladas pelo pai, que sempre alega que ele é um menino meigo. Também não há espaço para as angústias de Eva, que parece não ter desejado a maternidade, nem ter quem a ouvisse sobre suas dificuldades antes e após o parto. O acolhimento da mãe pelo pai, que aparentava gostar e se dar muito bem com ela, não acontece conforme o esperado.
Quanto a Preocupação Materna Primária (Winnicott, 1956), Eva dá todos os sinais de não a ter desenvolvido, desde a gestação, quando pareceu decepcionada até o pós parto onde não acolhe seu filho (que chora descontroladamente). Quem faz isso é o pai. É essa preocupação, quase uma doença que integra mãe e bebê como que num só corpo e faz com que a mãe se esqueça de si e do mundo para cuidar e interpretar somente o seu bebê (Winnicott, 1956). Eva, ao contrário procura manter-se distante dele o quanto possível, até na forma como o segura longe de seu corpo, com os braços esticados. Isso parece não ter protegido Kevin das ameaças de aniquilação provocadas pela falta de atendimento de suas necessidades em um ambiente suficientemente bom e, consequentemente, uma sensação de inutilidade e uma ausência de satisfações se apossam dele. Também pode ter proporcionado a formação de um falso self, onde ele se submete a algumas exigências, e reage aos estímulos, mas não os sente verdadeiramente, apenas representa como que um personagem (WINNICOTT, 1956).
O filme também parece se ancorar na premissa do Dr. Winnicott de que mulheres com fortes inclinações masculinas teriam dificuldade em desenvolver a Preocupação Materna Primária (Winnicott, 1956). Isso aparece nas cenas em que Eva explora viagens pelo mundo sozinha, participa de festas temáticas como a La Tomatina, na Espanha, cena onde aparece como que em verdadeiro êxtase. Se levarmos em conta o pensamento da época de Winnicott, que nasceu no final do século 19, o comportamento de Eva estaria realmente fora dos padrões aceitáveis para uma mulher.
Na obra de Winnicott (1945) são pormenorizadas duas funções básicas maternas: holdling e handling (ou manejo). Eva aparenta falhar em todas elas. Desde o pós parto quando não segura seu filho junta ao corpo (holding) e o mantém a maior parte do tempo no berço ou no carrinho de bebê. Há que se notar, que quando ela engravida da filha mais nova ela age diferentemente, segurando a menina desde os primeiros momentos. Quando ao manejo, pode-se notar que a troca de fraldas é realizada de maneira brusca e quase automática, ela não conversa, nem cantarola para seu bebê.
Tais procedimentos da parte de Eva, podem ser equivalentes a maus tratos e podem se revelar no futuro como um evento altamente traumatizante (Winnicott, 1987). 
Em outro momento, Kevin deixa claro para Eva que sabe dos sentimentos que a mãe nutre por ele ao afirmar “não se gosta de alguma coisa porque se está acostumado” e complementa “você está acostumada comigo”, querendo dizer: você não gosta de mim, apenas está acostumada comigo.
O caminho em busca de integração de Kevin se nos apresenta como especialmente difícil, pois sua mãe não parece madurae compreensiva a ponto de suportar seu processo ruthless (impiedoso). Só ela poderia suportar suas brincadeiras sem complacência, mesmo que isso a ferisse e tal resiliência propiciaria a Kevin passar ao próximo estágio, o do concernimento, onde ele adquiriria a noção de poder ter feito mal ao objeto externo e sentiria culpa e compaixão (Winnicott, 1945). “Sem a possibilidade de brincar sem compaixão, a criança terá que esconder seu eu impiedoso e dar-lhe vida apenas em estados dissociados” (WINNICOTT, 1945 p. 230).
Tudo isso aparece muito bem representado no filme, por exemplo quando a polícia invade o ginásio em que ele matou seus colegas e ele se apresenta para ser preso com um olhar frio, perdido, sem demonstrar nem medo nem arrependimento, como que dissociado de si mesmo.
