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e-Book AS DEZ COMPETÊNCIAS GERAIS DA BNCC: Interpretações, definições e relevância para a vida e o mercado de trabalho Sumário Do conteúdo à competência: transformando o processo de ensino- aprendizagem INTRODUÇÃO 5 Camila Karino As múltiplas dimensões do conhecimento e a quebra de paradigmas CONHECIMENTO Juliana Magalhães Investigação científica: uma estrutura de análise para toda e qualquer área do conhecimento PENSAMENTO CIENTÍFICO, CRÍTICO E CRIATIVO Mayara Palmieri Cultura não é uma história única REPERTÓRIO CULTURAL Ricardo Kuraoka e Ana Lourenço Entre máscaras e megafones: o quanto não pensamos em comunicação no dia a dia COMUNICAÇÃO Alex Contin Juventudes digitais: fonte de inovação e desafios dentro e fora da sala de aula CULTURA DIGITAL Glauci Oliveira Tempo e maturidade: entre a inércia da vida e a definição de um projeto de vida TRABALHO E PROJETO DE VIDA Eduardo Bontempo Como argumentar contra um chá de casca de laranja? ARGUMENTAÇÃO Érick Nascimento 11 16 22 27 34 41 49 Corresponsabilidade e transformação: da escola para o mundo RESPONSABILIDADE E CIDADANIA Gisele Matos Competências e habilidades na educação do agora para todos brilharem juntos POSFÁCIO Claudio Sassaki “Conhecer a si próprio é o maior saber”, disse Galileu Galilei AUTOCONHECIMENTO E AUTOCUIDADO Paulo Raphael de Bittencourt Meu reflexo no espelho: o processo de desconstrução para um ser empático EMPATIA E COOPERAÇÃO Mauro Romano 54 60 68 74 5E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Do conteúdo à competência: transformando o processo de ensino-aprendizagem Camila Karino Diretora pedagógica + + INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO 6 A consolidação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação básica representa um avanço por consolidar um conjunto de aprendizados esperados em cada etapa. Esse avanço não se dá somente no sentido estrito, mas ocorre, sobretudo, graças ao significado mais amplo que esses aprendizados representam, uma vez que firma um compromisso importante de corresponsabili- dade do Estado e das escolas, como sua extensão, pelo direito de aprendizagem. Além disso, a BNCC traz con- sigo outras diretrizes fundamentais para o avanço edu- cacional. Ao apresentar os aprendizados esperados por meio de dez competências gerais e diversas habilidades por área do conhecimento, consolida-se definitivamen- te uma mudança de concepção do processo de ensino e do papel da escola. O foco deixa de ser o conteúdo que devo abordar e passa a ser o aprendizado que quero pro- porcionar. Deixamos de avaliar o que a pessoa “sabe” e passamos a avaliar o que a pessoa é capaz de fazer (suas competências). Enfim, o papel da escola passa a ser o de desenvolver um saber. Essa transformação faz total sen- tido se analisarmos o nosso contexto atual em que temos uma educação básica sobrecarregada de conteúdos, mas que pouco habilita os estudantes para a vida e o mercado de trabalho, vide os resultados de avaliações nacionais e internacionais. Não se trata de um modismo de um dis- curso por competências, mas de uma mudança de objeti- vos, práticas e valores. Provavelmente, você já deve ter se perguntado em algum momento da sua vida escolar: “Por que estou aprenden- do isso?” ou “Por que estou ensinando isso aos meus alunos?”. Muitas vezes até mesmo o professor titubeia sobre a real necessidade de se trabalhar determinados assuntos. Esse tipo de questionamento é comum prin- cipalmente quando o foco está no conteúdo, e não no aprendizado. 7E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Se estamos preocupados com o aprendizado, precisamos nos ater ao seu significado. É difícil demonstrar interesse por algo que não faça sentido para a vida. O educador David Perkins explica, no livro Future Wise: Educating our children for a changing world, que o professor, ao pensar em um determinado conteúdo ou assunto, deve se questionar sobre as ideias, as ações, as oportunidades e os valores que estão sendo possibilitados ao seu estudante. Tudo isso é relevante e essencial? O que eu pretendo possibilitar de fato? Se não tivermos respostas confiantes para essas perguntas, devemos realmente nos questionar sobre o quanto deveríamos nos dedicar a esses assuntos. Por outro lado, se temos respostas confiantes é porque descobrimos o significado da questão. E qual é a relação do significado com as habilidades e competências? Quando descobrimos o significado, com- preendemos como o assunto vai permitir que o estudan- te estabeleça conexões, reavalie crenças e valores, ex- plique o mundo de outra forma, realize ações de modo diferente, enfim, de repente percebemos que conectamos o assunto a um processo cognitivo e chegamos a uma habilidade. Veja como a BNCC apresenta essa tese: O verbo diferenciar demonstra o processo cognitivo a ser desenvolvido pelo estudante; “escravidão, servidão e trabalho livre” é o conteúdo atrelado. Ninguém aprende a diferenciar apenas por meio desse conteúdo. Por outro lado, a habilidade desenvolvida pode ser aplicada para outros momentos históricos e quanto mais o estudante diferencia esses momentos, mais hábil ele se torna. E, por que ensinar o mundo antigo? Por que “escravidão, servidão e trabalho livre” é um tema pertinente? Porque INTRODUÇÃO 8 isso pode ajudar a entender como os diferentes tipos de trabalho ainda ocorrem nos dias de hoje. Porque habilita o estudante a traçar novos desafios na contemporaneidade. Porque ajuda com o desenvolvimento da empatia por pessoas que podem estar exercendo trabalho escravo hoje. Observe que o objetivo real não é ensinar o conteúdo pelo conteúdo. Esse conhecimento só fará diferença de fato se o estudante conseguir aplicá-lo na sua realidade, tornando-se então parte de uma habilidade. Por isso, o objetivo do processo de aprendizagem é desenvolver a habilidade: “Diferenciar escravidão, servidão e trabalho livre no mundo antigo”. Não se trata de excluir os conteúdos das es- colas, mas de envolvê-los em um processo de aprendizado significativo. Na Geekie, acreditamos nessa aprendizagem, na aquisição de novos saberes que permitem ao(à) aprendiz construir ideias, oportunidades, relações éticas e ações que o(a) transformam e lhe per- mitem transformar a sociedade em que vive. Nesse con- texto, o processo de ensino se transforma porque o con- teúdo pode ser transmitido; a habilidade, não. Veja agora outro exemplo com o tema da redação do Enem 2018: Para escrever um texto dissertativo-argumentativo sobre esse tema, o estudante precisaria ter alguns conhecimen- tos referentes a manipulação, big data, ética, bem como sobre o que é internet e quais são os seus impactos. En- tretanto, somente os conteúdos não seriam suficientes. 9E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC É preciso demonstrar habilidades em análise crítica, ar- gumentação, síntese e deter as habilidades relacionadas à competência escrita. Os números do processo de correção das redações nos mostra o quanto ainda falha- mos no desenvolvimento de tais habilidades. Há cerca de 300 mil notas zero na redação anualmente e, ainda se- gundo o Inep, poucas dezenas de estudantes conseguem atingir a nota máxima. Por que isso ocorre? Por que ainda nos fixamos mais no conteúdo do que nas habilidades e competências. Ajudar as escolas a realocar o seu foco do conteúdo para o desenvolvimento de competências é o anseio da Geekie. Para isso, tentamos contribuir com uma nova dinâmica de aprendizagem, que engloba um material didático mais flexível e atrelado à BNCC e que provo- ca um aprendizado ativo e visível. Como David Perkins, acreditamos que a aprendizagem “é uma consequência do pensamento”. Desse modo, ela precisa ser ativa, pois só assim ela pode gerar novos saberes e provocar alguma transformação. Além disso, esse pensamento deve estar visível para que possamos apoiar o desenvolvimento das habilidades. Para isso, fazemos uso de rotinas de pensa- mento propagadas pelo Projeto Zero da Universidadede Harvard (para saber mais, veja o livro Making Thinking Visible (2011), de Ron Ritchhart, Mark Church e Karin Morrison). Se queremos desenvolver habilidades e competências, o processo de aprendizagem precisa estar intencionalmen- te desenhado para isso. Não é “dar um jeitinho”, e sim estar aberto para reorganizar as interações. Nessa linha, este e-book tem como objetivo ampliar nosso entendi- mento das dez competências gerais contidas na BNCC. Conhecê-las e compreender como elas estão no nosso cotidiano pode nos ajudar no processo de melhor desen- volvê-las no espaço escolar. Encontramos na internet diversos materiais ricos que su- gerem práticas para o desenvolvimento das competên- cias gerais da base. A partir da análise desses conteúdos, optamos por complementar o debate com uma nova an- gulação para os atores da comunidade escolar. Para tan- Projeto Zero Projeto de pesquisa da Universidade de Harvard, criado em 1967, com a missão de entender e me- lhorar a aprendiza- gem, o pensamento e a criatividade para indivíduos e grupos nas artes e outras disciplinas. Site: http://www. pz.harvard.edu Making Thinking Visible Making Thinking Vi- sible: How to Pro- mote Engagement, Understanding, and Independence for All Learners Ron Ritchhart, Mark Church, Karin Morrison Editora: Jossey- -Bass Ano: 2011 http://www.pz.harvard.edu http://www.pz.harvard.edu INTRODUÇÃO 10 to, convidamos 10 colaboradores da Geekie, entre eles o cofundador da empresa, Eduardo Bontempo, o gerente editorial do Geekie One, Érick Nascimento, o diretor de sucesso do cliente, Mauro Romano, além de designers pedagógicos, editores e jornalistas. Cada um recebeu o desafio de interpretar as definições de cada uma das dez competências apresentadas pela BNCC. Aqui, portanto, compartilhamos