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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE FACULDADE DE DIREITO CURSO DEDIREITO FRAUDE À LEI ABEL PEDRO NOVE AIRES DE ORNELAS FERRÃO CÂNDIDO ASSIMAI ESSIACA CARMEN NANY DAVID JOSÉ COBRE EDMANE DE GRACIOSA RAIMUNDO ADRIANO JOANA BAPTISTA MACUACUA NEVALDA CAIMARA JOSÉ RAMOS MUNISSA NAMPULA 2021 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE FACULDADE DE DIREITO CURSO DEDIREITO FRAUDE À LEI ABEL PEDRO NOVE AIRES DE ORNELAS FERRÃO CÂNDIDO ASSIMAI ESSIACA CARMEN NANY DAVID JOSÉ COBRE EDMANE DE GRACIOSA RAIMUNDO ADRIANO JOANA BAPTISTA MACUACUA NEVALDA CAIMARA JOSÉ RAMOS MUNISSA NAMPULA 2021 Trabalho de carácter avaliativo da cadeira de Direito Internacional Privado, referente ao 1º semestre, 6º Grupo, curso de Direito, 4º ano, período laboral. orientado pelo docente: MA. Grabiel Mepina. Índice Introdução ................................................................................................................................... 1 1 CAPÍTULO I: FRAUDE À LEI .............................................................................................. 2 2 Conceito e contextualização .................................................................................................... 2 2.1 Fraude à Lei como elemento subjectivo ............................................................................... 2 2.2 Fraude à Lei como elemento objectivo ................................................................................. 2 2.3 Fraude à Lei e Fuga à Lei ..................................................................................................... 2 3 CAPÍTULO II: CONFIGURAÇÃO DO PROBLEMA .......................................................... 3 3.1 Doutrina que afasta o conceito de fraude à lei no campo de DIP ......................................... 4 3.1.1 A Incredibilidade do Conceito de Fraude a lei em DIP ..................................................... 4 3.1.2 Face a Pessoas Colectivas .................................................................................................. 4 3.1.3 Admissibilidade da noção de fraude a lei em DIP ............................................................. 5 3.1.4 Admissibilidade da doutrina da fraude a lei em DIP ......................................................... 5 3.2 Doutrina Segundo a qual a Fraude a lei é um Problema Particular de Violação da Ordem Pública…………….. .................................................................................................................. 6 3.2.1 Consequência ..................................................................................................................... 6 3.3 Orientação preconizada ........................................................................................................ 7 4 CAPÍTULO III: A FRAUDE À LEI E A ORDEM PÚBLICA ............................................... 8 4.1 Pressupostos da fraude à lei .................................................................................................. 8 4.2 Causas da Fraude à Lei ......................................................................................................... 9 4.3 Consequências da fraude à lei ............................................................................................. 10 4.4 Fraude à lei no Ordenamento Jurídico Moçambicano ........................................................ 11 Conclusão ................................................................................................................................. 12 Referências bibliográficas ........................................................................................................ 