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Comentários à peça prática – Delegado de Polícia Federal – 2021 Professora Fernanda Moretzsohn Pontos a serem analisados: - endereçamento - preâmbulo - descrição dos fatos e elementos de prova já produzidos - fundamentação jurídica: - tipificação das condutas - demonstração de materialidade e autoria (fumus comissi delicti) - periculum in mora - requisitos da medida - pedido - fecho (fechamento) Analisando a questão logo de plano podemos verificar os seguintes pontos (o famoso “brainstorm”): - denúncia anônima; - grupo de pessoas destinados a praticar pedofilia; - investigação não conseguiu individualizar as condutas; - art. 190-A do ECA - Art. 240 e ss do ECA - não há outras maneiras de se chegar aos demais integrantes da organização - laptop; darknet; pornografia infantil; grupo com abrangência nacional; número indeterminado de pessoas - Goaiânia/GO (endereçamento) Breves comentários a respeito da medida Comentários à peça prática – Delegado de Polícia Federal – 2021 Professora Fernanda Moretzsohn A Lei 13.441/17 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mais precisamente os artigos 190-A a 190-E, permitindo que policiais se infiltrem por meio da internet para que seja feita uma investigação com o fito de combater crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. a Lei nº 13.441/17 criou recursos e requisitos para a infiltração policial no ambiente cibernético como meio de obter informações sobre crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. A infiltração virtual de agente policial, também conhecida como cibernética ou eletrônica pode ser compreendida como uma técnica especial e subsidiária de investigação, por meio da qual um agente policial, escondendo sua real identidade, finge ser um criminoso a fim de ingressar de maneira virtual em grupo de criminosos, com o intuito de coletar elementos de prova, identificar integrantes do grupo, formas de atuação, produtos dos delitos e desarticular associação criminosa. Admite-se a infiltração virtual nas hipóteses previstas no Art. 190-A do ECA: - pedofilia (Arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D do ECA) - crimes contra a dignidade sexual de vulneráveis – Art. 217-A do CP, Art. 218 do CP, Art. 218-A do CP e Art. 218-B do CP - invasão de dispositivo informático – Art. 154-A do CP Requisitos da infiltração policial virtual: - fumus comissi delicti – indícios do cometimento de um dos tipos elencados no Art. 190- A do ECA - periculum in mora – perigo que a não realização da diligência de maneira imediata representa para a investigação criminal, aplicação da lei penal ou garantia da ordem pública (Art. 282, I do CPP) Há necessidade de demonstração da necessidade da medida. Por tratar-se de medida de caráter subsidiário, somente é admitida se a prova não puder ser obtida por outro meio. Conforme Art. 190, III do ECA, o prazo para a medida é de até 90 dias, sendo possível prorrogações que não ultrapassem 720 dias. Comentários à peça prática – Delegado de Polícia Federal – 2021 Professora Fernanda Moretzsohn O art. 190-C estabelece uma causa de atipicidade em favor do agente que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes de que trata o caput do 190-a. Passemos ao gabarito: Comentários à peça prática – Delegado de Polícia Federal – 2021 Professora Fernanda Moretzsohn GABARITO EXTRA OFICIAL – PEÇA PRÁTICA – DELEGADO POLÍCIA FEDERAL Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da __ Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Goiás/ Subseção Judiciária de Goiânia Sigiloso (art. 190 – B do ECA). Autos do Inquérito Policial nº: _______/2021. O Departamento de Polícia Federal, por intermédio do Delegado de Polícia que ao final subscreve, no exercício dos poderes conferidos pelo artigo 144, §1º, incisos I e IV da Constituição da República Federativa do Brasil, diante dos fatos investigados no inquérito policial em epígrafe, com fundamento no artigo 190-A e seguintes da Lei 8069/90, vem à presença de Vossa Excelência representar pela infiltração policial, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos: Dos fatos Consta dos autos do Inquérito Policial que após denúncia apócrifa, o Núcleo de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal localizou e apreendeu no município de Goiânia um laptop contendo vasto material de pornografia infantil de propriedade do indivíduo denominado Juarez, o qual faleceu vítima de covid-19. Utilizando os dados já existentes e um software que estava instalado no laptop, o qual permite