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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.595/DF RELATOR: MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI REQUERENTE: GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INTERESSADO: PRESIDENTE DA REPÚBLICA PARECER AJCONST/PGR Nº 367762/2021 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.967/2019. PRISÃO DISCIPLINAR. POLÍCIAS MILITARES E BOMBEIROS MILITARES. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO DE INICIATIVA (CF, ART. 61, § 1º, II, “C” E “F”). HIERARQUIA E DISCIPLINA. PRISÃO DISCIPLINAR. REGIME ESPECIAL DE SUJEIÇÃO. ARTS. 42, § 1º, E 142, §§ 2º E 3º, DA CONSTITUIÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. INTERDEPENDÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Lei de iniciativa parlamentar que trate sobre regime jurídico-disciplinar dos militares estaduais padece de inconstitucionalidade formal, pois a deflagração do processo legislativo em tal matéria sujeita-se à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, “c” e “f”). Precedentes. 2. Por força do art. 42, § 1º, da Constituição Federal, aplicam-se aos militares dos estados-membros, do Distrito Federal e dos territórios as disposições do art. 142, § 2º, da Lei Maior, do qual decorre o caráter administrativo da prisão disciplinar, uma vez que não admitida a impetração de habeas corpus contra punições disciplinares a militares. 3. Disciplina e hierarquia são vetores constitucionais estruturantes das instituições militares e pilares que as 1 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA distinguem das demais organizações civis ou sociais, sendo conformadores de regime jurídico especialíssimo que diferencia, em termos de exercício de direitos individuais, os militares dos servidores públicos civis e dos demais cidadãos. Precedentes. 4. A prisão por transgressão disciplinar (CF, art. 5º, LXI) é instituto que concretiza a hierarquia e a disciplina, vetores essenciais à vida na caserna, em razão das particularidades do serviço público militar. 5. Lei Federal que promove a extinção da prisão administrativa disciplinar a militares estaduais — Força Auxiliar e Reserva do Exército (CF, art. 144, § 6º) —, esvazia a simetria e o teor dos preceitos constitucionais aplicáveis a polícias militares e bombeiros militares, que também se submetem à organização com base na hierarquia e na disciplina (CF, art. 42, caput). 6. É inconstitucional lei federal que, a pretexto de exercer competência para edição de normas gerais de caráter principiológico (CF, art. 22, XXI, e 177, § 7º), impeça a incidência de normas constitucionais originárias, a caracterizar discrímen sem respaldo jurídico-normativo. — Parecer pela procedência do pedido, a fim de que seja declarada inconstitucional a Lei 13.967/2019. Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro em face do art. 2º da Lei 13.967/2019, que altera o art. 18, VII, do Decreto-Lei 2 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA 667/1969, “(…) para extinguir a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal”. O dispositivo tem a seguinte redação: Art. 2º O art. 18 do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 18. As polícias militares e os corpos de bombeiros militares serão regidos por Código de Ética e Disciplina, aprovado por lei estadual ou federal para o Distrito Federal, específica, que tem por finalidade definir, especificar e classificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a sanções disciplinares, conceitos, recursos, recompensas, bem como regulamentar o processo administrativo disciplinar e o funcionamento do Conselho de Ética e Disciplina Militares, observados, dentre outros, os seguintes princípios: (…) VII - vedação de medida privativa e restritiva de liberdade.” O requerente aponta inconstitucionalidade formal da Lei 13.967/2019 em razão da iniciativa parlamentar em matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo estadual, qual seja, regime jurídico dos militares estaduais, em descompasso com o art. 61, § 1º, II, “c” e “f”, da Constituição Federal. Argumenta haver incompatibilidade da norma questionada com o princípio da separação dos poderes (CF/1988, art. 2º) e com o princípio federativo, além de afronta aos arts. 18; 42, § 1º, e 142, § 3º, X, da Constituição. 