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Proteção Interdital e Propriedade posse e detenção

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Rio, 5 de março de 2012
Direito das Coisas
Continuação da aula passada: Os direitos reais de garantias são sempre acessórios a outro direito – geralmente o direito de crédito. Direitos reais sobre coisas alheias também serão estudados ao longo do nosso curso. Também estudaremos o direito real de aquisição, que é o direito pelo qual o credor (promitente comprador) tem o direito de exigir a compra de um imóvel mediante as condições originariamente pactuadas com o promitente vendedor – todo o fluxo de pagamento fica pactuado na promessa de compra e venda. Ele poderá exigir a escritura do imóvel independentemente do que o promitente vendedor tenha feito com o imóvel – o direito real se vincula ao imóvel.
Obrigações propter rem
 São as obrigações inerentes à propriedade da coisa. Se uma pessoa pactua com outra um contrato para cumprimento de uma obrigação específica, a tendência é que essa obrigação seja pessoal – assim, só poderá prejudicar o direito do credor o próprio devedor. O não pagamento de obrigações condominiais por parte de um condômino pode ensejar uma ação que terá por parte autora o condomínio. Se o condômino vende o apartamento, as dívidas condominiais serão originárias de uma obrigação propter rem – é uma obrigação inerente ao imóvel. Sendo assim, o comprador passar a ser responsável pelo pagamento das dívidas condominiais. O artigo 1.345 indica que o adquirente do imóvel responderá pelas dívidas do imóvel. O mesmo ocorre com as dívidas tributárias – a alienação do imóvel não afetará uma possível execução fiscal sobre o imóvel, porque o IPTU também é uma dívida propter rem.
Os direitos de vizinhança (artigo 1.277 e seguinte) também geram obrigações propter rem. Se uma casa tem uma foça descoberta, o que gera insatisfações na vizinhança, quem quer que seja o proprietário de tal imóvel será responsável por alterar essa situação. O mesmo ocorre com a música alta – quem quer que coloque música alta é responsável por alterar o volume da música para não prejudicar a vizinhança. Veremos outras obrigações propter rem ao longo do curso.
Propriedade, posse e detenção
A propriedade é o centro gravitacional dos direitos reais. Todos os direitos reais que serão estudados são necessariamente vinculados à propriedade. A doutrina identifica na propriedade dois elementos importantes – um elemento econômico e um elemento jurídico. O elemento econômico é o conjunto de poderes que o proprietário tem com relação àquela coisa como objeto da satisfação de seus interesses. Uso, fruição e disposição são três poderes que, quando congregados na mesma pessoa, a tornam proprietária, formando a senhoria. Para identificar um proprietário, devemos verificar a existência desses três poderes. Já o elemento jurídico é representado pelo poder do proprietário de afastar qualquer pretensão que outro possa ter sobre o objeto que está sob o seu poder – ele poderá, nos meios judiciários, salvaguardar-se das pretensões alheias. Ambos os elementos estão refletidos na definição contida no artigo 1.228 do Código Civil. 
Se a propriedade é algo tão relevante, como ela se exterioriza? Como ela se corporifica no contexto da vida social? Um aspecto que devemos ter em mente é que a propriedade se exterioriza quando alguém externa um dos três poderes que o artigo 1.228 indicou – por exemplo, por meio da posse. Se alguém usa um relógio, ele exterioriza a propriedade por meio da utilização do objeto: da posse. Quando alguém aluga um objeto, ele exterioriza a propriedade ainda que não a detenha – porque detém a posse. Até mesmo alguém que furtou um objeto exterioriza a propriedade de tal objeto. O artigo 6º do Código de Processo Civil, porém, indica que ninguém pode pleitear em nome próprio direito alheio – então um terceiro não poderia reivindicar do ladrão que ele devolvesse o objeto ao proprietário originário. Enfim, temos que muitas vezes a propriedade é exteriorizada, mas ela não ocorre de fato (como nos exemplos da locação e do furto). 
E todos os exemplos denotam uma situação interessante: a preocupação do ordenamento jurídico com a propriedade é tão grande que essa proteção surge até mesmo quando há apenas aparência de propriedade. Assim, qualquer um que tenha aparência de propriedade pode ir ao judiciário buscar proteção ao estado de fato que elas possuem sobre determinados objetos – até mesmo o locatário ou o furtador. Apenas por existir a aparência de propriedade já nos leva à proteção dessa aparência.
