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IFA DIVINATION POETRY Poesia Divinatória de Ifá Wande Abímbọĺá TRADICIONAL AFRICAN LITERATURE General Editor: Kofi Awoonor Chairman, Comparative Literature Program State University of New York , Story Book GUARDIANS OF THE SACRED WORD: Ewe Poetry KOFI AWOONOR The Calabash of Wisdom and Other Stories ROMANUS EGUDU Ifa Divination Poetry WANDE ABÍMBỌ́LÁ IFA DIVINATION POETRY Traduzido, editado e com introdução de WANDE ABÍMBỌ́LÁ NOK Publisher Ltd NEW YORK · LONDON · LAGOS First Published by NOK Publisher Ltd 150 Fifth Avenue, New York, N.Y. 10011 © Copyright by Wande Abímbọĺá 1977 ALL RIGHT RESEVERD. No part of this book may be reproduced or utilized in any form or by any means, electronic or mechanical, including photocopying and recording, or by any information storage and retrieval system, without permission in writing from the publisher. Library of Congress Catalog Card Number 73-86025 International Standart Book Number 0-88357-023-8 Cloth 0-88357-047-5 Paper PREFÁCIO Ifá é um importante sistema divinatório encontrado em muitas culturas da África Ocidental. No território iorubá, onde Ifá é uma divindade muito importante, este fascinante sistema divinatório foi intimamente identificado com a história, mitologia, religião e medicina popular do povo iorubá. Os iorubás têm Ifá como um repositório das suas crenças e valores morais. O sistema divinatório de Ifá e os extensivos cânticos poéticos a ele associados são usados pelos iorubás para validar importantes aspectos da sua cultura. A divinação de Ifá é, portanto, praticada pelos iorubás durante todos os seus importantes ritos de passagem, tais como cerimônia de dar o nome, casamentos, funerais, e quando dão posse aos reis. Para a sociedade tradicional iorubá, a autoridade de Ifá permeia todos os aspectos da vida porque eles o consideram como a voz das divindades e a sabedoria dos ancestrais. Este trabalho apresenta sessenta e quatro poemas dos dezesseis Odù principais (categorias) do corpo literário de Ifá. O trabalho tem duas partes. A primeira parte é a introdução que cobre a mitologia de Ifá, seus instrumentos de divinação, o treinamento dos sacerdotes, o processo de divinação de Ifá, e uma avalição da posição desta divindade em seu sistema elaborado de divinação entre o povo iorubá. A introdução também trata da significação dos Odù como o mais importante ponto de referência dentro do corpus de Ifá como um todo. A última seção da introdução apresenta uma análise estrutural, estilística e temática da poesia divinatória de Ifá. A segunda parte do trabalho é uma apresentação de material textual. Um total de sessenta e quatro poemas de Ifá é apresentado em sua versão original iorubá e sua tradução para o português. Quatro poemas de cada um dos dezesseis Odù principais são apresentados. Cada poema na versão em português é provido de um título que resume o assunto focalizado. A tradução para o português é também acompanhada de notas adequadas destinadas a elucidar detalhes linguísticos e culturais não englobados pelo texto traduzido. Este livro é projetado para ir ao encontro dos leitores em geral como também do especialista que deseja informar-se da riqueza da poesia oral africana. O leitor verá desde a introdução como os iorubás atentaram para usar o gênero poético com veículo para preservação e desenvolvimento de sua cultura. O sistema divinatório de Ifá e sua fantástica coleção de cânticos poéticos mostram claramente a ingenuidade das pessoas não letradas para desenvolver, preservar, e difundir os ingredientes de sua própria cultura, mesmo sem conhecer a arte da escrita. Universidade de Indiana, Bloomington, Março de 1973. AGRADECIMENTOS Todos os sessenta e quatro poemas que constam neste trabalho nos foram dados por Oyedele Iṣọla do Complexo de Bẹẹṣin, Pààkòyi, Ọ̀yo ̣́, oeste da Nigéria. Os poemas foram coletados em diferentes ocasiões entre 1963 e 1970. Algumas das gravações dos cânticos de Oyedele estão guardadas na Biblioteca da Universidade de Lagos, Lagos, Nigéria, mas a maior parte do extenso material recolhido deste renomado sacerdote de Ifá está sob minha guarda. Oyedele é amplamente conhecido em Ọ̀yo ̣́ por sua prodigiosa memória e pela riqueza de sua voz. Ele também atua como médico. Sou agradecido a Oyedele por tudo que aprendi com ele nos últimos dez anos. Sou agradecido também aos seguintes sacerdotes de Ifá que me ajudaram na interpretação de parte do material coletado com Oyedele e de quem eu gravei materiais de Ifá que não constam neste livro: (a) Awótúnde Awórindé, Ilé Ọlọ bẹ̀dú, Òṣogbo, (b) Adéjàre Kékeré-awo, Ilé Bẹẹṣin, Pààkòyí, Ọ̀yo ̣́ e (c) Chefe Fádáyúró, Olúwo de Akeètàn, Ọ̀yo ̣́. Eu tenho uma grande dívida com o meu falecido pai, Chefe Abímbọ lá Ìrókò, o último Aṣipadẹ (Chefe dos Caçadores) de Ọ̀yo ̣́, de quem, quando criança, eu primeiro aprendi sobre a divinação de Ifá e que foi o meu pilar de apoio e fonte de inspiração durante os meus anos de pesquisa sobre divinação de Ifá. Chefe Abímbọ lá Ìrókò foi um famoso sacerdote de Ifá, caçador, herbanário e veterano da Primeira Guerra Mundial, morreu em novembro de 1971. Sou profundamente agradecido também ao Instituto de Estudos Africanos, Universidade de Ìbàdàn, onde comecei minhas pesquisas de Ifá, entre 1963 e 1965. Sou igualmente grato a Escola de Estudos Asiáticos e Africanos, Universidade de Lagos e a Sociedade Linguística do Oeste Africano pela provisão de fundos que foram usados para coletar parte do material encontrado neste trabalho. Finalmente, quero expressar minha admiração a minha mãe, Ṣàngódayọ̀ Àwẹ̀lé, que me ajudou na interpretação de palavras difíceis e a quem eu sempre confiei à verificação de muitos outros aspectos da cultura iorubá. SUMÁRIO INTRODUÇÃO Página I. SISTEMA DIVINATÓRIO DE IFÁ 9 (a) A Mitologia de Ifá 9 (b) Os Instrumentos da Divinação de Ifá 12 (c) O Processo da Divinação de Ifá 17 (d) O Treinamento dos Sacerdotes de Ifá 19 (e) O Lugar de Ifá na Religião Tradicional Iorubá 21 II. OS ODÙ OU CATEGORIAS DA DIVINAÇÃO DE IFÁ 22 III. OS ẸSẸ OU POEMAS DO CORPO LITERÁRIO DE IFÁ (a) A Estrutura dos Ẹsẹ Ifá 26 (b) Os Aspectos de Estilo nos Ẹsẹ Ifá 29 (c) O Conteúdo dos Ẹsẹ Ifá 38 Notas 43 AS DEZESSEIS PRINCIPAIS CATEGORIAS DA POESIA DIVINATÓRIA DE IFÁ48 I – Èjì Ogbè 49 II - Ọ̀yẹ̀kú Méjì 55 III - Ìwòrì Méjì 62 IV - Òdí Méjì 67 V - Ìrosùn Méjì 76 VI - Ọ̀wọńrín Méjì 83 VII - Ọ̀bàrà Méjì 89 VIII - Ọ̀kànràn Méjì 101 IX - Ògúndá Méjì 108 X - Ọ̀sá Méjì 117 XI - Ìká Méjì 124 XII - Òtúúrúpọ̀n Méjì 129 XIII - Òtúá Méjì 137 XIV - Ìrẹtẹ̀ Méjì 145 XV - Ọ̀ṣẹ ́Méjì 153 XVI - Òfún Méjì 162 Notas 167 Bibliografia 188 INTRODUÇÃO I. O SISTEMA DIVINATÓRIO DE IFÁ (a) A MITOLOGIA DE IFÁ De acordo com a crença iorubá, Ifá (também conhecido como Ọ̀rúnmìlà) foi uma das quatrocentos e uma divindades,1 que vieram do ọ̀run (céu) para o ayé (Terra). Olódùmarè, o Deus Supremo iorubá, encarregou cada uma destas divindades com uma função particular a ser realizada na Terra.2 Por exemplo, Ògún 3 foi encarregado de todas as coisas relacionadas com a guerra e a caça e o implemento do uso do aço. Enquanto que Òòṣàálá 4 foi encarregado com a responsabilidade de moldar os corpos humanos com argila e Èṣù 5 era o policial do universo e o guardião do àṣẹ, o poder divino com o qual Olódùmarè criou o universo e mantém suas leis físicas. Ifá ficou encarregado da divinação por sua grande sabedoria, que ele adquiriu como resultado da sua presença ao lado de Olódùmarè, quando este criou o universo. Ifá, portanto, sabia os segredos do universo. Por isso, seu nome de louvor Akéréfinúsọgbọ n (o pequeno cuja mente está cheia de sabedoria). Os iorubás acreditam que as quatrocentas e uma divindades mencionadas acima desceram dos céus 6 na cidade de Ifẹ̀.7 Naquele tempo não havia nenhuma criatura de nenhum tipo sobre a Terra. As divindades foram, portanto, os primeiros habitantes da Terra e Ifẹ̀ foi o primeiro local da Terra a ser habitado por seres humanos.8 Quando as divindades chegaram a Terra, encontraram o planeta totalmente coberto de água. Mas, antes de deixarem o ọ̀run, Olódùmarè lhes deu uma cesta cheia (ou cabaça cheia?) de areia, uma galinha com cinco dedos 9 e um camaleão.10 Antes das divindades descerem, elas enviaram a galinha para baixo, para Ifẹ̀ com uma parte da areia. A galinha espalhou a areia e a terra sólida apareceu. O camaleão, então , andou sobre a terra para saber o quão sólida era. As divindades, então desceram sobre a terra sólida e ergueram seus acampamentos em diferentes partes de Ifẹ̀. A galinha e o camaleão tornaram-se, então as primeiras criaturas a viver sobre a terra primordial e as divindades foram as primeiras criaturas a viver sobre a terra sólida. Após a chagada das divindades, a população humana desenvolveu-se em Ifẹ̀ de duas maneiras diferentes. As divindades casaram-se entre si (existiam divindades masculinas e femininas) e deram à luz uma linhagem de homens que posteriormente se tornaram os divinos governantes 11 dos iorubás. Posteriormente, Olódùmarè, com a ajuda de Òòṣàálá criou os seres humanos propriamente ditos, que se tornaram os súditos sobre os quais as divindades e seus descendentes reais governaram. Além dos descendentes das divindades, os filhos de Odùdúwà tornaram-se os mais importantes politicamente e, possivelmente formaram a maior parte da dinastia dos mais poderosos reinos iorubás.12 O ponto culminante do poder desses governantes divinos foi alcançado na organização imperial do antigo Império de Ọ̀yọ . 