13 1 Introdução O presente trabalho da Cadeira de Direito Internacional Privado, intitulado “Fraude à Lei”, visa fazer uma abordagem sintética e esgotada do tema acima referido, e como nota introdutória é indispensável ter em conta que o tema constitui uma abordagem bastante relevante para efeitos de estudo da disciplina do Direito Internacional Privado, uma vez que maior parte dos profissionais de Direito, tem pouco domínio das matérias desta área, havendo dificuldade na resolução dos conflitos emergentes de relações privadas estabelecidas no âmbito internacional, provocando deste modo, a morosidade processual que é um outro problema que afectam a Justiça. A fraude à Lei traduz-se na conduta de um particular que, valendo-se uma norma estrangeira, procura defraudar a lei interna do pais, neste tipo de fraude utiliza a lei como instrumento de fraude. Ora, para percepção deste problema, surge a necessidade de elaboração deste trabalho, que o grupo irá abordar todos aspectos imprescindíveis para compreensão desta matéria, tais como: conceito de Fraude à Lei, os elementos, a configuração do problema, onde o grupo, irá trazer vários posicionamentos dos autores mais influentes no Direito Internacional Privado, que discutem em torno do tema em alusão, bem como, as varias doutrinas que defendem a questão de Fraude à Lei, bem como as doutrinas que afastam ou refutam a Fraude à Lei. No âmbito da abordagem deste trabalho, iremos trazer a posição preconizada no que tange aos aspectos de Fraude à Lei, bem como, fraude à Lei e a ordem pública, pressupostos da Fraude à Lei e as Consequências de Fraude à Lei. O trabalho encontra-se organizado em três capítulos, nomeadamente: Capítulo I: Fraude à Lei; Capítulo II: Configuração do Problema; e Capítulo III: A fraude à lei e a ordem pública. Para elaboração do trabalho, o grupo tem como objectivo geral estudar a Fraude à Lei. E tem como objectivos específicos: conceituar a Fraude à Lei; descrever a Configuração do problema; demonstrar as doutrinas que discutem este problema; e perceber as consequências deste problema. Quanto aos procedimentos metodológicos, importa referenciar que o grupo optou pelo método dedutivo, e tipo de pesquisa qualitativa e bibliográfica. 2 1 CAPÍTULO I: FRAUDE À LEI 2 Conceito e contextualização A fraude à lei (evasion oflaw ou fraude à la loi) ou criação fraudulenta dos elementos de conexão (fraudulent creation of points of contact) refere-se às partes de uma norma jurídica internacional (civil e comercial) que aproveitam artificialmente uma norma de conflitos e criam propositadamente um elemento de conexão para fugir à aplicação do direito interno que devia ser aplicado, e por conseguinte, aplicam o direito estrangeiro que lhe beneficia. Porque a designação da lei depende de elementos de conexão, e da vontade das partes, por exemplo, nacionalidade, domicílio, lugar onde a pessoa se encontrar, etc. Se as partes, com um determinado objectivo, abusarem da liberdade de criação e mudança do elemento de conexão, obviamente não é vantajoso para a segurança da ordem jurídica, nem para a implementação da política jurídica do direito interno. Portanto, a mudança arbitrária de elemento de conexão para fugir à aplicação do direito interno com o objectivo de aplicar o direito estrangeiro mais vantajoso para o agente, conduz, a uma situação de invalidade. 2.1 Fraude à Lei como elemento subjectivo A fraude à Lei como elemento subjectivo à Lei, vai consistir em alguém iludir a competência da lei de aplicação normal a fim de afastar um preceito de Direito material dessa lei, recorrendo a outra lei onde tais preceitos não convêm às partes ou uma delas não existir, isto para substituir a lei de aplicação normal. 1 2.2 Fraude à Lei como elemento objectivo A fraude à Lei como elemento objectivo, através de uma adequada manipulação da regra de conflitos, normalmente do factor de conexão, a intenção fraudulenta é levada acabo, sendo que este elemento pressupõe que possa depender da vontade dos interessados fixara conexão relevante à medida das suas convivências. E normalmente tem-se utilizado a Nacionalidade. 2 2.3 Fraude à Lei e Fuga à Lei A fraude à lei no direito internacional privado e “a fuga” à lei no direito material são muito semelhantes o conceito do primeiro tem origem substancial no segundo, 1 CORREIA, A, Ferrer, Lições De Direito Internacional Privado, 1ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, pág. 421. 2 Idem, pág. 421-424. 