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02- Caso_clinico-Departamento_de_Farmacia-06 04 21

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CASO CLÍNICO COMENTADO 
 
 
Departamento de Farmácia 
 
 
 
 
Cuidado farmacêutico na terapia infusional e uso de medicamentos por sonda enteral 
em pacientes críticos 
Cássio Alexandre Oliveira Rodrigues, Michelle Silva Nunes, José Martins de Alcântara Neto 
 
 
 
Paciente do sexo feminino, 65 anos, 60kg, portadora de insuficiência cardíaca (IC) 
descompensada de origem hipertensiva e gastrite erosiva, deu entrada na emergência de um 
hospital privado com quadro de edema agudo pulmonar, consciente e orientada, mas dispneica em 
O2 ambiente. Foram administradas 2 ampolas de furosemida ainda na emergência, mas evoluiu 
com parada cardiorrespiratória (PCR) que foi revertida após 2 ciclos de ressuscitação, conforme 
protocolo ACLS. Na avaliação de admissão na UTI estava grave, hipotensa (PA 61 x 45mmHg e 
PAM de 50mmHg), em uso de norepinefrina 50mL/hora (~1mcg/kg/min) e possibilidade de uso 
da vasopressina, sob ventilação mecânica invasiva, dieta zero, acesso vascular periférico em MSD, 
sedoanalgesia com fentanil e midazolam. Foram posicionados um cateter central de inserção 
periférica monolúmen e uma sonda nasoenteral pós-pilórica, para administração de medicamentos, 
em princípio. Inicialmente foi prescrita enoxaparina 40mg/dia para profilaxia de 
tromboembolismo venoso, conforme protocolo da UTI, e iniciado tratamento para úlcera gástrica 
e para a IC descompensada, de acordo com o quadro clínico da paciente e com a conciliação de 
medicamentos de uso domiciliar observada pela equipe de plantão. Além disso, a gasometria 
revelou acidose metabólica (pH: 7,16; HCO3: 11,5), para a qual foi utilizado bicarbonato de sódio, 
conforme a seguinte prescrição: 
 
 
Nome: MBF, 65 anos 
1. Dieta Zero 
2. SF 0,9% 1.000mL, EV, em BIC a 42mL/hora 
3. Fentanil AMP - 10mL (50mcg/mL) - 5 ampolas, EV, em BIC a 2mL/hora 
4. Midazolam AMP - 10mL (5mg/mL) - 3 ampolas + 120mL SF 0,9%, EV, em BIC a 5mL/hora 
5. Norepinefrina AMP - 4mL (1mg/mL) - 2 ampolas + 100mL SG5%, EV, em BIC a 15mL/hora 
5. Bicarbonato de sódio 8,4% FR - 250mL - 250mL, EV, em 2 horas e ACM 
6. Dipirona AMP - 2 mL (500mg/mL) - 1 AMP + 10mL de ABD, EV, se necessário 
7. Omeprazol FA - 40mg - 1 FA + diluente próprio, EV, 24/24 horas 
8. Sucralfato 2g FLAC - 10mL (200mg/mL) - 1 FLAC, SNE, 8/8 horas 
9. Enoxaparina SER - 40mg - 1 SER, SC, 24/24 horas 
10. Enalapril COM - 10mg - 1 COM, SNE, 12/12 horas 
11. Anlodipino 10mg - 1 COM, SNE, 24/24 horas 
12. Carvedilol COM - 6,25mg - 1 COM, SNE, 12/12 horas 
13. Espironolactona COM - 25mg - 1 COM, SNE, 24/24 horas 
14. Trimetazidima COM - 3 mg - 1 COM, SNE, 12/12 horas 
15. Ivabradina COM - 5mg - 1 COM, SNE, 24/24 horas 
16. Insulina regular conforme protocolo institucional 
17. Glicose 50% AMP - 10mL - 4 ampolas, EV, se glicemia < 70mg/dL 
18. Medir glicemia capilar a cada 4 horas 
19. Fisioterapia respiratória 3x dia 
 
No dia seguinte, o farmacêutico clínico da UTI realizou a anamnese do paciente e a análise 
da prescrição médica e registrou a evolução farmacêutica da admissão. 
 