13 Em Ifẹ̀, Ọ̀rúnmìlà mudou-se para um local conhecido como Òkè Ìgẹ̀tí 14 e ali ele viveu por muitos anos. Inicialmente ele não tinha filhos, mas depois ele teve oito filhos homens. 15 Mais tarde ele trocou Ifẹ̀ por Adó, onde passou o resto de sua vida. Daí o dito,“Adó nilé Ifá” (Adó é a casa de Ifá). 16 Enquanto esteve na Terra, Ọ̀rúnmìlà aplicou sua sabedoria atemporal para organizar a sociedade humana de forma ordeira. Ele também ensinou aos discípulos os segredos da divinação. Mas, como aconteceu com as outras divindades, Ọ̀rúnmìlà retornou ao ọ̀run, após ter completado suas tarefas na Terra. Sua volta para o ọ̀run foi, entretanto, causada por uma desavença entre ele e um dos seus filhos, Ọlo ̣́wọ̀, seu filho caçula. Os detalhes daquela desavença entre pai e filho são dados em Ìwòrì Méjì.17 De acordo com uma história deste Odù, um dia Ọ̀rúnmìlà convidou seus oito filhos para celebrar um importante festival com ele. Conforme cada um deles chegava, deitava-se no chão e saudava o seu pai com as palavras “àbọrúbọyè bọ ṣiṣẹ” (possa o sacrifício ser aceito e abençoado) como sinal de seu respeito e obediência a ele. Mas, chegou a vez de Ọlo ̣́wọ̀, ele permaneceu de pé e não disse nada. Um diálogo então se seguiu entre pai e filho, durante o qual Ọ̀rúnmìlà ordenou a Ọlo ̣́wọ̀ que fizesse a saudação, já feita por seus irmãos. Mas, Ọlo ̣́wọ̀ recusou-se em fazê-la dizendo que como ele era cabeça coroada, como seu pai, era degradante para ele abaixar-se diante de qualquer pessoa. Quando Ọ̀rúnmìlà ouviu isso, ficou magoado e decidiu voltar para o ọ̀run.18 Imediatamente após a partida dele, a Terra foi lançada no caos e confusão. O ciclo de fertilidade e regeneração, tanto na natureza quanto nos seres humanos sucumbiu. A sociedade humana mudou perigosamente para próximo da anarquia e da desordem conforme todas as coisas eram colocadas face à destruição. O estado de confusão e de incerteza na Terra depois da partida de Ọ̀rúnmìlà é descrito no seguinte poema. Aboyún ò bí mọ Àgàn ọ̀ tọmọ àlà bosùn. Òkùnrùn ò dìde. Akeremọdòó wẹ̀wú ìràwé. Àtọ̀ gbẹ mọ ọmọkùnrin ní ìdí Obìnrin ò ríàsẹ ẹ rẹ̀ mọ . Iṣú pẹyin ọ̀ ta; Àgbàdó tàpẹ ò gbó; Erèé yọjú ọ̀pọ̀lọ . Òjò páápààpáá kán sílẹ̀, Adìẹ ṣà á mì. A pọ n ọ̀bẹ sílẹ̀, Ewúrẹ mú un jẹ. 19 “As mulheres grávidas não podiam dar à luz a seus filhos; As mulheres inférteis continuaram inférteis. Pequenos rios foram cobertos por folhas caídas. O sémen secou nos testículos dos homens As mulheres não menstruaram mais. O inhame formou pequenos tubérculos não desenvolvidos; O milho crescia pequeno imaturo com espigas não desenvolvidas. Gotas esparsas de chuva caíram, As galinhas tentaram devorá-las; Navalhas bem afiadas estavam plantadas no chão, E os cabritos tentaram devorá-las.” 19 Quando a Terra não tinha mais paz foi decidido que os filhos de Ọ̀rúnmìlà deveriam ir para o ọ̀run e persuadir seu pai a voltar. Consequentemente, os oito filhos de Ọ̀rúnmìlà foram até o ọ̀run onde encontraram seu pai no pé de “uma palmeira bem desenvolvida, muito ramificada para lá e para cá e que tinha dezesseis cabeças (copas) em forma de cabana.” Eles tentaram convencer seu pai a voltar, mas ele não aceitou e em vez disso deu a cada um deles dezesseis caroços de palmeira e disse: Bẹ ẹ bá délé, Bẹ ẹ bá fówóó ní, Ẹni tẹ ẹ mọọ bi nù un. Bẹ ẹ bá délé, Bẹ ẹ bá fáyaá ní, Ẹni tẹ ẹ mọọ bi nù un. Bẹ ẹ bá délé, Bẹ ẹ bá fọ mọọ bí, Ẹni tẹ ẹ mọọ bi nù un.... “Quando vocês chegarem em casa Se quiserem ter dinheiro, Esta é a pessoa que deve ser consultada. Quando vocês chegarem em casa, Se vocês quiserem esposas, Esta é a pessoa que deve ser consultada. Quando vocês chegarem em casa, E quiserem ter crianças, Esta é a pessoa que vocês devem consultar... Qualquer coisa boa que vocês desejem ter na Terra, Esta é a pessoa a quem vocês devem consultar.” Quando os filhos de Ọ̀rúnmìlà retornaram a Terra, eles começaram a usar os dezesseis caroços como instrumentos de divinação para saber os desejos das divindades. Ọ̀rúnmìlà repôs a sua presença na Terra com os dezesseis caroços de palmeira conhecidos como ikin e desde então eles se tornaram o mais importante instrumento de divinação de Ifá. (b) OS INSTRUMENTOS DA DIVINAÇÃO DE IFÁ 1) Ikin (Os Dezesseis Caroços de Palmeira Sagrados) Os ikin são considerados os mais antigos e importantes instrumentos de divinação de Ifá. Consiste em dezesseis caroços tirados de uma palmeira especial, conhecida como ọ̀pẹ̀ Ifá (palmeira de Ifá). Cada fruto desta palmeira tem quatro olhos na sua borda inferior espessa. Os iorubás acreditam que este tipo de caroço de palmeira é sagrado para Ifá e não pode ser usado para fabricar azeite de dendê. Os dezesseis caroços são mantidos em uma tigela de madeira ou metal decorada e com tampa. Esta tigela é mantida em uma dependência da casa onde o sacerdote mora. As preces e sacrifícios para Ifá são feitos naquele local, que pode ser considerado o santuário de Ifá daquele sacerdote em particular. Os caroços raramente são retirados daquele local, exceto para serem lavados ou para purificação, o que acontece ocasionalmente tanto para limpeza da sujeira quanto para aumentar a sua potência divina. Mas, quando o sacerdote morre, os ikin podem ser removidos do seu local e transferidos para um parente do morto. A transferência sempre envolve o oferecimento de sacrifício e outra cerimônia de purificação. Algumas pessoas preferem enterrar os caroços de palmeira com o morto para se livrarem de ter que fazer uma cerimônia bastante elaborada e cara. São usados para divinação em raras e importantes ocasiões, tais como divinações públicas, de grande significação ritual, como a divinação quando um novo rei é coroado. O sacerdote de Ifá sempre usa os caroços quando está consultando Ifá em favor próprio, ou para membros muito próximos de sua família. Sempre que ele usa os carços para divinação, deve manipulá-los juntamente com o pó sagrado de divinação, conforme descrito abaixo. O pó divinatório é mantido dentro de um tabuleiro de Ifá entalhado e colocado em frente ao sacerdote que mantém os dezesseis caroços dentro de uma das mãos e tenta tirá-los de um só golpe com a outra mão. Se dois caroços restarem na palma de sua mão, ele faz uma marca vertical no pó divinatório, se somente um caroço restar, ele faz duas marcas. Se ele conseguir tirar todos os caroços de uma só vez ele não marca nada. Do mesmo modo, o sacerdote de Ifá tem que fazer estas marcas quatro vezes à direita e quatro à esquerda. O resultado vai dar a ele a marca de um Odù (capítulo ou categoria do corpo literário de Ifá). Se ele fizer, por exemplo, uma marca, quatro vezes na direita e quatro vezes na esquerda, a marca é a de Èjì Ogbè, cujo padrão vai aparecer a seguir: I I I I I I I I Se ele fizer duas marcas quatro vezes à direita e quatro vezes à esquerda, a marca registrada é a de Ọ̀yẹ̀kú Méjì que será como se segue: II II II II II II II II Existe um total de duzentos e cinquenta e seis (256) padrões do tipo descrito acima na divinação de Ifá.23 Cada padrão é conhecido como Odù ou categoria da poesia divinatória de Ifá. Acredita-se que cada Odù contenha seiscentos (600) Ẹsẹ ou poemas de Ifá. O sacerdote aprende o maior número possível de poemas de cada um dos 256 Odù e recita-os para os seus clientes da maneira descrita em detalhes abaixo. 2) Ọ̀pẹ̀lẹ̀ (A Corrente Divinatória) Outro instrumento importante na divinação de Ifá é conhecido como ọ̀pẹ̀lẹ̀, a corrente divinatória. Esta corrente, que tem duas terminações abertas na base é feita tanto de metal quanto de barbante de algodão. Quatro meias cascas do fruto ọ̀pẹ̀lẹ̀ 24 são presas em cada metade da corrente (ambos do lado direito e esquerdo) cada uma destas meias cascas (que lembram um obí) tem um lado externo liso e um lado interno rugoso. Se a corrente é feita de metal, as meias cascas também são feitas de metal de tal forma que parecem as meia cascas do fruto do ọ̀pẹ̀lẹ̀. O sacerdote de Ifá pega a corrente pelo meio da sua parte superior e a joga na direção oposta ao seu corpo, quando a corrente cai no chão, cada uma das meias cascas em cada lado vai mostrar seu lado interno ou externo para cima. Existem 28 possibilidades desta forma de apresentação cada vez que o sacerdote joga a sua corrente. Cada uma destas possibilidades de apresentação é conhecida como Odù ou capítulo no corpo da divinação de Ifá. Todo o corpo tem 256 (28) capítulos. Os capítulos têm nomes que são exatamente os mesmos que os nomes atribuídos aos padrões marcados no pó divinatório, quando os dezesseis caroços sagrados são usados para divinação. Por exemplo , quando todas as oito cascas apresentam suas superfícies internas para cima, este padrão é conhecido como Èjì Ogbè e quando elas apresentam sua superfície externa, a assinatura é a de Ọ̀yẹ̀kú Méjì. O sacerdote de Ifá mantém a corrente divinatória dentro de uma