3 mas existem diferenças nos meios e objectivos entre estes; “fugir” à lei no direito civil traduz- se na aplicação fraudulenta de uma lei não aplicável através de meios lícitos. Porém, estes termos apresentam as suas diferenças: A fraude a lei no direito internacional privado é uma conduta que evita a aplicação do direito material interno e tenta aplicar o direito estrangeiro favorável, através, por exemplo, a mudança da nacionalidade, da residência habitual, do domicílio, do lugar do cumprimento da obrigação, etc., escapar à lei no direito material por sua vez, a “fuga” consiste na fuga à aplicação do direito imperativo no direito interno. A fraude à lei muda o elemento de conexão para “fugir” à aplicação do direito interno desfavorável, para aplicar o direito estrangeiro mais favorável a si próprio; escapar à lei é uma conduta ilícita que utiliza meios tortuosos para cobrir os seus objectivos ilícitos, não estando relacionados com a mudança do elemento de conexão, também não tem a ver com a aplicação do direito estrangeiro. 3 CAPÍTULO II: CONFIGURAÇÃO DO PROBLEMA A fraude à Lei em Direito Internacional Privado, consiste na utilização das normas de conflito para evitar a aplicação de uma lei. 3 Um dos exemplos mais conhecido nessa questão, é o que sucedeu em 1874, quando a princesa de Bauffremont separou-se de pessoa e bens do seu marido, porem o divórcio só viria a ser introduzido em Franca dez anos mais tarde. Pouco depois, naturalizou- se na Alemanha no Saxe-Altenburg, obteve nesse país o divórcio e logo voltou a casar-se, com o príncipe de Bibesco. 4 Porem, quer o divórcio quer o casamento foram considerados sem valor em Franca por terem sido obtidos em fraude à lei francesa. 5 Embora a nova lei nacional da princesa de Beuffremont segundo a regra de conflitos francesa, o expediente permitiu à interessada contrair imediatamente o segundo casamento. Neste caso, o objecto da fraude foi a norma de conflitos que designava como aplicável (lei francesa), justamente aquela de que a princesa pretendia evadir-se, e o instrumento da fraude a norma que considerava aplicável a lei a que a interessada pretendia acolher-se. Foi portanto, o fim da ilicitude do fim visado com a manobra e não a pura e 3 RIBEIRO, Manuel Almeida, Introdução Ao Direito Internacional Privado, 2ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 62. 4 CORREIA, A, Ferrer, Lições De Direito Internacional Privado, Volume I, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, pág. 421-422. 5 RIBEIRO, Manuel Almeida, Introdução Ao Direito Internacional Privado, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 62. 4 simples alteração do elemento de conexão da regra de conflitos, que provocou o malogro do pano. Ninguém, pode ser privado do direito de mudar de nacionalidade, contanto que o indivíduo proceda com intento sério de aceitar as consequências mais essenciais da condição de nacional do Estado de naturalização. 6 3.1 Doutrina que afasta o conceito de fraude à lei no campo de DIP 3.1.1 A Incredibilidade do Conceito de Fraude a lei em DIP Alguns autores se opõem a relevância da fraude à lei em Direito Internacional Privado, pois logo a prior questionam o conceito da Fraude à lei em DIP, dizendo que é o próprio legislador que indica às partes o caminho através do qual estas podem escapar à aplicação das suas leis internas. Seria ilógico falar da fraude à lei imperativa interna quando essa mesma lei não é aplicável, isto é, só pode haver fraude a lei desde que tal lei fosse aplicável, isto porque, a determinação da esfera de aplicabilidade da lei interna, constitui um prius relativamente à possibilidade de violação directa ou indirecta desta lei. 7 3.1.2 Face a Pessoas Colectivas Aprofundando a sua tese, estes ainda defendem que não pode considerar-se haver fraude à lei, quando se trata de uma pessoa colectiva, mesmo sendo uma sociedade anónima cujos fundadores deliberem fixar-lhe a sede em determinado pais por causa da lei daquele pais que é menos severa em relação à daquele onde a sociedade pretende ou exerce a sua principal actividade 8 , isto é, é difícil justificar a relevância da fraude à lei quando os fundadores de uma pessoa colectiva escolhem para sede um pais que tem legislação mais favorável, desde que essa sede seja a efectiva 9 . Isto porque, acha-se que neste domínio a fraude só será de considerar nas situações que chamarão de internacionalização artificial da pessoa colectiva, isto é, dá-se a pessoa colectiva, cor ou carácter internacional através da simples fixação da respectiva sede em país estrangeiro. 