3 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Alega que a competência privativa da União para legislar sobre “normas de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares” (CF/ 1988, art. 22, XXI) não autoriza interferências no poder legiferante estadual, a quem incumbe avançar sobre peculiaridades ou especificidades regionais. Afirma a possibilidade de medida privativa ou restritiva disciplinares em procedimentos militares, em atenção às peculiaridades das funções desempenhadas e aos princípios da hierarquia e da disciplina. Evidencia que a constitucionalidade da prisão disciplinar pode ser extraída do art. 142, § 2º, da CF, que estabelece: “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”. Anota incoerência na vedação abstrata para que as forças de reserva do Exército (CF/1988, art. 144, § 6º) não efetivem prisões administrativas, presentes em regulamentos das Forças Armadas, em afronta ao princípio da razoabilidade consubstanciado no art. 5º, LIV, da Constituição. Cautelarmente, requer a suspensão da eficácia do art. 2º da Lei 13.967/2019, no trecho em que altera o art. 18, VII, do Decreto-Lei 667/1969. No mérito, postula a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo. 4 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r/ v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Adotou-se o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999 (peça 8). A Presidência da República afirmou não se tratar de norma acerca do regime jurídico de servidores militares, mas de norma geral (CF, art. 22, XXI) ou principiologia básica destinada a nortear o Códigos de Ética e de Disciplina, sem avançar em matérias de iniciativa privativa dos governadores. Argumentou, ainda, que a hierarquia e a disciplina deverão ser observadas independentemente de restrição da liberdade. Sustentou que a alteração legislativa visa à adequação da legislação disciplinar militar aos patamares civilizatórios atuais em atenção às diferenças com relação às Forças Armadas (peças 12 e 13). O Senado Federal informou que o projeto de lei foi apresentado pelos Deputados Federais Subtenente Gonzaga (PDT/MG) e por Jorginho Mello (PR/SC) a fim de extinguir a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos estados, do Distrito Federal e dos territórios, conferindo caráter humanista e garantista à novel regulamentação, voltada para outros instrumentos de controle interno (peça 19). A Câmara dos Deputados deixou de apresentar informações (peça 21). 5 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) informou a suspensão do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade 0085474- 36.2020.8.19.0000 até pronunciamento do STF sobre o tema (peça 27). A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela improcedência do pedido (peça 42). É o relatório. 1. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL A Lei 13.967/2019, resultado da aprovação do Projeto de Lei (PL) 7.645/2014, de autoria parlamentar, extinguiu a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e corpos de bombeiros militares dos estados-membros, dos Territórios e do Distrito Federal, ao argumento de conferir caráter humanista e garantista, voltado para outros instrumentos de controle interno, adequando a legislação disciplinar militar aos patamares civilizatórios atuais. Ocorre, no entanto, que o art. 61, § 1º, II, “c” e “f”, da Constituição Federal reserva ao Presidente da República a iniciativa das leis que disponham sobre regime jurídico dos militares da Forças Armadas e dos servidores públicos da União e Territórios, o que, por certo, compreende normas gerais de organização das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares a que aludem os arts. 22, 6 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA XXI, e 144, § 7º, da Constituição Federal, no que versem sobre o regime disciplinar dos policiais militares e do corpo de bombeiros militares. A locução “regime jurídico”, contida no art. 61, § 1º, II, “c” e “f”, da CF, “corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias e contratuais, mantidas pelo Estado com seus agentes”, conforme explicitado pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 1.381-MC/AL, abrangendo, por isso mesmo, o regime disciplinar dos militares estuais: A disciplina normativa pertinente ao regime jurídico dos policiais militares (…) traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo, em face da cláusula de reserva inscrita no art. 61, § 1º, II, “c” e “f”, da Constituição da República (…). (ADI 1.381-MC/AL, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 6.6.2003.) Assim, a circunstância de a Lei 13.967/2019 ter objetivado estabelecer disciplina geral por lei nacional acerca do regime disciplinar de policiais militares e bombeiros militares (CF, art. 22, XXI, e 144, § 7º) não afasta a iniciativa reservada do Presidente da República para dispor sobre a matéria. É que, conforme esclarece José Afonso da Silva, “iniciativa reservada é a que compete a um só dos titulares do poder de iniciativa, com exclusão de qualquer outro titular”. Além disso, a sanção da Lei 13.967/2019 pelo Presidente da República não tem o efeito de convalidar o vício de