bolsa de couro ou pano conhecida como àpò Ifá, que ele carrega a tiracolo em um de seus ombros e toma parte de seu equipamento sempre que ele sai de casa. É devido ao hábito de usar esta bolsa no ombro que o sacerdote de Ifá é conhecido como akápò (carregador da bolsa de Ifá). A corrente divinatória é frequentemente mais usada que os caroços de palmeira para propósitos de divinação. O sacerdote de Ifá usa a corrente divinatória no seu dia-a-dia, para a maioria das divinações envolvendo os numerosos clientes e reserva os caroços para ocasiões mais importantes. É devido à importância dos caroços como o mais antigo símbolo de Ifá que não podem ser carregadas para todos os lados em ocasiões de divinação. Além disso, a corrente é mais fácil de manusear, de forma que o sacerdote pode obter a marca de um Odù mais facilmente fazendo uso dela. 3) Ìbò ( Os Instrumentos para Tirar a Sorte) Quando um Odù tiver sidoencontrado e o cliente reconhecer o poema que se aplica ao seu problema, o sacerdote de Ifá faz uso, então dos ìbò para encontrar detalhes adicionais relacionados à interpretação do poema que foi identificado. Para quem a mensagem de Ifá é dirigida? Para o cliente ou para um de seus parentes? Como deve ser feito o sacrifício que foi indicado para o cliente? Estes e outros problemas são resolvidos pelo uso dos ìbò. Os instrumentos básicos do ìbò são um par de búzios amarrados e um osso. Os búzios representam uma resposta positiva, enquanto que o osso representa uma resposta negativa das divindades em relação a todas as questões colocadas. Mas, outros instrumentos também são usados como parte dos ìbò, para simbolizar diferentes coisas, por exemplo, um pedaço de pedra representa boa saúde, enquanto que a semente da maça-ake preta representa o próprio Ọ̀rúnmìlà. A crença do sacerdote de Ifá e de seu cliente sobre o uso dos instrumentos do ìbò é de que Ifá irá falar ao cliente através destes instrumentos para explicar os detalhes do poema que foi identificado como apropriado, tendo relação direta com seu problema. O sacerdote pede ao cliente para colocar o osso em uma das mãos e o par de búzios na outra mão. O cliente pode manter qualquer um dos dois objetos em qualquer uma das mãos, esquerda ou direita. O sacerdote faz uma pergunta à divindade, como esta: Ifá você diz que vê problemas de saúde. Quem é a pessoa que está doente? É a esposa do cliente? O sacerdote, então, manipula seu instrumento de divinação duas vezes. Se o Odù que ele vê na segunda vez for mais velho do que aquele que ele viu na primeira jogada, o sacerdote pedirá ao cliente que mostre o conteúdo na mão direita; mas se o Odù visto na segunda vez é mais novo que o anterior, ele perguntará pelo conteúdo da mão esquerda. Se, por exemplo, o conteúdo da mão direita é um osso, isso significa que a resposta à pergunta feita é negativa. Neste caso, o nome de um segundo parente ou do próprio cliente substituem o primeiro. A pergunta é refeita e a divinação continua até uma resposta afirmativa ser obtida. Portanto, os ìbò são usados para obter respostas para os problemas que podem surgir na interpretação dos poemas de Ifá. Eles agem como um meio de comunicação rápido entre Ifá e o cliente. Sem os ìbò, seria impossível determinar as minúcias de cada divinação. Mas, o cliente está interessado nessas minúcias a fim de conseguir satisfação e confiança de que o sacerdote identificou seu problema e ofereceu a solução correta. 4) Ìyẹ̀ròsùn (O Pó Divinatório) Quando o sacerdote de Ifá usa os caroços sagrados de palmeira, como foi explicado acima, ele imprime as marcas simples e duplas obtidas em cada manipulação no pó sagrado divinatório chamado ìyẹ̀ròsùn. Este pó esbranquiçado (ou amarelado) é obtido da árvore ìrosùn ou do bambu seco transformado em pó por cupins. O pó é colocado no ọpọ n Ifá (a bandeja entalhada em madeira) e o sacerdote imprime marcas nele à medida que manipula os caroços. O pó divinatório é considerado pelos sacerdotes como um símbolo sagrado de Ifá. Partículas deste pó são salpicadas nos sacrifícios para assegurar a aceitação pelas divindades. Ao cliente, algumas vezes, é pedido que engula o pó e esfregue-o na cabeça para forjar um laço de união entre ele e as divindades de forma que ele possa ficar satisfeito que as divindades o estão auxiliando na resolução dos seus problemas. 5) Ìrọḱẹ ́(Objeto entalhado em madeira ou marfim usado para evocar Ifá) Enquanto está fazendo divinação, o sacerdote de Ifá bate repetidas vezes no ọpọ n Ifá com o ìrọ kẹ para chamar Ifá a estar presente na divinação. Os praticantes ou subordinados de importantes sacerdotes de Ifá carregam o ìrọ kẹ na frente dos seus superiores quando eles saem para realizar alguma importante cerimônia. O ìrọ kẹ é esculpido em marfim ou madeira em tamanho pequeno ou grande. Em alguns ìrọ kẹ uma figura humana ou a cabeça de um ser humano é esculpida. A sua parte superior é esculpida numa forma cónica, longa e afilada. A parte de baixo tem um formato de boca alargada e suporta o instrumento quando colocado em pé. O sacerdote de Ifá segura o ìrọ kẹ pela parte alargada enquanto bate com a parte longa, superior contra o ọpọ n Ifá durante a divinação. 6) Ọpọń Ifá (O Tabuleiro Divinatório) Conforme mencionamos acima, o sacerdote de Ifá imprime suas marcas num tabuleiro de madeira quando ele usa os caroços de palmeira para divinação. Os tabuleiros divinatórios são esculpidos em diversos tamanhos e formas. As margens do tabuleiro são dominadas por um padrão intrincado de diversos objetos tais como, pássaros, répteis, tartarugas e animais selvagens. O meio da parte superior é reservado para a imagem de Èṣù (a divindade que mantém o àṣẹ). Desta posição a imagem de Èṣù olha para o sacerdote de Ifá como se ele estivesse dirigindo ou assistindo a divinação. O interior da tábua em si pode ser tanto redondo quanto quadrado. (c) O PROCESSO DA DIVINAÇÃO DE IFÁ Os sacerdotes de Ifá atendem diversos clientes todos os dias. Estes clientes têm diferentes tipos de problemas estendendo-se desde um conselho sobre se ele deve ou não fazer uma viagem até assuntos de vida ou morte envolvendo uma pessoa doente em favor da qual um parente consulta Ifá. Alguns clientes consultam Ifá em momentos críticos de suas vidas envolvendo matrimônio, divórcio, mudanças de profissão ou de residência. Quando o cliente entra na casa do sacerdote, ele o saúda e expressa o desejo de “falar com a divindade.” O sacerdote de Ifá, então, pega sua corrente divinatória e a joga na esteira ou numa bandeja de ráfia em frente ao cliente. O cliente sussurra seu problema numa moeda ou num búzio e o coloca junto aos instrumentos do sacerdote. Como alternativa, o cliente pode pegar a corrente divinatória ou os ìbò e soprar num deles diretamente. Em ambos os casos acredita-se que os desejos do orí do cliente (Orí, divindade da predestinação que sabe o que é bom para as pessoas) 25 foram comunicados a Ifá que irá, então dar a resposta apropriada através do primeiro Odù que o sacerdote de Ifá irá revelar ao arremessar a corrente divinatória. O sacerdote de Ifá pega então a corrente divinatória após oferecer algumas palavras de saudação a Ifá. Ele apressa Ifá para que dê a resposta apropriada ao cliente sem demora. O sacerdote profere o ibà (permissão das autoridades) 26 a Ilẹ̀ (a terra) 27, a Olódùmaré (Deus Supremo) e seus mestres na arte da divinação. Ele atira a corrente divinatória na frente dele mesmo e rapidamente lê e pronuncia o nome do odù cuja assinatura ele viu. A resposta ao problema do cliente será encontrada somente neste Odù. O sacerdote começa então a cantar os versos do Odù que ele viu enquanto o cliente assiste e ouve. Canta tantos versos, quantos ele conheça daquele Odù, até que ele cante um poema com uma história similar ao problema do consulente. Neste estágio o consulente o detém e pede explicações sobre aquele poema em particular, que tem uma história de um problema semelhante ao dele. O sacerdote interpreta aquele poema em particular e menciona o sacrifício que o cliente deve fazer. Às vezes, durante o processo divinatório o cliente vai reconhecer certos problemas similares aos problemas de certos membros de sua família. Ele pode também reconhecer um poema que se relaciona a outro problema pessoal dele diferente do problema original por conta do qual ele consultou Ifá. Pode também acontecer que o cliente não saiba qual poema escolher dentre aqueles cantados pelo sacerdote. Em todos estes casos, os ìbò serão usados para esclarecer e elucidar a real mensagem de Ifá. Se, entretanto, o cliente sente que nenhum dos poemas cantados pelo sacerdote tem nada a ver com o seu problema, o sacerdote vai continuar cantando mais e mais poemas até que um deles satisfaça o cliente. Mas, se o sacerdote tiver esgotado seu estoque de poemas, ele pedirá polidamente ao cliente paravoltar no dia seguinte ou em outro dia marcado para então continuar a divinação. Enquanto isso, o sacerdote irá aprender mais poemas do Odù original em questão e quando o seu cliente voltar, se voltar, ele irá cantar os novos poemas na esperança de que desta vez o cliente se satisfaça. Na sociedade tradicional iorubá, o sacerdote