6 CORREIA, A, Ferrer, Lições De Direito Internacional Privado, Volume I, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, pág. 422. 7 MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, Actualizada (Reimpressão), Almedina, Lisboa, 2002, pág. 276. 8 CORREIA, A, Ferrer, Lições De Direito Internacional Privado, Volume I, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, Pág. 423. 9 RIBEIRO, Manuel Almeida, Introdução Ao Direito Internacional Privado, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009, Pág. 63. 5 Porque também não se pode deixar de se intender que é pressuposto da intervenção do direito de conflitos a existência de uma situação propriamente internacional. 10 3.1.3 Admissibilidade da noção de fraude a lei em DIP Outra objecção contra a admissibilidade da noção de fraude à lei em Direito Internacional Privado, consiste na dificuldade de determinar em certos casos, qual o direito fraudado. Sendo que os defensores da relevância da fraude à lei em DIP partem da ideia de que deve antes, pela própria natureza das coisas haver uma ordem jurídica determinada, como única competente. E considerando esse pensamento, o órgão aplicador do direito terá sem dúvida, de considerar como fraudada aquela ordem jurídica que se apresentaria como competente se as partes não tivessem montado a conexão fraudulenta, ou seja, se elas não tivessem realizado a actividade fraudatória. Ora, se a determinação da tal ordem jurídica competente, não oferece dificuldades, como ficaríamos nos casos em que, por exemplo, um Americano, um Inglês e um Francês, depois de haverem examinado as disposições pertinentes das leis Inglesa, Francesa, Suíça e Liechtensteiniana, decidem constituir uma sociedade anónima no Liechtensteiniana, com o fim de escapar dos preceitos que regulam as sociedades por acções e dos preceitos de natureza fiscal vigentes nos outros países. Nestes casos as questões que se colocam são: qual o direito fraudado: o Americano, o Inglês, o Francês ou o Suíço? 11 Qual destes direitos deve ser havido como competente e por que conexão o haverá de determinar? Tendo em consideração de que a conexão que seria a normal ou natural não se concretizou, e logo não pode funcionar, em virtude da própria actividade fraudatória. 12 3.1.4 Admissibilidade da doutrina da fraude a lei em DIP Esta é outra objecção de peso, pois traduz a insegurança quanto aos efeitos a derivar da mesma fraude e a incerteza jurídica que provocaria a aplicação no direito de conflitos de uma cláusula geral repressiva da fraude a lei. É notável a insegurança que se verifica no domínio de DIP quanto as consequências da fraude a lei. Alguns autores, inspirando-se no brocardo fraus amnia corrumpit,consideram que são nulas tanto as relações ou efeitos jurídicos visados através da fraude, como os efeitos das actuações fraudatórias, logo seria nulo o divórcio obtido por aplicação de um direito 10 CORREIA, A, Ferrer, Lições De Direito Internacional Privado, Volume I, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, pág. 423. 11 MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, Actualizada (Reimpressão), Almedina, Lisboa, 2002, pág. 277. 12 Ibdem. 6 estrangeiro como meio de tornar viável aquele fim. Mas para outros autores, somente os efeitos jurídicos visados pelas partes (divórcio) seriam nulos. E ainda se sustenta uma terceira opinião, segundo a qual o juiz deverá sempre ater-se ao direito fraudado, limitando-se a excluir os efeitos por estes proibidos ou fazer actuar os efeitos por ele imperativamente estatuídos. 13 Isto e, afasta-se o conceito de fraude a lei em DIP, quando a conduta fraudatória consistiu na mudança de nacionalidade e o naturalizado se integrou seriamente na comunidade de nacional. 14 Por todas estas razões, e ainda porque a aplicação do conceito de fraude a lei criaria no DIP uma insegurança jurídica (a incerteza sobre se o divórcio obtido no estrangeiro e subsequente casamento são ou não validos). Logo conclui-se que a aplicação da doutrina da fraude no direito de conflitual seria dogmaticamente ilógico e praticamente inconveniente 15 . 