iniciativa, conforme tradicional e reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: 7 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA A SANÇÃO DO PROJETO DE LEI NÃO CONVALIDA O VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE RESULTANTE DA USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA. — A ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical. Insubsistência da Súmula nº 5/STF, motivada pela superveniente promulgação da Constituição Federal de 1988. Doutrina. Precedentes. (ADI 2.867/ES, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 9.2.2007.) A Lei 13.967/2019 há de ser declarada formalmente inconstitucional por vício de iniciativa (CF, art. 61, § 1º, II, “c” e “f”). 2. HIERARQUIA E A DISCIPLINA MILITARES. VIDA NA CASERNA E MONOPÓLIO DO USO DA FORÇA As Forças Armadas estão inseridas no Título V da Constituição Federal, que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. O Presidente da República é o comandante Supremo das Forças Armadas (art. 2o da Lei Complementar n. 69, de 1991), sendo as Forças Armadas indissociáveis da Democracia e tendo como nota característica a submissão hierárquica de todos os militares a uma autoridade civil1. Em relação às Polícias Militares e Bombeiros Militares dos estados e do Distrito Federal, a situação não é diferente. Alocadas no Capítulo da 1 ROSSETO. Enio Luiz. Código Penal Militar Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 483. 8 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Segurança Pública, sãoabrangidas pelo Título V, que, como dito, cuida da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. O superior hierárquico das forças auxiliares do Exército também é autoridade civil: o Governador. Nesse contexto, tem-se que a autoridade máxima para as Polícias Militares e Bombeiros Militares é o Chefe do Poder Executivo do Estado ou do Distrito Federal (CF, art. 144, § 6º), aplicando-se-lhes tanto a diretriz democrática quanto a hierarquia e disciplina inerentes à atividade militar.2 2 Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (…) Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (…) § 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. (…) § 3º (…) X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. 9 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA As Forças Armadas e os militares estaduais hão de cumprir seus deveres mesmo que para isso tenham que sacrificar a própria vida (art. 27, I, e art. 31, I, da Lei 6.880, de 1980; art. 28, I, das Leis 7.289, de 1984, e 7.479, de 1986, entre outros estatutos), sendo-lhes franqueado o uso legítimo e progressivo da força, inclusive com armas letais. A possibilidade de ser exigido dos militares o sacrifício da própria vida e a circunstância de que tais instituições detêm parcela do poder do Estado de usar a força armada trazem consigo regime jurídico peculiar e que se assenta nos princípios da hierarquia e da disciplina. Assim, antes da delimitação conceitual de transgressão disciplinar, é relevante que se façam considerações acerca do modus vivendi da caserna. A natureza jurídica dos membros das instituições armadas brasileiras é de “categoria especial de servidores da Pátria”, dos estados e do Distrito Federal, submetidos a regime jurídico próprio em que se exige dedicação exclusiva, restrição de determinados direitos sociais e sob permanente risco de vida. 3 Para condições tão especiais de trabalho, o regime disciplinar há de ser especial: precisará conciliar os interesses institucionais e os direitos dos cidadãos submetidos. Daí não ser a hierarquia e a disciplina simples 3 ASSIS, Jorge César de. Curso de direito disciplinar militar: da simples transgressão ao processo administrativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2012. p. 43. 10 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA predicados institucionais, mas elementos conceituais e vigas basilares de toda a estrutura militar brasileira, conforme esclarece o Ministro Ayres Britto: (…) se a hierarquia implica sobreposição de autoridades (as mais graduadas a comandar e as menos graduadas a obedecer), a disciplina importa a permanente disposição de espírito para a prevalência das leis e regramentos que presidem por modo peculiar a estrutura e o funcionamento das instituições castrenses. (HC 108.811, Primeira Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 21.3.2021). O regime jurídico especialíssimo dos militares é corolário das peculiaridades das funções desenvolvidas.4 Existe uma relação especial de sujeição frente ao Estado, pautada na disciplina e na hierarquia, que resultam em restrições não existentes para os servidores públicos civis. As restrições decorrentes da relação especial de sujeição, além de encontrar fundamento na Constituição, buscam a salvaguarda de interesse público maior. Clarissa Sampaio Silva, em rico estudo sobre o tema, define relações especiais de sujeição como “aquelas em que se verifica a presença de um regime menos protetor em matéria de direitos fundamentais em razão da existência, em seus domínios, de restrições próprias”. 