de Ifá está livre deste embaraço dado ao sistema no qual os sacerdotes praticam a divinação em grupos consistindo de dois ou mais sacerdotes. Quando os sacerdotes praticam Ifá desta forma, é fácil satisfazer seus clientes, já que um sacerdote substitui o outro quando seu colega já esgotou seu estoque de poemas ou simplesmente não lembra mais nenhum poema naquela ocasião em particular. Quando o cliente está totalmente satisfeito, tanto com o poema que ele escolheu quanto com a interpretação feita pelo sacerdote, ele prossegue para o sacrifício estipulado. Se o material requerido para o sacrifício não puder ser encontrado nas vizinhanças do local da divinação ou se o cliente não tem dinheiro para comprar o material naquele momento, o sacrifício pode ser protelado até a hora em que o cliente esteja com o material em mãos. Em certos casos, o cliente pode deixar uma quantia de dinheiro suficiente para comprar o material com o sacerdote, que irá comprar o material e fazer o sacrifício em favor de seu cliente. Se o cliente é uma pessoa pobre, ele pode oferecer só uma parte do material estipulado. Um ponto importante, entretanto é que aconteça o que acontecer, o cliente deve ficar certo de que fez o sacrifício prescrito. O sistema de divinação de Ifá condena veementemente o indivíduo que evita o sacrifício prescrito para ele. Acredita-se que estes indivíduos abrem-se para o ataque dos ajogun 28 sem nenhuma ajuda ou proteção das divindades. O homem não pode, portanto esperar sucesso algum, em qualquer assunto que ele tenha consultado Ifá, a menos que tenha feito o sacrifício prescrito. A oferenda de sacrifício significa que as divindades sancionam aquilo que o cliente planeja fazer. E o cliente, ele mesmo, sente um prazer psicológico pela realização de que as divindades e os ancestrais estão sustentando aquilo que ele planeja fazer. Além disso, o sacrifício proporciona ao sacerdote o seu sustento diário, já que lhe é permitido ficar com certa parte da oferenda feita pelos seus clientes, para seu próprio uso mesmo que ele esteja em dúvida sobre a parte do sacrifício que ele tem direito, ele pode usar os ìbò para seu esclarecimento. O sacrifício é, portanto, fundamental para a divinação de Ifá e para a religião iorubá como um todo. O sacrifício mantém o elo entre o cliente, o sacerdote, as divindades e os ancestrais, juntos num sistema de servidão e recompensa. Quando o cliente se nega a fazer sacrifício ele torna impossível esse sistema de ação e reação. Este cliente, portanto, comete uma violação do sistema de crença, uma vez que ele explorou as divindades para identificar seu problema e resolvê-lo, sem dar a elas a recompensa estabelecida. Logo, as divindades não só vão deixar de ajudá-lo como também podem até puni-lo por sua exploração descarada. (d) O TREINAMENTO DOS SACERDOTES DE IFÁ Na sociedade tradicional iorubá, os sacerdotes de Ifá eram os médicos, psiquiatras, historiadores e filósofos da comunidade à qual eles pertenciam. Portanto, não é surpresa nenhuma que um sistema elaborado de treinamento envolvendo tanto tempo e paciência seja a marca para todos que aspiram serem sacerdotes de Ifá. O resultado é que só uma pequena parcela das pessoas completa o árduo e longo treinamento. A maioria das pessoas começa seu treinamento ainda muito jovem, geralmente entre dez e doze anos de idade e permanece com seus mestres pelos próximos dez ou quinze anos após a primeira parte do seu treinamento estar completa. Na maioria dos casos, os aprendizes vivem com seus mestres e o ajudam em alguns trabalhos de casa e da fazenda (se o mestre- sacerdote tiver uma fazenda) ou do seu jardim. O início do treinamento consiste em ensinar ao noviço como manipular o ọ̀pẹ̀lẹ̀ e os caroços de palmeira. O estudante aprende, nesta fase do treinamento as marcas e os nomes dos duzentos e cinquenta e seis Odù. Isto leva no mínimo dois ou três anos. Esta é a parte básica do treinamento que requer uma boa memória e muita paciência e dedicação por parte do aprendiz. Após o estudante ter se tornado um exímio conhecedor dos nomes dos Odù e suas marcas, ele passa a aprender passo-a-passo os poemas que pertencem a cada um deles. O sacerdote mestre, cita algumas linhas de um poema e o aprendiz repete igual papagaio. Deste modo, os poemas curtos podem ser aprendidos a cada dia enquanto que os poemas longos podem levar muitos dias para ser aprendidos. O aprendiz gasta muitas horas por dia treinando os poemas que aprendeu com seu mestre. Isto refresca a sua memória e o ajuda a saber quais poemas já aprendeu completamente e quais esqueceu. A maior parte do treinamento dos sacerdotes de Ifá, entretanto, é informal. O estudante aprende muito enquanto está sentado ao lado do seu mestre assistindo como ele manipula os instrumentos de Ifá e como ele canta os versos de Ifá para seus clientes. O aprendiz às vezes ajuda seu mestre a preparar os remédios ou procura o material necessário para os sacrifícios. Desta maneira, o futuro sacerdote reforça seus conhecimentos a respeito das coisas que ele já aprendeu e aprende novos poemas e novas fórmulas medicinais. Outra parte importante do treinamento do sacerdote de Ifá consiste no aprendizado dos sacrifícios que são feitos junto com cada poema. Aqui, o estudante deve aprender detalhes minuciosos, tais como o nome dos materiais necessários ao sacrifício e como o material deve ser preparado para o sacrifício; se deve ser cozido, colocado no assentamento de uma divindade em particular, levado para o rio ou para a encruzilhada. Como foi dito acima, o estudante de Ifá aprende um pouco de medicina popular com seu mestre. Esta é uma parte muito importante do treinamento do sacerdote, e como será visto adiante, alguns sacerdotes escolhem esta área para especializarem-se na sua pós- iniciação. Porém, mesmo antes da iniciação, o aspirante a sacerdote deve aprender alguma coisa sobre medicina de forma que seja capaz de curar seus clientes de doenças simples. Nenhum sacerdote de Ifá pode ter uma prática bem-sucedida se ele nada sabe de medicinas, já que muitas pessoas vão até ele a procura de ajuda para curar seus males. Quando o sacerdote-mestre está satisfeito com o aprendiz e este já aprendeu bastante sobre as várias coisas listadas acima, ele permite que ele se inicie. A iniciação é o clímax de vários anos de duros estudos e é celebrada com a pompa e dignidade próprias. O futuro sacerdote é levado à floresta onde vários sacerdotes graduados o examinam nas diferentes áreas nas quais ele recebeu instruções. Eles também o aconselham a aceitar sem restrições os segredos e a ética de sua profissão. Ele volta da floresta como um sacerdote completo e fica sendo conhecido por toda a comunidade como bàbálawo (pai dos segredos da divinação). Ele pode estabelecer-se sozinho ou com seus companheiros. A iniciação, no entanto, não é o fim do treinamento do sacerdote de Ifá; para a educação de um verdadeiro bàbálawo é preciso toda uma vida. O treinamento pós-iniciação é altamente observado por todos os sacerdotes de Ifá. Esta parte do treinamento envolve especialização geralmente em medicina ou no aprendizado de poemas e áreas não cobertas pelo seu treinamento anterior. Este aspecto do treinamento muitas vezes leva o sacerdote para longe de sua casa. Se por exemplo, o mais famoso sacerdote de Ifá na área de medicina mora a cento e cinquenta quilômetros de distância de sua casa, o bàbálawo em pós-iniciação vai para lá e fica por alguns anos para aprender os segredos daquele ramo da medicina. O treinamento da pós-iniciação geralmente leva o bàbálawo para longe de sua casa e nestecontexto ele aprende mais sobre outras pessoas e faz amigos em lugares distantes. Isso dá ao sacerdote um refinamento de sua personalidade o que faz dele uma pessoa especial entre os seus companheiros, como uma pessoa bem informada, viajada e bem disciplinada. Através dos longos e sistemáticos anos de treinamento descritos acima, os sacerdotes de Ifá sucederam-se na transmissão dos mais importantes ingredientes do seu repertório de uma geração para a outra sem adulteração. Isto mostra que sociedades não letradas podem se desenvolver, preservar, e transmitir os seus principais conhecimentos acadêmicos, sem saber a arte da escrita. Os sacerdotes de Ifá podem ser considerados os intelectuais tradicionais deste sistema oral, e seus longos anos de treinamento os colocam fora do resto da sociedade como versado, paciente, dócil e humilde portador da tradição iorubá. A sobrevivência dos ingredientes da tradição iorubá através dos turbulentos anos daquela cultura, dependem em grande parte, deste grupo de disciplinados e bem informados “pais dos segredos da divinação de Ifá”. (e) O LUGAR DE IFÁ NA RELIGIÃO TRADICIONAL IORUBÁ O treinamento dos sacerdotes de Ifá e a mitologia de Ifá descritos acima dão a esta divindade uma posição única dentre as incontáveis divindades da religião tradicional iorubá. Uma vez que ele é denominado ọbarìṣà (rei das divindades) pelos sacerdotes de Ifá. Esta posição de rei que Ifá ocupa entre as divindades iorubás é o resultado de diversos fatores. Em primeiro lugar, Ifá é o porta-voz das divindades e dos