EVOLUÇÃO FARMACÊUTICA DE ADMISSÃO 
 
Paciente sexo feminino, 65 anos, admitida na UTI por PCR revertida após dois ciclos 
ACLS em decorrência de edema agudo pulmonar, em ventilação mecânica e uso de drogas 
vasoativas. 
História da doença atual: foi admitida na emergência da instituição com quadro de 
desconforto respiratório secundário a um quadro de edema agudo pulmonar decorrente de uma 
insuficiência cardíaca prévia de causa hipertensiva. Foi admitida consciente e orientada, mas 
dispneica em O2 ambiente, quando evoluiu com quadro de PCR e necessitou de suporte em UTI. 
Comorbidade(s): hipertensão, insuficiência cardíaca, gastrite erosiva. 
Conciliação de medicamentos: Em domicílio usava anlodipino (10mg/dia), 
espironolactona (25mg/dia), carvedilol (6,25mg, 12/12 horas), enalapril (10mg, 12/12 horas), 
 
 
trimetazidima (35mg, 12/12 horas), ivabradina (5mg/dia), omeprazol (40mg/dia) e sucralfato (1g, 
3x dia). 
 Alergias medicamentosas: ( ) SIM (X) NÃO 
Avaliação do paciente: paciente evolui em estado geral grave, sedoanalgesiada com 
fentanil e midazolam, em uso de norepinefrina a 50mL/hora (± 1mcg/kg/min) e bicarbonato de 
sódio 250mL em 2 horas. Mantido sob ventilação mecânica invasiva. 
Avaliação laboratorial: laboratorialmente, apresentava-se apenas com acidose metabólica 
(pH: 7,16; HCO3: 11,5), sem demais alterações clínicas relevantes. 
Sinais de sangramento: ( ) SIM (X) NÃO 
Disfunção orgânica presente: (X) SIM ( ) NÃO. Qual? Insuficiência cardíaca. 
Em uso de antibiótico: ( ) SIM (X) NÃO. 
 
Condutas 
Orientação para a equipe: 
1. Suspender a infusão do bicarbonato de sódio 8,4%, até punção de novo acesso. 
2. Puncionar um cateter venoso central duplo-lúmen. 
3. Suspender o uso do sucralfato até reposicionamento da sonda enteral para a posição 
gástrica. 
4. Pausar a dieta para administração do sucralfato quando reposicionada a sonda enteral. 
5. Ajustar a dose do omeprazol para 40 mg a cada 12 horas. 
 
COMENTÁRIOS 
 
Farmacêuticos clínicos são de fundamental importância para a otimização da 
farmacoterapia, melhorando sua efetividade e para garantir a segurança no processo de medicação. 
A participação do farmacêutico nas equipes multiprofissionais pode reduzir mortalidade, tempo 
de hospitalização e eventos adversos.(1) 
 
 
No caso clínico apresentando, as intervenções realizadas pelo farmacêutico foram 
previamente comunicadas aos profissionais envolvidos no cuidado da paciente, sendo discutido os 
possíveis desfechos antes da tomada de decisão, documentada em prontuário clínico do paciente 
por meio da evolução farmacêutica a fim de registrar os cuidados prestados à paciente. 
 
1. Suspensão temporária da infusão do bicarbonato de sódio 8,4% 
Apesar da necessidade clínica para o uso do bicarbonato de sódio, identificou-se que o 
mesmo estava sendo infundido juntamente com a norepinefrina. Entretanto, a mistura de ambas as 
soluções resulta em incompatibilidade medicamentosa com degradação química da norepinefrina 
e ausência de efetividade terapêutica,(2,3) resultando em queda dos níveis pressóricos e 
instabilidade hemodinâmica, o que de fato aconteceu com essa paciente. Portanto, apesar da 
necessidade do uso do bicarbonato, o mais importante nesse contexto é garantir a estabilidade 
hemodinâmica da paciente, preservar sua vida e pensar na instalação de um novo acesso vascular. 
Logo, a recomendação de suspender a infusão do bicarbonato de sódio é prudente nesse contexto, 
o que resultou em estabilização hemodinâmica e desmame progressivo na necessidade de 
norepinefrina. 
 
2. Punção de um cateter venoso central duplo-lúmen 
Diante de uma incompatibilidade medicamentosa que resulta em redução da efetividade de 
um medicamento crucial para o suporte hemodinâmico, é clara a necessidade de dissociação na 
administração dos medicamentos incompatíveis. Em nosso caso esse processo não era possível em 
detrimento da paciente possuir um acesso central com um único lúmen em que as soluções se 
mesclariam e incompatibilizariam. Logo, é necessário o uso de acessos centrais com no mínimo 
dois lúmens. O uso de cateteres com múltiplos lúmens possibilita a infusão de medicamentos sem, 
no entanto, eles se misturarem no acesso vascular, o que possibilita a redução de eventos adversos 
decorrente das incompatibilidades medicamentosas.(4-6) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os dois manejos acima recomendados e aceitos permitiram a paciente atingir estabilização 
hemodinâmica, responder satisfatoriamente ao uso da norepinefrina e não foi preciso iniciar o uso 
da vasopressina. 
 