visões e interpretações. Cada autor e autora foi escolhido(a) por apresentar as competências a eles e elas atribuídas neste livro em seu cotidiano na Geekie e no contato que têm e tiveram com escolas de Ensino Fundamental e Médio, públicas e privadas. Assim, garantimos uma pluralidade de visões e angulações tão necessárias para um debate rico e útil para o dia a dia das escolas. Nesta seleção, partimos do pressuposto apresentado por Carol Dweck em sua obra Mindeset (2017): “Um mind- set de crescimento tem a ver com pessoas que acreditam que podem desenvolver suas habilidades” (p. 26). Embo- ra as competências estejam presentes em seus estudos e formações, elas foram desenvolvidas ao longo da vida (escolar, profissional e/ou pessoal), como a “Empatia e Cooperação” de Mauro Romano ou o “Trabalho e Projeto de vida” de Eduardo Bontempo. Independentemente da forma como cada um adquiriu sua competência, enten- demos que o desafio está dado para as escolas. Antes de transformar competências em prática pedagógica, o melhor caminho é entender e assimilar exemplos e inter- pretações sobre o que cada uma delas representa hoje. Boa leitura! Camila Akemi Karino Diretora pedagógica Camila Akemi Karino, Diretora pedagógica da Geekie, é psicóloga, mes- tre pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora pela mesma universi- dade com estágio na Universidade de New Brunswick, Canadá, quando estudou sobre “Igualdade, equidade e eficácia do sistema educacional brasileiro”. Entre 2010 e 2014, foi coordenadora-geral de Instrumentos e Medidas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aní- sio Teixeira (INEP), sendo responsável pelas principais avaliações da edu- cação básica, tal como o Enem. Tem atuado na área de Eficácia Escolar, Avaliação Educacional, Teste de Inteligência, Ansiedade e Psicometria. Atualmente é pesquisadora colaboradora do programa de pós-gradua- ção do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB. Mindeset: A nova psicologia do sucesso Carol S. Dweck, professora de psi- cologia na Universi- dade de Stanford Editora: Objetiva Ano: 2017 CONHECIMENTO As múltiplas dimensões do conhecimento e a quebra de paradigmas Juliana Magalhães Consultora pedagógica+ + 12CONHECIMENTO A primeira das 10 competências gerais contidas na Base é Conhecimento. O termo, por si só, pode proporcionar familiaridade e transmitir a ideia de que sua implemen- tação é fácil, uma vez que tradicionalmente as escolas já cumprem a função social de desenvolver conhecimen- to em seus estudantes. No entanto, é preciso atentar-se para algumas especificidades e mudanças de visão ou abor- dagem quando a competência é apresentada no documento. Para começar, devemos sempre resgatar a definição de com- petência que encontramos em seu texto de apresentação: “Mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para re- solver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (Base Nacional Comum Curricular - Mi- nistério da Educação). Nesse sentido, quando a Base declara ser essencial garantir aos estudantes da educação básica o desen- volvimento da competência Conhecimento, ela con- vida as escolas a realizarem uma reflexão sobre como o conhecimento é desenvolvido não apenas em seu âmbito intelectual, mas também nas esferas social, fí- sica, emocional e cultural, dimensões essenciais para garantir o desenvolvimento de uma educação integral. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 13E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Na prática, é preciso sempre pensar na seguinte questão: Como meus estudantes usam o conhecimento para cons- truir seu projeto de vida? Ou seja, o foco não está mais naquilo que meu estudante aprende, mas em como ele usa esse conhecimento desenvolvido para dar conta das demandas do seu dia a dia. Analisando mais a fundo a descrição dessa competên- cia, podemos nos perguntar: Como mensurar se meus estudantes serão capazes de “colaborar para a constru- ção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”? O material elaborado pela revista Nova Escola, em parceria com a Fundação Lemann, traz algumas etapas importan- tes para que possamos compreender o que exatamente os estudantes devem ser capazes de realizar ao final da educação básica, dando maior clareza sobre o desenvol- vimento dessa competência. 1. Busca pela informação: é importante que o estu- dante saiba buscar e avaliar a pertinência e a con- fiabilidade de fontes diversas enquanto acessa infor- mações para resolver problemas. É preciso que neste processo sejam desenvolvidos conceitos como o do “direito da propriedade intelectual” e o do “direito à privacidade” utilizando-as de forma ética. 2. Aplicação do conhecimento: ao aplicar um con- ceito, espera-se que o estudante seja capaz de “fa- zer conexões, atribuir significados e organizar os conhecimentos adquiridos”. Aqui a autonomia e o autoconhecimento do estudante ganham luz quando ele é provocado a desenvolver e adotar estratégias para reter informações adquiridas, utilizando seu co- nhecimento sobre elas para desenvolver problemas complexos. 3. Aprendizagem ao longo da vida: damos um pas- so além do “aprender a aprender” quando o estudan- te não apenas demonstra motivação em continuar aprendendo, mas também colabora para a aprendiza- gem dos colegas, compreendendo a importância do conhecimento adquirido para a tomada de decisões na vida cotidiana. 14CONHECIMENTO 4. Metacognição: o(a) estudante deve dominar seu pro- cesso cognitivo, refletindo sempre sobre o que, como e por que aprender. Dessa forma, ele(a) se torna prota- gonista em seu processo de aprendizagem estabelecen- do diferentes estratégias para desenvolver seu próprio aprendizado. 5. Contextualização sociocultural do conhecimento: para valorizar o conhecimento construído ao longo da História é preciso compreender e respeitaro contexto sociocultural em que cada saber foi constituído. A ideia da construção coletiva de saberes impulsiona essa valo- rização ao possibilitar uma aproximação com a cultura de origem deste conhecimento, bem como oportuniza aos estudantes vivẽncias no processo dessa construção co- letiva. À luz da proposta apresentada, o grande objetivo no de- senvolvimento desta competência não é mais o de “ab- sorver conhecimentos” desenvolvidos ao longo da His- tória, até mesmo porque sabemos que o conhecimento sem ação (aplicabilidade) não gera mudanças, nem novos conhecimentos. É possível notar, na proposta da BNCC e nos debates que esse documento gerou em congressos e eventos, que as 15E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC escolas estão passando por uma mudança de paradigmas (também) no que concerne ao Conhecimento. Se antes a memorização de datas, fórmulas e estruturas molecu- lares era suficiente para a conclusão da educação básica e para o acesso ao ensino superior, hoje o cenário está mudando. Como apontado, o Conhecimento, agora, é uma das dez competências que devem compor a formação integral do estudante. Isso provoca uma revolução na forma como as tradicionais aulas expositivas eram (e ainda são) prioritá- rias no processo de aprendizagem. Para estudantes, não basta mais apenas ouvir e copiar o conteúdo passivamen- te. Eles e elas precisam de mais que isso para manter o engajamento e o interesse ao longo dos anos da forma- ção básica. Cabe, portanto, uma revisão das prioridades e estratégias didáticas de professores e professoras para atender a essas novas demandas (de estudantes e da BNCC). Desse modo, portanto, podemos contribuir para que nossos e nossas estudantes desenvolvam autonomia em seu processo de aprendizagem e criem bases sólidas para galgar o tão sonhado protagonismo estudantil. Juliana Magalhães Consultora pedagógica da Geekie Bacharel e licenciada em História pelas Faculdades Metropolitanas Uni- das e mestranda em Educação pela Funiber com o tema “O uso de TIC’s na Formação de Professores”. Juliana atuou como professora de História para turmas de Ensino Fundamental II e Médio durante 10 anos. Depois da experiência em sala, passou a trabalhar com a formação de professores. PENSAMENTO CIENTÍFICO, CRÍTICO E CRIATIVO Investigação científica: uma estrutura de análise para toda e qualquer área do conhecimento Mayara Palmieri Editora de Física+ + 17E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Seria um equívoco afirmar que a inserção do pensamen- to científico nas escolas é uma estratégia deste século, uma vez que o ensino básico se apropria de aspectos do pensamento e do fazer científico desde o século XIX. Para tornar possível entender qual foi o caminho percor- rido para que esses aspectos se convertessem em um dos pilares da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de um país tão grande e plural como Brasil, farei um bre- ve histórico. A ideia de introduzir aspectos do pensamento científico e das práticas da ciência no ensino básico tem início na se- gunda metade do século XIX, em conjunto com a defesa da adoção de atividades experimentais na educação. A vi- vência da ciência experimental em laboratórios escolares permitia aos alunos experienciar características próprias da ciência como a autonomia de pensamento, a elabo- ração de generalizações, a criatividade e o tratamento de dados reais, atribuindo aos estudantes um papel mais ativo na construção de seu conhecimento escolar. Já no início do século XX houve uma forte mudança de perspectiva das práticas científicas na escola em razão dos avanços tecnológicos e científicos alcançados e que alteraram significativamente os meios de produção, as novas tecnologias nos meios de comunicação, a medicina e diversas outras áreas. Assim, este período caracteriza-se por uma mudança no âmbito das práticas científicas es- colares, que passaram a enfocar mais os valores sociais e coletivos e menos os valores individuais e intelectuais. Sob a influência dessas mudanças, o filósofo John Dewey John Dewey (1859-1952), con- siderado um dos maiores teóricos norte-americanos do século XX. Sua teoria defende que o processo de aprendizagem deve ser focado no estu- dante e ser baseado na problematização de seus conheci- mentos prévios. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ci- ências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, for- mular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 18PENSAMENTO CIENTÍFICO, CRÍTICO E CRIATIVO e diversos outros pesquisadores defendiam um ensino básico pautado na investigação e focado no desenvol- vimento de habilidades para a resolução de problemas específicos com significado social. Já no Brasil, para a educação, a década de 1980 ficou marcada pela adaptação do ensino básico às exigências do mercado, com o objetivo de formar mão de obra qua- lificada em razão do forte processo de industrialização sofrido no país. Esta breve revisão dos séculos passados evidencia como os diferentes contextos sociais e históricos, além das ne- cessidades geradas por eles, relacionam-se com o ensino e as práticas de sala de aula. Neste contexto surgem diversos documentos oficiais com o objetivo de inovar as diretrizes da educação básica brasileira na direção de uma educação que seja prepa- radora básica para o trabalho e o exercício da cidadania, de maneira a desenvolver no indivíduo a formação éti- ca, a autonomia intelectual e o pensamento crítico. Os novos documentos oficiais propõem o desenvolvimen- to de competências gerais indicando uma extrapolação do ensino tradicional, pela possibilidade de formação de uma cultura científica escolar, com o estabelecimento de 19E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC relações mais sólidas com o contexto social, histórico e tecnológico e com a compreensão da dinâmica entre de- senvolvimento científico e o homem. Ao passo que as relações entre ciência e socie- dade mudaram, os objetivos acerca do ensino também o fizeram. Sendo assim, o pensamento científico traz à luz práticas próprias da ciência que se valem como abordagens didáticas para o desenvolvimento de diversos componentes curriculares. Do grande conjunto de práticas próprias da ciência, a investigação é a prática que traz diversos elementos passíveis de extrapolar as ciências da natureza para todas as outras áreas do conhecimento. Dentre es- ses elementos, destacamos: situações-problema a serem analisadas, a elaboração de hipóteses, possíveis coletas e/ou interpretações de dados, além da análise e da co- municação de resultados. Os elementos destacados acima fazem parte das práticas da ciência que podem ser alocadas em diversas discipli- nas escolares por meio de uma abordagem investigativa, já que a investigação em sala de aula deixou de ser ex- clusivamente a operacionalização e reprodução de expe- rimentos em laboratório, ganhando um significado mais amplo e possibilitando a relação entre sujeito, ambiente, contexto social, polícia, entre outros elementos. 20PENSAMENTO CIENTÍFICO, CRÍTICO E CRIATIVO Uma ideia estruturada e posta à prova A proposição de um problema ou de uma situação-pro- blema é a porta de entrada para que a investigação ocor- ra em sala de aula. Isso representa um convite que incen- tiva os estudantes a olharem para problemas do mundo elaborando estratégias e planos de ação. O processo de resolução de um problema a partir de uma abordagem investigativa pretende levar o aluno e a aluna a ultrapas- sar o apenas conhecer e compreender conhecimentos e conceitos já sistematizados, também libertando-o(a) para possibilidades de uso de sua criatividade, uma vez que a criatividade é considerada, por muitos pesquisadores, um fenômeno multidimensional. Os aspectos que estimulam a criatividade são de nature- za social,cognitivos, afetivos, ambientais de alta relevân- cia para o indivíduo e vão ao encontro dos aspectos que permeiam as práticas investigativas para a resolução de problemas abertos ou de situações-problema. Além dis- so, a abordagem investigativa no ensino básico promove e instiga o trabalho em conjunto entre os alunos e en- tre os alunos e o professor, colocando o estudante como protagonista durante o processo investigativo. Outro ponto relevante desta estratégia pedagógica está no estimulo à curiosidade intelectual de estudantes e em muni-los com metodologias adequadas para a cons- trução de um conhecimento bem estruturado. Para além do pensamento científico, crítico e criativo, essa com- petência também colabora com a tão necessária auto- nomia do indivíduo. Conhecimentos prévios começam como ideias, se transformam em hipóteses e terminam como uma certeza baseada em um estudo minucioso das características, dos conceitos e das particularidades de um saber. Em uma era de desinformação, com quantida- des enormes de notícias que disputam a nossa atenção a todo segundo e o perigo das fake news nas tomadas de decisão no dia a dia, estudantes que aprendem por meio do desenvolvimento desta e das demais competências terão uma visão mais plural, holística e sólida de como o mundo ao seu redor é construído. 21E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Ademais, e como destacado aqui, essa competência não compete única e exclusivamente às disciplinas de Ciên- cias do Ensino Fundamental ou Física, Química, Biologia e Matemática do Ensino Médio. Estudantes têm a possi- bilidade de se aproximar de uma visão científica que per- passa todas as áreas do conhecimento e está na base dos saberes que fazem parte do processo de aprendizagem de toda e qualquer escola. É, portanto, uma aproximação de um processo acadêmico de construção do conheci- mento, calcado em bases sólidas desenvolvidas ao longo de séculos de pesquisa, testes, elaboração de hipóteses e busca de comprovações e soluções. Sendo assim, lan- çar um olhar sobre uma ideia e submetê-la à investigação aqui proposta é também um processo de análise crítica de sua validade. Estas características da abordagem investigativa vêm, de maneira harmônica, ao encontro da segunda competên- cia geral elencada pela BNCC. Esta competência, então, tem como premissa práticas investigativas que preten- dem levar o aluno a ultrapassar o mero conhecer e com- preender conhecimentos e conceitos já sistematizados e consolidados. A investigação pode servir de estratégia para que haja em sala de aula o confronto de ideias e perspectivas por meio da linguagem e da argumentação, fomentando a criticidade e a criatividade dos estudantes na resolução de problemas atuais. Mayara Palmieri Editora de conteúdo de Física da Geekie Licenciada em Física pela Universidade de São Paulo (IFUSP) e mestre em Educação também pela Universidade de São Paulo (FEUSP), na área de Ensino de Física por Investigação, sob a orientação da Professora Doutora Lúcia Sasseron. Lecionou Física e Matemática na rede estadual de educação e atualmente é professora de Física para o Ensino Médio na rede particular de ensino. É editora de conteúdo da Geekie no time de Ciências da Natureza. 22E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC REPERTÓRIO CULTURAL Cultura não é uma história única Ricardo Kuraoke e Ana Lourenço Editores de Educação Digital + + 23E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Não é fácil saber se você está desenvolvendo o seu re- pertório cultural. A princípio estamos a todo momento ampliando-o, seja conversando com pessoas, vendo ví- deos, viajando, etc. Mas nem sempre entrar em contato com uma outra cultura significa que estamos tendo uma aproximação significativa, entendendo profundamente as nuances dela. Isso não quer dizer necessariamente que não nos esfor- çamos para conhecer o desconhecido, mas sim que ten- demos a ver o mundo sob certos filtros, os nossos. Esses filtros são importantes porque representam personalida- de, experiência de vida e aprendizados pessoais. Entre- tanto, eles podem fazer com que não vejamos com clare- za o outro e a importância de outras culturas. Por exemplo, pelo nosso filtro do que entendemos ser uma família feliz, podemos olhar relações familiares di- ferentes, como em comunidades indígenas brasileiras, por exemplo, e constatar erroneamente que não sejam relações saudáveis, seja pelo formato, pela divisão das responsabilidades, pelas demonstrações de sentimentos etc. Assim, podem começar a surgir os estereótipos que muitas vezes nos distanciam de um entendimento real sobre a cultura dos outros. Surgem ideias prontas como a de frieza dos londrinos, a da felicidade dos baianos e a da disciplina dos japoneses. Com o avanço da internet e da comunicação, vemos dois movimentos contrários. O primeiro é a possibilidade de entrar em contato com diferentes culturas, as quais tal- Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 24REPERTÓRIO CULTURAL vez nunca conheceríamos de outra forma. Podemos sen- tar agora e conhecer um pouco mais sobre como o povo inuíte ensina as crianças a controlarem a raiva, podemos entender um pouco mais sobre como a criação de gado na ilha de Hokkaido faz com que a culinária da região se diferencie em relação à de outras regiões do país. Pode- mos ver o continente africano como uma mistura imensa de povos tão culturalmente diversos e atuantes em sua própria história, e não apenas como um ambiente repleto de pobreza. O segundo movimento é de uma planificação da cultura. A sociedade de consumo e do espetáculo, em conjunto com as redes sociais, está criando uma cultura que ao mesmo tempo é de todos e não é de ninguém. Somos incentivados a interagir com o mundo e a interpretar os outros do mesmo modo. Por isso, esse é um momento importante para trabalhar- mos nosso repertório cultural. Isso não significa apenas conhecer