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Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA DOENÇA RENAL CRÔNICA A doença renal crônica está inserida em um contexto clínico amplo que inclui desde a presença isolada de fatores de risco, como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, passando por alterações que denotam injúria renal (microalbuminúria), ainda que com preservação de função, até a redução progressiva da filtração glomerular. Dá-se a esse conjunto de situações o nome de “doença renal crônica”. Define-se, assim, DRC como lesão renal por tempo igual ou maior que três meses, caracterizada por anormalidades estruturais ou funcionais dos rins, manifestada por alterações histopatológicas ou por anormalidades nos testes de imagens ou na composição da urina e do sangue, ainda que se tenha preservação da filtração glomerular. A definição de DRC também engloba a redução na taxa ou no ritmo de filtração glomerular (RFG) abaixo de 60 mL/min/1,73 m2, por um período superior a três meses, independentemente da presença ou ausência de lesão renal supracitada. Existe Doença Renal Crônica (DRC) quando há “dano renal” (geralmente detectado pela presença de albuminúria > 30 mg/dia, ou alterações equivalentes) e/ou “perda de função renal” (definida como uma taxa de filtração glomerular < 60 ml/min/1.73 m2) por 03 meses. Este pré-requisito temporal é importante para diferenciar entre DRC e IRA. De um modo geral, as causas de doença renal crônica são processos patológicos lentamente progressivos. Ao contrário do que se observa na maioria dos casos de IRA, na DRC não ocorre regeneração do parênquima renal, e por isso a perda de néfrons, por definição, é irreversível. Às vezes, no entanto, a doença renal crônica pode se instalar de forma aguda, tal como acontece em dois exemplos clássicos – necrose cortical aguda e glomerulonefrite rapidamente progressiva. Nestas entidades, a capacidade de regeneração do parênquima renal pode ser abolida, e o paciente “se torna agudamente um nefropata crônico” (pois previsivelmente continuará em insuficiência renal após três meses). Todas as nefropatias crônicas, após um período variável (geralmente entre 3 a 20 anos), podem evoluir para a chamada Doença Renal em Fase Terminal (DRFT), em que se observam níveis residuais de TFG (< 15% do normal). Neste momento, a histopatologia renal perde as características específicas da nefropatia inicial apresentando uma alteração universal: fibrose glomerular e intersticial, aliada à atrofia dos túbulos (ou seja, “perda total” dos néfrons). O paciente, então, apresenta os diversos sinais e sintomas que compõem a Síndrome Urêmica (Uremia), e a terapia de substituição renal, representada pelos métodos dialíticos e pelo transplante renal, torna-se imprescindível para a sua sobrevivência. EPIDEMIOLOGIA ▪ O aumento no número de casos de doença renal crônica tem sido reportado na última década em diferentes contextos, associados ao envelhecimento e à transição demográfica da população, como resultado da melhora na expectativa de vida e do rápido processo de urbanização. ▪ Em países desenvolvidos, o rastreamento estima prevalência de doença renal crônica entre 10 e 13% na população adulta, com mais de 4,5 milhões de adultos com a doença no mundo. ▪ No Brasil, estimativas da prevalência dessa enfermidade são incertas, contudo, de acordo com a caderneta de saúde coletiva de 2017 mais de 100 mil pacientes recebiam terapia dialítica no país, com uma taxa de internação hospitalar de 4,6% ao mês e uma taxa de mortalidade 17% ao ano. ▪ O mesmo estudo detectou maior predominância no sexo masculino com taxa de crescimento anual de 2,2% e, de 2% para o sexo feminino, raça/cor predominante é a branca (39,6%) em relação às raças/cor amarela (1,2%), indígena (0,1%), parda (36,1%) e preta (11,4%). ▪ De acordo com o último censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia, o custo anual somente com a terapia renal substitutiva é mais de dois bilhões ao ano. ▪ As principais causas de perda da função renal no nosso meio são a hipertensão arterial (35% das causas), diabetes mellitus (28,5%) seguidas das glomerulonefrites (11,5%). ▪ Outro dado alarmante segundo o Vigitel 2011, considerando a população brasileira maior de 18 anos, 23% é hipertensa, 5,6% diabética, 18% fumante, 48% estão com excesso de peso e 16% são obesos (IMC>30 Kg/m²), todos estes são fatores de risco que contribuem para a perda de função renal. ▪ Cabe ainda comentar que a morbimortalidade de pacientes é substancialmente maior em pacientes diabéticos do que nos demais pacientes não diabéticos, sendo as doenças cardiovasculares e as infecções as principais causas de morte. ▪ A HAS é também uma causa importante de morbidade e mortalidade que acelera a aterosclerose e precipita complicações relacionadas ao aumento da pressão. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA FATORES DE RISCO Alguns pacientes são mais suscetíveis para desenvolver doença renal crônica e podem ser considerados grupos de risco. São eles: ▪ Hipertensão arterial sistêmica: a HAS é uma doença bastante comum na DRC e pode ocorrer em mais de 75% dos pacientes, independente da idade. ▪ Diabetes: pacientes diabéticos apresentam fator de risco aumentado para desenvolver DRC e doença cardiovascular (DCV), devendo ser monitorados frequentemente para avaliar presença de lesão renal. ▪ Idosos: pacientes com idade avançada já apresentam uma diminuição do ritmo de filtração glomerular (RFG). Associando esse fator às lesões renais secundárias às doenças crônicas apresentadas nessa faixa etária, os idosos são suscetíveis a DRC. ▪ Doença cardiovascular: a DRC é fator de risco independente para a DCV e estudos demonstraram que a DCV se associa com a diminuição da filtração glomerular e com a ocorrência de DRC. ▪ Familiares de portadores de DRC: pacientes com história familiar positiva para DRC apresentam prevalência aumentada de HAS, DM, proteinúria e doença renal. ▪ Uso de medicações nefrotóxicas: medicações nefrotóxicas devem ser evitadas ou otimizadas em pacientes que possuem DRC, principalmente quando o ritmo de filtração glomerular é menor que 60 ml/ min/1,73m². ETIOLOGIA A Glomeruloesclerose Diabética e a Nefroesclerose Hipertensiva são as principais etiologias de doença renal em fase terminal, tanto nos EUA quanto no Brasil. Consideradas como um grupo, as doenças glomerulares primárias são a terceira causa de falência renal crônica tanto nos EUA quanto no Brasil. Em seguida, nos EUA, vêm a doença renal policística e as uropatias obstrutivas (ex.: refluxo vesicoureteral, importante causa de DRC na faixa etária pediátrica). Apesar de a última entidade não estar discriminada na estatística nacional, provavelmente ela ocupa posição semelhante em nosso meio. O percentual das outras causas é muito baixo. Vale citar: nefrite lúpica, nefrites intersticiais crônicas, necrose tubular aguda com lesão permanente, nefropatia isquêmica, nefropatia do HIV, anomalias renais congênitas, ateroembolismo, síndrome de Alport, mieloma múltiplo, câncer renal e granulomatose de Wegener. Outras causas perfazem uma minoria ínfima dos casos, incluindo: anemia falciforme, outras vasculites, amiloidose e síndrome hepatorrenal. FISIOPATOLOGIA Independentemente da etiologia, se de origem imunomediada ou não, na fase de progressão das doenças renais, tanto mecanismos hemodinâmicos quanto imunológicos estão presentes na fisiopatologia da DRC. A doença renal crônica é uma fase final comum a diversas doenças renais de etiologias heterogêneas, tais como a nefroesclerose hipertensiva e a nefropatia diabética, as glomerulonefrites crescênticas por diversas causas, a doença renal policística autossômica dominante, as doenças urológicas. A fisiopatologia da DRC caracteriza-se por dois amplos grupos gerais de mecanismos lesivos: Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ▪ Mecanismos desencadeantes específicosda etiologia subjacente, por exemplo anormalidades do desenvolvimento ou da integridade renal determinadas geneticamente, deposição de imunocomplexos e inflamação em alguns tipos de glomerulonefrite, ou exposição a toxinas em algumas doenças dos túbulos e do interstício renais. ▪ Um conjunto de mecanismos progressivos que envolvem hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis remanescentes, que são consequências comuns da redução prolongada da massa renal, independentemente da etiologia primária. Ante a redução da massa renal, os néfrons remanescentes sofrem mudanças adaptativas na hemodinâmica glomerular que levam à hipertensão e hipertrofia glomerulares, com aumento na taxa de filtração por glomérulo. No entanto, em longo prazo, esse mesmo mecanismo de adaptação aparentemente benéfico torna-se lesivo, gerando proteinúria, esclerose glomerular e agravamento na perda de massa renal funcionante. INJÚRIA RENAL A maneira em que o aumento da pressão no capilar glomerular leva à progressiva injúria renal tem sido objeto de inúmeros estudos experimentais, que têm permitido postular algumas teorias. Para explicar a chamada teoria hemodinâmica, a hipertensão intracapilar e a hipertrofia glomerular seriam os deflagradores da agressão mecânica ao glomérulo. A tensão mecânica constante sob a parede do capilar gera dano glomerular progressivo, com lesão de podócitos, aumento da permeabilidade e perda da seletividade da barreira glomerular. Além disso, o estiramento mecânico de células mesangiais e endoteliais gera alterações fenotípicas celulares, com síntese aumentada de TGF-beta, de componentes da matriz extracelular e angiotensinogênio, com consequente produção aumentada de angiotensina II. O aumento da atividade intrarrenal do sistema renina- angiotensina (SRA) parece contribuir para a hiperfiltração adaptativa inicial e para a subsequente hipertrofia mal adaptativa e esclerose. Esse processo explica por que a redução da massa renal secundária a uma lesão isolada pode causar declínio progressivo da função renal ao longo de muitos anos. Cabe ainda, dentro da fisiopatologia da DRC destacar a fisiopatologia da síndrome urêmica, a qual é responsável pelo quadro clínico que veremos a seguir. Embora as concentrações séricas de ureia e creatinina sejam utilizadas para avaliar a capacidade excretora dos rins, o acúmulo dessas duas moléculas não explica, por si só, muitos dos sinais e dos sintomas que caracterizam a síndrome urêmica nas doenças renais avançadas. Dá-se o nome de Síndrome Urêmica ao conjunto de sinais e sintomas que aparece na insuficiência renal grave, quando a filtração glomerular está < 30 ml/min. A síndrome urêmica e o estado patológico associado à disfunção renal avançada envolvem mais que uma falência excretora dos rins. Numerosas funções metabólicas e endócrinas desempenhadas normalmente pelos rins também são comprometidas ou suprimidas, e isso causa anemia, desnutrição e anormalidades do metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas. Além disso, os níveis plasmáticos de muitos hormônios (como PTH, FGF-23, insulina, glucagon, hormônios esteroides, como a vitamina D e os hormônios sexuais, e prolactina) alteram-se na DRC em razão da excreção reduzida, da sua decomposição reduzida ou da regulação hormonal anormal. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA TOXINAS DILISÁVEIS Os principais mecanismos fisiopatológicos da síndrome urêmica são: Antes do advento da diálise como tratamento da insuficiência renal grave, na década de 60, a síndrome urêmica evoluía inexoravelmente para o óbito após um período variável. Os pacientes faleciam de encefalopatia (levando à convulsão e ao coma), tamponamento cardíaco, sangramento, edema agudo de pulmão ou hipercalemia refratária. O método dialítico provou ser eficaz em prevenir e tratar estas complicações. A disfunção renal grave leva ao acúmulo de substâncias tóxicas endógenas, algumas das quais podem ser filtradas pela membrana de diálise. As moléculas “filtráveis” são aquelas que têm peso molecular inferior a 500 dáltons e passam pelos “poros” do filtro de diálise. A primeira substância incriminada foi a ureia, um composto nitrogenado de 60 dáltons, pois desde o início se percebeu que seus níveis sempre se encontravam bastante aumentados no soro desses pacientes (daí o termo “uremia”, inicialmente cunhado para descrever a síndrome). A ureia é a substância de maior concentração urinária, e representa 80% de todo o nitrogênio eliminado na urina. Entretanto, foi observado que ao se fazer diálise acrescentando ureia na solução dialítica (para manter inalterados seus elevados níveis séricos), mesmo assim havia melhora importante dos sinais e sintomas da síndrome urêmica. Além disso, a infusão de ureia em cobaias não produzia efeitos tóxicos significativos, somente quando em níveis extremamente elevados! Logo, percebeu-se que não era a ureia a grande “vilã” da síndrome urêmica, e ainda era preciso encontrar as supostas toxinas dialisáveis implicadas nesta síndrome. Atualmente, centenas de substâncias nitrogenadas com peso molecular < 500 dáltons, derivadas do metabolismo proteico, são encontradas em altos níveis na circulação de pacientes urêmicos. Todas provavelmente têm efeitos tóxicos, porém, quase nenhuma se mostrou, de forma convincente, ser o fator causal exclusivo de algum sinal ou sintoma da síndrome. De todos os acima, os compostos guanidínicos têm sido os mais implicados na síndrome urêmica. Depois da ureia, são os de maior concentração no soro urêmico. As principais substâncias deste grupo são: ácido guanidinoacético, ácido guanidinosuccínico, metilguanidina e a creatinina, esta última desprovida de efeito tóxico. O ácido guanidinosuccínico inibe a atividade plaquetária, sendo, portanto, um dos fatores implicados no sangramento urêmico. As guanidinas também parecem se associar às alterações do estado mental, e se acumulam no fluido cerebroespinhal de pacientes urêmicos. Os compostos aromáticos podem ser ácidos ou aminas. Por definição, contêm um grupamento do tipo benzeno, fenol ou indol. Entre eles estão: ácido fenólico, hidroxifenólico, benzoico, fenilacético, indolacético, triptamina, escatol, escatoxil etc. Os fenóis e os indóis geralmente apresentam carga negativa, portanto, seu acúmulo contribui para o aumento do ânion- gap na insuficiência renal. A semelhança destes produtos com neurotransmissores torna provável sua contribuição na gênese dos sintomas neurológicos. Entre os fenóis mais estudados, está o p- cresol. Seus níveis se associam a um pior prognóstico no paciente em diálise. Entre as aminas alifáticas, a metilamina, dietilamina e a trimetilamina têm produção endógena e por bactérias intestinais, apresentam distribuição preferencial intracelular em função do pH intracelular ácido, portanto, a hemodiálise não é tão eficaz em sua retirada. A trimetilamina é um dos responsáveis pelo hálito urêmico, semelhante ao de peixe podre. As aminas também se associam aos sintomas neurológicos da uremia. As poliaminas são: espermidina, espermina, putrecina. A ureia apresenta efeito tóxico apenas quando em altas concentrações (> 380 mg/dl). Sua toxicidade é primariamente gastrointestinal (anorexia, náuseas e vômitos) e hematológica (sangramento). É importante ressaltar que, apesar da baixa toxicidade, seus níveis elevam- se juntamente com os de outras substâncias nitrogenadas tóxicas e, por conseguinte, ela pode ser usada como “marcador substituto” da síndrome urêmica (sendo, inclusive, de fácil dosagem laboratorial, ao contrário das demais toxinas). Os sinais e sintomas da síndrome urêmica costumam ocorrer com ureia sérica > 180 mg/dl, em não diabéticos, e > 140 mg/dl, em diabéticos. Na falência renal crônica lentamente progressiva, esses níveis podem cursar sem sintomas importantes, devido aos mecanismos de adaptação. Apesar de a diálisetratar os sintomas graves da uremia – que podem levar o paciente ao óbito em curto prazo – a uremia parcialmente tratada, os efeitos adversos do próprio tratamento dialítico (ex.: flutuações agudas da volemia e exposição a materiais bioincompatíveis) e os distúrbios hidroeletrolíticos residuais são responsáveis por uma importante queda na qualidade de vida dos pacientes em programa de diálise. Uma nova e complexa entidade surge neste contexto, a chamada síndrome residual. Com frequência, pacientes em programa de diálise apresentam sintomas como astenia, falta de energia, distúrbios do sono e cognição, alterações psiquiátricas, disfunção sexual e déficit de crescimento e maturação sexual em crianças e Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA adolescentes. A hipótese de que o tratamento dialítico não é inteiramente capaz de depurar todas as toxinas que deveriam ser eliminadas e/ou metabolizadas no rim, causando seu acúmulo e o surgimento da síndrome residual, é corroborada pelo fato de que, estes pacientes, quando transplantados, evoluem com melhora importante dos referidos sintomas. DISRTÚBIOS HORMONAIS Vários sinais e sintomas da síndrome urêmica são causados por desequilíbrios hormonais. O principal parece ser a elevação dos níveis de Paratormônio (PTH), devido ao hiperparatireoidismo secundário. O PTH é considerado uma verdadeira “toxina urêmica” e contribui para quase todos os sinais e sintomas da síndrome, incluindo a encefalopatia, a cardiomiopatia, a anemia e o prurido. Sem dúvida, entretanto, a manifestação mais dependente dos efeitos do PTH é a osteodistrofia renal. Lembre-se que o rim possui função endócrina, produzindo Eritropoietina e Calcitriol (1,25 diidroxivitamina D). A deficiência de eritropoietina é o principal fator patogênico da anemia urêmica. A deficiência de calcitriol, por sua vez, está implicada na osteodistrofia renal e na miopatia urêmica, sendo ainda uma das causas do hiperparatireoidismo secundário. A deficiência na produção de Amônia (NH3) pelo parênquima renal contribui para a acidose metabólica da uremia. Um déficit na produção de Óxido Nítrico renal contribui para a hipertensão arterial. INFLAMAÇÃO SISTÊMICA Por fim, a DRC está associada à piora da inflamação sistêmica. Os níveis altos de proteína C-reativa são detectados simultaneamente aos outros reagentes da fase aguda, enquanto as concentrações dos chamados reagentes negativos da fase aguda (p. ex., albumina e fetuína) diminuem com a redução progressiva da TFG. Desse modo, a inflamação associada à DRC é importante para a síndrome de desnutrição-inflamação e aterosclerose/calcificação, que contribui para a aceleração da doença vascular e a comorbidade associada à doença renal avançada. Assim, em resumo, a fisiopatologia da síndrome urêmica pode ser subdividida em manifestações disfuncionais em três esferas: (1) distúrbios secundários ao acúmulo das toxinas normalmente excretadas pelos rins, como os produtos do metabolismo das proteínas; (2) anormalidades consequentes à perda das outras funções renais, como a homeostase hidreletrolítica e a regulação hormonal; e (3) inflamação sistêmica progressiva e suas consequências vasculares e nutricionais. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A uremia consequente da doença renal crônica causa distúrbios funcionais em quase todos os sistemas do organismo. A diálise crônica pode reduzir a incidência e a gravidade de alguns desses distúrbios, de forma que as manifestações evidentes e marcantes da uremia praticamente desapareceram do cenário de saúde moderno. Entretanto, mesmo o tratamento dialítico ideal não é totalmente efetivo como terapia renal substitutiva, porque alguns distúrbios resultantes da disfunção renal não melhoram com diálise. Dessa forma, os sintomas podem ser divididos em: que respondem a diálise e que não respondem a diálise. QUE RESPONDEM A DIÁLISE Acúmulo de toxinas: Sintomas gastrointestinais, neurológicos, cardíacos, pulmonares e disfunção plaquetária com hemorragias. Deficiências endócrinas: Resistência a insulina Alterações iônicas: Desequilíbrio hidroelétrico e desequilíbrio acido/base QUE NÃO RESPONDEM A DIÁLISE Anemia Aterosclerose acelerada Osteodistrofia renal Depressão imunológica infecções Dislipidemia Obs.: A maioria dos pacientes só vai apresentar tais sintomas com a doença avançada. Isso ocorre devido a hiperfiltração adaptativa que mantem os níveis de filtração glomerular durante o início do quadro, evitando que sinais clínicos sejam notados. MANIFESTAÇÕES QUE RESPONDEM À DIÁLISE DISTÚRBIOS VOLÊMICOS E ELETROLÍTICOS O rim é responsável pelo equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico do corpo. Isso significa que ele é capaz de manter o conteúdo corporal de água, eletrólitos e H+ , a despeito de variações na ingesta. Por exemplo: o conteúdo sódio na dieta ocidental gira em torno de 190 mEq/dia. É Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA necessário excretar exatamente 190 mEq/dia de sódio para manter o balanço corporal deste eletrólito. Se de uma hora pra outra o indivíduo passar a consumir uma carga maior de sódio – ex.: 350 mEq – o rim, após 3-5 dias, aumenta a excreção de sódio para 350 mEq/dia. Este aumento é garantido pela supressão do sistema renina-angiotensina- aldosterona, associado a uma maior liberação de peptídeo atrial natriurético. Por outro lado, se o indivíduo reduzir a ingesta de sódio para 30 mEq/dia, o rim, após 3-5 dias, também é capaz de reduzir a excreção sódica para 30 mEq, pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e supressão do peptídeo atrial natriurético. Na insuficiência renal crônica, à medida que a filtração glomerular se reduz, um mecanismo de adaptação faz aumentar a fração excretória de cada néfron remanescente, de forma a manter a capacidade de excreção renal total e garantir o equilíbrio hidroeletrolítico. Enquanto a TFG for superior a 20 ml/min, o equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico geralmente estará intacto. Entretanto, quando a filtração chega a valores muito baixos, compatíveis com a síndrome urêmica, a regulação hidroeletrolítica torna-se limitada. O aumento da FENa é estimulado por uma retenção inicial de sódio, o que mantém o paciente em um Estado Hipervolêmico. A hipervolemia estimula a liberação do peptídeo atrial natriurético e suprime o sistema renina- angiotensina-aldosterona, promovendo o aumento da fração excretória de sódio. Em outras palavras, atinge-se um novo estado de equilíbrio no qual o paciente mantém o balanço de sódio à custa de um estado hipervolêmico... Qualquer aumento na ingestão de sódio provocará uma maior retenção volêmica, até que seja atingido um novo equilíbrio para que a excreção fique igual ao sódio ingerido. Este é o princípio que rege a retenção de sódio, água, potássio, H+ , fosfato e magnésio na síndrome urêmica... O cálcio, por ser regulado muito mais pela absorção intestinal do que pela excreção renal, encontra-se geralmente baixo na uremia, em consequência ao deficit de calcitriol (ver no item “osteodistrofia renal”). Os distúrbios hidroeletrolíticos mais frequentes na síndrome urêmica estão descritos na abaixo: Da mesma forma que o rim doente tem dificuldade para eliminar os “excessos”, também não é capaz de lidar com a “falta” nos estados de privação... Os néfrons do paciente urêmico não mais conseguem reduzir a fração excretória para níveis normais, isto é, não são capazes de se “desadaptar” totalmente. Isso significa que o paciente urêmico pode ter uma perda mínima obrigatória de água e eletrólitos maior do que indivíduos normais... Por exemplo, uma restrição sódica acentuada na dieta (30 mEq/dia) leva a um balanço negativo de sódio, até que um novo equilíbrio seja atingido, porém, à custa do Estado Hipovolêmico. ▪ Balanço de Sódio A retenção de sódio é universal quando a filtração glomerular está abaixo de 10 ml/min (10% da funçãorenal), na ausência de uma restrição adequada na dieta. A consequência é o Estado Hipervolêmico. ▪ Balanço de Água O rim normal é capaz de eliminar quantidades variáveis de água livre, ao modificar, conforme a necessidade, a osmolaridade urinária. Em uma pessoa saudável, os rins podem eliminar até 18 L de água por dia. Quando a filtração glomerular está abaixo de 10 ml/min (10% da função renal), um consumo de água acima de 2-3 L/dia já pode ser suficiente para promover retenção de água livre, diluindo o sódio plasmático – Hiponatremia. ▪ Balanço de Potássio A retenção de potássio na insuficiência renal crônica é comum apenas quando a filtração glomerular está < 5-10 ml/min (menos de 5-10% da função renal). ▪ Débito urinário O débito urinário é um fator determinante: quanto mais oligúrico for o paciente, maior sua propensão a reter potássio. Por que esses pacientes “demoram tanto” para começar a reter potássio no organismo? Vários são os mecanismos de adaptação: (1) aumento da fração excretória de potássio por néfron, estimulada pela hipercalemia (efeito direto) e pelo hormônio aldosterona – os inibidores da ECA, antagonistas da angio II e diuréticos poupadores de potássio (Espironolactona, Amiloride) anulam este mecanismo, desencadeando hipercalemia; (2) aumento da excreção de potássio pelo cólon (perda fecal de potássio). Em indivíduos normais, a mucosa colônica excreta < 10% do total de potássio eliminado por dia. Porém, na síndrome urêmica, esse percentual pode chegar a 40%! A secreção de potássio pela mucosa do cólon é ativada pela própria hipercalemia (efeito direto) e pela aldosterona. A constipação intestinal pode desencadear hipercalemia no paciente urêmico, por prejudicar uma importante via de eliminação deste íon. DISTÚRBIO ACIDOBÁSICO A acidose metabólica característica da DRC avançada é causada na maioria dos pacientes que ainda conseguem acidificar a urina, mas produzem menos amônia e, por essa razão, não é capaz de excretar a quantidade normal de prótons em combinação com esse sistema de tamponamento urinário. Quando presente, a Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA hiperpotassemia suprime ainda mais a produção de amônia. A combinação de hiperpotassemia com acidose metabólica hiperclorêmica é observada comumente, mesmo nos estágios iniciais de DRC, nos pacientes com nefropatia diabética ou nos indivíduos com doença predominantemente tubulointersticial ou uropatia obstrutiva; esta condição é conhecida como acidose metabólica sem ânion gap. Com a deterioração da função renal, a excreção urinária total diária de ácidos costuma ficar limitada a 30 a 40 mmol, e os ânions dos ácidos orgânicos retidos podem então causar acidose metabólica com anion gap. Desse modo, a acidose metabólica sem anion gap, que pode ser observada nos estágios iniciais da DRC, pode ser complicada pela acidose metabólica com anion gap à medida que a doença avança. Na maioria dos pacientes, a acidose metabólica é leve, o pH raramente é < 7,35 e, em geral, pode ser corrigida por suplementos orais de bicarbonato de sódio. Obs.: Os pacientes com DRC inicialmente apresentam ACIDOSE METABÓLICA SEM ÂNION GAP (ou acidose metabólica hiperclorêmica). Nos estágios posteriores da doença, observa-se a ACIDOSE METABÓLICA COM ÂNION GAP. MANIFESTAÇÕES GASTROINTESTINAIS O trato gastrointestinal é muito afetado pela uremia, com frequência respondendo pelos primeiros sintomas da síndrome! Em geral, a anorexia é o sintoma mais precoce. Seguem-se náuseas, plenitude abdominal e vômitos (intolerância gástrica). Estes podem ser explicados por dois fatores: gastrite urêmica; gastroparesia urêmica. A mucosa gastroduodenal, além de enantema e edema, pode apresentar petéquias. A disfunção plaquetária contribui para esses achados. E ao contrário do que se pensava, a incidência de úlcera péptica na uremia é semelhante à da população geral (8-10%), apesar de alguns livros ainda falarem o contrário. A disgeusia (percepção de gosto amargo na boca) é decorrente da transformação da ureia, por bactérias presentes na saliva, em amônia. ▪ Alterações intestinais O comprometimento da mucosa intestinal, tanto no delgado como no cólon, pode levar a um quadro de diarreia urêmica, bem como ao íleo urêmico (distensão abdominal e cólicas). São causados pela inflamação mucosa, com redução no tamanho das vilosidades, acrescida de uma série de outros fatores, como disautonomia, supercrescimento bacteriano e deficiência de vitamina D. Uma forma de colite ulcerativa urêmica era comum na era pré-diálise. ▪ Sintomas digestivos Os sinais e sintomas digestivos, tais como anorexia, náuseas, vômitos e diarreia, geralmente melhoram em poucos dias ou semanas com a diálise. Portanto, presume-se que sejam causados por efeito das toxinas urêmicas dialisáveis. ▪ Hemorragia digestiva Hemorragia digestiva, tanto alta (hematêmese ou melena) quanto baixa (hematoquezia ou enterorragia), pode ocorrer como complicação da uremia. É explicada pela inflamação urêmica da mucosa gastrointestinal, que pode evoluir com erosões ou ulcerações, e pelo distúrbio plaquetário da uremia. A incidência de angiodisplasia gastrointestinal está aumentada na síndrome urêmica, por mecanismos desconhecidos, podendo contribuir para a maior incidência de hemorragia digestiva. As angiodisplasias são mais comuns no ceco e cólon direito. Podem ser encontradas em 25-30% dos casos de hemorragia digestiva na síndrome urêmica. MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS ▪ Envolvimento do Sistema Nervoso Central Uma série de alterações relativas ao SNC, comprometendo especialmente o estado mental, pode ocorrer como manifestação da uremia aguda ou crônica. Estão entre as mais comuns e debilitantes complicações da síndrome urêmica, podendo, até mesmo, levar ao óbito. Os sintomas mais graves costumam ocorrer quando a filtração glomerular está abaixo de 10 ml/min (10% da função renal). Obs.: A fisiopatologia envolve acúmulo de toxinas nitrogenadas dialisáveis, porém, não se sabe exatamente qual ou quais... Declínio cognitivo leve a moderado, bem como alterações em testes neuropsicológicos, já podem ser observados em pacientes com TFG < 60 ml/min! O PTH possui importante efeito no SNC, levando à entrada de cálcio nos neurônios. O hiperparatireoidismo secundário pode contribuir para os sintomas neurológicos! ▪ Uremia aguda Na uremia aguda (ou crônica agudizada), o paciente pode apresentar desorientação, letargia, lassidão, confusão mental, surto psicótico, delirium, associado a sinais de encefalopatia metabólica, como nistagmo, disartria, asterixis, mioclonia espontânea, fasciculações, hiper- - reflexia e sinal de Babinski bilateral – Encefalopatia Urêmica Aguda. Pode evoluir para convulsões tônico-clônicas generalizadas, coma e óbito, por edema cerebral grave. ▪ Uremia crônica Na uremia crônica, o distúrbio mental tende a ser insidioso e mais sutil nas fases iniciais – a Encefalopatia Urêmica Crônica. Observa-se disfunção cognitiva progressiva, Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA caracterizada por amnésia anterógrada, dificuldade de concentração, alteração de comportamento ou de personalidade, sonolência ou insônia, confabulação e perda do raciocínio aritmético. Alguns pacientes desenvolvem apraxia motora (dificuldade em executar tarefas), afasia (distúrbio da linguagem) ou agnosia (perda da capacidade de reconhecimento relacionado a uma função sensorial), uma síndrome demencial semelhante ao mal de Alzheimer. Obs.: A encefalopatia urêmica deve ser diferenciada da encefalopatia da hemodiálise, causada pela intoxicação por alumínio. Esta última possui um quadro inicial marcado por importantes alterações da fala (disartria, fala balbuciante, gagueira). O EEG pode diferenciar essas duas entidades, apresentando somente ondas lentas na encefalopatia urêmica e alternância de ondas lentas com ondas rápidas na encefalopatia por alumínio.▪ Envolvimento dos Nervos Periféricos A neuropatia periférica urêmica é muito comum na insuficiência renal crônica, observada, em algum grau, em até 65% dos casos. Trata-se de uma polineuropatia axonal, sensorimotora, simétrica e com predomínio distal e de membros inferiores. Os sintomas iniciais são parestesias nos pés do tipo “agulhadas”, que costumam piorar à noite. O exame físico revela hipoestesia “em bota”. A perda dos reflexos tendinosos distais – hiporreflexia do Aquileu - é muito comum. Caso a uremia não seja prontamente tratada (diálise ou transplante), o quadro evolui com perda de força distal e atrofia muscular, gerando dificuldade de marcha. A neuropatia pode atingir os membros superiores, levando a parestesias e hipoestesia na distribuição “em luva”. Outra manifestação da uremia é a “síndrome das pernas inquietas”, caracterizada por desconforto nos membros inferiores e uma necessidade incontrolável de mexer as pernas. ▪ Envolvimento do Sistema Nervoso Autonômico O comprometimento dos nervos periféricos do sistema nervoso autonômico (simpático e parassimpático) é comum na uremia crônica, levando à síndrome de disautonomia. O controle da pressão arterial e da frequência cardíaca pode estar alterado! Isso pode causar hipotensão postural, hipotensão durante a hemodiálise não responsiva a volume e frequência cardíaca fixa (com predomínio de taquicardia). A perda da influência vagal sobre o sistema de condução cardíaco pode predispor a arritmias malignas e à morte súbita. Outras manifestações relacionadas à disautonomia são: anidrose, impotência e distúrbio gastrointestinal (ex.: gastroparesia, diarreia). A disautonomia é muito comum no diabetes mellitus, que frequentemente é a causa da insuficiência renal crônica (nestes casos, existe sobreposição de disautonomia pelo diabetes e pela uremia). HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA A hipertensão arterial possui íntima relação com a insuficiência renal. Pode ser a causa (nefroesclerose hipertensiva) ou a consequência da nefropatia!!! Patologias renais agudas e crônicas podem levar à hipertensão arterial mesmo na ausência da elevação da ureia e creatinina plasmáticas, ou quando os valores estão apenas um pouco aumentados. Quando a doença renal chega ao estágio avançado, com filtração glomerular abaixo de 10 ml/min (10% da função renal), a hipertensão arterial está presente em mais de 90% dos pacientes. Esta é a hipertensão relacionada à síndrome urêmica. Dos hipertensos urêmicos ou em programa de diálise, cerca de 80% são do tipo “volume-dependente”, isto é, a hipertensão é causada essencialmente pela retenção renal de sódio e água. Os 20% restantes continuam hipertensos apesar da otimização da terapia dialítica. Nestes casos existe participação do sistema renina-angiotensina- aldosterona, que se encontra hiperativado (promovendo vasoconstrição sistêmica). Obs.: A hipertensão arterial na uremia costuma ser mais grave quando comparada à hipertensão primária. Frequentemente é acompanhada por complicações cardiovasculares, como hipertrofia ventricular esquerda, cardiomiopatia dilatada e doença coronariana. Tanto é assim que as complicações cardiovasculares são a principal causa de óbito no portador de DRC! MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS E PERICÁRDICAS ▪ Insuficiência Cardíaca Congestiva Muitos pacientes com uremia crônica apresentam comprometimento do miocárdio, seja por hipertrofia ventricular esquerda, seja por cardiomiopatia dilatada com disfunção ventricular sistólica. A retenção volêmica sobrecarrega o coração já doente, justificando sintomas clássicos de insuficiência cardíaca congestiva – dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna, hepatomegalia congestiva, derrame pleural, ascite, edema de membros inferiores. A diálise, ao retirar sódio e água (ultrafiltração), pode ser a única maneira de manter estes pacientes compensados. É válido ressaltar que a falência cardíaca é a causa mais comum de óbito dos pacientes urêmicos! ▪ Pericardiopatia O derrame pericárdico é visto em 50% dos pacientes urêmicos, muitas vezes associado a derrame pleural e ascite, Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA fazendo parte do quadro de anasarca da uremia. Geralmente é leve a moderado e não está relacionado a sintomas de pericardite ou tamponamento cardíaco. Neste caso, deve ser apenas observado. Quando o derrame é consequência da inflamação pericárdica (pericardite urêmica), o aspecto do líquido é de exsudato hemorrágico. Quando causado exclusivamente pelo fenômeno congestivo, pode ser um transudato amarelo-citrino. Obs.: A pericardite urêmica é caracterizada por: (1) dor torácica do tipo pleurítica (ventilatório-dependente), contínua e que piora com o decúbito dorsal; (2) atrito pericárdico; (3) alterações eletrocardiográficas de pericardite; (4) derrame pericárdico. Nem sempre os quatro itens estão presentes. A patogenia está relacionada à retenção de toxinas urêmicas dialisáveis, e pode ocorrer tanto na uremia aguda quanto na crônica, sendo mais comum nesta última. MANIFESTAÇÕES PULMONARES E PLEURAIS ▪ Envolvimento Pulmonar Os pulmões do paciente urêmico estão geralmente com aumento do conteúdo líquido – edema pulmonar crônico. Este edema predomina no interstício pulmonar, mas também pode acometer o espaço alveolar nos casos mais graves. Como o paciente está hipervolêmico e normalmente a reserva cardíaca está prejudicada, o edema pulmonar da uremia é decorrente principalmente da congestão pulmonar (aumento da pressão venocapilar). Este edema é chamado de Edema Pulmonar Cardiogênico, e responde bem ao processo de ultrafiltração (retirada de sódio e água na diálise). A uremia aguda ou crônica também pode levar ao edema pulmonar simplesmente por aumentar a permeabilidade capilar – Edema Pulmonar Não Cardiogênico. Este tipo de edema depende de toxinas dialisáveis e é chamado de “pulmão urêmico”. ▪ Envolvimento Pleural Cerca de 20% dos pacientes urêmicos têm derrame pleural. Alguns apresentam sintomas do tipo dor pleurítica, tosse ou dispneia. A causa mais comum é a infecciosa, que sempre deve ser descartada. A pleurite urêmica é uma entidade descrita, difícil de ser diferenciada da infecção (por se tratar de um exsudato), mas que pode responder à diálise e tem algumas características na análise do líquido pleural que a diferenciam da infecção... São elas: (1) aspecto hemorrágico (apesar de na maioria das vezes ser amarelo-citrino); (2) glicose normal; (3) pH > 7,30; (4) leucócitos e proteína não tão elevados como na pleurite infecciosa. DISTÚRBIO DA HEMOSTASIA A síndrome urêmica (aguda ou crônica) cursa com tendência ao sangramento, devido a um distúrbio da hemostasia primária. Após rotura da parede de um vaso, a hemostasia primária é ativada, fazendo parar o sangramento. Ela é dependente da ação das plaquetas, que aderem na solução de continuidade da parede vascular e se agregam, formando um “tampão”, o cha mado trombo plaquetário (trombo branco). Em seguida, é ativada a hemostasia secundária, dependente do sistema de coagulação, levando à formação da rede de fibrina, necessária para a estabilização do trombo. Nesta rede, aderem hemácias e leucócitos circulantes, dando o aspecto de trombo vermelho. Obs.: A uremia inibe todas as funções plaquetárias (adesão, ativação e agregação). A plaqueta adere ao colágeno exposto do tecido conjuntivo através da interação entre o receptor glicoproteína Ib e o fator de Von Willebrand (fVW), este último fazendo uma “ponte” com o colágeno. O fator de Von Willebrand encontra-se inibido na uremia... Além disso, as plaquetas também ficam depletadas de ADP e serotonina, e reduzem sua capacidade de gerar tromboxane A2 (potente ativador plaquetário), diminuindo, consequentemente, a capacidade de agregação. O fator 3 plaquetário está igualmente depletado, contribuindo para o