Temos duas situações fáticas distintas – a propriedade e a posse. A posse decorrente de um furto ou de uma locação gera uma situação de fato oponível a toda a sociedade, que deve respeitar a aparência de propriedade que aqueles indivíduos detêm. Além disso, a posse pode gerar, com o decurso do tempo, o estado de fato da propriedade, a partir da figura da usucapião. A figura do possuidor assegurou, no ordenamento jurídico, proteção àquele que detém apenas a posse, exteriorizando a propriedade. O possuidor poderá ir ao judiciário para reaver a posse perdida (entrará com uma ação de reintegração de posse). Se alguém furta um celular e, seis meses depois, tem seu celular furtado, ele pode pleitear reintegração da posse do celular a partir da constatação do estado de fato de possuidor que a pessoa tem sobre a coisa – mesmo que a posse tenha sido consequência de um ilícito civil e penal. Isso porque não interessa como se instalou o estado de fato, mas sim que ele existiu.
A posse, porém, é distinta da propriedade. Muitas vezes a posse anda junto com a propriedade (como quando o proprietário detém a posse), muitas vezes a posse anda sem a propriedade (como na locação) e muitas vezes a posse vai contra a propriedade (o que gera a usucapião). 
Não devemos encarar a usucapião como uma sanção a quem não reage à perda da posse – a ideia da usucapião é verificar que uma aparência de direito acaba por gerar um direito com o decurso do tempo. 
O legislador incorporou a noção de possuidor no Código Civil, conforme o artigo 1.196. Esse artigo é a chave do conceito de posse, e deve ser conjugado com o artigo 1.228, já que esse artigo trás os poderes inerentes à propriedade – se ocorrer uma situação fática em que alguém detém um dos poderes inerentes à propriedade, essa pessoa será, então, possuidora.
O recebimento de um valor pela outorga da posse temporária à um locatário é uma manifestação da fruição. Sendo assim, a posse física do objeto estará com o locatário, porém o locador estará com a fruição, um dos poderes da propriedade. Sendo assim, o locador, conforme artigo 1.197, será o possuidor indireto, enquanto o locatário será o possuidor direto. O possuidor indireto é assim tido porque, na situação fática, ele exterioriza um poder inerente ao do proprietário. Logo, a mesma coisa terá dois possuidores. O poder de uso será da locatária e o poder de fruição será do locador. Ambas essas posses coexistirão. Um locatário poderá mover reintegração de posse contra o proprietário, uma vez que ele detém a posse direta. A mesma ação pode ser movida pelo locatário contra um terceiro, e em todos os casos serão devidas, também, perdas e danos. Estando o contrato de locação em vigor, ele obsta o proprietário de invocar um direito superior ao do locatário – ambos detém a posse sobre o bem. O artigo 1.210 parágrafo 2º fala exatamente sobre essa situação. Em conclusão, a posse é um fenômeno jurídico muito relevante, de enorme importância – ela pode até mesmo se voltar contra a propriedade.
Nos direitos reais sobre coisa alheia, os três poderes do artigo 1.228 estão separados. No usufruto, o poder de uso e de fruição estão com uma pessoa e o poder de disposição está com outra. Em todos os direitos reais sobre coisa alheia, veremos essa separação dos poderes. 
Voltando ao assunto da posse, a posse não deve já ter sido retirada para que seja movida uma ação – basta existir uma ameaça à posse para que a pessoa possa exigir a devida proteção. Isso ocorre, por vezes, quando um condomínio modifica o regime de vagas de carros por apartamento, reduzindo o número de vagasque determinado proprietário detém na escritura. A turbação não é a comada da posse, como ocorre no esbulho - é o incomodo da posse. A ação de manutenção na posse evita a turbação, evitando que alguém incomoda o direito da posse de alguém. A posse pode sofrer, sendo assim, três moléstias: a ameaça, a turbação (o incomodo da posse) e o esbulho (a perda da posse efetiva).
