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Memórias e Afetos na Formação de Professores

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1 
 
 
 
 
CADERNOS DA 
ESPECIALIZAÇÃO 
PROEJA / RS 
Volume I 
 
 2 
 
 
 
 
 
MEMÓRIAS E AFETOS 
NA FORMAÇÃO DE 
PROFESSORES 
 
 
 
Organizadores: 
Rafael Arenhaldt 
Tania Beatriz Iwaszko Marques 
 3 
 
SUMÁRIO 
APRESENTAÇÃO 
Simone Valdete dos Santos e Tania Beatriz Iwaszko Marques 
 
PRIMEIRA PÁGINA... O QUE VOCÊ ENCONTRA NESTE LIVRO? 
Rafael Arenhaldt e Tania Beatriz Iwaszko Marques 
 
ESCRITAS DE MEMORIAIS: UM DISPOSITIVO PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 
Rafael Arenhaldt e Tania Beatriz Iwaszko Marques 
 
MEMÓRIAS E SAUDADES 
Simone Valdete dos Santos 
 
PAULO FREIRE: MEMÓRIAS E AFETOS! 
Nilton Bueno Fischer 
 
OS PROFESSORES A(U)TORES: SUAS VOZES E SUAS PALAVRAS, SUAS HISTÓRIAS E 
SUAS VIDAS 
 
Trilha da vida - Memorial de Felipe Ribascik 
Escrever para escrever-se - Memorial de Evelise Neumann Passos 
Mosaico de Com-vivências Educacionais - Memorial de Ceres Labrea Ferreira 
Memorial de Ceres Labrea Ferreira 
Memorial de Jorge Fortuna Rial 
Memorial de Carla Odete Balestro Silva 
Memorial de Lorita Aparecida Veloso Galle 
Memorial de Ricardo Pampim dos Santos 
Memorial de Jeane Rodrigues Nunes 
Encaixando as peças de um quebra-cabeças - Memorial de Elizabet Petersen 
Trajetória de uma professora: seus saberes, valores e amores - Memorial de 
Josiane Coelho dos Passos 
Cartas para Maria Antônia - Memorial de Maria do Carmo Canani 
Memorial de Cristina Luisa Conceição de Oliveira 
“Kỹ tóg ge ja nỹg, hamẽ!” - Memorial de Márcia Nascimento 
A Trilha da Minha Formação - Memorial de Andila Nivygsãnh 
 
 4 
MATRICIAMENTOS E MODELOS DA/NA DOCÊNCIA: A ESCRITA DE SI NOS 
MEMORIAIS FORMATIVOS DA ESPECIALIZAÇÃO PROEJA 
Ana Paula Dal Forno Dal Osto Baier e Rafael Arenhaldt 
 
MEMÓRIAS E IDENTIDADES 
Simone Valdete dos Santos 
 
OS MEMORIAIS COMO PROPOSTA DE IN(TER)VENÇÃO PEDAGÓGICA 
Rafael Arenhaldt 
 5 
 
APRESENTAÇÃO 
Simone Valdete dos Santos1 
 Tania Beatriz Iwaszko Marques2 
 
Os cinco cadernos que compõe esta coleção dão visibilidade à produção 
científica da Especialização PROEJA do Rio Grande do Sul, especialmente de sua 
segunda edição ocorrida nos anos de 2007 a 2009 em quatro cidades do Estado, 
sendo duas turmas de alunos em Porto Alegre, duas turmas em São Vicente do Sul, 
duas turmas em Santa Maria e uma turma em Bento Gonçalves. 
Cada turma iniciou com 50 alunos, sendo constituída por professores e 
técnico-administrativos das redes públicas federal, estadual e municipal, dos quais 
256 concluíram, apresentando seus trabalhos de conclusão de curso em sessão 
pública, em presença do professor orientador ou da professora orientadora, de outros 
professores e de colegas do curso. 
A execução da especialização pressupõe o ideal de execução do PROEJA médio 
e fundamental, sendo este ideal em rede, de forma articulada, pois planejar Educação 
Profissional de forma integrada à Educação de Jovens e Adultos em um país como o 
nosso, com uma dívida social histórica de cerca de 10% de analfabetos absolutos, com 
a herança do trabalho escravo, é um desafio que remonta esforço do sistema público 
de educação como um todo. Neste sentido, a Universidade Federal do Rio Grande do 
Sul, diante do seu papel de instituição formadora, promove o curso, sob a 
coordenação geral das professoras Simone Valdete dos Santos e Tania Beatriz 
Iwaszko Marques, junto do então Centro Federal de Educação Profissional 
Tecnológica de Bento Gonçalves, hoje campus do Instituto Federal do Rio Grande do 
 