distúrbio. DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS-METABÓLICOS O metabolismo da glicose estáalterado na DRC, conforme se evidencia pela redução da velocidade com que os níveis da glicemia declinam após a administração de uma carga de glicose. No entanto, a glicose sanguínea em jejum costuma estar normal ou ligeiramente elevada, e a intolerância leve à glicose não requer tratamento específico. Como os rins contribuem para a remoção da insulina da circulação, os níveis plasmáticos deste hormônio ficam ligeira ou moderadamente elevados na maioria dos pacientes urêmicos, tanto em jejum quanto no estado pós-prandial. Obs.: Nas mulheres com DRC, os níveis de estrogênio são baixos e é comum observar anormalidades menstruais, infertilidade e incapacidade de levar as gestações ao termo. Quando a TFG cai a cerca de 40 mL/min, a gestação está associada a índices elevados de abortamento espontâneo, e apenas cerca de 20% das gestantes dão à luz bebês vivos; além disso, a gravidez pode acelerar a progressão da própria doença renal. Já os homens com DRC têm concentrações plasmáticas baixas de testosterona e podem ter disfunção sexual e oligospermia. A maturação sexual pode ser retardada ou prejudicada nos adolescentes com DRC, mesmo que estejam sendo tratados com diálise. MANIFESTAÇÕES QUE NÃO RESPONDEM À DIÁLISE ANORMALIDADES HEMATOLÓGICAS A anemia normocítica e normocrômica começa a partir de estágios mais avançados da DRC e está presente em quase todos os pacientes em estágio tardio. A causa primária nos pacientes com DRC é a produção insuficiente de eritropoetina (EPO) pelos rins afetados, a deficiência relativa dessa causa sobrevida reduzida das hemácias. Outros fatores que causam essa anemia são diátese hemorrágica, deficiência de ferro, hiperparatireoidismo, fibrose da Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA medula óssea, inflamação crônica, deficiência de folato ou vitamina B12 e hemoglobinopatia. A anemia da DRC está associada a algumas consequências fisiopatológicas adversas, inclusive transporte e consumo de oxigênio reduzidos nos tecidos, aumento do débito cardíaco e dilatação e hipertrofia ventriculares. As manifestações clínicas incluem fadiga e diminuição da tolerância aos esforços, angina, insuficiência cardíaca, distúrbios da cognição e acuidade mental, bem como diminuição das defesas contra infecção. Além disso, a anemia pode desempenhar um importante papel na restrição do crescimento das crianças com DRC. OSTEODISTROFIA RENAL A osteodistrofia renal é um distúrbio da síndrome urêmica (não responsivo ou parcialmente responsivo à diálise) que leva à alteração da matriz do osso e sua desmineralização, predispondo o paciente à dor óssea, fraturas patológicas e deformidade esquelética. Existem dois tipos principais de doença óssea na doença renal crônica: (1) osteopatia de alto metabolismo (alto turn over), decorrente do hiperparatireoidismo secundário, também chamada de osteíte fibrosa cística; (2) osteopatia de baixo metabolismo (baixo turn over), também chamada de doença óssea adinâmica. Atualmente, sabemos que esses dois tipos possuem prevalência semelhante e, muitas vezes, o tratamento da osteíte fibrosa cística permite que “apareça” uma doença óssea adinâmica que estava previamente oculta. Uma terceira forma, menos comum, é a osteomalácia, também de baixo turn over. Os distúrbios metabólicos que desencadeiam a osteodistrofia renal costumam se instalar quando a TFG cai abaixo de 30-59 ml/min, mas tornam-se mais acentuados na medida em que a disfunção renal progride. ▪ Osteíte Fibrosa Cística: Hiperparatireoidismo Secundário O Paratormônio (PTH) estimula a reabsorção do osso, o que, por sua vez, ativa a neoformação óssea (“alto turn over”). O osso neoformado perde sua arquitetura composta por lâminas paralelas de colágeno mineralizado – osso lamelar – e ganha uma nova arquitetura, caracterizada pela desorganização das fibras colágenas mineralizadas – o chamado osso “trançado” ou “entrelaçado” – do inglês woven bone. Este osso é bastante propenso a fraturas e deformidades! O estímulo metabólico excessivo também leva à fibrose parcial da medula óssea e ao surgimento de áreas císticas no osso, as quais podem sangrar dando origem aos “tumores marrons” (cistos repletos de sangue “antigo”). Obs.: o PTH estimula a reabsorção óssea o que ativa a neoformação óssea – o osso neoformado é caracterizado por desorganização das fibras colágenas mineralizadas (osso trançado) e, este osso é bastante propenso a fraturas e deformidades! O estímulo metabólico excessivo também leva à fibrose parcial da MO e ao surgimento de áreas císticas no osso, as quais podem sangrar gerando os tumores marrons. ▪ Doença óssea adinâmica A doença óssea adinâmica é uma forma atualmente comum de osteodistrofia renal. Os fatores de risco mais importantes são: idade avançada, diabetes mellitus e, principalmente, a terapia do hiperparatireoidismo secundário (ver adiante). Esta forma de osteopatia, também chamada de doença óssea aplásica, é caracterizada por um baixo metabolismo e atividade celular do osso, determinando uma importante perda da densidade óssea (como se fosse uma osteoporose...). A patogênese é pouco compreendida, mas provavelmente envolve uma influência negativa do estado inflamatório crônico associado à DRC (parece que o excesso de citocinas pró-inflamatórias diminui a atividade metabólica do osso). Postula-se que a maioria dos pacientes urêmicos possua a tendência a desenvolver a doença óssea adinâmica; entretanto, os elevados níveis de PTH mantêm este problema oculto por desencadear uma desordem óssea totalmente oposta, de alto turn over. Com a correção do hiperparatireoidismo, a doença adinâmica poderia então se manifestar... O diagnóstico é suspeitado por um PTH-intacto < 150 pg/dl e confirmado pela biópsia óssea. ▪ Osteomalácia Osteomalácia é uma osteopatia de baixo turn over que, diferentemente da doença óssea adinâmica, apresenta no histopatológico aumento do volume de osteoide (proteína óssea) não mineralizado. O diagnóstico é facilmente confirmado pela biópsia. A osteomalácia pode ser causada também pela deficiência de calcitriol e pela acidose metabólica crônica. Em crianças, a mesma osteopatia se manifesta como raquitismo (“raquitismo renal”), cursando com deformidades e deficit de crescimento. DRC x Alterações metabólicas Na DRC, há uma redução da produção de calcitriol (metabólito ativo da vitamina D, produzido nos rins), bem como um aumento dos níveis séricos de fosfato (uma vez que o rim não consegue mais excretar eficazmente). Essas alterações levam a uma estimulação crônica e progressiva sobre a paratireoide para que esta produza paratormônio (hiperparatireoidismo secundário). O PTH age na matriz óssea, estimulando a atividade de osteoclastos, levando ao remodelamento ósseo. A consequência disso é a formação de uma matriz óssea mais frágil (devido aos baixos níveis de cálcio no osso), havendo propensão à fraturas. Os baixos níveis de calcitriol dificultam a absorção intestinal de cálcio e a hiperfosfatemia presente, induz formação de complexos de fosfato de cálcio (duplo produto), fazendo com que os níveis de cálcio diminuam (hipocalcemia). A consequência da formação do duplo produto é a deposição deste na pele (calcifilaxia), nos vasos (aterosclerose) e em outros locais do organismo. A dosagem de fosfatase alcalina é importante já que, uma vez que há neoformação óssea, seus níveis séricos Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA estarão elevados. Os níveis séricos de bicarbonato inicialmente podem estar elevados, como mecanismo de compensação renal frente à acidose, mas à medida que a doença progride, seus níveis tendem a reduzir devido à disfunção renal. ANORMALIDADES DERMATOLÓGICAS As anormalidades cutâneas observadas nos pacientes com DRC são: prurido, muito associado a uremia, hiperpigmentação, devido a deposição de metabólitos pigmentados, dermopatia fibrosante nefrogênica (enduração subcutânea progressiva,nos braços e pernas principalmente), condição semelhante em pacientes com DRC expostos ao gadolínio, que é usado no contraste da ressonância magnética. MANIFESTAÇÕES ARTICULARES E MUSCULARES ▪ Envolvimento Articular e Periarticular Pacientes com uremia crônica podem apresentar quadros agudos de monoartrite, oligoartrite, periartrite ou tenossinovite. Monoartrite – pode ser causada por depósito de cristas (gota, pseudogota) ou artrite séptica Periartrite, tenossinovite – não tem edema, mas tem eritema ▪ Envolvimento Muscular A fraqueza muscular está altamente ligada à osteodistrofia renal, sendo chamada de miopatia urêmica. O principal fator causal é a deficiência de calcitriol. Este hormônio é importante para uma função muscular normal. Outras condições associadas à hipovitaminose D, que não a falência renal, também cursam com miopatia... Fatores que contribuem para a miopatia urêmica são a acidose metabólica e o efeito direto do PTH no músculo esquelético (acúmulo intracelular de cálcio), levando à proteólise e balanço negativo de nitrogênio. O quadro é de fraqueza da musculatura proximal (cinturas pélvica e escapular), manifestando-se como dificuldade em levantar da cadeira, subir escada, pentear o cabelo etc. Pode haver dor muscular, porém, as enzimas musculares não se elevam! MANIFESTAÇÕES CARDÍACAS E CORONARIANAS A existência de DRC em qualquer estágio é um fator de risco importante para doença cardiovascular isquêmica como doenças coronariana, cerebrovascular e vascular periférica obstrutivas. A prevalência mais alta das doenças vasculares entre os pacientes com DRC deve-se aos fatores de risco tradicionais, “clássicos” e não tradicionais, associados à DRC. Entre os fatores de risco tradicionais, estão hipertensão, hipervolemia, dislipidemia, hiperatividade simpática e hiper- homocisteinemia. Os fatores de risco associados à DRC incluem