3.2 Doutrina Segundo a qual a Fraude a lei é um Problema Particular de Violação da Ordem Pública. Para muitos autores, a teoria de fraude à lei em DIP careceria de autonomia, nada mais sendo que um caso particular de aplicação da teoria da ordem pública internacional. As duas teorias, segundo Bartin, produzem os mesmos resultados, com a única diferença de que, enquanto o efeito da ordem pública é desencadeado pela perturbação social, que produziria a aplicação da lei estrangeira em razão do seu social que causaria tal aplicação em razão das circunstanciais de facto que interviria. Na verdade, embora as disposições legais, fraudadas não sejam necessariamente de ordem pública internacional, elas vêm a assumir tal carácter por virtude das circunstâncias de facto, por efeito da própria intenção fraudulenta 16 . Os próprios autores que aderem esta tese acentuam o carácter particular que reveste o problema da fraude no âmbito da teoria da ordem pública 17 . 3.2.1 Consequência A doutrina exposta tem consequência natural, a irrelevância da fraus legi extraneae facta, de toda fraude que não vá dirigida contra uma disposição da lei interna do fórum, pois a ordem pública, rigorosamente, só protege os interesses próprios da lex fori. 13 MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, Actualizada (Reimpressão), Almedina, Lisboa, 2002, pág. 277-278. 14 RIBEIRO, Manuel Almeida, Introdução Ao Direito Internacional Privado, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 63 15 MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, Actualizada (Reimpressão), Almedina, Lisboa, 2002, pág. 278. 16 Idem, pág. 278. 17 Idem, pág. 279 7 Na Alemanha, onde tal doutrina é a dominante, faz-se notar, em seu abono, que a fraude á lei em DIP, tal como a ofensa a ordem pública, se traduz em última análise, na violação do fim de uma lei (norma) interna. 3.3 Orientação preconizada Antes de mais, importa situar adequadamente o problema da fraude a lei no plano do DIP. Assenta-se correctamente na ideia de que a fraude a lei em DIP, se traduz em defraudar-se o imperativo de uma norma material de certo ordenamento, através da utilização de uma norma de conflito como instrumento. Assim sendo, a fraude a lei em DIP, não se configura como fraude de uma norma em DIP. Logo segundo a concepção mais divulgada a fraude a lei em DIP, traduzir-se-ia na fuga de uma norma material interna, a qual seria, portanto, a norma fraudada. A actividade fraudatória das partes por outro lado, incidiria sobre a modelação do factor de conexão de uma norma de conflitos, a qual caberia o papel da norma instrumental da fraude. Mas esta maneira de ver as coisas situa-se o plano do Direito material e dele parte. 18 Como problema do DIP, o problema da fraude a uma norma de conflitos e das consequências que lhe devem ser imputadas. Se não se deve permitir que o fraudante frustre o imperativo de normas de conflitos porque com isso a noção de fraude à lei terá relevância no DIP e a objecção lógica acima referida perde todo o alcance. O facto de aqui não parecer claramente recortada a distinção entre a norma fraudada e a norma-instrumento pode gerar uma dificuldade na configuração da fraude a uma norma de conflitos. KEGEL, opina que objecto de fraude é aquela parte da norma de conflitos que remete para o ordenamento a cuja aplicação se pretende escapar, e que a regra instrumental da fraude é aquela outra parte da mesma norma de conflitos que designa o ordenamento jurídico cuja aplicabilidade se pretende provocar. 