1 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora Geral da Especialização PROEJA/RS. Professora da 
Faculdade de Educação da UFRGS. Professora e Orientadora do PROEJA. E-mail: 
simonevaldete@gmail.com 
2 Doutora em Educação pela UFRGS. Coordenadora da Especialização PROEJA Porto Alegre/RS. Professora 
da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora e Orientadora do PROEJA. E-mail: 
taniabimarques@bol.com.br 
 
mailto:simonevaldete@gmail.com
mailto:taniabimarques@bol.com.br
 6 
Sul, na turma de Bento Gonçalves sob a coordenação local da professora Fernanda 
Zorzi; junto ao Centro Federal de São Vicente do Sul, atual campus do Instituto 
Federal Farroupilha sob a coordenação local do professor Adriano Saquet; e do 
Colégio Técnico Industrial de Santa Maria vinculado à Universidade Federal de Santa 
Maria sob a coordenação local da professora Juraci Diniz. 
Esta especialização, acontecendo de forma integrada com docentes da UFRGS e 
destas instituições nos encargos de coordenação, docência e orientação, possibilitou 
um olhar reflexivo para dentro das turmas de PROEJA médio das instituições, pois 
nos CEFETs, agora IFs, existem turmas de PROEJA, bem como para dentro da 
universidade na articulação do grupo de pesquisa CAPES / PROEJA, o qual atendendo 
um edital da CAPES tem a UFRGS como instituição líder, junto a UNISINOS e a UFPEL 
e professores pesquisadores dos atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e 
Tecnologia do Rio Grande do Sul: Instituto Federal Rio Grande do Sul, Instituto 
Federal Farroupilha e Instituto Federal Sul Rio-Grandense. 
O trabalho articulado da especialização reverbera em convênios entre as 
instituições, a conclusão de mestrados e doutorados junto aos Programas de Pós-
Graduação integrantes do CAPES/PROEJA, tendo o PROEJA na centralidade da 
produção científica, nas inúmeras turmas do PROEJA FIC (Formação Inicial e 
Continuada) do Rio Grande do Sul, promovidas pelas instituições federais parceiras 
da especialização, especialmente Bento Gonçalves (parceira desde a primeira edição 
da especialização), São Vicente do Sul (parceira na segunda edição), Júlio de Castilhos 
e Alegrete (parceiras da terceira edição, a qual está em curso). 
Os cursos de formação continuada do PROEJA, ocorridos em caráter de 
extensão, junto ao então CEFET de Bento Gonçalves, o qual teve turmas em Bento 
Gonçalves e na Escola Técnica Estadual Parobé em Porto Alegre; em São Vicente do 
Sul; duas turmas de Alegrete e uma turma da então Escola Técnica da UFRGS, atual 
campus Porto Alegre do Instituto Federal Rio Grande do Sul, também tiveram 
interface com a especialização, seja na sua concepção, seja através dos professores 
envolvidos. 
Tal esforço em formação de professores e técnico-administrativos para atuar 
no PROEJA não tem sido em vão, o convênio da SETEC / MEC com o governo do 
Estado “Brasil Profissionalizado” prevê turmas do PROEJA médio na rede estadual e 
 7 
os convênios dos Institutos Federais junto a diversas prefeituras do Rio Grande do Sul 
vislumbram turmas de PROEJA fundamental, bem como o envolvimento de 
professoras/educadoras kaingang desde a segunda edição da especialização e de 
integrantes do sistema prisional na reflexão de um PROEJA para pessoas privadas de 
liberdade, em conflito com a lei, vislumbrando um PROEJA “à margem”. 
Os artigos da coleção aqui apresentados passaram por um processo de seleção 
que envolveu aspectos como a originalidade, a aplicabilidade em termos de 
possibilidade de inovação, a relevância temática, social e teórica. Posteriormente os 
artigos foram organizados em cinco volumes, contribuindo para o entendimento 
deste novo campo epistemológico que é o PROEJA. 
O primeiro volume “Memoriais Formativos de Professores”, organizado por 
Rafael Arenhaldt e Tania Beatriz Iwaszko Marques, dá visibilidade à produção 
curricular da especialização. Estes trabalhos têm sido feitos em todas as edições do 
curso, proporcionando, desde o primeiro módulo da especialização, “um olhar para 