4 O Estatuto dos Militares, estabelecido pela Lei Federal 6.880/1980, prevê que as Forças Armadas formam “categoria especial de servidores da Pátria”, que reconhecem a possibilidade de sacrifício da própria vida no exercício das funções. 11 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA No regime castrense, não há derrogação de direitos fundamentais. Observa-se apenas maior abertura para a interferência estatal sobre direitos e garantias individuais, seja pela redução do âmbito de proteção ou pela admissão de renúncia de algumas formas de exercício.5 Especificamente quanto ao regime disciplinar dos militares, a relação de especial sujeição a que estão submetidos justifica o regime diferenciado de punição das transgressões em relação aos servidores públicos civis, conforme denota Farlei Martins Riccio de Oliveira: (…) a sanção administrativa pode ter uma finalidade disciplinar, atingindo o comportamento de indivíduos sujeitos a especial relação de submissão com o Estado que resulte danosa ao bom andamento das atividades administrativas. No Direito Militar, a sanção administrativa disciplinar recebe a denominação de punição disciplinar. Pelo disposto no art. 24 do RDE, as punições disciplinares a que estão sujeitos os militares são, em ordem de gravidade crescente: a) advertência; b) impedimento disciplinar; c) repreensão; d) detenção disciplinar; e) prisão disciplinar; e f) licenciamento e a exclusão a bemda disciplina. Denota-se, portanto, que ao contrário do que ocorre com o servidor civil, o militar, dependendo do grau da transgressão disciplinar praticada, poderá ter o seu direito de liberdade restringido, ficando detido em cela existente na organização militar onde se encontra subordinado.6 5 “Em função da missão constitucional outorgada às instituições militares, o estatuto jurídico de seus membros difere dos civis, sendo vedado àqueles, v.g., a filiação partidária e sindical, exercício de greve, impetração de habeas corpus contra punições disciplinares” (HC 110.328, Primeira Turma, Red. para o acórdão Min. Luiz Fux, DJe de 8.11.2011). 6 OLIVEIRA, Farlei Martins Riccio de. A relação de especial sujeição dos militares e a constitucionalidade do regulamento disciplinar do exército. Revista da SJRJ, Rio de 12 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Infere-se do disposto no art. 142, § 2º, da CF, aplicável aos militares dos estados por força do disposto no art. 42, § 1º, da mesma Carta, serem admitidas punições disciplinares aos militares que, dependendo do grau da transgressão, poderá ter o seu direito de liberdade restringido. Não é apenas o art. 142, § 2º, c/c o art. 42, § 1º, CF que permite a prisão disciplinar aos militares estaduais. Outras particularidades são abordadas em outras passagens da Constituição. O art. 5º, LXI, da CF expressamente diz que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Acerca da exceção contida na parte final do art. 5º, LXI, da CF/1988, esclarece Paulo Napoleão Nogueira da Silva: Pela própria estrutura das Forças Armadas, tendo como base a hierarquia e a disciplina (art. 142, caput), e das Polícias Militares, como forças auxiliares e reserva do Exército (art. 144, § 6º), seria impensável que a prisão de militar — com fundamento em transgressão ou crime militar — dependesse de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Por tal motivo, inclusive, a Constituição excepciona seus princípios gerais, vedando a concessão da ordem de habeas corpus em relação às punições disciplinares de natureza militar (art. 142, § 2º). Janeiro, n. 27, p. 57-77, 2010. Disponível em: https://www.jfrj.jus.br/sites/default/files/ revista-sjrj/arquivo/121-414-1-pb.pdf. Acesso: 29.9.2021. 13 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 https://www.jfrj.jus.br/sites/default/files/revista-sjrj/arquivo/121-414-1-pb.pdf https://www.jfrj.jus.br/sites/default/files/revista-sjrj/arquivo/121-414-1-pb.pdf MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA De observar, se um militar pudesse impetrar habeas corpus contra punição ditada pelos seus superiores hierárquicos, restaria insubsistente a estrutura das Forças Armadas, histórica e funcionalmente concebida com base na hierarquia e na disciplina. A Constituição de 1824 também já fazia tal exceção, nos casos de prisão determinada nas Ordenanças Militares (art. 179, nº 10, segundo período) (…). A Constituição de 1967 também não continha