19 A norma de conflitos designa a sua consequência jurídica por forma genérica e que são tantas as consequências jurídicas e, portanto, tantas as normas que se contem no esquema abstracto de uma norma de conflitos quantas as ordens jurídicas existentes. Com isso teríamos que a norma fraudada seria aquela que tem por consequência jurídica a aplicação da legislação A, e a norma instrumental aquela cuja consequência jurídica consiste na aplicação do ordenamento B. 18 MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, Actualizada (Reimpressão), Almedina, Lisboa, 2002. pág. 280 19 Idem, pág. 280 8 Portanto, é possível a construção da fraude à lei em DIP. 20 4 CAPÍTULO III: A FRAUDE À LEI E A ORDEM PÚBLICA Não parece de forma alguma defensável a doutrina que considera a fraude à lei em DIP como um caso particular de aplicação da teoria da ordem pública, tanto que esta longe de ter um caracter mais especializado que a teoria da fraude, apresenta característica de maior generalidade e indeterminação. 21 As duas figuras jurídicas revelam certas diferenças bem marcadas. Assim, a excepção de ordem pública limita-se a proteger o meio jurídico interno contra os efeitos nocivos que poderiam resultar de aplicação de uma lei estrangeira normalmente competente. O conteúdo da lei estrangeira em causa actua, sempre, por si ou em combinação com as circunstâncias do caso, como factor determinante da intervenção da ordem púbica. O recurso a fraude não é utilizado porque a aplicação da lei estrangeira seja inconciliável com as concepções jurídicas do foro, ou por qualquer razão que se ligue com um conteúdo. Desta perspectiva resulta igualmente patente que, através da excepção da ordem púbica, a justiça privada material do foro se sobrepõe à justiça do próprio DIP, ao passo que a questão da relevância da fraude à lei é apenas uma questão de justiça de DIP. Por último, a excepção da ordem pública apenas protege os interesses da Lex Fori, ao passo que o expediente da fraude à lei serve ainda para reprimir a chamada fraude à lei estrangeira. 22 4.1 Pressupostos da fraude à lei O objecto da fraude à lei do DIP é constituído por aquela norma cujo imperativo viria a ser frustrado se a manobra fraudatória resultasse. Trata-se daquela norma de conflitos que manda aplicar o direito material a que a fraudante, em último termo, pretende subtrair-se. O que se poderá dizer é que o fim dessa norma de conflitos não será afectado na medida em que o não seja também o fim da norma material a cuja aplicação o fraudante quis escapar. 23 O outro pressuposto é a utilização de uma regra jurídica, como instrumento da fraude, a fim de assegurar oresultado que a norma fraudada não permite. Essa regra é no DIP, 20 RIBEIRO, Manuel Almeida, Introdução Ao Direito Internacional Privado, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 63 . 21 MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, Actualizada (Reimpressão), Almedina, Lisboa, 2002, pág. 281. 22 Idem, pág. 282. 23 Ibidem, pág.283. 9 a norma de conflitos que indica como aplicável aquele direito que melhor se conforma com intuitos do fraudante. Esta regra, através das manobras fraudatória, é desviada do seu fim normal, por tal forma que o uso que as partes dela fazem representa antes um abuso. A actividade fraudatória há-de traduzir-se no emprego de meios eficazes para a consecução do fim visado pelas partes: o desencadeamento da consequência jurídica da norma-instrumento e, conexamente, o da consequência jurídica da norma ou normas da lei estrangeira. Quanto a intenção fraudatória, ela é normalmente exigida pela generalidade dos autores, no campo do DIP, como pressuposto necessário para o preenchimento do conceito da fraude. Esta tese é geralmente fundada na ideia de que só a fraude intencional tem aptidão bastante para provocar uma perturbação social capaz de desencadear medidas repressivas, de que só ela é de molde a fazer perigar a autoridade e o valor imperativo da lei, por ser uma manipulação consciente da mesma lei. 24 4.2 Causas da Fraude à Lei Para que uma lei aplicável corresponda aos princípios de igualdade e da justiça para defender os interesses legítimos dos cidadãos e dos estrangeiros, todos os países ou regiões do mundo estabeleceram o DIP para reger as relações jurídico-privada internacionais. Nesse contexto, a aplicação do DIP tem de ter um objecto que é uma relação jurídica internacional, e um caso relacionado com a relação jurídica internacional que depende da matéria concernente ao exterior 25 . A mesma relação no país D é uma relação jurídica interna, ao passo que no país Z é uma relação jurídica internacional; uma relação jurídica que originalmente era uma relação jurídica interna no país D, pode tomar-se numa relação jurídica internacional por causa da mudança do elemento de conexão. Por exemplo, a mudança do elemento de conexão dos sujeitos: nacionalidade, domicílio, através da mudança do elemento de conexão dos objectos: lugar da situação da coisa; a mudança do elemento de conexão do lugar da prática do acto: lugar da celebração do contrato, lugar do cumprimento do contrato; a mudança do elemento de conexão relacionado com a vontade das partes: o consenso de ambas as partes do contrato. 