dentro de si, um olhar sobre si” dos professores e técnico-administrativos. Os textos 
selecionados pertencem à primeira e à segunda edição do curso, sendo possível 
entender um pouco sobre quem é este que constitui ou que vai constituir o PROEJA. 
Além dos treze memoriais de alunos, o caderno apresenta um texto inédito do 
professor Dr. Nilton Bueno Fischer, orientador de trabalhos de conclusão de curso e 
colaboradorda especialização, com as reflexões sobre e desde as classes populares, e 
da professora Simone Valdete dos Santos, que contextualiza o espaço da memória na 
formação dos professores. 
Os demais volumes da coleção apresentam artigos escritos pelos alunos em 
colaboração com seus orientadores de Trabalhos de Conclusão. O volume II, 
organizado por Juçara Benvenuti, Rafael Arenhaldt, Tania Beatriz Iwaszko Marques e 
Simone Valdete dos Santos, traz quinze trabalhos das turmas de Porto Alegre; o 
Volume III, organizado por Tania Beatriz Iwaszko Marques, Rafael Arenhaldt, Simone 
Valdete dos Santos, Sita Mara Lopes Sant´Anna, Pedro Chaves da Rocha, Carina Fior 
Postingher Balzan, Daniela Brun Menegotto, Fernanda Zorzi, Adriana Zamberlan e 
Viviane Campanhola Bortoluzzi apresenta oito trabalhos de Conclusão de Curso das 
turmas de São Vicente do Sul, sete trabalhos da turma de Bento Gonçalves e seis 
trabalhos das turmas de Santa Maria. 
 8 
O PROEJA à Margem, constante no volume IV, organizado pela professora 
Carmem Craidy apresenta quatro trabalhos relacionados ao Sistema Prisional, com 
pessoas privadas ou não de liberdade, e experiências educativas com pessoas 
dependentes químicas. 
E, finalmente, o volume V, organizado pela professora Maria Aparecida 
Bergamaschi e pelo professor Rodrigo Allegretti Venzon, traz os trabalhos de 
conclusão de curso de nossas alunas/professoras/educadoras kaingang. Esse volume 
contribui na perspectiva de concretização do PROEJA Kaingang no Rio Grande do Sul, 
visando subsidiar a implementação da Educação Básica específica e diferenciada, via 
profissionalização em nível médio de jovens e adultos kaingang com ênfase em 
educação, saúde e sustentabilidade econômica/ambiental. O volume é concebido 
tendo uma tiragem maior, para distribuição junto às escolas kaingang nas regiões Sul 
e Sudeste do Brasil. O objetivo da publicação bilíngue, em kaingang e português, desse 
material reflexivo é contribuir com o registro escrito da construção de uma pedagogia 
escolar kaingang, que vem sendo formulada há quatro décadas por educadores desse 
povo indígena, servindo como subsídio didático para a formação dos docentes 
indígenas e, também, como valorização dos saberes educativos ensinados por 
lideranças tradicionais kaingang ao seu povo por incontáveis gerações. 
A revisão e formatação dos originais dos volumes I, II, III, e IV foram realizadas 
por Juçara Benvenuti, professora do Colégio de Aplicação/UFRGS e do Curso de 
Especialização PROEJA. Quanto ao volume V, para preservar as características da 
escrita kaingang, foi feito apenas o trabalho de formatação. 
O projeto gráfico, revisão final e execução da coleção, conta com a 
Universidade Federal de Pelotas, sob a coordenação do professor Mauro Augusto 
Burkert Del Pino, professor da Especialização desde sua primeira edição e integrante 
do grupo de pesquisa CAPES/PROEJA. 
 Esta coleção é um esforço coletivo de profissionais da Universidade Federal do 
Rio Grande do Sul, dos Institutos Federais Rio Grande do Sul, Farroupilha e Sul Rio-
Grandense que acreditam no PROEJA como política pública de inclusão, 
materializando o trabalho daqueles que estão e daqueles que neste momento nos 
iluminam em outra materialidade como os queridos Nilton Bueno Fischer, nosso 
 9 
professor do curso e nossa querida Mary Ignez Pires, como carinhosamente a 
chamávamos nossa “supersecretária acadêmica”. 
A coordenação deseja uma boa leitura e espera que seja esta mais uma 
ferramenta teórica para compreensão e permanência das pessoas das classes 
populares nas escolas públicas e estatais do Brasil. 
 10 
 
