2) Como é por demais sabido, diferentemente do que ocorre em outras Comarcas do País, no Rio de Janeiro há uma característica peculiar: cerca de 70% (setenta por cento) das apreensões de adolescentes infratores referem-se a tráfico de substâncias entorpecentes (art. 12 da Lei 6.368/76), aumentando ainda mais este percentual quando, independentemente do tipo de ato infracional perpetrado, a sua origem se dá não só por envolvimento, mas também o uso (art. 16 da Lei 6.368/76), de substâncias entorpecentes ou que causam dependência física ou psíquica; 3) No último dia 16 de março do corrente ano, entrou em circuito o filme “Traffic”, dirigido por Steven Soderbergh, recomendado nacionalmente pela Coordenadoria Geral de Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça para “maiores de 18 anos de idade”, impossibilitando dessa forma que os adolescentes habitantes desta Cidade do Rio de Janeiro possam, sozinhos, assistir à referida produção; 4) O filme em tela retrata o submundo do narcotráfico nos Estados Unidos e mostra uma realidade muito próxima do que ocorre no Rio de Janeiro, onde os adolescentes que são apreendidos e chegam à Justiça da Infância e da Juventude têm como motivo principal o envolvimento no mundo das drogas; 5) Em reportagem veiculada hoje pela Imprensa (em anexo), especialistas em drogas puderam emitir suas opiniões e parecem concordar com o Ministério Público quando priorizam a educação na difícil tarefa de combater o tráfigo de drogas. Segundo Maria Thereza de Aquino, Diretora do NEPAD, o filme “tem o mérito de tratar a questão sem preconceito ou falsos moralismos. Saídas ? Há, sim. Elas dependem de nós”. Para o Ex-Secretário Nacional Antidrogas Walter Maierovitch, “dá para assistir o filme com o olho no Brasil. Nós temos vizinhos produtores de cocaína, heroína e maconha. O consumo de drogas e toxicomania aumentam no nosso País. O filme espelha a realidade quando mostra que estamos perdendo a luta contra o narcotráfico. Evidentemente não devemos capitular. Nem desanimar ...” II – DO DIREITO: 6) A Lei Magna do País, em seu art. 220, proíbe toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, cabendo ao Poder Público informar indicativamente sobre as faixas etárias a que os espetáculos públicos não se recomendam. Aos pais, detentores do pátrio poder, compete a maneira de melhor educar seus filhos, cabendo ao Poder Público recomendar (Depto. De Classificação Indicativa) ou decidir (Poder Judiciário) acerca da entrada de crianças e/ou adolescentes sozinhos em casas de espetáculos ou diversões públicas; 7) Paralelamente, de acordo com o art. 149, I, “e” da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – compete ao Juiz da Infância e da Juventude da respectiva Comarca a autorização para a entrada de crianças e adolescentes em espetáculos públicos, devendo as medidas serem adotadas “caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral”; 8) Segundo a Lei Estatutária vigente que, excepcionalmente,confere atividade legislativa a autoridade judiciária local, que melhor conhece os interesses e as necessidades de seus jurisdicionados, em seu art. 153 preconiza que se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto no ECA ou em outra lei, “a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público”, a quem competirá a propositura de “todas as espécies de ações pertinentes” (art. 212), na defesa de interesse difuso; 9) Uma das metodologias mais indicadas para afastar alguém de um determinado mal é mostrar a sua realidade e as sérias conseqüências dele decorrentes. O filme em epígrafe revela a realidade nua e crua do submundo das drogas. A sua proibição pelo Poder Público sob o fundamento de que mostra o “consumo das drogas, violência e desvirtuamento de valores” precisa ser revista, pelo menos no Rio de Janeiro, ante as peculiaridades já mencionadas, até para que os adolescentes – pessoas em formação – possam saber que “um tapinha” pode doer e muito. De acordo com o educador Paulo Freire, “a realidade não pode ser modificada, se não quando o homem descobre que é modificável e que ele pode fazê-lo”. III – DO PEDIDO: EX POSITIS, pelas razões de fato e de direito anteriormente aduzidas, requer o Ministério Público, seja autorizada judicialmente, mediante Alvará, a entrada de adolescentes desacompanhados dos pais ou responsável, a partir de 16 anos, nos estúdios de exibição da Cidade do Rio de Janeiro, intimando-se a direção da Europa Filmes, Distribuidora do Filme “Traffic” e o Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, para a ciência e demais providências cabíveis. Outrossim, protestando pela produção de todos os meios de prova admitidos em direito, a fim de prestarem depoimento sobre o assunto, requer o Ministério Público sejam intimados os seguintes Especialistas: 1 – Dra. Maria Thereza de Aquino, Diretora do NEPAD – UERJ 2 – Dr. Walter Maierovitch – Juiz e Ex-Secretário Nacional Antidrogas do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Termos em que P.Deferimento Rio de Janeiro, 30 de março de 2001. MÁRCIO MOTHÉ FERNANDES Promotor de Justiça JUÍZO DA PRIMEIRA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PROCESSO Nº REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO VISTOS, ETC ... CONSIDERANDO que compete ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais, individuais, difusos ou coletivos referentes á infância e à adolescência, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis no interesse superior da criança; CONSIDERANDO que a autoridade judicial poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público, para resguardar as medidas de interesse da criança e ou adolescentes; CONSIDERANDO que as razões expendidas pelo ilustre representante do Ministério Público, em exercício no Juízo da 2ª. Vara da Infância e da Juventude, retratam a cruel realidade da Cidade do Rio de Janeiro, com excesso de crianças e adolescentes dependentes economicamente ou quimicamente do uso de substâncias que causam dependência física ou psíquica e/ou econômica, carecendo de uma ação equivalente à dimensão do problema de saúde pública individual e coletiva por parte das autoridades administrativas das três esferas de governo capaz de assegurar a proteção integral às infelizes vítimas da ação do narcotráfico; CONSIDERANDO o caráter didático e educativo do filme “TRAFFIC” cujo enredo mostra o problema envolvendo o submundo das drogas atingindo vítimas adolescentes, tratando da questão sem preconceito ou falsos moralismos, segundo pontual e respeitável especialista Profa. Maria Thereza de Aquino, ilustre Diretora do NEPAD, com excelentes serviços prestados à causa da infância e adolescência da área da dependência química; CONSIDERANDO as razoes do ilustre representante do Ministério Público atuando no interesse superior da criança e as peculiaridades do Município do Rio de Janeiro. DEFIRO o pedido do Ministério Público, com fundamento nos artigos 153 e 149, I, letra “e” do Estatuto da Criança e do Adolescente e o art. 220 da Constituição Federal, para autorizar, mediante alvará, a entrada e permanência de adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis, a partir de 16 anos, nos estúdios de exibição da Cidade do Rio de Janeiro. Recomendo, ainda, a exibição da película em todos os estabelecimentos