ancestrais. É através da divinação de Ifá que os seres humanos podem se comunicar com as divindades e com os ancestrais. Sem ele e sem o sistema divinatório, os seres humanos teriam dificuldade de alcançar os poderes divinos e obter seu favorecimento nas horas de necessidade. Além disso, Ifá representa um ramo especial da religião iorubá por causa do seu aspecto intelectual e linhagem de homens acadêmicos tradicionais. Neste sentido, Ifá é mais que um ramo da religião iorubá. Ifá é o meio pelo qual a cultura iorubá se reforma e se regenera e preserva tudo que é considerado bom e memorável naquela sociedade. Ifá é a cultura iorubá no seu verdadeiro senso dinâmico e tradicional. Ifá é um meio pelo qual uma sociedade não letrada esforça-se para manter e disseminar sua própria filosofia e valores a despeito dos lapsos e imperfeições da memória humana na qual o sistema é baseado. Não é surpresa, portanto que Ifá signifique tanto para o povo iorubá. Na sociedade tradicional iorubá, a vida de cada homem, do nascimento até a morte é dominada e regulada por Ifá. Nenhum homem toma nenhuma decisão importante sem consultar o deus da sabedoria. Todos os importantes ritos de passagem como, cerimônia do nome, coroação de reis e cerimônias fúnebres, tem que ser sancionados e autenticados por Ifá, a voz das divindades e a sabedoria dos ancestrais. Este é o sentido dos seguintes versos: Ifá ló lóni; Ifá lọ lọ̀la; Ifá lọ lọ̀tunla pẹ̀lú ẹ̀; Ọ̀rúnmìlà ló nijọ mẹ rẹ̀ẹ̀rin òòṣà dá’áyé “Ifá é o senhor de hoje, Ifá é o senhor do amanhã; Ifá é o senhor de depois de amanhã; A Ifá pertencem todos os quatro dias criados pelas divindades na Terra” Mas, Ifá é mais que um sistema iorubá. Traços deste fascinante sistema podem ser encontrados em várias outras culturas da África Ocidental, principalmente entre os Edo, Igbo, Ewe, Fon, Nupe, Jukun, Borgu e outros grupos étnicos desta região da África. O estudo detalhado de Ifá e dos sistemas relacionados à divinação de Ifá entre estas culturas do oeste africano, ainda estão para serem explorados. O que sabemos no momento é que entre os iorubás, Ifá foi tão intimamente identificado com a mitologia, folclore, medicina popular, história, religião e sistemas de valores da cultura, que é quase sinônimo da própria cultura iorubá. II - OS ODÙ OU CATEGORIAS DA DIVINAÇÃO DE IFÁ Como mencionamos anteriormente, existem duzentas e cinquenta e seis categorias de poesia no corpo literário de Ifá. Cada uma destas categorias é chamada de Odù. Cada Odù como será visto adiante, tem sua própria assinatura e caráter. O trabalho do sacerdote de Ifá é reconhecer a assinatura de cada um dos Odù e a interpretação de suas características do ponto de vista literário, mitológico e religioso; e os iorubás acreditam que os Odù são divindades, e que eles como outras divindades desceram do ọ̀run na cidade de Ifẹ̀. Acredita-se também que os Odù foram enviados por Olódùmarè (o Deus Supremo iorubá) para substituir Ọ̀rúnmìlà na Terra após o retorno deste para o ọ̀run. Cada Odù tem 600 (seiscentos) ẹsẹ (poemas) que o identificam e lhe dá um caráter distinto. É parte do treinamento do sacerdote de Ifá estar apto a distinguir entre os ẹsẹ aqueles que pertencem a cada um dos Odù sem cometer erros ou misturá-los. Os nomes dos duzentos e cinquenta e seis Odù são baseados em dezesseis nomes genéricos da onde os nomes dos Odù são derivados. Cada um destes dezesseis nomes básicos corresponde a um dos dezesseis padrões possíveis de divinação em um dos braços da corrente divinatória ou um dos lados das marcas feitas no pó divinatório. Desde que ambos, o pó divinatório e a corrente divinatória são lidos da direita para a esquerda, como árabe, o padrão do lado direito é considerado básico e é nele que os dezesseis nomes genéricos são baseados. A seguir temos os dezesseis padrões básicos das marcas impressas colocadas em ordem cronológica. 30 (1) Ogbè I I I I (2) Ọ̀yẹ̀kú II II II II (3) Ìwòrì II I I II (4) Òdí I II II I (5) Ìrosùn I I II II (6) Ọ̀wọ́nrín II II I I (7) Ọ̀bàrà I II II II (8) Ọ̀kànràn II II II I (9) Ògúndá I I I II (10) Ọ̀sá II I I I (11) Ìká II I II II (12) Òtúúrúpọ̀n II II I II (13) Òtúá I II I I (14) Ìrẹtẹ̀ I I II I (15) Ọ̀sẹ́ I II I II (16) Òfún II I II I Os duzentos e cinquenta e seis Odù derivam dos dezesseis padrões genéricos; estão arranjados em dois grupos. O primeiro grupo e mais importante é o Ojú Odù (principal ou maior). São dezesseis em número e baseados na duplicação de cada um dos dezesseis padrões genéricos. Portanto a palavra Èjì ou Méjì (dois) acompanha cada um dos seus nomes como prefixo ou sufixo. Assim nós temos Èjì Ogbè (dois padrões de Ogbè) que é uma duplicação do padrão (I) acima. Em outras palavras, quando se vê o mesmo padrão genérico na esquerda e na direita, a assinatura é de um Ojú Odù para o qual o nome Èjì + X ou X + Méjì * será escrito. A lista completa dos nomes dos dezesseis principais Odù em ordem de antiguidade segue abaixo: 1 - Èjì Ogbè 2- Ọ̀yẹ̀kú Méjì 3 - Ìwòrì Méjì 4 - Òdí Méjì 5- Ìrosùn Méjì 6 - Ọ̀wọ́nrín Méjì 7 - Ọ̀bàrà Méjì 8 - Ọ̀kànràn Méjì 9 - Ògúndá Méjì 10 - Ọ̀sá Méjì 11 - Ìká Méjì 12 - Òtúúrúpọ̀n Méjì 13 - Òtúá Méjì 14 - Ìrẹtẹ̀ Méjì 15 - Ọ̀sẹ́ Méjì 16 - Òfún Méjì * Em que X é um dos padrões de 1-16 acima. O segundo grupo de Odù são chamados Ọmọ Odù (filho do Odù ou Odù júnior) ou Àmúlù (padrões mistos). Estes são baseados na organização com qualquer par dos dezesseis padrões genéricos lado a lado desde que não sejam iguais. Assim se pegarmos o padrão (1) como ponto de partida na direita e colocarmos qualquer um dos outros quinze na esquerda, nós teremos a assinatura de quinze Odù juniores diferentes. Da mesma maneira se pegarmos o padrão (2) como ponto de partida e arranjarmos um dos outros quinze padrões (incluindo o padrão 1) no seu lado esquerdo, isto nos trará a assinatura de mais quinze outros Odù. Se fizermos isto em cada um dos dezesseis padrões genéricos, de maneira que nenhum padrão apareça mais que uma vez do lado direito nós chegaremos a duzentos e quarenta Odù juniores. Comono caso dos dezesseis Odù principais, há uma ordem cronológica entre os Odù juniores. Os nomes dos trinta Odù mais velhos entre os juniores são dados abaixo em ordem de senioridade. 1 - Ogbèyẹ̀kú 2 - Ọ̀yẹ̀kúlogbe 3 - Ogbèwẹ̀yín 4 – Ìwòrìogbè 5 - Ogbèdí 6 - Idingbè 7 - Ogbèrosùn 8 - Ìrosùngbèmí 9 - Ogbèhúnlé 10 - Ọ̀wọ́nrínsobgè 11 - Ogbèbàrà 12 - Ọ̀bàràbogbè 13 - Ogbèkàràn 14 - Ọ̀kànrànsodè 15 - Ogbèyọ́nú 16 - Ògúndábèdé 17 - Ogbèríkúsá 18- Ọ̀sálogbè 19 - Ogbèkárelé 20 - Ìkágbémí 21 - Ogbètọ́mọpọ̀n 22 - Òtúúrúpọ̀ngbè 23 - Ogbèalárá 24 - Òtúáorikọ̀ 25 - Ogbèatẹ̀ 26 - Ìrẹntẹgbè 27 - Obgèsẹ́ 28 - Ọ̀sẹ́ogbè 29 – Ogbèfún 30 - Òfúnnagbè Cada um dos duzentos e cinquenta e seis Odù tem uma característica específica associada a ele. Por exemplo, Èjì Ogbè, o primeiro e mais importante Odù, acredita-se que significa boa sorte, enquanto que Ìrẹtẹ̀ Méjì o décimo quarto Odù, significa morte. O décimo terceiro Odù, Òtúá Méjì por outro lado, conta a história do Islã e a introdução daquela religião no território iorubá. 31 A maioria dos poemas em cada Odù contém histórias relacionadas ao caráter ou tema do Odù referido. Portanto, existem duzentos e cinquenta e seis personagens principais no corpo literário de Ifá. Mas, existem alguns poemas em cada Odù que nada têm a ver com o tema principal do Odù referido. Assim, em Èjì Ogbè nem todos os poemas vão conter o tema de “boa sorte” e em Òtúá Méjì nem todos os poemas vão falar sobre o Islã. Acredita-se que cada um dos duzentos e cinquenta e seis Odù contém relação com uma das divindades. O Odù que se relaciona a uma divindade em particular, diz-se que pertence àquela divindade. Isso significa que os mitos daquela divindade estão contidos no seu Odù, de forma que muitos poemas naquele Odù vão conter histórias sobre aquela divindade. Além disso, quando a assinatura do Odù que pertence a uma divindade em particular aparece, será dito ao cliente que ofereça sacrifícios àquela divindade. Portanto, quando a assinatura de Ògúndá Méjì, o nono Odù, que se acredita pertencer a Ògún (a divindade da guerra e da caça) é encontrada, o cliente deve oferecer sacrifícios a Ògún. A crença do sacerdote de Ifá e do seu cliente é a de que Ògún ajudará o cliente a resolver seus problemas, desde que o cliente realize o sacrifício prescrito. Pode-se dizer que o Odù ajuda a dar sentido e esclarecimento aos milhares de poemas (256 x 600) que se acredita existirem no corpo literário de Ifá. Sem o Odù seria difícil categorizar os importantes temas encontrados nesses numerosos poemas. Além disso, ligando-se cada Odù a uma divindade particular a coleção de escritos fica mais próxima da religião iorubá e do sistema de crenças de tal modo que cada divindade do elaborado panteão da mitologia iorubá pode então falar ao cliente através do Odù que lhe pertence. Isto, então, revela um lugar para cada divindade no corpo literário de Ifá, fazendo de Ifá a voz das divindades. III - OS ẸSẸ OU POEMAS DO CORPO LITERÁRIO DE IFÁ (a) A ESTRUTURA DOS ẸSẸ IFÁ32 Conforme mencionado, cada Odù contém muitos poemas conhecidos pelos iorubás como ẹsẹ. Alguns destes poemas são longos