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Breve História da Educação Brasileira Profa. Marisa Bittar Roteiro didático da Unidade 2: Sem os jesuítas e sem sistema nacional de educação: das “Aulas Régias” à difusão da Escola Nova (1772-1924) 2021 Roteiro didático da Unidade 2: Sem os jesuítas e sem sistema nacional de educação: das “Aulas Régias” à difusão da Escola Nova (1772-1924) 1. O que ficou no lugar dos jesuítas? Aulas régias (mantidas por Portugal, 1772); aulas avulsas; Liceus Provinciais nas províncias (hoje estados) que tiveram condições e interesse em implantá-los. O que eram “aulas régias”? Ensino de uma determinada disciplina ministrada por um professor sem conexão com outros ou com escola. Após a independência, essas aulas passaram a ser chamadas “aulas avulsas”. 2. O contexto brasileiro nos séculos XVIII e XIX. Escravidão mantida até 1888; grandes desigualdades econômicas; cultura de privilégios para a pequena elite branca que formava a aristocracia rural – os grandes fazendeiros (senhores de engenho). Importância dos títulos de “coronel” e “doutor”. Regime monárquico mantido até 1889 (Imperadores Pedro I e Pedro II). Educação: poucas escolas, pois o Brasil era rural e a população vivia nas fazendas. As famílias ricas (oligarquia rural) contratavam preceptores para educar seus filhos. Uma dessas preceptoras foi Ina von Binzer, jovem alemã que trabalhou em fazendas do interior paulista. Jardins de infância, que se propagavam na Europa, eram raros no Brasil devido à estrutura agrária do país e, portanto, as crianças de famílias ricas viviam nas fazendas. 3. A Educação após a independência política do Brasil (1822). Pouca diversificação da sociedade, que se manteve rural, e da demanda escolar. Pouca pressão por escolas. Governos não instituíram a escola primária para todas as crianças. A maioria absoluta delas vivia nas fazendas. A primeira Constituição do Brasil (1824): consagrou o ensino primário gratuito “garantido a todos os cidadãos”. Mas, o problema é que se manteve a escravidão; portanto, os “cidadãos” não eram “todos”. Em 1827: o governo estabeleceu o decreto das Escolas de Primeiras Letras (equivalente à alfabetização e primeiras séries primárias). Estabeleceu também dois Cursos de Direito para a formação dos quadros superiores do Império (Recife e São Paulo). Em 1834, houve uma emenda à Constituição chamada Ato Adicional: esse Ato estabeleceu a descentralização e dualidade de sistemas, isto é, o governo central se responsabilizou pelo ensino superior e os das províncias (que hoje são os estados) e municípios se responsabilizaram pelo ensino primário e secundário. Até hoje, essa descentralização existe. Desde o Ato Adicional ficou patente a maior importância dos cursos superiores comparativamente às primeiras Letras. 4. A educação brasileira no século XIX. Criação do Colégio Pedro II (1837) na Corte (capital do Brasil, Rio de Janeiro). Esse Colégio formava os filhos da elite agrária que geralmente ingressavam depois no Curso de Direito, ou prosseguia estudos em Portugal. Para Ariclê Vechia, esse Colégio deu início ao “sistema público no Brasil”. Para a formação de professores, foi criada a primeira Escola Normal (1835): segundo Jorge Nagle, as escolas Normais eram reduto das “moças burguesas”. Caracterizaram-se por ser excelentes escolas formadoras e atuaram intimamente com a educação primária. As professoras eram formadas para atuar nas escolas primárias, isso fez com que os dois cursos - Escola Normal e Escola Primária - tivessem conexão orgânica, fato que favoreceu a ambos. Essa qualidade e conexão foram consideradas por pesquisadores especialistas no tema como uma das políticas mais positivas que o Brasil praticou em educação. O primeiro Grupo Escolar foi criado em 1893, com a Reforma Paulista. Os Grupos Escolares foram escolas que reuniram pela primeira vez no Brasil os quatro anos do ensino primário em uma mesma instituição. Sua expansão ocorreu na década de 1910: em Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná, Maranhão, Sergipe, Bahia, Mato Grosso. O Brasil chegou ao fim do século XIX com baixa taxa de escolarização. Em 1880, uma década antes da proclamação da República, a população era de 14 milhões de habitantes, mas tinha apenas 250.000 alunos na escola primária. Por isso, Anísio Teixeira designou essas crianças de “doutorezinhos” do Brasil. 5. Os professores brasileiros da época. No período jesuítico (1549-1759), eram os padres da Companhia de Jesus. Após a expulsão dos jesuítas: o Brasil passou a ter os professores leigos, isto é, não pertencentes à Igreja e mantidos pelo governo. O governo de Portugal instituiu as “aulas régias”, que demoraram a ser implementadas e eram precárias, abrangendo pequenas parcelas da população. No decorrer do século XIX, os professores passaram a ser jornalistas, escritores, advogados, médicos, além de padres e preceptores. A maioria desses mestres havia sido formada pelo sistema jesuítico e, portanto, tinha os mesmos princípios pedagógicos, a mesma mentalidade. Os Cursos Normais: formaram as professoras para as “escolas de primeiras letras”; eles foram chamados de “reduto das moças burguesas”, pois estavam localizados em poucas cidades, geralmente as mais ricas. Geralmente eram belas escolas situadas no centro das cidades. Mas formou também professoras oriundas de classes “populares” (filhas de pequenos comerciantes, por exemplo). Na cidade de Corumbá (Mato Grosso), na década de 1930, uma jovem negra, Adélia Kraviec, chegou ao portão do imponente Colégio Santa Teresa e perguntou a uma freira que ali estava: “Irmã Anita, tenho muita vontade de estudar aí, será que eu posso?”