3. Suspender o uso do sucralfato até reposicionamento da sonda enteral para a 
posição gástrica 
O sucralfato funciona a partir da formação de um polímero viscoso, pegajoso e duradouro 
que vai aderir à mucosa epitelial das lesões ulcerativas e sua afinidadeé maior por esse tipo de 
tecido do que pela mucosa íntegra, o que acaba por lhe conferir um efeito mucoprotetor para 
atenuar o processo ulcerativo.(7,8) Considerando essa informação, é importante conhecer o 
posicionamento da sonda enteral para garantir que o medicamento chegue ao local anatômico 
correto. Em nosso caso a sonda estava em posição pós-pilórica, posterior às lesões gástricas, logo, 
a ação farmacológica do sucralfato seria ineficaz enquanto não fosse feito um reposicionamento 
da SNE. 
 
4. Pausar a dieta para administração do sucralfato quando reposicionada a sonda 
enteral. 
O sucralfato é um composto que contém alumínio em sua formulação e este componente 
irá interagir com a dieta ligando-se à porção proteica dos alimentos, precipitando-a e gerando 
obstrução da sonda,(7-9) o que gera aumento de custos, prejuízos nutricionais ao paciente crítico, 
Lúmen 
Cateter multi-lúmen Cateter monolúmen Acesso periférico com 2 vias, 
mas apenas 1 lúmen 
 
 
além do risco de lesões associados à passagem da sonda no TGI. Além disso, essa interação droga-
nutriente pode potencializar o risco de uma complicação ainda mais séria decorrente do processo, 
a solidificação da dieta enteral com obstrução gastroesofágica.(8) Logo, é importante discutir com 
a enfermagem e nutricionistas sobre o manejo para prevenir esse evento adverso, que consiste em 
pausar a dieta enteral com lavagem da sonda antes e após administração do medicamento. 
 
5. Reavaliar a dose do omeprazol 
Ademais, diante de histórico de gastrite erosiva, foi necessário recomendar ajuste na dose 
do omeprazol para 40mg, 12/12 horas para prevenir complicações decorrentes das úlceras 
gástricas, como o sangramento.(10) 
 
 
REFERÊNCIAS 
1. Lee H, Ryu K, Sohn Y, Kim J, Suh GY, Kim E. Impact on patient outcomes of pharmacist participation in 
multidisciplinary critical care teams: a systematic review and meta-analysis. Crit Care Med. 2019;47(9):1243-50. 
2. Trissel LA. Handbook on injectable drugs. 17th ed. Maryland: American Society of Health- System Pharmacists; 2013. 
3. International Business Machines Corporation (IBM). IBM Micromedex IV Comp. Available from 
https://www.ibm.com/products 
4. BBraun Share Expertise. Drug incompatibility: risk prevention in infusion therapy. 2011. Available from 
https://www.yumpu.com/en/document/read/27611068/drug-incompatibility-risk-prevention-in-infusion-therapy 
5. Foinard A, Décaudin B, Barthélémy C, Debaene B, Odou P Pascal. The impact of multilumen infusion devices on the 
occurrence of known physical drug incompatibility: a controlled in vitro study. Anesth Analg. 2013;116(1):101-6. 
6. Perez M, Décaudin B, Foinard A, Barthélémy C, Debaene B, Lebuffe G, et al. Compatibility of medications during 
multi-infusion therapy: a controlled in vitro study on a multilumen infusion device. Anaesth Crit Care Pain Med. 
2015;34(2):83-8. 
7. Valli C, Schulthess HK, Asper R, Escher F, Häcki WH. Interaction of nutrients with antiacids: a complication during 
enteral tube feeding. Lancet. 1986;1(8483):747-8. 
8. García-Luna PP, García E, Pereira JL, Garrido M, Parejo J, Migens V, et al. Esophageal obstruction by solidification of 
the enteral feed: a complication to be prevented. Intensive Care Med. 1997;23(7):790-2. 
9. White R, Bradnam V. Handbook of drug administration via enteral feeding tubes. 3rd ed. London, UK: Pharmaceutical 
Press; 2015. 
10. Marek TA. Gastrointestinal bleeding. Endoscopy. 2007;39(11):998-1004.

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