mais coisas, mas ter empatia e sensibilidade para conhecer a fundo o outro. Conhecer a cultura do mundo é conhecer o mundo. Entendendo a competência Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana, pales- trou certa vez a respeito do “perigo de uma história úni- ca”. Ela fala sobre ter crescido com referências culturais vindas da Europa, principalmente a partir da literatura, e de ter demorado a se dar conta de que pessoas como ela também poderiam existir na literatura e na cultura. É este o perigo de uma história única: ver pessoas e cultu- ras diversas, por vezes pouco reconhecidas, a partir de estereótipos, o que contribui para sua invisibilização. A construção de um repertório cultural vasto e multidiver- so, nesse sentido, é também um ato de cidadania. A competência 3 da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um marco importante no reconhecimento da valorização que as manifestações artísticas e culturais devem receber. No texto da competência, isso já está ex- plícito. O texto também prevê fruição por parte de alu- Chimamanda Ngozi Adichie Autora de obras premiadas como “Hibisco Roxo” (2011), “America- nah” (2014) e “Meio sol amarelo” (2017), todos publicados no Brasil pela Cia das Letras. Cres- ceu na Nigéria e se mudou para os Estados Unidos para estudar. Lá, participou do TED Talk, em 2009, com o tema “O perido da história única”. Assista: http://bit.ly/TEDChi- mamanda http://bit.ly/TEDChimamanda http://bit.ly/TEDChimamanda 25E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC K-pop Gênero musical originado na Coreia do Sul, que se caracteriza por uma grande variedade de elementos au- diovisuais. Conheça: http://bit. ly/BTS-k-pop nos e alunas, que se apropriam dessas manifestações e passam a sentir-se pertencentes a elas e seguros(as) para expressar suas próprias inclinações, criando e pratican- do a arte. A BNCC, portanto, vê a arte como fun- damental na formação humana não só porque ela é omeio pelo qual consegui- mos mostrar nossa própria individuali- dade, mas também porque a partir dela vivemos identidade e pertencimento a nossa nação. Conhecer tais manifesta- ções é essencial, ainda, para que consi- gamos ver o outro, da forma com que esse outro se expressa dentro de sua realidade. A arte é, então, o caminho para desconstruir a história única, ou seja, uma forma de resgatar povos, de enaltecer vivências, de observar a be- leza de culturas e comportamentos hu- manos que fogem ao padrão do que é produzido para fins de consumo estrito. As redes sociais e a alta velocidade com que influências são trocadas através da internet fazem com que seja mui- to mais fácil, hoje, desconstruir ideias preconcebidas. A popularização do pop coreano, ou k-pop, é evidência disso: os grupos musicais do gênero vêm lotando está- dios em todo o mundo, inclusive no Brasil, ajudando a quebrar barreiras que impediam a popularização de pro- duções que não fossem predominantemente norte-ame- ricanas ou eurocentradas. http://bit.ly/BTS-k-pop http://bit.ly/BTS-k-pop 26REPERTÓRIO CULTURAL A promoção do repertório cultural na escola A cultura está em tudo. Está na maneira com que conver- samos, na comida que comemos, no modo como deita- mos para dormir e em como acordamos para mais um dia. Na escola, não é diferente. Todas as ações que realizamos no processo de aprendizagem de alunos e alunas trazem grandes influências culturais, que são ao mesmo tempo externas e internas a todos e todas. Na construção de repertório cultural, a escola já tem um papel absolutamente fundamental. Isso se reflete no con- teúdo das aulas, especialmente de Linguagens e Ciências Humanas, que fornecem bases de construção de conhe- cimento, respectivamente, na expressão oral e física e no reconhecimento da história e das manifestações culturais do nosso povo e de outros povos. Assim, cabe à escola estimular essa mudança de mentali- dade: a formação do repertório cultural deve ocorrer em todos os sentidos, e não apenas na transmissão direta de conteúdo. Seus recursos devem ser direcionados à for- mação integral do aluno e da aluna, para que adquiram maior empatia, pluralidade de visões e amplifiquem sua sensação de pertencimento em relação à construção de nossa história e de nossa cultura. Ricardo Kuraoka Editor de Educação Digital do Geekie One Formado em Comunicação Social - Jornalismo pela Escola de Co- municações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Autor do livro fotográfico “Furou o asfalto - Um ensaio sobre vegetação urbana”. Membro do coletivo “Ataque”, que discute a política no vi- deogame. Editor da disciplina de Educação Digital do Geekie One. Ana Lourenço Editora de Educação Digital do Geekie One Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da Univer- sidade de São Paulo (ECA-USP) e especializada em Educação e Tec- nologia, atuando há mais de seis anos como repórter e editora de materiais jornalísticos e didáticos. Produziu e dirigiu o documentário “Rito do Mérito”, sobre os mitos e dificuldades do acesso ao ensino superior, além da série “Fora da Grade”, que retrata projetos inova- dores e gratuitos de educação em São Paulo. Atuou como editora de Educação Digital do Geekie One até junho de 2019. COMUNICAÇÃO Entre máscaras e megafones: o quanto não pensamos em comunicação no dia a dia Alex Contin Editor do InfoGeekie+ + 28COMUNICAÇÃO Sempre que ouvia a exclamação de Sherlock Holmes “É elementar, meu caro Watson!”, eu ficava com alguns questionamentos pendentes. O personagem que con- sagrou o autor inglês Arthur Conan Doyle e inaugurou o gênero policial na literatura tinha sua lógica própria de pensar e agir - encarada por alguns como muito ex- cêntrica. Portanto, o que seria elementar para Sherlock também o seria para Watson? Hoje ouvimos, aqui e ali, a expressão “É óbvio!”. Mas o que seria óbvio para mim também o é para você? Nem tudo é óbvio, muito menos elementar; logo, é ne- cessário que qualquer pessoa que comunique uma men- sagem deixe-a clara o suficiente e livre de ruídos para que ela cumpra com os propósitos necessários. Essa, contudo, não é uma tarefa fácil. Caso eu, como autor, es- tabeleça um diálogo com alguém que nunca tenha lido nenhuma das obras de Doyle ou assistido a nenhum filme do famoso detetive Sherlock Holmes, minhas referências serão falhas e apenas servirão para ocupar espaço neste Arthur Conan Doyle (1859-1930), foi escritor e médico britânico, nascido na Escócia. Ficou mundialmente famoso por suas 60 histórias do detetive Sherlock Holmes. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 29E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC e-book. Por outro lado, caso meu interlocutor ou minha interlocutora seja vidrado ou vidrada em romances poli- ciais e conheça todas as histórias desse excêntrico inves- tigador, é possível que eu receba um e-mail com críticas às minhas definições das obras do autor britânico. Aliás, o termo “vidrado” ainda é usado? Foi possível entender que eu quis dizer que a pessoa é fascinada ou fã? Não precisamos recorrer a muitos outros exemplos para saber que isso acontece no dia a dia das escolas: os e as estu- dantes de hoje têm referências que muitos educadores, educadoras e todos os atores da comunidade escolar não entendem muito bem. Essas mesmas questões ocorrem em todo e qualquer ato de comunicação. Não é sem motivo que Patrick Chara- deau afirma que a comunicação é um ato de encenação. Por um lado, essa definição nos força a pensar em uma peça de teatro: todas as falas são encenadas de acordo com um roteiro bem definido. Há personagens que criam vínculos entre si e com a plateia em dado momento da peça; a história é contada conforme o previsto; as corti- nas se fecham; a equipe vem às luzes da ribalta, agradece e se despede. Nos próximos dias da turnê, tudo se repete exatamente como ensaiado e com poucos imprevistos. A vida real, no entanto, não tem roteiro. Não temos falas escritas por algum gênio da dramaturgia, e muito menos o suporte de um diretor, para nos orientar a como reagir, nos mostrar para onde olhar. “Isso é óbvio, certo?”, você poderia indagar agora. Ouso responder: “Sim e não”. Não há verdades absolutas aqui. Embora não tenhamos co- nhecimento profundo sobre tudo e todos, ter a comuni- cação como competência é essencial para uma convivên- cia saudável em sociedade. Isso pode até parecer difícil, mas não é. Muito além do emissor e do destinatário Quando lemos algo sobre comunicação, invariavelmente nos deparamos com o diagrama que diz que a comunica- ção é feita por um emissor, que escolhe a mensagem e o meio pelo qual irá transmitir sua ideia até chegar a um interlocutor ou destinatário. É a boa e velha carta envia- Patrick Charadeau é um linguista fran- cês, especialista em Análise do Discurso e professor da Uni- versidade Paris- -Nord. É fundador da Teoria Semiolin- guística de Análise do Discurso. 