 
PREFÁCIO 
Rafael Arenhaldt1 
Tania Beatriz Iwaszko Marques2 
 
Nesta obra que organizamos e ora apresentamos, procuramos dar visibilidade 
às histórias de vida de docentes em processo de formação contínua. Esta obra é, 
portanto, fruto e resultado de um esforço coletivo de vários educadores e estudantes-
educadores que se aventuraram a narrar e a refletir sobre sua trajetória de vida, 
docente e profissional, em um programa de formação de professores. 
Assim, oferecemos aos leitores o texto intitulado Escrita de Memoriais: Um 
dispositivo para a formação de professores, escrito pelos organizadores deste livro, 
Professores Rafael Arenhaldt e Tania Beatriz Iwaszko Marques. Apresentamos a 
seguir, um breve texto escrito pela Coordenadora Geral da Especialização PROEJA, 
Professora Simone Valdete dos Santos, recheado de lembranças e afetos, que 
apresenta o artigo Paulo Freire: Memórias e Afetos! Escrito pelo querido Professor 
Nilton Bueno Fischer. E é em sua homenagem, memória e inspiração que oferecemos 
o título geral desta obra: Memórias e afetos na formação de professores. 
Na sequência, estão treze memoriais formativos, escritos por educadores que 
atuam na Educação de Jovens e Adultos e/ou na Educação Profissional, do Curso de 
Especialização PROEJA3. 
Concluímos o livro com dois artigos inéditos: o primeiro intitulado 
Matriciamentos e Modelos da/na Docência: A Escrita de si nos Memoriais Formativos da 
 
1 Doutorando da Faculdade de Educação da UFRGS. Professor da Especialização PROEJA. E-mail: 
rafael.arenhardt@ufrgs.br 
2 Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora da Especialização 
PROEJA. E-mail: taniabimarques@bol.com.br 
3 PROEJA: Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na 
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 
javascript:void(0);
 11 
Especialização PROEJA de autoria de Ana Paula Dal Forno Dal Osto Baier, sob 
orientação do Professor Rafael Arenhaldt; o segundo intitulado Memórias e 
Identidades da Professora Simone Valdete dos Santos. Além disso, incluimos o texto 
referencial utilizado para orientar a elaboração da escrita dos memoriais formativos 
no Curso de Especialização do PROEJA, Os Memoriais como Proposta de In(Ter)Venção 
Pedagógica, elaborado pelo professor Rafael Arenhaldt, o qual também pode servir 
de referencial para outros cursos e atividades de formação contínua de professores. 
 12 
 
ESCRITAS DE MEMORIAIS: 
UM DISPOSITIVO PARA A 
FORMAÇÃO DE PROFESSORES 
Rafael Arenhaldt1 
Tania Beatriz Iwaszko Marques2 
 
No Curso de Especialização PROEJA-RS, o Memorial Formativo se configurou 
como o Trabalho Integrador do Primeiro Módulo do Curso, prevendo “um 
aprofundamento sobre os significados do ser professor [...], sustentada e embasada na 
significação da experiência docente a partir da escrita de si” (Franzói; Arenhaldt; 
Santos, 2007, p. 23). Desde sua Primeira Edição, em 2006, até a atual (Terceira 
Edição) todos os educadores em formação escreveram seus Memoriais Formativos3 
como requisito avaliativo e reflexivo das disciplinas que compunham o Primeiro 
Módulo do Curso. Nas quatro turmas4 da Especialização de Porto Alegre foram lidos e 
avaliados 177 Memoriais Formativos pelos professores do Primeiro Módulo do Curso. 
É importante destacar que, mesmo considerando que a experiência curricular de 
utilização dos Memoriais como recurso didático em todas as edições e turmas do 
 