24 MACHADO, João Baptista, Lições do Direito Internacional Privado, 3ª edição Actualizada (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2002 pág. 285 25 RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura, Das Relações Privadas Internacionais: Estudo de Direito Internacional Privada, Coimbra Editora, Portugal, 1995, pág. 62. 10 Além disso, a aplicação da lei competente à relação jurídica internacional carece da determinação do elemento de conexão; a mudança do elemento de conexão vai exercer influência sobre a determinação da lei competente. Por outras palavras, a mudança do elemento de conexão influencia muito se uma relação jurídica é uma relação jurídica interna ou é uma relação jurídica internacional; se for uma relação jurídica internacional, também a lei aplicável será outra devido à mudança do elemento de conexão. Por isso, a mudança de elemento de conexão exerce influência tanto sobre a natureza jurídica, como sobre a escolha da lei competente. Ademais, os problemas são diferentes. O primeiro problema pode causar o “problema de fraude à lei no direito internacional privado”; enquanto ao segundo problema, se chama “conflito de leis causado pelo factor do tempo”. Vejamos agora o problema da “fraude à lei”. A mudança do elemento de conexão, é o resultado deliberado das partes, a mudança da nacionalidade e (emigração), do lugar da celebração do contrato ou do lugar do cumprimento; também há mudança do elemento de conexão que não é resultado deliberado das partes, por exemplo, a redefinição das fronteiras de dois países, que resulta na mudança da nacionalidade das partes ou do lugar da situação da coisa. A mudança é natural na sua maioria, as partes não têm a intenção de evitar a lei ou defraudar a lei, no entanto, não é sempre assim. Portanto, do ponto de vista do direito internacional privado, as partes mudam de elementos de conexão para influenciar as relações jurídicas. Se essas relações são relações internacionais, quais são as situações da aplicação da lei competente a que temos de dar atenção de dar atenção, como se distingue a intenção ilícita? Esse é um problema controvertido no direito internacional privado; esse problema é da “fraude à lei”. 26 4.3 Consequências da fraude à lei A sanção da fraude da lei se traduz na aplicação da norma cujo imperativo a manobra fraudulenta procurou iludir. Assim os actos jurídicos realizados e os direitos adquiridos em fraude à lei do foro serão ineficazes neste ordenamento jurídico, conforme reza o artigo 21º conjugado com artigo 22º, ambos do CC. Mas só nisto se traduz a sanção da 26 RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura, Das Relações Privadas Internacionais: Estudo de Direito Internacional Privada, Coimbra Editora, Portugal, 1995. pág.62 11 fraude, e não também na ineficácia absoluta dos actos praticados ou das situações constituídas com o fim de viabilizar a fraude. 27 Assim se alguém se naturaliza no estrangeiro com o fim de se subtrair a uma disposição da lei nacional, do ponto de vista da disposição fraudada, não há qualquer motivo para negar a eficácia em termos gerais à cidadania estrangeira adquirida pelo fraudante. A naturalização será apenas ignorada na medida em que o toma-la em consideração redunde em prejuízo da norma fraudada. 28 O exposto não significa que por vezes as situações constituídas ou os actos jurídicos praticados como meios de se fugir a uma lei e de conseguir o abrigo de outra não devam ser apreciados autonomamente ou de por si à luz da doutrina da fraude à lei, para o efeito de eventualmente serem havidos como ineficazes em razão da fraude. 