enquanto que outros são muito curtos. Porém, sendo longos ou curtos, existe uma sequência lógica na organização, nos elementos de cada poema de Ifá. Este arranjo sequencial dos elementos é o que eu denomino estrutura. Cada poema de Ifá tem um máximo de oito e um mínimo de quatro partes estruturais. Os poemas que têm quatro partes são geralmente curtos e estereotipados. Eles são denominados pelos sacerdotes de Ifá de “Ifá Kéékèèkéé” (pequenos poemas de Ifá). Eles são na realidade formas encurtadas de poemas mais longos. A maioria dos versos encontrados no corpo literário de Ifá, entretanto, tem mais que quatro partes estruturais. Entre este grande grupo de poemas, que têm mais de quatro partes, existem alguns em cujas partes IV-VI foram incomumente alongadas. Este tipo de poema é conhecido como “Ifá Nláálá” 33 (poemas longos de Ifá). Todo ẹsẹ Ifá inicia-se com uma apresentação do nome do sacerdote(s) de Ifá que é tido como aquele que no passado efetuou a divinação que forma a matéria do poema. Estes nomes são apelidos ou nomes de louvor dos sacerdotes. Esta primeira parte (I) da estrutura do ẹsẹ Ifá é muito observada pelos sacerdotes, uma vez que sem evocar os nomes destas autoridades do passado, o poema fica destituído de sua importância mítica. Esta parte do verso de Ifá, portanto dá autenticidade a cada poema como um acontecimento verdadeiro que ocorreu no passado. Os nomes mencionados na parte (I) podem não ser nomes de ser humano. Eles podem ser nomes de animais ou plantas que são, para os propósitos da história, no poema referido, personificados como se fossem capazes de narrar uma história coerente que será compatível com a totalidade do poema de Ifá. Então, quando os sacerdotes se referem aos nomes encontrados nesta parte do poema, como nome de sacerdote do passado, nós podemos entender seu clamor como verdadeiro, mas só no sentido espiritual ou simbólico. A parte (II) da estrutura do poema menciona o nome(s) do cliente(s) para quem os divinadores em (I) acima fizeram divinação. O cliente mencionado aqui pode ser uma pessoa ou uma comunidade inteira. Como na parte (I) acima, estes nomes de clientes podem ser nomes reais (históricos) ou míticos de pessoas ou lugares. Mas, uma vez que o sacerdote de Ifá acredita serão estes nomes de pessoas ou lugares, nomes verdadeiros, esta parte do poema de Ifá fortifica a autenticidade aclamada pelo sacerdote para o seu repertório. A terceira parte (III) do poema de Ifá menciona a razão ou ocasião da divinação passada, em questão. Esta posição do repertório do sacerdote trata do motivo da divinação passada engrandecendo o valor mítico do poema. A quarta parte (IV) dos poemas nos diz o que o cliente, na divinação passada, teve que fazer. Esta seção geralmente inclui alguns detalhes como os sacrifícios, tabus e conselhos que o cliente foi aconselhado a seguir. Além disso, a lista das coisas para o sacrifício pode estar citada. Esta seção do poema refresca a memória do sacerdote de Ifá sobre que tipo de sacrifício ele deve prescrever para o seu cliente e que conselhos deve dar. Além disso, esta parte justifica o sacerdote quando ele lista, para seu cliente, os sacrifícios que ele terá que fazer, e o reconhecimento do cliente de que estes sacrifícios foram oferecidos por outras pessoas, o faz acreditar na eficácia do mesmo. A parte (V) trata de esclarecer se o cliente seguiu ou não o conselho que lhe foi dado em (IV) acima. Por exemplo, o cliente fez o sacrifício prescrito? Até que ponto ele observou os conselhos dados pelo sacerdote. É necessário esclarecer todos esses detalhes aqui para justificar o resultado da divinação em (VI) abaixo. A parte (VI) nos fala do resultado da divinação, por exemplo, se o cliente fez o sacrifício e fez todas as outras coisas que lhe foram indicadas, o que foi que aconteceu com ele? Ele alcançou seu propósito, como colocado em (III) acima? O que geralmente acontece é que se o sacerdote de Ifá fez o sacrifício e observou todos os outros detalhes, esta parte do poema irá mostrar que ele conseguiu seu objetivo, mas se falhou com o sacrifício ele não alcançará o que originalmente ele pretendia. Esta parte do poema de Ifá, mostra em exemplo concreto para as pessoas das consequências de negligenciar o sacrifício e que resposta pode esperar aquele que fez o sacrifício. A parte (VII) nos mostra a reação do sacerdote de Ifá ao desfecho da divinação. Assim, se o resultado da divinação em (VI) é favorável ao cliente, ele irá reagir com alegria, mas se for desfavorável, sua reação será de arrependimento. Esta parte da estrutura do poema é importante porque nos mostra a avaliação do cliente quantoa sua própria ação e fortalece nossa crença na necessidade da pessoa fazer o sacrifício. A parte (VIII) é apresentada em forma de conclusão para a história inteira. Esta parte do poema pode ressaltar o tema da história ou mencionar a importância do sacrifício. De certo modo, esta parte é a avaliação do sacerdote de Ifá daquilo que ele considera importante ou memorável na história como um todo. Daí, a parte (VII) ser geralmente apresentada em termos didáticos. O que se viu até aqui é que a poesia de Ifá é um tipo de poesia “histórica”.34 Todo poema de Ifá é uma tentativa de narrar, através da estrutura peculiar da poesia divinatória, coisas que o sacerdote de Ifá foi ensinado a acreditar, que aconteceram deveras no passado. Narrando estas histórias do passado, o sacerdote de Ifá acredita que seu cliente pode detectar situações semelhantes às dele mesmo e advertir sua própria pessoa do melhor a ser feito à luz da história passada que ele ouviu do sacerdote. A poesia divinatória de Ifá é tida como um registro das atividades das divindades e dos ancestrais na terra. Numa cultura cuja estrutura política e social é baseada em divindades, nos reis e na sabedoria dos mais velhos, tais atividades passadas são muito valorizadas e respeitadas por todos. Todas as partes dos versos descritas acima poderiam ser cantadas ou recitadas pelo sacerdote durante a divinação. A parte (VIII) é invariavelmente apresentada em forma cantada. Esta parte pode ser cantada mesmo pelo cliente ou pelo estudante do sacerdote maior presente durante a divinação. Enquanto está cantando ou recitando qualquer poema de Ifá, o sacerdote tenta ficar tão perto quanto possível das partes originais (I-III) e da parte (VIII) como lhe foram passadas por seu sacerdote-mestre. Ele não está autorizado a acrescentar suas próprias palavras ou subtrair qualquer coisa desta parte do repertório. Ele é, entretanto, livre para usar sua própria linguagem enquanto apresenta as partes (IV-VII), tanto quanto ele estiver consciente da trama principal, bem como das características da história como um todo e mantiver o tema original. Assim, enquanto o sacerdote de Ifá não tem permissão para inovar em certas partes do seu repertório, ele tem permissão de, até certo ponto, criar em outras. Os versos curtos de Ifá (Ifá Kéékèèkéé) mencionados acima, geralmente têm quatro partes, a saber: (I), (II), (III) e (VIII). Todos os outros versos usam todas ou algumas das oito partes estruturais vistas acima. Porém, praticamente todos os versos de Ifá contêm as partes (I-III), bem como a parte (VIII). Assim, no trabalho de construção da poesia divinatória de Ifá podemos dizer que as partes (I-III) e (VIII) são obrigatórias enquanto que as partes (IV-VII) são opcionais. O poema de Ifá seguinte é apresentado para mostrar um exemplo das oito partes estruturais da poesia divinatória de Ifá, como analisado abaixo. Parte (I) Gbó Gbónkólóyo; Parte (II) A díá fún ọdẹ Parte (III) Tí nregbó ´je, Èlùjù ´je Parte (IV) Wọ n ní kó rúbọ àlọ Kó rúbọ àbọ̀. Parte (V) Ó sì rúbọ Parte (VI) Ìgbà tó rúbọ tan. Ó ṣẹ gun sí ọ̀tún, Ó ṣẹ gun sí òsì. Ó kó ẹrú, Ó sì kó ẹrú Parte (VII) Ó ní bẹ ẹ̀ gẹ gẹ Ni àwọn awo òún n’ṣẹnu rereé pe ‘Fá. Parte (VIII) Ẹ ṣẹ ọdẹ ní hiin, Hàà hiin, Ọdẹ hiin, Hàà hiin o. 35 Parte (I) O sacerdote de Ifá chamado Gbónkólóyo Parte (II) Foi quem divinou Ifá para o Caçador. Parte (III) Que estava indo caçar em sete florestas e sete desertos. Parte (IV) Foi solicitado que ele fizesse sacrifício para segurança própria e da expedição. Parte (V) E ele fez sacrifício. Parte (VI) Após ter feito sacrifício, Ele derrotou seus inimigos da direita, Ele derrotou seus inimigos da esquerda. Ele capturou escravos, Ele reuniu muitos saques de guerra. Parte (VII) Ele disse que aconteceu exatamente Como seu sacerdote de Ifá usou sua voz em louvor de Ifá. Parte (VIII) Bem-vindo Caçador aclamado Bem-vindo Caçador louvado. Caçador, nós te saudamos, Nós te damos boas vindas com louvor. (b) OS ASPECTOS DE ESTILO NOS ẸSẸ IFÁ O Ẹsẹ Ifá é muito rico em linguagem e formas de estilo. Uma relação detalhada de todas as características de estilo e linguagem deste rico gênero poético não pode ser tentada aqui por uma questão de limitação de espaço. Aqui, será suficiente mencionar alguns dos dispositivos poéticos e discutir um deles. Algumas das mais características formas de estilo encontradas nos poemas de Ifá são: repetição, palavra cantada, personificação, metáfora, paralelismo e onomatopeia. Uma relação detalhada dos modos de ocorrência destas formas de estilo foi tentada em outro local. 