30COMUNICAÇÃO da pelo correio com remetente, mensagem, destinatário; ou o e-mail, o áudio de WhatsApp, o comentário em uma foto no Instagram, o noticiário do horário nobre da tele- visão. Todos os atores de comunicação podem ser enca- rados neste esquema simples, mas não deveriam. Charadeau ao afirmar, em Linguagem e discurso (2008), que todo ato de comunicação é uma encenação, chama atenção para a complexidade que está por trás daquele simples esquema que já apontamos. Voltemos à alusão ao teatro: elencamos acima uma rotina simplificada de uma encenação. Ela é simplificada porque deixou de fora inú- meros outros recursos que compõem um contexto muito mais amplo do ato de comunicação que é realizado em cima deum palco. Não falamos das luzes, da maquiagem, do figurino, do cenário e da trilha sonora. Todo e qual- quer componente que é adicionado à encenação passa a fazer parte dela e ajuda a contar a história. Logo, todo e qualquer componente adicionado (com ou sem intenção) à comunicação faz parte dela e ajuda (ou não) a garantir seus objetivos. Assim, Charadeau defende que, ao nos comunicarmos, usamos uma série de recursos – de forma intencional ou não –, que podem contribuir para o sucesso ou a falha desse ato. O principal e mais relevante recurso da teoria desse linguista é a máscara social. Ela é a parte visível desse processo: esse texto, o rosto do jornalista, a voz do radialista, a professora ou o diretor pedagógico da Linguagem e discurso Linguagem e dis- curso: modos de organização Patrick Charadeau Editora: Contexto Ano: 2008 31E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC sua escola. A parte invisível (e muitas vezes inacessível) ocorre no interior de cada indivíduo, no EU-comunican- te, como define o teórico. No momento em que escrevo este texto, tenho em minha cabeça todas as intenções que gostaria de produzir em você, leitor ou leitora: quero destacar a importância da comunicação como uma com- petência, por exemplo. Essa mensagem, ainda em cons- trução mental, é influenciada por toda a minha trajetória profissional, pessoal, acadêmica e emocional. Os cursos que fiz, as experiências que tive, os livros que li, as con- versas que mantive com toda e qualquer pessoa que cru- zou meu caminho fazem parte de meu contexto pessoal, social e histórico, que é único e particular. Já a forma como transmito essa necessidade de mensa- gem é onde a máscara entra em ação, e o EU-enunciador dá cara, voz, expressão e vida à estratégia de comunica- ção estabelecida pelo EU-comunicante. Esse texto; o tom que uso em minha comunicação; os recursos audiovisuais que suportam minha mensagem; a escolha de palavras e exemplos. Para além deste artigo, seriam os gestos que faço com o corpo ou as expressões faciais durante uma aula; a seleção de mensagens que vão ou não ser comunicadas; a composição de um exercício ou de uma atividade avaliativa. O que toda mãe sabe Contudo, mesmo que se tenha a consciência de todos esses pontos, ao iniciar um ato de comunicação, muitas vezes as regras do jogo podem estar de- terminadas, mas nunca garantirão o placar final. Profissionais de comunicação mais experientes e toda mãe sabe: a forma como você transmite uma informa- ção precisa ser coerente com o efeito que sua mensagem deve causar. Exemplos: minha sobrinha de dois anos fa- lou um palavrão; adianta minha cunhada repreendê-la en- quanto chora de rir? Uma jornalista vai anunciar a prisão de uma senhora que traficava 10 mil tabletes de ecstasy e cai na risada ao esclarecer que o namorado da idosa sabia da existência das pílulas, mas achava que eram re- médios para impotência sexual. Qual é a credibilidade da repreensão ou da transmissão da notícia se o tom da co- municação não corresponde à seriedade da mensagem? 32COMUNICAÇÃO Além de considerar os fatores acima elencados, é preci- so, ainda, considerar as duas dimensões corresponden- tes em nosso interlocutor. Afinal, posso planejar uma ex- periência de aprendizagem perfeita, mas o que garante que ela sozinha garantirá que meus estudantes consigam atingir 100% dos objetivos propostos? Se não conside- rarmos o repertório pessoal, social e histórico de nosso interlocutor, a mensagem jamais será assimilada da for- ma como intencionamos. Posso até estimar o leitor ou a leitora ideal para este texto, porém, se ela não conhecer Sherlock Holmes ou nunca assistiu ao vídeo da jornalis- ta Lilian Witte Fibe rindo ao ler notícia sobre o casal de idosos que traficava drogas, minha mensagem será 100% compreendida? Posso dar como garantido que ao final dessa leitura meu interlocutor ou minha interlocutora vá conceder à comunicação a importância que eu gostaria? Assim como o EU-comunicante e o EU-enunciador, é preciso também considerar que o nosso interlocutor tem uma máscara (do TU-destinatário, como define Charade- au), que reage e recebe a mensagem; e uma face que a interpreta com base em todo o seu contexto social e his- tórico (o TU-interpretante). Para além de todas as terminologias do linguista francês, a mensagem essencial de sua teoria é a de que o proces- so de comunicação é muito mais complexo do que ima- ginamos. Para que uma mensagem seja bem elaborada e cumpra com todo o propósito conferido pelo seu emissor, este deve considerar inúmeras facetas desse processo. No entanto, isso é algo que não estamos acostumados a fazer no dia a dia. Afinal, nos comunicamos desde crianças, mas, em anos de vida, poucas pessoas param para pensar na forma como praticam essa competência tão fundamental. Sem essas considerações estamos sujeitos a acreditar em falácias, a ser manipulados facilmente e, mais grave ainda, a propagar informações e conceitos de forma errônea, con- tribuindo para um ambiente no qual a segurança não é ga- rantida para ninguém e em que decisões são tomadas com base em mentiras ou em informações incompletas. Sendo assim, quando a BNCC estipula a comunicação como uma das dez competências que formarão os estu- 33E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC dantes dessa geração, ela possibilita que mensagens sin- ceras e claras sejam predominantes em um mundo de de- sinformação e fake news. Ter clareza sobre como utilizar linguagens verbais, corporais, visuais, sonoras e digitais é, no fundo, entender as facetas que envolvem todo e qual- quer processo de comunicação. Das artes às ciências, as mensagens estão sempre embasadas nos contextos pes- soais, históricos e sociais dos indivíduos que se dispõem a comunicar algo a alguém. Em algumas áreas isso ocorre de forma mais subjetiva, como nas artes, por exemplo, com as várias interpretações possíveis às obras de Cân- dido Portinari ou de Mário de Andrade; já em outras isso ocorre de forma mais estruturada e objetiva, como nas ciências e na matemática, áreas nas quais o conhecimen- to é construído a partir de hipóteses e comprovações. A despeito de qualquer conteúdo, comunicar-se é ine- rente ao ser humano, mas saber se comunicar é um exercício que deve ser praticado dia após dia. E esta não é uma tarefa única de professores e professoras: ela é essencial para todos os atores da comunidade escolar, inclusive as famílias, para os profissionais de todas e quaisquer áreas e para todo indivíduo que se relaciona com outros. A comunicação, quando bem estruturada, evita conflitos, retrabalhos, desentendimentos, e, ao mesmo tempo, garante um am- biente de paz e compreensão mútua para todos que dela fazem parte. “É elementar?” Alex Contin Editor de conteúdo do InfoGeekie Jornalista, bacharel em Ciências Econômicas (Unicamp) e mestre em Di- vulgação Científica e Cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp). Possui experiência em produção de material didático para o Ensino Superior e é apaixonado por comunica- ção e educação. Em 2017 iniciou a graduação em Letras na Universida- de de São Paulo, e atualmente se dedica ao estudo das relações entre educação, mídia e economia. CULTURA DIGITAL Juventudes digitais: fonte de inovação e desafios dentro e fora da sala de aula Glauci Oliveira Designer pedagógica+ + 35E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Digitalizar informação é simplesmente transformá-la em números. Um texto, uma imagem e até mesmo sons e vídeos podem ser transformados em pares de números naturais formados unicamente por 0 e 1. Parece simples, mas a evolução tecnológica tornou esses conjuntos bi- nários invisíveis aos nossos olhos. Quando utilizamos o computador, nossos celulares, videogames ou o feed da nossa rede social favorita não vemos esses números. Em seus lugares temos interfaces cada vez mais agradáveis, fáceis de utilizar, capazes de prender nossa atenção por minutos, até mesmo horas.Então, por que esse conjun- to de números é relevante? Qual é a importância da in- formação digital em nosso cotidiano? Ainda mais impor- tante: quais são os impactos que essa informação digital pode gerar na educação? Pierre Lévy explica, em Cibercultura, sua principal e mais influente obra, em três principais pontos o poder da bi- narização da informação, sendo o primeiro deles a capa- cidade de ser transmitida por um conjunto de circuitos elétricos que está presente em praticamente todos os aparelhos eletrônicos que utilizamos, desde celulares e televisões até as geladeiras mais modernas. Essa compatibilidade com aparelhos eletrônicos diversos torna a informação facilmente e rapidamente comparti- lhável, sem que haja perda ou transformação de seu con- teúdo. Uma consequência dessa forte característica da Pierre Lévy Filósofo francês especialista no estudo das relações existentes entre tecnologias digitais e sociedade. Cibercultura Pierre Lévy Editora: 34 Ano: 1999 Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comu- nicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práti- cas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e dissemi- nar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 36CULTURA DIGITAL informação digital é o surgimento de novos elementos da comunicação em rede, como os “memes”. Eles são peda- ços de mídias (vídeos, sons, imagens) que carregam em si um tom cômico e ganham notoriedade em uma veloci- dade impressionante, em especial entre os jovens e ado- lescentes (SHIFMAN, 2014). Basta uma pessoa compar- tilhar um meme que, em frações de segundos, milhares de indivíduos já o terão visualizado, enquanto um outro conjunto de milhares está simultaneamente comparti- lhando-o, comentando-o, curtindo-o. Esse fenômeno é conhecido como viralização da informação. Outro importante fator apontado na obra de Lévy (1999) é a quantificação e qualificação da informação digital. Por mais que estejamos falando em termos como “virtu- al”, não há nada de etéreo e abstrato