. Irmã Anita respondeu que sim, e a menina continuou: “Mas gente preta assim como eu também pode estudar aí?”. “Claro que sim, aqui não fazemos distinção de cor”. E foi assim que Adélia Kraviéc se tornou uma das grandes professoras do estado de Mato Grosso, deixando seu nome, hoje, gravado em uma das escolas da capital Campo Grande. Os cursos secundários prosseguiram recrutando professores nas profissões liberais: advogados, jornalistas, escritores, artistas, médicos etc. 6. Como o Brasil ingressou no século XX. O quadro de pobreza foi descrito por Oswaldo Cruz assim: “3/4 dos brasileiros vegetam miseravelmente nos latifúndios e favelas das cidades” (1912). As poucas crianças que passavam pelo Grupo Escolar foram chamadas de “doutorezinhos”, termo usado por Anísio Teixeira para aquelas que conseguiam concluir as quatro séries do curso primário; Anísio Teixeira escreveu o livro “Educação não é privilégio” para criticar a desigualdade educacional e defender princípios democráticos e da pedagogia ativa (John Dewey). A Constituição de 1891: consagrou o sistema dual. União mantém ensino superior; estados e municípios, o ensino primário (“popular”) e secundário. A demanda educacional representava as exigências de uma sociedade com baixo índice de urbanização e industrialização, na qual permanecia a velha educação acadêmica e aristocrática. Difusão da Escola Nova no Brasil: nova pedagogia, nova didática, “método intuitivo”, valorização da infância. O que se transportou da Escola Nova para cá? Novos vocábulos, princípios que enriqueceram a linguagem pedagógica e inspiraram estudos. Mas não foi implantada uma http://poca.ufscar.br/ rede de escolas baseadas nessa pedagogia; a própria escola pública – chamada tradicional pela Escola Nova – ainda não estava implantada de forma a abranger todas as crianças brasileiras. Até a década de 1960, o Grupo Escolar, a Escola Normal e o curso secundário (que era composto de 4 anos + 3 anos, sendo os 4 primeiros anos chamados de Ginásio) ficaram conhecidos como “anos dourados” da educação brasileira. 7. Conclusões. Desde a chegada dos jesuítas, o Brasilpercorreu um longo período histórico que conservou marcas do passado. A vida republicana, a industrialização e a urbanização foram tardias. Isso teve relação direta com a baixa oferta de escolas à população. Da mesma forma, havia baixa pressão por escolas, pois a população, que vivia majoritariamente nas fazendas, não sentia a necessidade da escola. Aqui é importante notar que a escolarização, a alfabetização, sempre foram processos ligados à urbanização. A experiência de outros países nos mostra que as tentativas de alfabetizar em áreas rurais esbarraram em dificuldades variadas entre as quais a resistência da população por, muitas vezes, não compreender a importância do letramento. Sendo assim, esse não foi um fenômeno só brasileiro, mas mundial. O sistema nacional de educação pública só começou a ser efetivamente construído após a Revolução de 1930. Essa Revolução destronou a oligarquia rural paulista e mineira e seu modelo econômico. Instituiu a industrialização, o nacionalismo, e também métodos de governo considerados populistas. Ou seja, foi um período no qual os governos incorporaram demandas da classe trabalhadora e, pela primeira vez, elaboraram políticas sociais que, antes, eram consideradas caso de polícia, como por exemplo, Leis Trabalhistas. O modelo de desenvolvimento instituído por Getúlio Vargas, que assumiu o poder em 1930, é chamado nacional-populismo e decorreu no período internacional de maior polaridade da Guerra Fria (disputa entre o bloco capitalista e o bloco socialista). No Brasil, essa polaridade correspondeu à disputa entre o bloco nacional-populista e o conservador. A experiência de alfabetização, por exemplo, foi apoiada pelo populismo que tinha interesse no aumento de adultos alfabetizados, já que a Constituição proibia o voto do analfabeto. Sendo assim, houve uma relação política entre alfabetização e mobilização popular. Esse período histórico terminou em 1964 com o golpe militar. 8. Bibliografia BINZER, Ina von. Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Tradução: Alice Rossi e Luisita da Gama Cerqueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. http://poca.ufscar.br/ BITTAR, Marisa. Universidade, pesquisa e educação básica. In: BITTAR, Marisa; LOPES, Roseli Esquerdo. Estudos em Fundamentos da Educação. São Carlos: Pedro & João Editores, 2007, p. 21-49. FERREIRA Jr. Amarilio. História da educação brasileira: da Colônia ao século XX. São Carlos: Editora EdUFSCar, 2010, 124 p. KUHLMANN Jr., Moisés. A educação infantil no século XIX. In: STEPHANOU, Maria; Bastos, M. Helena (Org.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005, v. II, p. 68-77. VECHIA, Ariclê. O ensino secundário no século XIX: instruindo as elites. In: STEPHANOU, Maria; Bastos, M. Helena (Org.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005, v. II, p. 78-90. http://poca.ufscar.br/ O material Roteiro didático da Unidade 2: Sem os jesuítas e sem sistema nacional de educação: das “Aulas Régias” à difusão da Escola Nova (1772-1924) de Marisa Bittar está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional. http://poca.ufscar.br/ http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/ http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/