1 Doutorando da Faculdade de Educação da UFRGS. Professor da Especialização PROEJA. E-mail: 
rafael.arenhardt@ufrgs.br 
2 Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. Professora da Especialização 
PROEJA. E-mail: taniabimarques@bol.com.br 
3 Referenciamos aqui o Blog: http://memorialformativo.blogspot.com que foi desenvolvido no sentido de 
orientar os cursistas no processo de escrita dos memoriais, bem como da configuração de um espaço de 
publicização das histórias e trajetórias escritas de docentes. 
4 Em Porto Alegre, tivemos na Primeira Edição do Curso de Especialização PROEJA (2006-2007) uma turma 
com 41 concluintes; na Segunda Edição (2008-2009), duas turmas, totalizando 86 concluintes e, naTerceira 
Edição (2009-2010), 50 educadores. 
javascript:void(0);
http://memorialformativo.blogspot.com/
 13 
Curso de Especialização PROEJA/RS, os treze Memoriais disponibilizados neste livro 
fazem parte apenas da Primeira e Segunda Edição das Turmas de Porto Alegre5. 
Mas por que, afinal de contas, utilizar os memoriais como um recurso na 
formação contínua de professores, neste caso num Curso de Especialização para 
professores? Partimos do pressuposto que o docente “ao narrar, oralmente ou por 
escrito, suas experiências profissionais, modifica as representações de si e de sua 
prática pedagógica” (Passeggi et al, 2006, p. 257). Assim, se afirmarmos, como diz 
Freire, que é importante conhecer e compreender as histórias de nossos estudantes, 
por que não conhecer e compreender as histórias de educadores que estão na 
condição de estudantes? Compreendemos, como afirma Cunha (1997), que “não basta 
dizer que o professor tem de ensinar partindo das experiências do aluno se os 
programas que pensam sua formação não os colocarem, também, como sujeitos de 
sua própria história”. Ao considerar este pressuposto, ressaltamos a necessidade de 
refletir sobre a nossa condição de educadores, de refletir sobre a nossa prática 
pedagógica em desenvolvimento como condição para o seu respectivo 
aprimoramento e qualificação. Em outras palavras, perguntamos se a formação 
docente, seja ela inicial ou continuada, não se realiza de forma mais efetiva através do 
conhecimento de si mesmo ou pela reflexão da prática pedagógica, na qual se 
encontra imerso do que pelo conhecimento da disciplina que leciona ou do saber 
pedagógico externo à sua experiência de vida. Ao considerar este pressuposto, 
questionamos os modelos de formação contínua que não consideram as trajetórias 
dos professores em processo de formação. 
Num curso de formação docente em exercício e em programas de formação 
contínua, “fica potencializada a proposta de narrar por escrito as experiências e as 
reflexões, pois esses são contextos privilegiados de articulação teoria-prática e de 
produção de conhecimento pedagógico” (Prado; Soligo, s/d, p.7). 
A escrita de memoriais em percursos formativos permite para aquele que 
escreve sobre si, ou para aquele que lê a história de outro, compreender os sentidos 
de estar na docência, de ser professor. A escrita de memoriais se constitui em um 
 