quando se trata da informação digital. Pelo contrário, não podemos esque- cer que toda informação digitalizada é em sua essência um conjunto de pares 0 e 1, tornando a informação di- gital passível de ser quantificada e transformada em da- dos. Sendo assim, todas as mensagens que trocamos por meios eletrônicos, tudo o que compartilhamos, produzi- mos ou apenas visualizamos pode ser registrado e gerar dados. Esse é o fundamento da famosa Big Data, que, em uma definição simples, corresponde ao grande número de dados gerados por meio do uso e da produção de in- formação digital. Memes in Digital Culture Limor Shifman Editora: The MIT Press Ano: 2014 37E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Buckingham Artigo: Cultura digital, educação midiática e o lugar da escolarização. David Buckingham Periódico: Educa- ção e Realidade (v. 35, n. 3) Publicada por: UFRGS, Porto Alegre Data: set./dez., 2010. Leia em: http:// bit.ly/Buckin- gham2010 Prensky Digital Natives, Digital Immigrants. Marc Prensky Periódico: On the Horizon. Publicado por: MCB University Press (vol. 9, n. 5) Data: out. 2001. Leia em: http://bit.ly/mar- cprensky2001 Essas três características da informação digital – ser transmitida por uma gama de aparelhos eletrônicos; ser replicável e compartilhável sem que haja perdas; e ser passível de quantificação –, aliadas a uma rede mundial de aparelhos conectados que é a Web 2.0, também co- nhecida como internet, tem transformado profundamen- te nossa forma de pensar, interagir, transmitir e produzir informação. Esse cenário social da modernidade, lapida- do em especial pela força da informação digital, é respon- sável por um novo recorte cultural dentro da já existente cultura tecnológica: a cultura digital. Juventudes digitais “Se as escolas, de certa forma, não foram atingidas pelo advento da tecnologia digital, o mesmo não pode ser dito da vida das crianças quando estão fora da escola.” (BU- CKINGHAM, 2010.) Os elementos conceituais que discutimos até aqui deli- mitam parte do cenário da sociedade moderna na qual todos vivemos. Construída essa base, chegou o momen- to de responder a última pergunta levantada no primeiro parágrafo deste capítulo: quais impactos a cultura digital exerce na educação? Para isso, utilizaremos a citação que abre esta seção para nos ajudar a delimitar e entender os desafios que a escola tem enfrentado ao apropriar-se da cultura digital. Vamos começar pelo fim. Na última parte da referida ci- tação, Buckingham (2010) afirma que a vida das crianças (incluindo-se aqui os adolescentes), quando vista fora da escola, é fortemente influenciada pelas tecnologias digi- tais. Prensky (2001), quase 20 anos atrás, introduziu nas discussões pedagógicas o termo “nativos digitais” para denominar as crianças que teoricamente estariam mais adaptadas ao uso das tecnologias digitais por ter nasci- do na era da Web 2.0, quando as tecnologias da infor- http://bit.ly/Buckingham2010 http://bit.ly/Buckingham2010 http://bit.ly/Buckingham2010 http://bit.ly/marcprensky2001 http://bit.ly/marcprensky2001 38CULTURA DIGITAL mação e da comunicação passaram paulatinamente a constituir o cotidiano das famílias. Essas referidas adap- tações inerentes aos nativos digitais incluem, segundo o autor, mudanças de comportamento, tornando-os ime- diatistas, sempre abertos, se não carentes por feedbacks constantes, além de extremamente interativos. Apesar de termos alguns educadores que discordam do termo e de suas implicações, não há dúvidas de que os nati- vos digitais não apenas sentem-se confortáveis com o uso da tecnologia, mas são também motivados por ela. No entanto, ao contrário do que aponta o senso popular, tais comportamentos e habilidades apontados como inerentes aos nativos digitais não são desenvolvidos apenas com o mero uso das tecnologias. Não é difícil encontrar uma criança ou um adolescente cujo sonho é ser youtuber. De acordo com uma reporta- gem do site Business Insider, existiam em 2016 ao me- nos 11 canais estadunidenses com mais de meio milhão de seguidores no YouTube, cujos “donos” são crianças menores de 12 anos de idade. Esse movimento de prota- gonismo juvenil em plataformas de entretenimento digi- tal tem provado que nossas crianças e jovens não estão apenas satisfeitos em consumir informação, mas sentem também o desejo de tornarem-se produtores midiáticos. É o que Jenkins (2009) chama, em sua teoria da cultura participativa, de “prosumers”, os consumidores e também produtores da cultura digital. Em contraposição a esse cenário, encontra-se a atual cul- tura escolar. Mesmo com a intensificação dos debates Business Insider Confira a pesquisa na íntegra: http://bit.ly/busi- nessinsider2016 Jenkins Capítulo: What happened before YouTube? (O que acontecia antes do YouTube?) Henry Jenkins Livro: YouTube: Online Video and Participatory Cul- ture (Digital Media and Society Book 3) Organizadores: Jean Burgess e Joshua Green Editora: Polity Press Ano: 2009 http://bit.ly/businessinsider2016 http://bit.ly/businessinsider2016 39E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC sobre a eficiência de uma aprendizagem ativa, voltada ao desenvolvimento de competências e habilidades, ainda temos um cenário escolar no qual nossos estudantes in- teragem pouco entre si e com suas professoras e seus professores; recebem feedbacks sobre seus desempe- nhos com pouca frequência e de formas que não neces- sariamente conseguem refletir os esforços de seus apren- dizados; e encontram raras oportunidades de produzirem ou engajarem-se em atividades que os motivam. É esse o cenário descrito por Buckingham (2010) na primeira par- te de sua citação. Assim, em uma tentativa de modificar a educação básica em direção ao desenvolvimento integral dos e das estudantes, o que inclui capacitá-los a interagirde forma consciente e ética no meio digital, a BNCC traz dentre as suas dez competências gerais a própria Cultura Digital. As mudanças e adaptações que as escolas precisam e irão passar, objetivando a educação digital, começam pela inclusão consciente das tecnologias educacionais. Para além das habilidades da própria BNCC, que já configuram uma iniciativa de estabelecer um diálogo entre os com- ponentes curriculares e o letramento midiático e infor- macional, as escolas enfrentam as incertezas de apostar em iniciativas tecnológicas, dentre elas, recursos digitais, que de fato possuam uma intencionalidade pedagógica clara dentro do processo de desenvolvimento integral de seus e suas estudantes. Por isso, tal mudança não consiste apenas na aquisição de artefatos e recursos digitais. Para desenvolver as com- petências presentes na BNCC, incluindo a própria Cultu- ra Digital, as escolas precisam passar por uma transfor- mação cultural, que não exclui o uso de artefatos digitais, mas, fundamentalmente, tal mudança perpassa um for- talecimento da comunidade escolar. Em outras palavras, são os organismos que formam a escola (professores(as), gestores(as), estudantes, famílias) que carecem de evo- lução. Essa evolução, no entanto, não precisa ser disrup- tiva. A escola, como uma das mais importantes institui- ções da sociedade moderna, ainda precisa desempenhar o papel de capacitar cidadãos(ãs) com os conhecimentos técnicos-científicos. Porém, para exercer tal função, é 40CULTURA DIGITAL preciso que exista uma aproximação cultural entre aquilo que os(as) estudantes vivenciam fora da escola e as dis- cussões que acontecem dentro da sala de aula. Assim, um dos grandes desafios da escola atual é promover debates estruturados sobre os temas que envolvem uma educa- ção cidadã para o uso consciente da tecnologia. Esperamos que, por meio deste breve texto, consigamos lançar luzes para uma rota de desenvolvimento da cultu- ra digital no ambiente escolar. Apesar de o próprio con- ceito e suas implicações ainda serem protagonistas de debates plurais, e de existirem algumas incertezas quan- to à sua definição, não restam dúvidas, no entanto, sobre a presença das tecnologias digitais em nossas vidas, em especial, no cotidiano de nossos(as) estudantes. Por isso, uma formação para o uso e a produção de informação digital consciente não é coisa do futuro, como diz o senso comum. Tais habilidades e competências são demandas e desafios da escola de agora e necessitam ser exploradas por profissionais cada vez mais capacitados(as) e empo- derados(as). Glauci Oliveira Designer pedagógica da Geekie Licenciada em Ciências Biológicas pela EFRPE e pela Macquarie Uni- versity, mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da USP (FEUSP), dentro da área de Letramento Científico, Matemático e Tecno- lógico. É integrante do projeto Desenvolvimento Educacional de Multi- mídias Sustentáveis (DEMULTS), que tem como principal objetivo esti- mular o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no âmbito escolar, por meio de metodologias participativas. TRABALHO E PROJETO DE VIDA Tempo e maturidade: entre a inércia da vida e a definição de um projeto de vida Eduardo Bontempo Vice-diretor comercial+ + 42TRABALHO E PROJETO DE VIDA Quase a metade dos jovens que concluem o ensino su- perior não trabalham em sua área de formação. Essa afir- mação é sustentada por dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com um levanta- mento dessa instituição, o número exato dos jovens que trabalham em outras áreas que não aquela que ele ou ela escolheu como a de sua profissão é de 44,2%. Ao se con- siderar todas as idades, ou seja, jovens recém-formados e aqueles que já concluíram o curso superior há alguns anos, a parcela é de 38%. Quais questões podem ser levantadas a partir dos dados de 2018? A primeira e mais relevante está relacionada às eventuais dificuldades do mercado de trabalho em ab- sorver essa mão de obra jovem. Também é preciso consi- derar as variações nas demandas do mercado. Há alguns anos, por exemplo, tivemos um crescimento na procura por cursos de Engenharia. O Brasil estava com a econo- mia aquecida nas duas últimas décadas, o que levou a um aumento na quantidade de engenheiros em forma- ção. Essa fase passou: hoje é fácil observar como cursos ligados à análise de dados, à tecnologia da informação e à programação crescem nas listas de formações mais procuradas. Saindo dessa angulação mais econômica, podemos lan- çar luz à preparação dos estudantes em fazer a escolha correta para seu curso superior. Um outro levantamento, desta vez com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aponta que 56% dos jovens que ingressaram na faculdade em 2010 Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as re- lações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, auto- nomia, consciência crítica e responsabilidade. 