No artigo 1.225, lido na última aula, temos os direitos reais previstos no ordenamento jurídico brasileiro – porém, a posse não está elencada. Ela está em um título separado dos direitos reais. Sendo assim, embora seja merecedora de proteção, a posse não é um direito real. Ela tem praticamente todos os atributos de um direito real – até mesmo a oponibilidade erga omnes. Porém, a doutrina indica que não se trata de um direito real. Existe uma discussão quanto a se a posse é um direito ou um fato. Segundo Ferro, é um fato do qual se extraem importantes consequências jurídicas. Como definição, posse é um estado de fato sobre a coisa.
Existe outra situação de fato sobre a coisa. Um caseiro que cuida de uma casa exterioriza um comportamento inerente ao proprietário. Porém, ele não é possuidor, por existir um contrato de trabalho que indica que o contato físico do caseiro com o imóvel decorre de uma ordem do empregador. Assim, o caseiro não exerce um estado de fato sobre a coisa em nome próprio, mas sim pela ordem de outro. Nesse caso, portanto, podemos dizer que o caseiro é detentor, o que é diferente de possuidor. Toda a teoria possessória foi criada para distinguir detenção de posse. O artigo 1.198 trás a definição de detentor – porém, essa definição não foi muito feliz, porque a situação de detenção não se esgota apenas nesse exemplo, como veremos futuramente. Temos que apenas o contato físico não denota posse, já que por vezes a pessoa está em contato com o objeto devido à ordem ou instrução do proprietário ou efetivo possuidor da coisa. 
Assim, se invadem a casa cuidada pelo caseiro, ele não entrará com uma ação de reintegração de posse – porque ele não tem legitimação ativa para requisitar um direito que, por essência, não é dele. Se o caseiro comete um ato de esbulho possessório contra o vizinho por ordem do proprietário, o réu da ação de reintegração será o proprietário e não o caseiro. Porém, caso o caseiro seja colocado como réu da ação, ele deverá nomear à autoria o efetivo proprietário do imóvel. O artigo 62 do Código Civil diz respeito a isso. 
Logo, propriedade, posse e detenção são institutos jurídicos distintos. 
Obs - Comprar: “Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados” – Piero Calamandrei.
Obs 2 – Na prova dele, sempre lembrar das perdas e danos devidas!
Detenção (continuação)
As noções de posse e de detenção faz com que tenhamos que fazer uma análise crítica da situação fática, já que visualmente o detentor pode ser confundido com aquele que detém a posse. Devemos verificar se o detentor da coisa está desempenhando seu papel a mando de alguém. O juiz deve exercer seu poder instrutório para verificar essa situação de fato.
O artigo 1.198 trás uma qualificação de detentor – ele estabelece que a relação do detentor é de vínculo de dependência para com outro. Na maior parte dos casos, serão casos de relação de vínculo empregatício. Existem casos em que a outra pessoa está apenas fazendo um favor (como, por exemplo, está levando a coisa de um lugar a outro como favor ao proprietário da coisa) – nesse caso, há dependência, mas não há vinculo de emprego. O mesmo ocorre no caso do mandatário – ele não tem vínculo de emprego, mas há relação de dependência. 
O artigo 1.208 indica que não induz em posse um mero ato de permissão ou tolerância. Irá induzir, somente, em detenção. Por exemplo, se um proprietário de um terreno deixa que outro passe por sua propriedade, isso não irá gerar a consequência jurídica de posse (e, consequentemente, não poderá gerar, com o decurso do tempo, a usucapião), mas sim de detenção. Porém, se a outra parte prova que não havia tolerância mas sim um ato possessório de sua parte, poderá sim ocorrer a consequência jurídica de posse – sendo assim, a situação deve ser averiguada em detalhes. Se for um caso de ação de usucapião, deve-se comprovar não apenas a posse, mas também o decurso do tempo. Para evitar ações como essas, o ideal é que seja feito um documento comprovando a tolerância, o que pode ser um mero bilhete. 
A diferença entre permissão e tolerância é que a permissão é um ato ativo, enquanto a tolerância é uma inação (falta de ação). Assim, o mais complicado é comprovar se a tolerância é de fato tolerância ou mera negligência que possibilitou a posse. 