anemia, hiperfosfatemia, hiperparatireoidismo, aumento de FGF23, apneia do sono e inflamação generalizada. O estado inflamatório associado à perda da função renal é refletido pelos elevados níveis circulantes dos reagentes de fase aguda, como as citocinas inflamatórias e a proteína C- reativa, com reduções correspondentes dos “reagentes negativos da fase aguda” como albumina e fetuína séricas. O estado inflamatório parece acelerar a doença vascular obstrutiva, e os níveis baixos de fetuína podem predispor às calcificações vasculares mais rápidas, principalmente na vigência de hiperfosfatemia. Outras anormalidades detectadas nos pacientes com DRC podem agravar a isquemia miocárdica, como hipertrofia ventricular esquerda e doença microvascular. Além disso, a hemodiálise com seus episódios associados de hipotensão e hipovolemia pode agravar ainda mais a isquemia coronariana e atordoar o miocárdio. Entretanto, curiosamente, o aumento mais expressivo da taxa de mortalidade cardiovascular dos pacientes em diálise nem sempre está relacionado diretamente com infartos agudos do miocárdio confirmados, mas sim com insuficiência cardíaca congestiva e todas as suas consequências. Obs.: Os níveis da troponina cardíaca frequentemente estão aumentados nos pacientes com DRC, mesmo sem qualquer indício de isquemia aguda, podendo dificultar o diagnóstico. DISLIPIDEMIA A dislipidemia mais comum da uremia é a hipertrigliceridemia isolada (tipo IV), detectada em cerca de 80% dos pacientes. Há uma queda do HDL, enquanto o LDL e o colesterol total encontram-se geralmente na faixa normal. A hipertrigliceridemia da síndrome urêmica ocorre muito mais pela inibição da degradação do que pelo aumento da produção de lipoproteínas, ao contrário da dislipidemia do diabetes mellitus. A hipertrigliceridemia é um fator de risco para aterosclerose, principalmente quando associada à redução do HDL. ESTADO HIPERCATABÓLICO – DESNUTRIÇÃO PROTEICO-CALÓRICA O metabolismo das proteínas também está alterado na uremia. O paciente urêmico costuma ter catabolismo proteico acelerado, ao mesmo tempo em que ingere pouca quantidade de proteína, devido à anorexia. A consequência é a desnutrição proteico-calórica, presente em cerca de 40% dos pacientes em programa de diálise. Alguns pacientes, em torno de 7%, apresentam desnutrição grave! Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA DISTÚRBIO IMUNOLÓGICO A uremia crônica está associada a uma série de alterações do sistema imunológico, levando a um estado de imunodeficiência moderada. Algumas dessas alterações estão ligadas à hemodiálise, pela interação da superfície dos capilares do filtro com o sistema complemento e as células sanguíneas do sistema imune. A biocompatibilidade é o principal fator que influi nesta interação. Os filtros de celulose (antigos) são menos biocompatíveis do que os filtros mais modernos. As toxinas urêmicas dialisáveis e o PTH também são importantes fatores causais do distúrbio imunológico. A função dos neutrófilos (leucócitos polimorfonucleares), isto é, sua capacidade fagocítica e bactericida, está deprimida na uremia, predispondo a infecções bacterianas ou fúngicas com evolução grave. A ativação neutrofílica mediada por complemento, decorrente da interação do sangue com o material do filtro de hemodiálise, pode levar ao downregulation dos receptores de membrana para fatores quimiotáxicos. A função dos linfócitos T, linfócitos B e monócitos/macrófagos também pode estar comprometida. Uma discreta linfopenia pode ocorrer, porém, mantendo-se a mesma proporção entre linfócitos CD4 e CD8. A imunidade humoral, dependente de linfócitos B, geralmente está deficiente de maneira desproporcional para alguns agentes, aumentando a chance de infecções virais, por exemplo: hepatite B e Influenza. A vacinação contra esses agentes, por conseguinte, é mandatória... De uma forma geral, a deficiência imunológica da síndrome urêmica responde pouco ou nada à terapia dialítica. As infecções bacterianas e fúngicas são comuns no paciente urêmico, devido à associação do estado de imunodeficiência aos procedimentos invasivos frequentemente realizados nesses pacientes, como o acesso venoso profundo e a punção do peritônio. Além disso, existe o risco de aquisição parenteral de agentes infecciosos, como os vírus das hepatites e o HIV. DIAGNÓSTICO Muitos pacientes podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, e o diagnóstico da doença renal crônica inclui necessariamente a realização de exames complementares. É importante salientar que o diagnóstico de DRC pode ser feito mesmo quando a etiologia da doença renal seja desconhecida. ▪ Resumo da abordagem O primeiro passo na abordagem do paciente com suspeita de doença renal, após anamnese e exame físico, é determinar se há perda de função e qual o grau de declínio na filtração glomerular; o passo seguinte é identificar fatores de risco para doença renal crônica e sua progressão e evidenciar sinais de injúria renal por meio da análise do sedimento urinário, da pesquisa de proteínas na urina e da avaliação ultra-sonográfica do parênquima renal. Obs.: Na vigência de déficit de função renal, devem-se buscar causas com potencial de tratamento e reversão, tais como obstrução da via urinária, estenose de artéria renal e doenças imunológicas em atividade, como lúpus eritematoso sistêmico e vasculites. MEDIDAS LABORATORIAIS DE FUNÇÃO RENAL A principal forma de medição da função do rim é a medida do ritmo de filtração glomerular (RFG). Obviamente, medidas de avaliação de função tubular, capacidade de concentração e acidificação urinárias, metabolismo hormonal etc. também refletem a função do órgão, mas o RFG consagrou-se como o principal parâmetro clínico e experimental. Uma vez que o RFG não pode ser medido diretamente, a taxa de depuração de algumas substâncias pode ser usada como estimativa da filtração glomerular. O padrão-ouro para medida do RFG até hoje é a taxa de depuração da inulina, mas sua realização é extremamentetrabalhosa e inviável na prática clínica. Outros métodos de estimativa de RFG são precisos (125I-iotalamato, 51Cr-EDTA, iotalamato e iohexol), mas ainda caros e pouco disponíveis. ▪ Creatinina Na prática clínica, a RFG pode ser determinada pela dosagem da creatinina sérica e/ou pela depuração desta pelo rim. A depuração da creatinina pode ser realizada em urina coletada no período de 24 horas, porém a coleta urinária inadequada, seja por falta de compreensão do procedimento ou tipo de atividade do paciente, é um limitador do método. Mais recentemente, as diretrizes preconizam que a FG pode ser estimada a partir da dosagem sérica da creatinina (Crs), aliada a variáveis demográficas, tais como: idade, sexo, raça e tamanho corporal. As duas equações mais frequentemente utilizadas encontram-se a seguir: Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA O uso da creatinina sérica como marcador isolado de função renal é usual pela sua simplicidade, mas deve ser feito com muito critério. A creatinina sérica tem relação exponencial com o RFG e seus valores apenas se alteram significativamente quando a perda na função do órgão já é de aproximadamente 50%. Além disso, a creatinina é produzida endogenamente a partir de catabolismo muscular e varia imensamente de acordo com a massa muscular (dependente do sexo do indivíduo, idade, grau de atividade física, estado nutricional e eventual presença de amputações). Assim, o mesmo valor de creatinina sérica de 1 mg/dL pode refletir um RFG de 120 mL/min num jovem do sexo masculino, como de 40 mL/min numa senhora de 80 anos desnutrida ou até mesmo um RFG de 10 mL/min num neonato. Obs.: Recentemente, a medida da proteína de baixo peso molecular cistatina C, sintetizada em ritmo constante e catabolizada por filtração glomerular, foi proposta como uma alternativa à medida de creatinina para a avaliação do RFG. No entanto, o custo mais elevado, a pouca disponibilidade de sua determinação em rotina, além da necessidade de uma melhor avaliação na prática clínica, ainda inviabiliza seu uso no lugar da creatinina. EXAMES COMPLEMENTARES DIAGNÓSTICOS São exames úteis na avaliação etiológica da DRC: EXAME DE URINA O sumário de urina é um dos principais exames a serem feitos na avaliação inicial do paciente com DRC, devendo-se analisar os sedimentos urinários e suas anormalidades e a microscopia do sedimento (pesquisar células, cilindros e cristais). Hematúria: presença anormal de eritrócitos na urina (> de 3 a 5 eritrócitos/campo ou até 3000 hemácias por mililitro) -> Presença de hemácias disfórmicas indicam glomerulonefrite proliferativa ou nefrites hereditárias. Leucócitos: piúria é definida como acima de 10 leucócitos/campo ou 10.000/ml, sendo indicativa de inflamação do trato urinário. -> Piúria pode ser indicativa de infecção, porém quando associada a cultura estéril pode indicar: tuberculose de trato urinário, infecção por clamídia, doença glomerular proliferativa difusa, litíase renal, nefrite intersticial aguda (linfomononucleares e eosinófilos) e doença renal ateroembólica (eosinófilos). Cilindrúria: excreção aumentada de cilindros na urina. - > Excreção de cilindros céreos, celulares, gordurosos e pigmentados indicam patologia renal. -> Excreção de cilindros hialinos e granulosos podem não indicar doença renal PESQUISAR PROTEINÚRIA Indivíduos normais excretam pequena quantidade de proteína na urina diariamente, numa faixa considerada como fisiológica. No entanto, a excreção de quantidade aumentada de proteína na urina é um marcador sensível para DRC secundária a diabetes (doença renal diabética), glomerulopatias primárias e secundárias e hipertensão arterial. Já as proteínas de baixo peso molecular, quando em quantidade anormal na urina, sugerem a ocorrência de doenças túbulo-intersticiais. É preciso deixar claro que proteinúria é um termo genérico que engloba a excreção urinária de albumina e qualquer outro tipo de proteína. Já a palavra albuminúria refere-se única e exclusivamente à eliminação urinária de albumina, um marcador de lesão glomerular. MICROALBUMINÚRIA Exame bastante sensível, mas pouco específico no diagnóstico etiológico da DRC, é o marcador mais precoce da nefropatia diabética. Nesta doença, deve ser avaliada anualmente. Vale lembrar que é redundante a solicitação de exame de microalbuminúria em pacientes que já apresentem proteinúria em fase de macroalbuminúria. Emergiu também como um marcador importante de risco cardiovascular e mortalidade geral, provavelmente por sinalizar a presença de lesão endotelial difusa. FUNDOSCOPIA Exame simples que sugere o diagnóstico nos casos de retinopatias diabética, hipertensiva e estigmas de nefroesclerose maligna. É bastante útil no diagnóstico diferencial de DRC e aguda à beira do leito. ELETROCARDIOGRAMA, RADIOGRAFIA TORÁCICA E ECODOPPLERCARDIOGRAMA Para avaliação de lesão em órgãos-alvo (HAS, DM e doenças de depósito, como amiloidose). Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ULTRASSONOGRAFIA DE RINS E VIAS URINÁRIAS Que permite identificar sinais de: (a) cronicidade (alteração em ecogenicidade, diferenciação corticomedular e tamanho renal); (b) assimetria renal (compatível com nefropatia isquêmica, rim hipoplásico ou pielonefrite crônica, doença renovascular); (c) aumento no tamanho renal (compatível com nefropatia diabética, doença policística, infiltração neoplásica e doenças de depósito, como amiloidose); e (d) presença de cistos, tumores, malformações, prostatismo, obstrução de via urinária por cálculos e hidronefrose. É mandatório na investigação das mais diversas causas de DRC. EXAMES ESPECÍFICOS FRENTE A SUSPEITA DE NEFRITES E VASCULITES Eletroforese de proteínas séricas, imunoeletroforese de proteínas no sangue e na urina (paraproteinemia), sorologias para hepatite B, C e HIV, complemento sérico, pesquisa de autoanticorpos (FAN, ANCA), pesquisa de crioglobulina, Coombs direto e indireto, sinais de microangiopatia (plaquetopenia, anemia hemolítica, esquizócitos) etc. OUTROS EXAMES DE IMAGEM Doppler renal, angiorressonância de artérias renais, cintilografia com captopril e arteriografia, quando houver assimetria renal ou sinais clínicos sugestivos de estenose de artéria renal. Vale lembrar que o Doppler só é útil em mãos de radiologista experiente e que a angiorressonância apresenta um índice de falso-positivo não desprezível, sendo a arteriografia renal o padrão-ouro. O Doppler renal também é útil na suspeita de trombose de veia renal e, mais recentemente, na avaliação de síndrome hepatorrenal. URETROCISTOGRAFIA MICCIONAL, ESTUDO URODINÂMICO E CINTILOGRAFIA RENAL MORFOLÓGICA Quando houver suspeita de refluxo, bexiga neurogênica e pielonefrite crônica. BIÓPSIA RENAL A avaliação da histologia renal é importante para o diagnóstico, determina o prognóstico e direciona o tratamento, incluindo para pacientes candidatos ao transplante renal. Porém, quando se é feito o diagnóstico da DRC, muitas vezes o rim já está com um grau avançado de fibrose o que dificulta a definição da histologia de base, com redução do seu tamanho, que pode causar sangramento durante o procedimento. Assim, muitas vezes, o risco não compensa os benefícios. EXAMES COMPLEMENTARES ÚTEIS NA AVALIAÇÃO DE DISTÚRBIOS SECUNDÁRIOS À DRC DOSAGEM DE SÓDIO E POTÁSSIO, PARA AVALIAR PRESENÇA DE HIPONATREMIA E HIPERCALEMIA. A primeira pode intensificar a presença de sintomas neuropsiquiátricos, principalmente se em valores inferiores a 125 mEq/L. A segunda, assintomática, ocorre tanto pela redução na excreção do potássio, como por redistribuição entre os compartimentos intra e extracelular frente à acidose metabólica. Está associada a risco de arritmias e parada cardiorrespiratória. As alterações eletrocardiográficas que podem ser encontradas são: onda T apiculada, redução na amplitude da onda P e alargamento do complexo QRS, atéque este adquira a forma sinusoidal (risco iminente de parada cardíaca, habitualmente em atividade elétrica sem pulso ou assistolia). DOSAGEM DE CÁLCIO, FÓSFORO, VITAMINA D E PTH A partir de 60 mL/min/1,73 m2 de RFG, alguns pacientes já começam a apresentar distúrbios no metabolismo de cálcio, fósforo, vitamina D e PTH. Esses distúrbios tendem a agravar-se em fases mais avançadas da DRC, principalmente na fase pré-dialítica e no período dialítico. Assim, nas fases 3 e 4 da DRC, estão recomendados monitoração dos valores de cálcio e fósforo, dosagem de 25-hidroxivitamina D anualmente e dosagem de PTH 1 a 2 vezes por ano. GASOMETRIA VENOSA PARA VERIFICAÇÃO DE ACIDOSE METABÓLICA Resultante da perda de capacidade de excreção de ácidos fixos, causa náuseas, perda de apetite, desmineralização óssea e agravamento da hipercalemia e hipercalcemia. A solicitação do ânion gap é útil no diagnóstico diferencial com Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA outros tipos de acidose. Na insuficiência renal, este mostra- se elevado por acúmulo de ânions não medidos (fosfatos, uratos etc.). AVALIAÇÃO DA ANEMIA SECUNDÁRIA À DEFICIÊNCIA NA PRODUÇÃO DE ERITROPOIETINA E AO AUMENTO NA RESISTÊNCIA À AÇÃO DESSE HORMÔNIO. Atualmente, sabe-se que, além de trazer um grande prejuízo na qualidade de vida dos pacientes, a anemia também é frequentemente um fator de descompensação cardíaca, agravando a miocardiopatia urêmica. Sua avaliação inclui a monitoração constante do perfil de ferro, bem como a exclusão de outras causas de anemia, como deficiência de ácido fólico, anemia falciforme, mieloma múltiplo etc. ESTADIAMENTO Classificação do Kidney Disease Improving Global Outcome (KDIGO) da doença renal crônica (DRC). A graduação de cores que vai do verde ao vermelho representa o risco crescente e a progressão da DRC. TFG, taxa de filtração glomerular. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Como já visto, o diagnóstico diferencial é feito com dados de anamnese, exame físico e poucos exames complementares. A realização de biópsia renal, padrão-ouro para o diagnóstico, só é feita em suspeitas de glomerulonefrites ou quando a etiologia não está clara. Uma doença que merece particular menção em relação ao seu curso clínico é a nefropatia diabética. Líder entre as causas de nefropatia terminal em vários países, a nefropatia diabética é antecedida em muitos anos pela presença de hiperfiltração glomerular (que pode ser detectada em exames laboratoriais), alteração ainda reversível, mas que anuncia o risco de instalação da nefropatia crônica propriamente dita. Esta, por sua vez, é didaticamente dividida em três fases: a primeira, denominada nefropatia incipiente, corresponde a uma fase assintomática, na qual se nota apenas a presença de microalbuminúria, com proteinúria de 24 horas inferior a 300 mg. A segunda, denominada nefropatia clínica ou instalada, cursa com proteinúria de 24 horas já superior a 300 mg/dia e perda progressiva da função renal. Por último, ocorre a DRC terminal, que pode ser antecedida ou não por síndrome nefrótica franca. TRATAMENTO Anteriormente, a nefropatia crônica era compreendida como uma doença inexorável, sem nenhuma possibilidade de reversão ou estabilização. No entanto, sabe-se atualmente que uma melhora significativa na sobrevida e na qualidade de vida do paciente pode ser obtida com o emprego de algumas drogas, controle clínico rigoroso, tratamento de comorbidades, prevenção de novas agressões nefrotóxicas, identificação de causas potencialmente tratáveis e preparação do paciente para diálise e transplante renal em momento oportuno. Em todos os pacientes, é útil medir sequencialmente a RFG e colocar os resultados em um gráfico que expresse a velocidade de declínio. Qualquer aceleração na velocidade de declínio deve levar a uma busca de algum processo agudo ou subagudo sobreposto, o qual pode ser reversível. Isso inclui depleção do VLEC, hipertensão descontrolada, infecção do trato urinário, uropatia obstrutiva de início recente, exposição a fármacos nefrotóxicos, como AINEs ou contraste radiográfico, e reativação ou agravamento da doença original, por exemplo lúpus ou vasculite. Para reduzir a progressão da doença a taxa de declínio da RFG varia nos diferentes pacientes com DRC. Entretanto, as intervenções descritas adiante devem ser consideradas na tentativa de estabilizar ou retardar o declínio da função renal. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA TRATAMENTO DE SUPORTE DIETA É recomendada a redução na ingestão de sódio e, nas fases mais adiantadas da DRC, restrições de potássio e fósforo. Sabidamente, a redução do aporte de proteínas da dieta reduz a pressão intraglomerular e, há muitos anos, recomenda-se o uso de dieta hipoproteica para desacelerar a progressão da nefropatia crônica. Entretanto, salienta-se que tal medida deve ser usada com critério, levando em consideração o nível socioeconômico dos pacientes. Naqueles pacientes que estão habituados a ingerir proteína em quantidade superior a 0,8 a 1 mg/kg/dia, a restrição da ingestão de carnes é certamente benéfica, mas naqueles pacientes que já têm um aporte baixo de proteína e que comumente tornam-se inapetentes pela própria síndrome urêmica, a aplicação de dieta hipoproteica pode gerar desnutrição. Assim, a presença de uma equipe multidisciplinar é sempre aconselhável e assegura uma melhor orientação e adesão do paciente. Vale lembrar que a desnutrição é conhecidamente um fator de gravidade em pacientes que iniciam tratamento substitutivo renal, associada à morbimortalidade muito mais elevada. OBESIDADE A obesidade sabidamente eleva o risco de proteinúria ao longo dos anos, provavelmente relacionado a mecanismos de hiperfiltração glomerular. Assim, particular atenção deve ser dada a medidas dietéticas, atividade física e tratamento da obesidade em pacientes com DRC. TABAGISMO O tabagismo aumenta o risco de proteinúria tanto na população