29 4.4 Fraude à lei no Ordenamento Jurídico Moçambicano A problemática da fraude a lei, encontra-se prevista no art. 21° do CC Moçambicano, que nos trás a ideia de que, na aplicação das normas de conflito, são irrelevantes todas asa situações de facto ou de direito criadas com intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente. Por exemplo, é o caso de um individuo se naturalizar cidadão de um certo Estado, apenas para obter o divórcio ou tornar possível o seu casamento, ou, mais simplesmente ainda, de ele deslocar a sua residência habitual, com simples intenção de alterar o seu estatuto pessoal. Neste contexto o artigo exige, um intuito fraudulento. Se ao lado, pois, do objecto de se divorciar ou de se casar, a pessoa quiser por outras razões mudar de nacionalidade ou de residência, deixa de ser havido como fraudulento o acto, para se entrar no campo das possibilidades que a lei confere aos indivíduos. A reacção da lei contra a fraude é mais inteligente, por ser a que em termos mais simples a consecução dos fins prosseguidos pelo agente. Logo, tudo se passa como se os actos fraudulentos não existissem 27 MACHADO, João Baptista, Lições do Direito Internacional Privado, 3ª edição Actualizada (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2002 pág.286 28 MACHADO, João Baptista, Lições do Direito Internacional Privado, 3ª edição Actualizada (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2002 pág. 28629 Ibidem, Pág. 286. 12 Conclusão Depois da realização do trabalho, a doutrina pertinente permitiu ao grupo chegar as seguintes conclusões: No Direito Internacional privado, a Fraude à Lei, ocorre quando os interessados no instituto escapam à aplicação de um preceito material de certa legislação criam um elemento de conexão que tornará aplicável uma outra ordem jurídica mais favorável aos seus intentos, logo, há assim uma norma instrumental de fraude. Quanto a posição adoptada, assenta na ideia de que a fraude a lei em DIP, se traduz em defraudar-se o imperativo de uma norma material de certo ordenamento, através da utilização de uma norma de conflito como instrumento. O que nos leva, a concluir categoricamente que a fraude à Lei em DIP, não é fraude de uma norma de conflito, mas sim de uma norma material. No que tange a fraude à lei e a ordem pública, não parece de forma alguma defensável a doutrina que considera a fraude à lei em DIP como um caso particular de aplicação da teoria da ordem pública, tanto que esta longe de ter um caracter mais especializado que a teoria da fraude, apresenta característica de maior generalidade e indeterminação. Para existência de Fraude à Lei, é preciso que haja certos pressupostos, como elemento objectivo, que vai traduzir-se na utilização de uma regra jurídica com finalidade de assegurar o resultado que a norma defraudada não permite. Isto é, as partes devem utilizar uma conexão falhada. Por outro lado, deve existir um elemento subjectivo, que se traduz na intenção das partes em querer defraudar. A sanção da fraude da lei se traduz na aplicação da norma cujo imperativo a manobra fraudulenta procurou iludir. Assim os actos jurídicos realizados e os direitos adquiridos em fraude à lei do foro serão ineficazes neste ordenamento jurídico, conforme reza o artigo 21º conjugado com artigo 22º ambos do CC. Mas só nisto se traduz a sanção da fraude, e não também na ineficácia absoluta dos actos praticados ou das situações constituídas com o fim de viabilizar a fraude. 13 Referências bibliográficas Legislação REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Código Civil, (1966), decreto-lei n. 47 344, de 25 de Novembro de 1966. Doutrina CORREIA, A, Ferrer, Lições De Direito Internacional Privado, 1ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2014. MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, Actualizada (Reimpressão), Almedina, Lisboa, 2002. RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura, Das Relacoes Privadas Internacionais: Estudo de Direito Internacional Privada, Coimbra Editora, Portugal, 1995. RIBEIRO, Manuel Almeida, Introdução Ao Direito Internacional Privado, 2ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2009.