navegação anônima, apaga registros e impede que sites identifiquem e rastreiem o usuário, foi localizado na darknet um grupo composto por integrantes não identificados que age em todo território nacional e cuja finalidade é abusar sexualmente de crianças e adolescentes. Os abusos cometidos são registrados por meio de imagens que posteriormente são disponibilizadas, comercializadas em salas virtuais dedicadas à pedofilia. A pessoa de Juarez possuía perfil assíduo nas salas virtuais, locais em que utilizava-se do pseudônimo Butterfly. Foram localizadas diversas mensagens que demonstram a ligação entre Butterfly e demais integrantes do grupo, dentre eles as pessoas que se denominam Sugardaddy e Pacman. Comentários à peça prática – Delegado de Polícia Federal – 2021 Professora Fernanda Moretzsohn Da Fundamentação Jurídica No caso em tela, as condutas em tese praticadas pelos agentes amoldam-se àquelas previstas nos Artigos 240, 241-A e 214-B do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069/90). Condutas estas que se enquadram dentre aquelas que segundo o Art. 190-A do ECA permitem a técnica investigativa de infiltração de agente policial. O requisito do fumus comissi delicti resta demonstrado pelo conteúdo do material constante no laptop apreendido com a pessoa de Juarez, os quais indicam o cometimento dos tipos previstos nos artigos 240, 241-A e 241-B do ECA, os quais estão elencados no Art. 190-A do ECA, como sendo aqueles em que a medida pleiteada é autorizada. Da mesma forma resta caracterizado o periculum in mora, que se consubstancia no perigo que a não realização da diligência de maneira imediata representa para a investigação criminal, aplicação da lei penal ou garantia da ordem pública, conforme preceitua o Art. 282, I do CPP. A presente representação se faz necessária, em atendimento ao previsto no Art. 190- A,§3º do ECA, uma vez que não há outros meios em direito admitidos que possibilitem a produção de provas e busca de elementos de convicção, até pelo fato de que os membros são extremamente cuidadosos em suas interações virtuais. A tarefa do policial infiltrado será identificar os nomes ou apelidos das pessoas investigadas, em especial as pessoas com quem Juarez mantinha constante contato, quais sejam, Sugardaddy e Pacman e, sendo possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas A infiltração em comento não excederá o prazo de 90 (noventa) dias. Caso haja necessidade, as eventuais renovações serão precedidas de autorização de Vossa Excelência, observado o prazo máximo de 720 (setecentos e vinte) dias. Conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, antes da conclusão da operação, o acesso aos autos será reservado a Vossa Excelência, ao Órgão do Ministério Público e ao subscritor deste, com o objetivo de garantir o sigilo das investigações. Saliente-se que não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos nos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D desta Lei e nos arts. 154-A, 217-A, 218, 218- A e 218-B do Código Penal, mas ele responderá pelos excessos praticados caso deixe de observar a estrita finalidade da investigação. Comentáriosà peça prática – Delegado de Polícia Federal – 2021 Professora Fernanda Moretzsohn Do pedido Diante das razões de fato e de direito expostas, a Autoridade Policial ao final firmada requer o deferimento da infiltração do agente policial na rede Darknet, pelo prazo não superior a noventa dias, a contar da efetivação da medida. Com o deferimento do pedido, será necessária a requisição de serviço técnico junto às operadoras de telefonia para implementação das diligências. O subscritor deste dará ciência do teor das investigações ao órgão do Ministério Público, com atribuição para oficiar no feito por meio de relatórios parciais. Ao final da investigação, todos os atos eletrônicos praticados durante a operação serão registrados, gravados, armazenados e encaminhados para Vossa Excelência e ao Ministério Público, juntamente com relatório circunstanciado. Ainda sobre os atos eletrônicos, eles serão reunidos em autos apartados e apensados ao inquérito policial, assegurando-se a preservação da identidade do agente policial infiltrado e a intimidade das crianças e dos adolescentes envolvidos Desde já o subscritor deste representa ainda para que Vossa Excelência requisite, de maneira sigilosa, a inclusão no banco de dados do Instituto de Identificação, as informações necessárias à efetividade da identidade fictícia a ser criada para o agente policial. Data, local, ano. Delegado de Polícia Federal