Se continuarmos a considerar a teoria de Winnicott (1939), deve ter havido algum processo de integração incipiente na infância de Kevin (talvez propiciada por seu contato bom com o pai), mas que depois obedeceu a uma desintegração, o que é ainda mais grave do que não ter nunca se integrado. A criança pode aparentar ter se integrado e que tenha atingido o concernimento, porém sente dentro de si que: 
As forças cruéis ou destrutivas ameaçam dominar as forças de amor, o indivíduo tem de fazer alguma coisa para salvar-se, e uma das coisas que ele faz é pôr para fora o seu íntimo, dramatizar exteriormente o mundo interior, representar ele próprio o papel destrutivo e provocar seu controle por uma autoridade externa (WINNICOTT, 1939 p. 94).
O trecho acima explicaria os atos impiedosos de Kevin, como cegar sua própria irmã com o desentupidor de pia e ter matado seus colegas, seu pai e sua irmã a flechadas. Tudo se passa como se ele tivesse necessidade de um controle externo, que não ocorreu no caso da irmã, onde o pai o protegeu, mas teve sucesso no caso dos assassinatos com sua consequente prisão. 
Isso parece ficar evidente nas cenas em que a mãe o visita na prisão, onde ele reconhece que está “num inferno”, mas seu semblante parece esboçar que ele está ali, realmente, inteiro e integrado. Até o abraço que ela lhe dá, apesar de ele não parecer corresponder, é aceito por ele. É provavelmente a única cena de afeto verdadeiro entre eles.
Conclusão
	A análise do conteúdo do filme à luz das ideias de Winnicott sobre a relação mãe-bebê parece evidenciar uma profunda correlação entre as falhas ambientais (representadas pela mãe) e a formação de uma constituição psíquica patológica em Kevin.
	A hipótese de psicopatia em Kevin pode ser aventada, pois ele apresenta comportamentos desviantes em relação a aspectos afetivos e relacionais. Entretanto, apenas pelo material apresentado não se pode concluir uma relação de causa e efeito entre sua relação difícil com a mãe e seus traços antissociais, mas é isso que nos sugere o roteiro apresentado, instigando a uma pesquisa mais elaborada (Davoglio, 2012).
	Apesar de tratar-se de uma obra de ficção, é bem possível relacioná-la a casos semelhantes na vida real. Não há aqui a pretensão de se esgotar o assunto, mas propiciar que se tenha uma atenção especial a adolescentes transgressores, levando-se em conta sua história, que muitas vezes só recebe atenção quando evidenciada por um ato infracional.
	Ainda, torna-se importante enfatizar que não se pretende aqui demonizar a atitude das mães, como sendo as causadoras diretas por essas condutas. A falta de uma figura paterna que interdita e representa a lei, sendo condescendente com pequenas faltas, pode levar a que o adolescente busque por essa interdição, em último caso, na figura do juiz que pune, dando-lhe o limite de que ele necessitava.
Referências Bibliográficas:
ABRAM, J. (1996). A linguagem de Winnicott. Dicionário das palavras e expressões utilizadas por Donald W. Winnicott. Rio de Janeiro: RevinteR, 2000.
Revista Intrínseca – Autor LIONEL SHRIVER – disponível em: https://www.intrinseca.com.br/autor/24/, consultado em 03/10/2021
Davoglio, T. R. (2012). Instrumentos de avaliação de traços de personalidade psicopática em jovens sul-brasileiros: evidências de validade. Tese de Doutorado não publicada. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS).
OUTEIRAL, José. D. W. Winnicott – o homem e a obra. In: Revista Mente e Cérebro Memória da Psicanálise N. 5. São Paulo: Duetto Editorial, 2005, p. 6-15.
WINNICOTT, D. W. (1939). Privação e Delinquência. Martins Fontes São Paulo (SP).
WINNICOTT, D. W. (1945). Desenvolvimento emocional primitivo. In: Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000, cap. 12, p. 218-232.
WINNICOTT, D. W. (1963). Da dependência à independência no desenvolvimento do indivíduo. In: O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed Editora, 1983, cap. 07, p. 79-87.
Winnicott, D. W. (2002). Os bebês e suas mães (Trad. J. L. Camargo). São Paulo: Martins Fontes. (Obra original publicada em 1987).

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