5 No Rio Grande do Sul a Especialização PROEJA aconteceu em parceria com os IFETs Campus de Bento 
Gonçalves (Primeira, Segunda e Terceira Edições), Pelotas (Primeira Edição), Alegrete (Terceira Edição), 
São Vicente do Sul (Segunda Edição), Júlio de Castilhos (Terceira Edição) e com o Colégio Técnico 
Industrial da UFSM (Segunda Edição). Contabiliza no total 14 turmas da Especialização PROEJA no RS em 
suas três edições. 
 14 
dispositivo valioso no sentido de entender como aprendemos a ser professor e a viver 
a escola. É plausível dizer que nos reconhecemos nas histórias dos outros, nos 
formamos e nos constituímos ao ler o outro. 
Narrar [...] pressupõe o outro. Ser contada ou ser lida: é esse o 
destino de toda história. [...] as histórias que lemos e ouvimos nos 
remetem sempre às nossas próprias histórias e às nossas 
experiências pessoais; [...] que relacionamos de alguma forma as 
histórias que ouvimos e lemos com a nossa própria vida; que as 
histórias dialogam umas com as outras, se inter-relacionam. [...] que o 
ato de contar uma história faz com que ela seja preservada do 
esquecimento, criando-se a possibilidade de ser contada novamente 
e de outras maneiras; que o sentido das histórias só se constrói no 
olhar do outro, na relação com outras histórias (Prado; Soligo, s/d, p. 
3-4). 
Assim sendo, a escrita autobiográfica não produz somente um efeito sobre si 
mesmo naquele que escreve. Produz um efeito também naquele que lê, naquele que 
reflete sobre a trajetória do outro e, neste caso, naquele que está no lugar de “avaliar” 
um texto como um memorial. Que efeitos, que significados produzimos ao ler as 
histórias dos professores em formação? Com que concepção de avaliação, analisamos, 
lemos e “avaliamos” os registros escritos dos memoriais destes professores em 
situação de formação? Importa aqui perguntar também quais os significados da 
experiência dos professores que leram os memoriais dos estudantes. 
A análise dessas diferentes narrativas é também a análise de nossas 
próprias representações sobre princípios fundadores da docência e 
da formação do formador. Esses registros refletem nossa intenção de 
valorizar a dimensão histórica da pessoa do professor-formador-
narrador, propiciar ocasiões para a ressignificação de sua (nossa) 
aprendizagem e, se possível, a reconfiguração de si como pessoa e 
profissional docente (Passeggi et al., 2006, p. 258-9). 
Ao ler os memoriais formativos, importa perguntar: quem são os outros que 
habitam, que se manifestam na narrativa docente? Quais são os matriciamentos6, os 
modelos que faz a docência que se narra? Evidenciamos na escrita dos memoriais a 
forte presença da família, de pais educadores, dos professores modelos ou anti-
 
6 Os "matriciamentos" são aqui compreendidos, conforme Peres (2002), na perspectiva de se refletir sobre a 
apropriação das imagens como 'matrizes' detonadoras de um inventário sobre o que é, neste caso, a 
docência, bem como dos atravessamentos e dos saberes que matriciou e constituiu a docência na pessoa. 
Ainda para ilustrar tal perspectiva, destaca-se "a importância de resgatar as imagens [da docência], re-
apresentadas hoje em forma de narrativa, como períodos e conteúdos matriciadores e potencializadores da 
[...] profissão docente." (Peres, 2002, p. 157). 
 