43E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC abandonaram, desistiram ou abandonaram o curso esco- lhido até 2015, período no qual o instituto acompanhou estudantes universitários para fazer esse levantamento. Ao consolidar os dados em 2016 e divulgá-los em 2018, especialistas apontaram uma série de fatores, como a fal- ta de preparação durante a educação básica, o cenário econômico nacional e, no ponto mais interessante para o nosso debate, a necessidade de escolher uma carreira superior em idade muito jovem. No Brasil, existe uma expectativa para que os jovens es- colham seu curso superior durante o último ano do En- sino Médio. Muitos, durante esse período dos estudos, ficam em dúvida quando precisam preencher formulários de inscrição dos grandes vestibulares nacionais. Algumas instituições de ensino até disponibilizam orientadores vocacionais, mas o desenvolvimento da competência “Trabalho e Projeto de Vida” da BNCC aparece neste ce- nário como uma grande aliada de estudantes, escolas e até do próprio mercado de trabalho. A opção de um curso sem projeto de vida No levantamento referente ao abandono do ensino su- perior, o curso de Administração apareceu em primeiro lugar em número de desistências. Em 2010, cerca de 297 mil estudantes se matricularam no curso, mas 182 mil (61,5%) desistiram dele até 2015. A maioria desses jovens abandonaram a universidade no segundo ano do curso. Este é um momento em que a base teórica da maioria das formações superiores já foi introduzida e é quando as disciplinas se tornam mais práticas e próximas da realidade da profissão. Vale destacar aqui que o con- ceito de “abandonar”, apontado pelo Inep, não necessa- riamente significa sair do curso superior e cancelar a ma- trícula. Muitos desses jovens trocam de universidade ou de curso no meio do caminho. À luz desses dados, quando olho minha carreira profis- sional, percebo que vivi, durante certo período, em uma inércia inconsciente. Também optei pelo curso de Admi- nistração para minha formação superior. Porém, embora eu tenha concluído meu curso, considero que demorou 44TRABALHO E PROJETO DE VIDA até chegar o momento de descobrir o que realmente queria fazer com meu projeto de vida. A questão é a se- guinte: é comum que jovens se matriculem em um curso superior sem realmente saber se a profissão ligada a ele é aquela que se conecta com sua essência e seus pro- jetos pessoais. Por outro lado, também há aqueles que concluem sua formação, mas demoram para se encon- trar dentro de sua própria profissão ou entender que ela, talvez, não seja a mais adequada para os seus objetivos. Acredito que eu me encaixe na primeira opção, e as aná- lises que fiz de minha trajetória me permitiram encontrar, antes tarde do que nunca, o caminho que realmente se conectava ao meu propósito pessoal. Em minha infância e adolescência,acompanhei a trajetó- ria de meu pai com admiração. Ele começou no nível mais baixo na hierarquia de uma multinacional e chegou até os mais altos níveis de liderança. Por ver essa ascensão de perto, resolvi cursar Administração de Negócios em uma boa faculdade em São Paulo. Estava determinado a ter uma carreira de sucesso igual à de meu pai. A facul- dade me deu uma base importante, e dali saí direto para trabalhar no mercado financeiro. Passei cerca de sete anos em uma mesma instituição atuando diretamen- te com fusões e aquisições de grandes empresas. Ali, eu trabalhava para garantir o sucesso de empresários 45E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC no momento em que compravam novos negócios para fundi-los às suas companhias. Em tese, em sete anos de trabalho em banco, consegui trilhar uma carreira que fazia jus à admiração que sinto pelo meu pai. Contudo, chegou o momento em que per- cebi que me faltava um propósito real para minha vida profissional e pessoal. Passei anos lidando com investido- res e empreendedores, mas nunca havia pensado, até en- tão, em ter meu próprio negócio, com um propósito que estaria ligado àquilo em que eu realmente acreditava. Até então, eu tinha um objetivo bem definido na mente: con- tinuar trabalhando no mesmo emprego estável,fazer um fundo financeiro grande o suficiente para me aposentar aos 40 anos e viver da renda que aquele dinheiro geraria. Hoje, refletindo sobre essa mentalidade, percebo duas coisas: a primeira é o tamanho da ingenuidade na qual estava imerso. Eu estava com uma visão condicionada a uma carreira que me garantisse os meios, mas para um fim sem propósito algum. A segunda percepção é que o tempo e a maturidade são as variáveis de minha equação para um projeto de vida realmente significativo e ligado à minha essência. Essa visão finalmente chegou. Então, precisei tomar a de- cisão de continuar no mesmo emprego e me aposentar aos 40 anos ou de buscar uma atuação que realmente fizesse sentido para minha vida e minha carreira. Esse foi o momento em que me dei conta de que gostaria de empreender, mas precisava de mais conhecimentos para essa tarefa tão complexa. Resolvi sair do banco para cur- sar um mestrado em Administração de Negócios no Mas- sachusetts Institute of Technology (MIT). Entendi que precisava aprender a empreender, e um curso como o que essa instituição oferecia seria um bom caminho para meu objetivo. Lá, tive contato com grandes profissionais e pude aproveitar minha passagem pelos Estados Unidos para conhecer mais de perto as iniciativas de outros em- preendedores. Em uma dessas visitas a empresas norte-americanas, conheci uma que trabalhava com ensino adaptativo. Foi nesse momento que encontrei o propósito que faltava 46TRABALHO E PROJETO DE VIDA agregar à minha vontade de empreender. Quando ainda era estudante, fui professor particular de matemática e a possibilidade de me relacionar com aqueles estudantes já havia despertado minha paixão pela educação. Em- bora ela tenha ficado em segundo plano durante minha carreira no mercado financeiro, conhecer empresas que trabalhavam com soluções que poderiam ser aplicadas à realidade complexa da educação brasileira estreitou ain- da mais os laços que eu já tinha criado como professor no passado. À época, eu e o Claudio Sassaki já éramos amigos e tínhamos planos de empreender juntos. Foi o tempo e a maturidade profissional que me ajudaram a ter clareza e conhecimento para fundar a Geekie com ele, ambos pautados em um propósito comum. A preparação para o futuro começa agora Chega a ser injusto exigir que um estudante que nunca foi incitado a refletir com profundidade sobre si mesmo e suas aptidões deva escolher a profissão que vai guiar pelo menos os primeiros anos de sua vida adulta. O desprepa- ro para a escolha da profissão e até da área de atuação dentro dessa opção é latente e fica evidente nas estatís- ticas do começo deste artigo. Porém, a BNCC aparece como uma luz no final desse túnel escuro. 47E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Desenvolver uma competência que os auxi- lia a se apropriar de conhecimentos e experi- ências baseados em uma diversidade ampla de saberes e vivências culturais ligados ao mundo do trabalho é uma forma de facilitar o caminho das pedras que muitos estudan- tes do final do Ensino Médio e universitários trilham. Essa é uma competência tão transversal e de- pendente das demais como todas as outras elencadas pela BNCC como necessárias para a formação de um es- tudante integral. A partir do momento em que o jovem se conhece, entende o que é empatia, aprende a se comuni- car e assume seu papel como cidadão, para citar apenas algumas características da lista das dez competências ge- rais, esse indivíduo tem a possibilidade formar um enten- dimento sobre os caminhos possíveis para sua vida já na educação básica. É preciso que exista uma visão, construída ao longo dos anos da educação básica, que dê clareza não apenas so- bre a práxis da futura profissão, mas também ao propó- sito interno de cada indivíduo e de como suas escolhas podem ser feitas de forma alinhada com a essência dos e das estudantes. Para além disso, eles e elas precisam estar preparados para a mudança. Já sabemos que muitas das profissões do futuro ainda não existem. Sendo assim, a valorização dos diferentes tipos de saberes e vivências culturais obtidos ao longo de sua forma- ção pessoal, acadêmica e profissional precisa ser estimulada. Um profissional nunca é apenas o cargo no qual ele está alo- cado naquele momento. Eu, como cofundador e vice-presi- dente comercial da Geekie, carrego comigo todo o aprendi- zado sobre investimentos do mercado financeiro, as teorias de meu curso superior, as metodologias e estratégias de em- preendedorismo do mestrado e os demais conhecimentos que acumulei ao longo do tempo. Nenhuma oportunidade de trabalho pode ser em vão, mesmo aquela pela qual jovens optam apenas para pagar seu curso superior e para garantir sustento