qualquer referência à necessidade de ordem da autoridade judicial, para prisão de militares por transgressão ou crime militar; e também, não admitia a concessão de ordem de habeas corpus em tais hipóteses (art. 153, § 20, in fine).7 Convém observar que há situações em que não se verifica flagrante delito, e o tempo necessário para obtenção de uma decisão judicial pode trazer para a instituição militar forte abalo às citadas bases de sua existência. Nesse contexto, a pronta implementação da prisão disciplinar e a possibilidade de controle sobre o ato a posteriori, por exemplo, por intermédio de ação judicial contra ato disciplinar militar prevista no § 4º do art. 125 da CF/1988, promove a harmonização entre princípios constitucionais como a Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; contraditório e ampla defesa; segurança pública; proteção da vida, sob a ótica da vida na caserna e também proteção da vida de civis carentes da intervenção desses agentes públicos. 7 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. Comentário ao art. 5º, LXI, da Constituição. In.: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (Coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 230. 14 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Conquanto o Supremo Tribunal Federal já tenha assentado que, sob a égide da CF de 1988, “deixou de ser permitida, em nosso sistema jurídico, a prisão administrativa” (RHC 66.905/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 10.2.1989, tal afirmação não se aplica às transgressões disciplinares praticadas por militares, em razão da exceção constitucionalmente estabelecida na parte final do art. 5º, LXI, que corrobora a exigência constitucional de que a estrutura militar brasileira seja regida pela hierarquia e disciplina. Delineadas as particularidades do regime jurídico especialíssimo e a importância da prisão administrativa como mecanismo de garantia e de promoção da hierarquia e da disciplina, há de se observar que o ato normativo impugnado promove alteração disruptiva na estrutura das forças militares dos estados-membros e do Distrito Federal. A Lei 13.967/2019 esvaziou tanto a simetria entre militares federais e estaduais delimitada pelo texto constitucional quanto o instituto da prisão disciplinar militar. Ao retirar do ordenamento jurídico a previsão de aplicação de prisão disciplinar aos militares estaduais, a Lei 13.967/2019 destitui as corporações militares estaduais de instrumento crucial para a manutenção da hierarquia e disciplina, estimulando, inclusive, a prática de motim.8 8 O motim é criminalizado pelo Código Penal Militar nos seguintes termos: “Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados: I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la; II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência; 15 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i ca r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA É cediço que o comportamento individual amolda-se ao de determinado grupo a partir das interações humanas. Movimentos sociais e de trabalhadores promovem o engajamento dos demais integrantes da categoria a fim de buscar a implementação de mudanças e reivindicação de direitos. É certo que esses movimentos são representação da democracia, da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade sindical. Entretanto, a lógica não pode se aplicar, na mesma intensidade, aos militares. Nesse contexto, a possibilidade de preservação da hierarquia e da disciplina de forma imediata pela autoridade competente por meio da prisão disciplinar militar assegura, concretiza e otimiza a Democracia e a Segurança Pública, ao mesmo tempo em que permanecem resguardados, ainda que de forma diferida, o contraditório e a ampla defesa, bem como a liberdade de locomoção, por meio do controle posterior do ato administrativo. A redação anterior do art. 18 do Decreto-Lei 667/1969 estabelecia que as polícias militares seriam regidas por regulamento disciplinar redigido III – assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior; IV – ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer dêles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar: Pena - reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um têrço para os cabeças. 