geral quanto em portadores de nefropatia diabética ou hipertensiva. Estudos clínicos retrospectivos têm mostrado alguma evidência de que o tabagismo aumenta o risco de redução de função renal, especialmente em homens e idosos. Embora ainda não esteja claro se a cessação do tabagismo tem impacto na história natural da DRC, essa medida deve ser encorajada a todo paciente de risco para desenvolver doença renal ou àqueles que já tenham doença instalada. Os potenciais mecanismos de dano renal pelo cigarro envolvem a ativação do sistema simpático, com influência sob a pressão arterial e a hemodinâmica renal, e a disfunção da célula endotelial. CONTROLE DA HIPERTENSÃO ARTERIAL É a medida nefroprotetora mais importante e eficaz. Atualmente, recomenda-se a redução da pressão arterial a valores inferiores a 130 x 80 mmHg. Todas as classes de anti- hipertensivos podem ser utilizadas na DRC. Há certa polêmica em relação ao uso de bloqueador de canal de cálcio di-hidropiridínico, uma vez que essa droga dilata preferencialmente a arteríola aferente, com risco potencial de aumentar a pressão intraglomerular. No entanto, vale enfatizar que o mais importante é o controle rigoroso da pressão arterial. USO DE DROGAS INIBIDORAS DA ECA (IECA) E DOS ANTAGONISTAS DO RECEPTOR AT1 (BRA) Vários estudos clínicos e experimentais mostraram o papel nefroprotetor dessas drogas em nefropatias crônicas proteinúricas. Esse efeito não ocorre apenas pela ação anti- hipertensiva das drogas, mas sim por uma combinação de efeitos sobre a hemodinâmica arteriolar (lembrar que a atuação vasodilatadora dessas drogas é predominante na arteríola eferente, ocorrendo queda na pressão capilar glomerular) e sobre vias inflamatórias e fibrogênicas. Há trabalhos clínicos que demonstram claramente os efeitos benéficos da inibição do sistema renina-angiotensina- aldosterona (SRAA) na nefropatia diabética nos pacientes com DM tipo 1, tipo 2 e em outras nefropatiasproteinúricas. ▪ IECAs O uso dos IECA requer alguns cuidados, como monitoração da concentração sérica de potássio, pelo risco de hipercalemia, e atenção à piora súbita de função renal. Estes episódios podem ser precipitados pelo uso de diuréticos ou estados hipovolêmicos, mas também podem ocorrer em função do efeito hemodinâmico próprio da droga. Elevações discretas, em até 30% do valor inicial da função, podem ser tratadas com correção da hipovolemia relativa (suspensão de diurético, compensação de ICC), mantendo- se a droga inibidora do SRAA. Se a piora de função for mais exuberante, o remédio deverá ser suspenso temporariamente e reiniciado em dose mais baixa. Nessa circunstância, é interessante avaliar a presença de estenose em artérias renais. O uso de IECA e BRA é contraindicado quando houver estenose bilateral de artérias renais. Outros efeitos colaterais comuns são tosse e angioedema, principalmente com IECA. Pacientes com intolerância à IECA costumam tolerar bem o uso de BRA. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ▪ Combinação de medicamentos O uso combinado dessas duas classes de drogas vem sendo estudado como medida nefroprotetora, mas os estudos apresentam resultados bem diversos até o momento, sugerindo inclusive que a combinação possa ter um efeito deletério sobre a função renal. Novos estudos são necessários, principalmente em pacientes com nefropatia diabética e naqueles com perda de função renal mais avançada. Por ora, o uso sistemático do tratamento combinado em DRC não está recomendado. CONTROLE GLICÊMICO RIGOROSO EM PACIENTES DIABÉTICOS Apesar de a evidência de que controle glicêmico melhora a sobrevida renal na prevenção secundária (pacientes com DRC) ser muito menor do que na prevenção primária (pacientes diabéticos sem DRC), esta medida faz parte da estratégia nefroprotetora. Além disso, é necessária na prevenção primária e secundária das outras complicações micro e macrovasculares associadas ao DM. O manuseio das drogas hipoglicemiantes é habitual até RFG de aproximadamente 30 mL/min, quando o risco de hipoglicemias graves aumenta. Nessa situação, é necessário suspender o uso de biguanidas e inibidores da alfaglucosidase e ajustar a dose de sulfonilureias, dando preferências às drogas de meia-vida mais curta. A insulina é a opção mais segura para pacientes na fase pré-dialítica imediata e em diálise. O uso de tiazolidinedionas e glinases parece ser seguro mesmo em pacientes dialíticos, mas ainda não há experiência clínica suficiente com essas drogas. Os objetivos de controle glicêmico são iguais aos desejáveis para pacientes diabéticos não portadores de nefropatia crônica. TRATAMENTO DE SINTOMAS E COMPLICAÇÕES TRATAMENTO DOS DISTÚRBIOS DE CÁLCIO, FÓSFORO, VITAMINA D E PTH A hipocalcemia deve ser tratada com a reposição de cálcio, habitualmente feita com carbonato ou acetato de cálcio. Em caso de hiperfosforemia, deve-se instituir restrição dietética de fósfororeduzindo-se alimentos como carne, leite e seus derivados, ovo, refrigerantes, grãos (feijão, grão de bico, ervilha), nozes e cereais. Caso o fósforo sérico mantenha-se superior a 5,5 mg/dL, deve-se iniciar o uso de quelantes. Há três tipos de quelantes atualmente disponíveis: à base de cálcio, carbonato e acetato de cálcio; aqueles com alumínio e aqueles sem cálcio ou alumínio (sevelamer ou carbonato de lantano, o último não disponível no Brasil). Os quelantes com cálcio estão indicados para pacientes que apresentam hipocalcemia concomitante, mas tornam-se prejudiciais em pacientes hipercalcêmicos (comum em fases mais adiantadas de hiperparatireoidismo secundário) ou quando usados em doses superiores a 2 g/dia. Os quelantes com alumínio são eficazes, mas não devem ser usados por mais de 15 dias, dado o risco de toxicidade óssea. O sevelamer deve ser usado em indivíduos com calcemia elevada ou naqueles que necessitam de doses muito elevadas de quelantes com cálcio, mas é uma droga de custo mais elevado e não está indicado em pacientes pré-dialíticos, pelo risco de acidose metabólica. Nas fases 3 e 4 da DRC, a forma precursora de vitamina D (25(OH) vitamina D) deve ser reposta se insuficiente, habitualmente com ergocalciferol oral ou intramuscular. A elevação de PTH (valores dependentes da fase da DRC ser tratada com pulso (oral ou endovenoso) de vitamina D ativa (calcitriol ou análogos sintéticos), desde que o produto cálcio-fósforo esteja controlado (a administração de vitamina D aumenta a reabsorção intestinal de cálcio e fósforo, podendo gerar valores proibitivos de fosforemia e calcemia). Se não houver resposta clínica, está indicado o tratamento cirúrgico, com a realização de paratireoidectomia subtotal, total ou total com autoimplante. CORREÇÃO DA ACIDOSE METABÓLICA Apesar de necessária para evitar náusea, hipercalemia e desmineralização óssea, a administração de bicarbonato de sódio por via oral apresenta a desvantagem de aumentar a ingestão de sódio e a consequente elevação na pressão arterial. Deve-se tentar obter um nível de bicarbonato em torno de 22 mEq/L. Para tal, pode ser administrado bicarbonato de sódio inicialmente 1 g 4 vezes/dia. ANEMIA A anemia, definida como valores de hemoglobina < 13,0 g/dL no homem e < 12,0 g/dL na mulher, é uma das complicações mais frequentes e precoces no curso da DRC. Sempre que o diagnóstico de anemia for feito, deve-se dosar a ferritina, o índice de saturação de transferrina, ácido fólico e B12. Devem ser considerados a reposição de ferro, vitamina B12 e ácido fólico e o uso de agentes estimuladores da eritopoese, a eritopoetina. A reposição de eritropoetina só deve ser feita após o fornecimento dos substratos, caso haja carência de ferro, B12 e ácido fólico. Obs.: Dose da eritropoetina: 50 a 150 unidades/kg/semana. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA OUTRAS COMPLICAÇÕES No manejo de outras complicações da DRC, principalmente as que não respondem a diálise, devese atentar ao ajuste na dose de medicamentos. Embora a dose de ataque da maioria dos fármacos não seja afetada pela DRC, porque a eliminação renal não entra nos seus cálculos, as doses de manutenção de muitos fármacos precisam ser ajustadas. Como os fármacos cujas doses são excretadas por vias não renais são mais de 70%, os ajustes de dose podem ser desnecessários. Mas alguns fármacos que devem ser evitados incluindo metiformina, meperidina e hipoglicemiantes orais eliminados por via renal. Os AINEs devem ser evitados em vista do risco de agravar ainda mais a deterioração renal. Obs.: Alguns antibióticos, anti-hipertensivos e antiarrítmicos podem exigir reduções da dose ou alteração dos intervalos entre as doses. Como mencionado antes, os contrastes radiológicos e o gadolínio devem ser evitados ou utilizados de acordo com diretrizes estritas conforme a necessidade médica. Em alguns casos, o alívio transitório dos sinais e dos sintomas da uremia iminente, como anorexia, náuseas, vômitos, fraqueza e prurido, pode ser conseguido com a restrição da ingestão proteica. Entretanto, essa intervenção acarreta risco significativo de desnutrição e, desse modo, devem ser planejadas medidas terapêuticas de longo prazo. A diálise de manutenção e o transplante renal prolongaram a vida de centenas de milhares de pacientes com DRC em todo o mundo. TERAPIA DE SUBSTITUIÇÃO RENAL As indicações para a instituição da terapia renal substitutiva para pacientes com DRC estão na tabela abaixo: Em vista da variabilidade individual da gravidade dos sintomas urêmicos e da função renal, não é recomendável atribuir um valor arbitrário de ureia ou creatinina recomendado para o momento ideal do início da terapia renal substitutiva. Além disso, os pacientes podem ficar acostumados à uremia crônica e negar seus sintomas, embora logo descubram que se sentem melhor com a diálise e percebam retrospectivamente como se sentiam mal antes de iniciar
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