ao longo dos anos de universidade. No entanto, é preciso saber que a formação profissional e pessoal ocorre todos os dias. 48TRABALHO E PROJETO DE VIDA Só posso concluir que, a partir do momento em que um jo- vem desenvolve habilidades que o tornam mais competen- te para entender as relações de trabalho e a construção de seu projeto de vida na educação básica, as decisões toma- das ao longo de toda a vida serão coerentes consigo mesmo e com os propósitos que o guiaram. Independentemente da carreira escolhida – mais tradicional, mais ou menos lu- crativa, de exatas, humanas ou biológicas –, essa opção tão importante para a vida precisa ser feita de forma consciente e tomada a partir de reflexões ricas e bem elaboradas. Um mercado de trabalho enriquecido com profissionais que sa- bem o caminho que querem e precisam trilhar garante não apenas uma sociedade mais rica, mas também composta de pessoas cada vez mais saudáveis. Eduardo Bontempo Cofundador e vice-presidente comercial da Geekie Eduardo Bontempo é formado em Administração de Empresas pela Fun- dação Getúlio Vargas (FGV). Iniciou seu MBA no MIT, mas deixou a ins- tituição para fundar a Geekie em 2011, junto com seu sócio Claudio Sassaki. Eles se conheceram durante suas carreiras no mercado finan- ceiro, quando coordenaram a abertura de capital dos maiores grupos de educação brasileiros e se aproximaram pelo desejo comum de empreen- der em educação. Por seu trabalho na Geekie, Bontempo foi reconhecido como inovador do ano pelo MIT Technology Review, como empreendedor social pelo jornal Folha de S.Paulo e como empreendedor do ano pela Ernest Young. Atu- almente, Bontempo também integra a rede global de empreendedores Endeavor. 49E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC ARGUMENTAÇÃO Como argumentar contra um chá de casca de laranja? Erick Nascimento Gerente Editorial + + 50ARGUMENTAÇÃO Quando eu era criança, era muito comum minha mãe apresentar um alimento novo e diferente,tentando me convencer de que era gostoso. Como a maioria das crian- ças, minha reação natural consistia em simplesmente di- zer que não gostava. “Mas você nem provou”, ela dizia, e ainda assim eu insistia, muitas vezes, em não querer experimentar esse alimento. Certa vez, quando eu esta- va doente, ela veio com conhecimento popular e me deu chá de casca de laranja. Sem fugir à regra, eu disse que não gostava, mas ela argumentou que eu precisava me fortalecer; encarei aquilo como remédio e bebi. Se você estava esperando eu dizer que gostei, lamento desapontar você: eu odiei. Para minha tristeza, o chá fez o efeito esperado e, até hoje, encaro esse líquido horri- pilante como remédio. O que não posso negar, entretan- to, é que funciona. Havia um abismo entre eu dizer que não gosto de algo e experimentar esse algo. Esse abismo também estava na fala da minha mãe entre dizer que eu ia gostar do bendito chá e o efeito esperado. Esse preci- pício era a argumentação adequada a cada situação. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioam- biental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos ou- tros e do planeta. 51E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Convencer outra pessoa sobre o que quer que seja é um processo que demanda uma comprovação confiável. É indispensável ter algo em que se basear, como fatos, dados ou informações de credibilidade. No meu caso, o abismo de convencer minha mãe de que eu não gos- tava do chá precisava passar pelo fato de eu bebê-lo; da mesma forma que o abismo de ela me convencer passava por me apresentar dados de que ele funcionava. Isso não precisou acontecer porque ela é minha mãe e a palavra dela já apresenta a confiabilidade necessária. Não é fácil conseguir confiança naquilo que se diz ou se faz. Por isso, fontes fidedignas ou fatos e dados compro- vados funcionam muito melhor do que o simples acredi- tar em alguém que nos diz algo. Quando levamos essa linha de raciocínio para o ambiente escolar, é comum e clássico dizer que professores e professoras detêm essa confiança e que sua palavra é lei (como a minha mãe co- migo), afinal, professores têm a responsabilidade de re- passar seus conhecimentos adquiridos. Mas e quanto aos estudantes? Como fica o processo argumentativo no caminho inverso? A palavra de estudantes também é lei para docentes? Se não é, deveria ser? Quando a BNCC indica a argumentação como uma das competências a serem desenvolvidas em estudantes, ela instiga ainda mais a necessidade de dar voz a quem geral- mente é visto como ouvinte. Colocar estudantes no centro do processo de aprendizagem passa por encontrar formas para que cada pessoa da sala possa expor seus conhecimentos adquiridos ou em fase de aquisição, de maneira que sua pala- vra também possa ser inquestionável, inclusive e principalmente para si. É mais comum encontrar pessoas afirmando suas opi- niões e visões de mundo em diversos âmbitos de inte- ração, principalmente em redes sociais. Ter opiniões não é um problema, muito menos algo que deva ser desconsiderado, especialmente quando se considera que todas as pessoas precisam ter um olhar crítico 52ARGUMENTAÇÃO em relação a muitos assuntos polêmicos. O problema gira em torno do momento em que se apresenta essa opinião e/ou quando se quer convencer outra pessoa de algo. Os fatos, dados e informações confiáveis unem-se à necessidade de formulá-los em uma linha de racio- cínio lógica, que auxilia na necessidade de negociar, defender ideias, pontos de vista e decisões comuns. Fazer isso não é tarefa fácil. Quando se tem certo domínio sobre o tema que se quer defender, a difi- culdade é menor, mas e quando o assunto é difícil ou delicado? A pessoa tem duas opções: não se posi- cionar ou aprender sobre o assunto antes de assumir qualquer postura. Crianças e adolescentes nem sem- pre têm essa consciência, a qual é responsabilidade de ser desenvolvida em diversos ambientes, inclusive na escola. Na BNCC, é esperado não somente que essa compe- tência seja desenvolvida, mas também que contribua no sentido de promover e incentivar: 1. Direitos Humanos: propor soluções para proble- mas e se colocar de forma objetiva e diretiva passa por não se colocar de maneira agressiva ou prejudi- cial a outras pessoas. A partir do momento em que há alguém sendo afetado contra sua integridade no que concerne aos direitos inatos de qualquer ser humano por conta de alguma argumentação, esta é falha; 2. Consciência socioambiental: as limitações dos re- cursos naturais têm se demonstrado de maneira mais pungente nas últimas décadas, o que levanta à neces- sidade de diversas iniciativas para preservar a nature- za. Argumentar com pontos que venham a ferir esse bem coletivo também é algo falho; 3. Consumo responsável: o consumo de bens natu- rais é necessário, mas deve ser feito de maneira res- ponsável, considerando o convívio de todos os seres vivos. Da mesma forma que o anterior, a preservação e o zelo devem ser constantes e abrangentes, não se limitando ao contexto particular, mas, sim, abrangen- do o coletivo, por isso a responsabilidade. Argumen- tar sem considerar isso é falhar. 53E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Esse desafio se expande para as escolas porque, ainda de acordo com a Base, essa competência precisa ser desen- volvida “em âmbito local, regional e global”, o que implica dizer que cada estudante precisa encontrar formas de im- pactar, por meio de suas propostas bem argumentadas e bem embasadas, as suas realidades micro e macro. Ao longo da vida, encontramos e encontraremos diversas situações em que precisaremos tomar decisões. “Formu- lar, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns”, como diz o texto descritivo da competência da BNCC, faz parte do dia a dia. Mas isso nem sempre é sim- ples e fácil, vide o meu exemplo em relação a não conse- guir argumentar com a minha mãe sobre não tomar o chá da casca de laranja. Se a escola conseguir incorporar algumas rotinas para que estudantes tornem visível seu poder argumentativo, sem dúvida todos desenvolverão essa competência, afi- nal de contas, quem não gosta de convencer outras pes- soas? Com certeza eu teria gostado de convencer minha mãe a não tomar o chá. Pena que eu não tinha (e ainda não tenho) os argumentos necessários para convencê-la. Érick Nascimento Gerente editorial do Geekie One Formado em Letras pela UFC, tem mestrado em Literatura Comparada pela mesma instituição. Após anos de experiência em sala de aula, atu- ando desde o Ensino Infantil até o Ensino Superior, tornou-se coordena- dor pedagógico-editorial em um sistema de ensino. 54E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC AUTOCONHECIMENTO E AUTOCUIDADO “Conhecer a si próprio é o maior saber”, Galileu Galilei Paulo Bittencourt Designer pedagógico+ + 55E-BOOK | AS DEZ COMPETÊNCIAS DA BNCC Quem sou eu? Esta é uma pergunta que todos nós já fizemos ou provavelmente faremos em algum momen- to de nossas vidas. Apesar de não existir uma resposta final, o desafio de conhecer a si mesmo, no que pode- mos definir como autoconhecimento, estimulou a busca por respostas nas mais diferentes tradições e correntes de pensamento pelo mundo, passando por áreas como a filosofia, a religião e a psicologia. No que se refere às recentes discussões no campo da educação, a BNCC apresenta na sua oitava competência a importância do autoconhecimento e do autocuidado como formas de o estudante conhecer a si mesmo, compreender o seu pa- pel na diversidade humana e na relação com o meio am- biente. Diante desse desafio, escolhemos três eixos des- sa competência para abordar neste texto: a consciência pessoal, a consciência social e a consciência ambiental. O primeiro deles está ligado ao autoconhecimento
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