36 Na visão do presente investigador, a repetição é a mais importante forma de estilo encontrada na poesia divinatória de Ifá. Uma relação detalhada desta forma de estilo segue-se agora. Existem cinco tipos de repetição encontrados na poesia de Ifá, a saber: (I) repetição estrutural, (II) repetição temática, (III) repetição linear, (IV) repetição léxica e silábica e (V) aliteração e assonância. Como ficará evidente nas páginas seguintes, muitas destas formas de repetição ocorrem frequentemente juntas. Entretanto, para que fique mais claro, cada um destes tipos acima será tratado separadamente. (I) Repetição estrutural Um dos casos mais comuns de ocorrência de repetição na poesia divinatória de Ifá é a repetição de partes da estrutura destes poemas. Conforme colocado acima, os poemas de Ifá têm uma estrutura em oito partes. A repetição estrutural entra no repertório do sacerdote de Ifá, após ele ter proferido a sétima parte do seu material. A repetição estrutural frequentemente envolve as partes (I), (II), (III) e algumas vezes em parte ou a totalidade das partes (IV), (V) e (VI) antes que o sacerdote de Ifá finalmente cante a parte (VIII). Assim, a repetição estrutural envolve a repetição de algumas ou de todas as seis primeiras partes (I e VII a VIII). Sempre que a repetição estrutural ocorre no poema somente as partes (I)-(III) são constantes; as partes (IV)-(VI) podem ou não ser incluídas num todo. Além disso, quando as partes (IV)-(VI) são incluídas, a estrutura gramatical das sentenças envolvidas podem ser mudadas com o intuito de adequar-se ao propósito de alcançar um bom canto vocal. Portanto, o sacerdote pode ou não repetir as partes (IV)-(VI) palavra por palavra. Isto não é surpresa, desde que, como dissemos antes, as partes (IV)-(VI) formem a porção dinâmica da estrutura do poema de Ifá, onde o sacerdote tem licença para usar sua própria linguagem. Assim, nos exemplos abaixo, a linha sete é excluída do material quando o sacerdote está repetindo seu material. O material seguinte mostra a repetição das partes (I)-(VI) em um poema de Ifá. Parte (I) Onikẹ kẹ logún Alábàjà lọgbọ̀n, Oníkolo làádọ ta. Parte (II) A díá fún Ọdúnmbákú Tíí ṣọmọ bíbí inú Àgbọnnìrègún. Parte (III) Wọ n ní ó rúbọ nítorí ikú. & (IV) Wọ n ní ọ fadiẹ ìrànà kan rúbọ. Parte (V) Ó ṣe é Parte (VI) Ikú ọ̀ pa á. Parte (VII) Ijó ní n’jó Ayọ̀ ní n’yọ̀. Àwọn awoo rẹ̀ n’yin ‘Fá. Ó ya ẹnu kótó, Orin awo lọ bọ sí i lẹ nu. Ẹsẹ̀ tí ọ nà, Ijó fà á. . . . . . . . . . . Parte (I) O ní oníkẹ kẹ logún Alábàjà lọgbọ̀n, Oníkolo làádọ ta. Parte (II) A díá fún Ọdúnmbákú Tíí ṣọmọ bíbí inú Àgbọnnìrègún. Parte (III) Wọ n ní ó rúbọ nítorí ikú. & (IV) Part (V) Ó ṣe é Part (VI) Ikú ọ̀pa á. Part (VIII) Ọdún mbá kú, Ejiẹ ti gbádiẹẹ̀ mi lọ Adiẹẹ̀ mi, Adiẹẹ̀ ‘rànà, Tí mó fií lẹ̀, Lejiẹ gbé lọ. 37 Parte (II) Havia vinte pessoas com marcas faciais kẹ kẹ . 38 Havia trinta pessoas com marcas faciais àbàjà. Havia cinquenta pessoas com marcas faciais kolo. Parte (II) Foi divinado Ifá para Ọdúnmbákú,39 Que era o filho de Àgbọnnìrègún. Parte (III) Foi solicitado que ele fizesse sacrifício para & (IV) prevenir morte iminente. Foi dito para ele oferecer sacrifício com galinha ìrànà. 40 Parte (V) Ele fez conforme lhe disseram. Parte (VI) E ele não morreu. Parte (VII) Ele estava dançando, Ele estava alegrando-se, Ele louvou seu sacerdote de Ifá Enquanto que o seu sacerdote louvava Ifá Conforme ele abriu um pouco a sua boca, A música de Ifá nela penetrou. Quando ele esticou suas pernas, A dança as puxou. .............................. Parte (I) Havia vinte pessoas com marcas faciais kẹ kẹ . Havia trinta pessoas com marcas faciais àbàjà. Havia cinquenta pessoas com marcas faciais kolo. Parte (II) Foi divinado Ifá para Ọdúnmbákú, Que era o filho de Àgbọnnìrègún. Parte (III) Disseram para ele fazer sacrifício para & (IV) Prevenir a morte iminente. Parte (V) Ele fez conforme foi dito. Parte (VI) E ele não morreu. Parte (VIII) No ano que eu devia ter morrido, A morte levou minha galinha, Minha própria galinha. Minha galinha ìrànà, Que eu ofereci como sacrifício, Foi levada pela morte. (II) Repetição temática A repetição temática envolve a constante repetição do assunto de um poema de Ifá em diversas partes do mesmo como forma de ênfase. Este tipo de repetição mostra-se de forma destacada no “Ifá Nlánlá” (poema longo de Ifá) que é geralmente longo e separado em partes tanto no tema como na forma de apresentação. O valor da repetição temática neste tipo de poesia é, portanto, o de identificar para nós, por repetição constante, o ponto que aparece como mais importante para o sacerdote de Ifá no seu material, de forma que não reste nenhuma dúvida quanto a sua mensagem. A repetição temática geralmente ocorre nas partes (IV)-(VI) da estrutura do poema de Ifá. Conforme já mencionado, estas são as partes criativas e dinâmicas da poesia divinatória. (III) Repetição linear É de longe o mais importante tipo de repetição encontrada na poesia divinatória. Dois tipos de repetição linear podem ser identificados nos poemas de Ifá: completa e parcial. A repetição linear completa envolve a repetição de uma ou mais linhas do ẹsẹ Ifá. Este tipo de repetição é usado tanto para ênfase quanto para satisfazer o que este investigador descreve em outro local, 41 como “o fator de criação de mitos” na poesia divinatória de Ifá. Conforme o sacerdote aprende os versos durante seus longos anos de treinamento, e também aprende ao mesmo tempo, que parte de seu repertório deve ser repetido, duas, três, quatro ou mais vezes. Sempre que ele encontrar algum material desse tipo, ele é obrigado a repetir o verso(s) envolvido da maneira especificada pelos dogmas de sua crença. Nós achamos, portanto, que a repetição linear completa sempre envolve a repetição de um ou mais versos por um número qualquer de vezes, de duas a dezesseis vezes. Os versos repetidos podem seguir-se uns aos outros diretamente no texto ou podem estar espalhados entre outros versos. Portanto, os versos envolvidos podem ser repetidos a cada três, quatro, cinco ou dezesseis linhas. O exemplo seguinte mostra a repetição de um grupo de versos quinze vezes. No total, são envolvidas quarenta e cinco linhas da poesia, o que forma mais da metade do número total de linhas nesse poema de Ifá. Níbgà ẹ̀kíní Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún n’lé. Níbgà ẹ̀keji Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún n’lé. Níbgà ẹ̀kẹta Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún n’lé. Nígbà ẹ̀kẹrin, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún n’lé. Nígbà èkaàrún, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún n’lé. Nígbà ẹ̀kẹfà, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀keje, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kẹjọ, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kẹsàán, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kẹwàá, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kọkànlá, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kẹjílá, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kẹtàlá, Na primeira vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún. 43 Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na segunda vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na terceira vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na quarta vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na quinta vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na Sexta vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na sétima vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na oitava vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na nona vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na décima vez, Eu fui à casa de Óníkàámògún Eu não achei Óníkàámògún em casa. Na décima primeira vez... Na décima segunda vez... Na décima terceira vez... Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kẹrínlá, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Nígbà ẹ̀kẹẹ̀ẹ dógún, Mo wọlé Óníkàámògún. Èmi ò bá Óníkàámògún nlé. Ó wáá kù dèdè. Kí nwọ káà kẹrìndínlógún Mo wáá bá Oníkàámògún, Ó káwọ Ifá, Ó fi lérí. Ó faṣọ àká bora...” 42 Na décima quarta vez... Na décima quinta vez... Mas, apenas quando eu estava indo. Entrar no décimo sexto apartamento do palácio. Eu encontrei Óníkàámògún. Ele colocou um punhado de instrumentos divinatórios Na sua própria cabeça. Ele cobriu-se com roupa àká. 44 A repetição linear incompleta caracteriza-se pela repetição de parte de uma ou mais linhas por ênfase. A repetição pode ocorrer no começo, no meio ou no final de uma linha relacionada. Entretanto, a linha repetida pode estar misturada a outras linhas de forma que teremos uma repetição incompleta em todas as alternativas, na quarta, quinta ou sexta linha. No exemplo seguinte, as palavras (ó) (ní) na linha 1 são repetidas na linha 4, enquanto que os itens (la) (jọ) (nṣ) podem ser encontrados nas linhas, 1,4 e 7. As duas primeiras palavras na segunda linha, (tẹ̀tẹ̀) (mọ ọ) são repetidas nas linhas, 3, 5,6,8 e 9. Ó ní àwa agba la jọ nṣegbo. Tẹ̀tẹ̀, mọ ọ rìn, Tẹ̀tẹ̀, mọ ọ yan. Ó ní àwaa ìjòkùn la jọ nṣọdan. Tẹ̀tẹ̀, mọ ọ rìn, Tẹ̀tẹ̀, mọ ọ yan. Àwaa keekéè la jọ nṣỌ̀yọ Àjàká. Tẹ̀tẹ̀, mọ ọ rìn, Tẹ̀tẹ̀, mọ ọ yan...45 Ele disse que ele e agba viviam na floresta. Tẹ̀tẹ̀, anda por toda parte livre. Tẹ̀tẹ̀, anda por toda parte em paz. Ele disse que ele e ìjòkùn viveram no pasto. Tẹ̀tẹ̀, anda por toda parte livre. Tẹ̀tẹ̀, anda por toda parte em paz. Ele e tẹ̀tẹ̀ viveram em Ọ̀yọ Àjàká. Tẹ̀tẹ̀, anda por toda parte livre, Tẹ̀tẹ̀, anda por toda parte em paz. (IV) Repetição léxica e silábica A repetição léxica nos poemas de Ifá envolve a repetição apenas de palavras isoladas, enquanto que a repetição silábica envolve a repetição somente de sílabas isoladas. Estas formas de repetição podem ser usadas para ênfase, para embelezar o ritmo da poesia, ou para obter jogo de palavras. As duas formas de repetição às vezes ocorrem juntas. Os exemplos seguintes mostram repetição léxica e silábica nos itens marcados. Ká fẹfun tọ lé ajé, Ká fosùn tọ lé ìlẹ̀kẹ̀. Àkọ dá orí kìí gbálẹ̀ ọjà gbé sí. A díá fÉjì Ọ̀bàrà Níjó tí wọn nlọ lèé ṣèbọ suru suru Nílé Ọlọ fin. Èjì Ọ̀bàrà ká orí, Ọ́ tẹ̀ ẹ mọ yẹ̀. Ó ní òún le rire Nílé Ọlọ fin báyìí? 