A segunda parte do artigo 1.208 tem grande relevância para o conceito de detenção. Teremos essa discussão mais a fundo nas próximas aulas. Se, mediante um ato de violência, invade-se a casa de alguém, e esse ato de violência perdura no imóvel durante o decurso do tempo, o proprietário originário poderá perder a posse? Em quanto tempo? O proprietário poderá tentar reaver a posse por seus próprios meios (artigo 1.210 – trata-se do desforço possessório) e também poderá buscar reaver a posse judicialmente. O período entre a violência e o conhecimento por parte do proprietário do ato de violência constituirá detenção. Apenas após a ciência do proprietário trata-se de posse. Logo, o prazo para a usucapião começa a ser contado com o conhecimento por parte do proprietário (antes disso, existe detenção e não posse). A usucapião pode ser adquirida em prazos diferentes, dependendo do caso. 
A detenção citada no artigo 1.208 gera dependência? Não, e é justamente por isso que a definição presente no artigo 1.198 é tida como insuficiente. A definição do artigo 1.198 se prende a uma situação fática específica, e não abarca, por exemplo, o caso do artigo 1.208. A definição do Código Português, sendo assim, é muito mais feliz: trata-se de detenção os casos em que alguém detém a posse em nome de outrem. Atenção: se perguntarem, por exemplo, se um empregado pode vir a, um dia, usucapir, a resposta nunca pode ser um não definitivo. Deve-se buscar a realidade da situação concreta. Veremos alguns casos interessantes sobre isso em alguns acórdãos que serão lidos mais à frente.
Para finalizar o conceito de detenção, Arruda Alvim indica que a detenção é desinteressada e dependente. Trata-se de detenção dependente porque o detentor segue as ordens do proprietário ou possuidor. E é uma detenção desinteressada porque não há interesse por parte do detentor de adquirir direitos sobre a coisa. No artigo 1.208, segunda parte, como exceção, ocorre uma detenção que surge com uma situação ilícita e, apenas nesse caso, a detenção é interessada (visa obter a propriedade da coisa) e independente (aquele que pratica o ato ilícito agirá consoante o seu arbítrio).
Assim, em conclusão, a detenção pode ocorrer em caso de vínculo de emprego, mandato, simples favor, tolerância ou ato ilícito. 
Ler: Arruda Alvim – Notas da distinção de posse e detenção.
Efeitos jurídicos da posse
São efeitos jurídicos da posse: 
A Proteção Interdital – trata-se do direito que a parte tem de solicitar ao juiz a proteção contra um interdito possessório – são interditos possessórios todas as ações que visam proteger a posse. São exemplos de interditos possessórios a ação de interdito proibitório (para o caso de ameaça da posse), a manutenção da posse (para o caso de turbação) e a reintegração de posse (para o caso de esbulho);
A usucapião – possibilidade da posse se torna propriedade com o decurso do tempo;
A indenização por frutos e benfeitorias;
O desforço possessório – possibilidade que tem o possuidor de proteger sua posse com atos próprios; e
O direito de ser indenizado pelos prejuízos sofridos - esse efeito não é reconhecido, por muitos doutrinadores, como um efeito concreto. Ou seja, além dos meios de proteção interdital, teria-se também o direito de serem pagas perdas e danos devido ao advento de interditos possessórios.
Proteção Interdital
Na prática, existem dois tipos de situação: a situaçãoem que uma pessoa detém a posse e a situação em que uma pessoa não tem a posse, mas possui direito a ela. Isso é importante porque ações distintas serão cabíveis em cada caso. 
As moléstias da ameaça, da turbação e do esbulho, caso a pessoa possua a posse, geram o direito de requerer a proteção interdital. Assim, a primeira coisa que deve ser comprovada é a posse – já que a própria existência da ameaça, turbação e esbulho dependem disso. Logo, os interditos são consequências da posse. 
Existem, porém, casos distintos. Existe, por exemplo, o caso de que uma pessoa paga uma casa em diversas parcelas, porém, ao pagar a integralidade do preço, o proprietário originário da casa não transfere a posse do imóvel (apesar de ser de fato o novo proprietário na escritura, o proprietário originário não sai do imóvel). Nesse caso, deve-se entrar com uma ação possessória? Não, já que a pessoa nunca deteve a posse e não poderá, portanto, comprovar a posse. Essa situação é distinta – é a situação da pessoa que tem direito à posse, porém não detém a posse. Sendo assim, a ação cabível será a imissão na posse – que não é uma ação possessória, é uma ação para adquirir a posse que nunca se teve. A ação é pautada no contrato que dá direito a se ter essa posse que nunca se teve.

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