16 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA à semelhança do regulamento disciplinar do Exército e adaptado às condições especiais de cada corporação. Ao retirar a possibilidade de aplicação de prisão disciplinar aos militares estaduais, em projeto de iniciativa parlamentar, a Lei 13.967/2019, a pretexto de preceituar normas gerais de organização das polícias militares e corpo de bombeiros militares (CF, art. 22, XXI, e 144, § 7º) não só tratou de matéria inserida na autonomia dos estados-membros e do Distrito Federal, visto ser reservado aos chefes do Executivo dos estados, por simetria ao previsto no art. 61, § 1º, II, “c” e “f”, da CF, dispor sobre o regime disciplinar de seus servidores públicos civis e dos militares, nos termos do art. 144, § 6º, da CF, como também desatendeu à principiologia essencial à vida na caserna. Especificamente quanto à sistemática aplicável às transgressões disciplinares, não se olvida que militares podem ser considerados servidores públicos lato sensu, mas o tratamento constitucional em dispositivos diversos sobre os militares e os servidores públicos civis reforça as peculiaridades das funções desempenhadas pelas Forças Armadas e pelas Forças Auxiliares. A transgressão disciplinar é conceituada pelo Decreto Federal 4.346/2002, sem prejuízo das legislações locais, nos seguintes termos: Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento 17 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe. § 1º Quando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar. § 2º As responsabilidades nas esferas cível, criminal e administrativa são independentes entre si e podem ser apuradas concomitantemente. § 3º As responsabilidades cível e administrativa do militar serão afastadas no caso de absolvição criminal, com sentença transitada em julgado, que negue a existência do fato ou da sua autoria. § 4º No concurso de crime e transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, esta é absorvida por aquele e aplica-se somente a pena relativa ao crime. § 5º Na hipótese do § 4º, a autoridade competente para aplicar a pena disciplinar deve aguardar o pronunciamento da Justiça, para posterior avaliação da questão no âmbito administrativo. § 6º Quando, por ocasião do julgamento do crime, este for descaracterizado para transgressão ou a denúncia for rejeitada, a falta cometida deverá ser apreciada, para efeito de punição, pela autoridade a que estiver subordinado o faltoso. § 7º É vedada a aplicação de mais de uma penalidade por uma única transgressão disciplinar. § 8º Quando a falta tiver sido cometida contra a pessoa do comandante da OM, será ela apreciada, para efeito de punição, pela autoridade a que estiver subordinado o ofendido. § 9º São equivalentes, para efeito deste Regulamento, as expressões transgressão disciplinar e transgressão militar. Art. 15. São transgressões disciplinares todas as ações especificadas no Anexo I deste Regulamento. 18 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Nos estados e no Distrito Federal, a legislação das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares têm dispositivos que se assemelham às normas da Lei 6.880/1980, que consideram as particularidades do ente federado. As definições normativas, somadas à análise conjunta e sistemática dos dispositivos constitucionais originários, evidenciam que a prisão disciplinar militar é instrumento essencial à hierarquia e à disciplina das instituições que detêm o monopólio do uso da força, do braço armado do Estado brasileiro. Diante disso, a fim de preservar a força normativa da Constituição, descabe a supressão da simetria de tratamento conferida a polícia militar e ao corpo de bombeiros militar das unidades federadas. A partir das peculiaridades regionais, em atenção ao teor dos arts. 42, 142 e 144, todos da Constituição Federal, lei específica de iniciativa do governador tratará das medidas disciplinares de restrição da liberdade do militar estadual de modo a garantir respeito à hierarquia e à disciplina,pilares da manutenção da ordem em contexto de uso da força pública armada. É, portanto, materialmente inconstitucional a Lei 13.967/2019, sobretudo por ter potencial de tornar insubsistente a estrutura dos órgãos de segurança militares, histórica e funcionalmente concebidos com base na hierarquia e na disciplina. 19 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Em face do exposto, opina o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA pela procedência do pedido, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei federal 13.967/2019. Brasília, data da assinatura digital. Augusto Aras Procurador-Geral da República Assinado digitalmente TSS/PC 20 D o c u m e n t o a s s i n a d o v i a T o k e n d i g i t a l m e n t e p o r P R O C U R A D O R - G E R A L D A R E P Ú B L I C A A N T O N I O A U G U S T O B R A N D A O D E A R A S , e m 0 8 / 1 0 / 2 0 2 1 2 2 : 5 3 . P a r a v e r i f i c a r a a s s i n a t u r a a c e s s e h t t p : / / w w w . t r a n s p a r e n c i a . m p f . m p . b r / v a l i d a c a o d o c u m e n t o . C h a v e 1 f 3 0 a e 3 5 . a b 9 c d f 8 a . 4 8 8 3 a f 9 1 . 4 7 3 c d 5 6 3
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