46 Pintemos a casa do dinheirocom giz, Pintemos a casa das pedras preciosas com osùn. O primeiro orí a ser criado não está na parte dos fundos do mercado sem sorte. Foi divinado Ifá para Èjì Ọ̀bàrà. No dia em que eles estavam indo oferecer sacrifício No palácio de Ọlọ fin. Èjì Ọ̀bàrà colocou os instrumentos de divinação na cabeça, E imprimiu Ifá no pó divinatório. Ele perguntou se iria tornar-se próspero Na casa de Ọlọ fin. A palavra (ká) na primeira linha do texto iorubá acima é repetida nas linhas 2 e 7, enquanto que a palavra (tọ lé) ocorre nas linhas 1 e 2. A palavra (orí), na linha 3 é repetida na linha 7. A terceira pessoa do singular (ó) na linha 8 ocorre em posição idêntica na linha 9. A sílaba (lẹ̀) em (ìlẹ̀kẹ̀) na linha 2 é repetida em (gbálẹ̀) , linha 3. A sílaba (lọ) em (nlọ) na linha 5 ocorre também em Ọlọ fin. Nas linhas 5 e 6 destaca-se a sílaba (ní) em (nílé) e (níjó). (V) Aliteração e assonância Alguns tipos de repetição discutidos acima com frequência envolvem consoantes e vogais. Aliteração e assonância podem, entretanto, ocorrer em posições onde as outras formas de repetição discutidas acima estão ausentes. Estas duas formas de repetição enriquecem o ritmo da parte do verso de Ifá onde elas ocorrem. Ainda mais, as consoantes e vogais repetidas dão proeminência às sílabas e palavras das quais elas tomam parte e podem, portanto, servir para enfatizar esses itens léxicos. Nos exemplos dados acima sobre repetição léxica e silábica, a fricativa muda lábio- dental (f) ocorre duas vezes na mesma palavra fẹfun (linha 1) e uma vez na palavra fosùn (linha 2). A mesma consoante pode ser achada no nome pessoal Ọlọ fin (linha 6) e em fÉjì ( linha 4). Na linha 3, a consoante vocal lábio-velar (gb) ocorre em gbálẹ̀ e em gbé (linha 3). Os exemplos seguintes mostram o uso da assonância nos versos de Ifá. Ìji kìí jà, Kó gbódó. Ìji kìí já, Kọ gbọ lọ ...47 O remoinho de vento não sopra Mas, leva embora o pilão. O remoinho de vento não sopra, E leva para longe a pedra de mó. Neste exemplo acima existe uma concentração deliberada de sons de (i) nas linhas I e II, sons de (ó) nas linhas 2, e (ọ) na linha 4. (c) O CONTEÚDO DOS ẸSẸ IFÁ Conforme já foi mencionado, o poema de Ifá é uma tentativa de um povo não letrado, de preservar e disseminar os ingredientes de sua própria cultura. Os iorubás têm estes versos como um repositório de sua cultura. Eles acreditam que os versos de Ifá contêm a sabedoria acumulada de seus ancestrais através da história. Os ẹsẹ Ifá, portanto, contém tudo que é considerado memorável na cultura iorubá através dos tempos. Não é de surpreender, que o conteúdo dos poemas de Ifá cubra toda a extensão da cultura iorubá. Nas páginas seguintes nós identificaremos e discutiremos alguns dos mais importantes temas encontrados na poesia divinatória de Ifá. Os iorubás consideram os ẹsẹ Ifá como uma coleção de poemas históricos nos quais os fatos “verdadeiros” da cultura são preservados. Uma avaliação dos versos como fonte de evidência histórica já foi tentada em outro local 48 pelo presente investigador que declarou que os poemas divinatórios de Ifá contêm importantes alusões a fatos históricos da cultura iorubá. O historiador deve, no entanto, encontrar corroboração para estes fatos em outro local da história oral da cultura iorubá ou comparando diferentes versões da mesma história contada por diversos divinadores. Os versos de Ifá são especialmente importantes como parte da informação sobre a história da cultura iorubá que é geralmente negligenciada pelos cultos historiadores ocidentais, que estão mais interessados na história política e econômica. Os ẹsẹ Ifá são a nossa principal fonte de informação sobre mitologia iorubá. Como já mencionamos, existem alguns Odù, cujas histórias contêm os mitos de algumas divindades. Por exemplo, Ọ̀kànràn Méjì contém os mitos de Ṣàngó, enquanto que Ògúndá Méjì contém os mitos de Ògún. Estes Odù nos falam sobre a vida destas divindades, quando elas estavam aqui na terra, sua relação com as outras divindades e sua importância para a cultura tradicional iorubá. As divindades são pintadas nos versos de Ifá como forças benevolentes, que estão sempre prontas a ajudar o homem a resolver seus problemas. As divindades representam ordem, autoridade, disciplina e a perpetuação dos valores da cultura iorubá. Eles ficam, entretanto, algumas vezes, zangados com os homens quando eles vão contra as regras dos valores morais divinamente sancionados. Mas, geralmente a poesia de Ifá se apresenta a nós como uma coleção de mitos que mostra as divindades iorubás como amigas do homem. Os poemas divinatórios de Ifá também nos falam dos conflitos entre as divindades e os Ajogun, um nome coletivo usado para descrever as forças do mal. Entre estas forças estão: Ikú (morte), Àrùn (doença), Òfò (perda), Èpè (maldição), Ẹ̀gbà (paralisia), Ọ̀ràn (problema), Èwọ̀n (prisão), e Eṣe (aflição). Estas oito coisas que os seres humanos temem são personificadas nos poemas de Ifá como poderes sobrenaturais cuja função principal é negar os desejos das divindades e dos ancestrais de enriquecer a vida humana. O plano dos ajogun, sobre os seres humanos é ver sua ruína completa, eles estão sempre em conflito com as divindades cuja função é a proteção dos seres humanos. Muitos poemas de Ifá tratam dos inevitáveis conflitos entre estes dois grupos de poderes sobrenaturais sobre os interesses humanos. Outro importante aspecto do conflito entre os “maus” e os “bons” poderes sobrenaturais é a luta entre as divindades e àjẹ (as feiticeiras). As àjẹ são também conhecidas nos versos de Ifá como: ẹlẹ yẹ ou eníyán, estão ao lado dos ajogun neste eterno conflito. Um poema de Ifá diz que foi o próprio Olódùmarè, que deu a àjẹ seus poderes maléficos. Portanto, contra as maquinações do mal de àjẹ , os seres humanos têm pouca proteção, até mesmo das divindades pois elas mesmas são muitas vezes molestadas pelas feiticeiras. Quando uma pessoa é atormentada por àjẹ é encorajada a chamar seu próprio Orí (divindade pessoal que determina o destino humano). Cada indivíduo tem o seu próprio Orí (literalmente significa cabeça) que ele escolhe para si mesmo pouco antes de deixar o ọ̀run (céu) para vir a terra. As pessoas, que escolheram uma boa cabeça, se trabalharem duro e fizerem os sacrifícios estipulados para elas, serão bem sucedidas e não serão subjugados pelos ajogun e por àjẹ . Porém, aqueles que escolheram um mau orí para si no ọ̀run estão sentenciados a falhar na vida exceto se puderem fazer sacrifícios suficientes e trabalharem duro. O conteúdo de muitos versos de Ifá trata deste interessante conceito de predestinação que forma um importante aspecto do sistema de crenças iorubás. Os Ẹsẹ Ifá também contém crenças iorubás em relação ao ẹbọ (sacrifício). Quase todo poema de Ifá contém na parte (IV) da sua estrutura, estímulos para que o cliente faça o sacrifício. É compulsório a todos os indivíduos fazer sacrifício, não importando se o Orí que ele escolheu no ọ̀run seja bom ou ruim. As divindades não irão auxiliar alguém que se recusa fazer sacrifício, uma vez que este é a sua única recompensa para o seu incessante olhar sobre a vida humana. Para aqueles que escolheram um orí ruim, o sacrifício é particularmente importante uma vez que é o único elemento que pode reparar sua escolha mal sucedida. Portanto, o sacrifício é apresentado na poesia de Ifá como o meio pelo qual o homem faz as pazes com as divindades e melhora os defeitos inerentes a sua própria pessoa. Além disso, nos poemas de Ifá, o sacrifício é descrito como um meio através do qual o homem usa materiais em troca de sua própria vida. Assim, nós vemos em muitos poemas que quando coisas materiais são oferecidas aos ajogun em forma de sacrifício, eles pegam estas coisas e deixam o suplicante intocado. O sacrifício é, portanto, um meio pelo qual o homem pode influenciar os poderes sobrenaturais de modo que o poder do “bem” pode cooperar
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