 15 
modelos, e de tantas vidas referenciais que dão forma a um modo de ser pessoa, de 
ser docente. Importa reconhecer os matriciamentos de professores que invadem, 
atravessam e afetam os modos que constituímos nossa docência. De refletir sobre 
quem são estes outros que me fazem ser o professor que sou. E do porque me fiz 
professor deste modo, deste jeito. 
Nos memoriais formativos evidenciamos a presença e as marcas dos docentes 
com os quais os narradores se identificam e se apoiam para dar aula, trazendo 
sempre exemplos de professores com os quais se identificavam quando alunos. A 
presença e a lembrança de experiências boas ou ruins tornam-se significativas no que 
tange à forma, ao jeito de ser docente na escola, ou seja, os modelos e os 
"matriciamentos", enquanto eram alunos, são fundamentais para construir uma 
imagem de ser professor. São os exemplos dos seus professores que desencadeiam 
um cenário de significações do que é ser um docente. 
[...] as imagens dos(as) professores(as) serviram de referência para 
balizar a sua prática pedagógica na atualidade: fosse com relação ao 
modelo, muitas vezes idealizado, de professor(a), fosse por um 
'antimodelo', não menos modelo do que o primeiro, de um(a) 
professor(a) cuja prática não serviria de exemplo (Pinto, 2000, p. 
229). 
Em outras palavras, postulamos que o jeito como os professores refletem 
sobre a prática pedagógica é, em parte, caracterizado por experiências anteriores, isto 
é, os estudos sobre trajetórias docentes demonstram que os processos de 
identificação docente se configuram fundamentalmente a partir das experiências 
prévias de vida relacionadas ao ensino, e não nos programas de formação (Arenhaldt, 
2005). 
Nesta mesma perspectiva, Nóvoa ressalta: 
No processo de sua entrada na profissão, os docentes [...] utilizam 
frequentemente referências adquiridas no momento em que eram 
alunos: num certo sentido, pode-se dizer que o crucial da 
profissionalização do professor não ocorre no treinamento formal, 
mas em serviço (1991, p. 91). 
De certa forma, percebemos que o “afirmar-se docente” se materializa na 
escrita dos memoriais, na assunção da palavra,na autoria de um texto que é a 
trajetória de vida e nela a afirmação de uma profissão: a docência na pessoa. Um 
 16 
saber que se gesta e ganha forma no compartilhar com o outro a sua narrativa escrita: 
o memorial formativo. 
O exercício da escrita favorece a compreensão das relações com o 
outro e com a própria profissão. Aprender a transformar a vida em 
palavras é aprender a conjugar o real e o imaginário, o passado e 
projetos futuros e, sobretudo, ‘abrir uma janela’ para clarificar a 
permanência na profissão (Passeggi et al, 2006, p. 265). 
Simbolizar a vida em letras, em palavras, em frases, através de uma narrativa 
de si, não é tarefa simples. Dar forma escrita à trajetória em um memorial é um 
exercício recheado de “perigos” e “potencialidades”. Se, por um lado, pode revelar 
algumas contradições entre o viver e o dizer, também pode silenciá-las. Assim como 
pode expor conflitos existenciais, pode também ocultar tantos outros. O narrador se 
vê forçado e cerceado a resolver a intriga de sua vida, estabelecendo uma coerência 
entre a narrativa escrita e a experiência de vida propriamente dita. O narrador se vê 
tensionado a justificar antigas decisões pessoais, a encontrar sentido e razões para as 
escolhas de vida. Potencialmente, por outro lado, simbolizar a vida na forma de texto 
é um exercício de criação, de invenção e reinvenção, que oferece as bases para a 
sustentação da vida no modo pelo qual decidimos existir. Um exercício de auto-
conhecimento, de auto-produção da vida, do descobrir-se na condição de pessoa-
docente, sendo este um processo que está na gênese da própria transformação da 
docência para um outro modo de se ver professor, afirmar-se docente e reinventador 
da escola e de suas relações pedagógicas. 
Em outras palavras, ressaltamos a potência deste gênero de escrita 
autobiográfica, que se encontra na fronteira do literário, do inventivo, do artístico, do 
autoformativo e do reflexivo7. Um gênero, como afirma Passeggi, em que se 
entretecem, num mesmo movimento, os processos de autoria e (re)construção da 
identidade, ou seja, num gênero em que o “narrador coincide, enquanto escreve, com o 
autor empírico do texto” (2000). 
Ser autor é dizer a sua própria palavra, compreender o seu mundo, fazer e 
escrever sua própria história. Trata-se de um movimento que produz um 
 
7 Sobre esta perspectiva, de compreender as histórias dos professores como potencializadores de processos de 
formação e autoformação, ver os estudos de Oliveira (1998; 2002). Trata-se da "instalação de uma outra 
cultura na formação de professores. A cultura do professor reflexivo" (1998, p.10). 
 
 17 
conhecimento alicerçado na vida, na experiência, que é em si singular, mas produzido 
na relação com o outro, com o mundo, neste caso com a educação, a escola e a 
constituição da docência na pessoa. Escrever um memorial é mostrar-se, publicizar-
se, é assumir-se autor de si. Escrever um memorial é permitir-se reconhecer e 
transformar o modo como nos fizemos ser o professor que somos. Escrever um 
memorial é ressentir os afetos, sentidos e significados de ser e estar docente. Escrever 
um memorial é, como bem diz Guedes-Pinto, possibilitar “divisarmos outros finais 
para a história que está em pleno transcurso... (s/d, p. 3)”. Escrever um memorial é um 
movimento de incitar a recriar e reinventar a si mesmo permanentemente. 
 
Referências: 
ARENHALDT, Rafael. Das docências narradas e cruzadas, das sur-presas e trajetórias 
reveladas. Os fluxos de vida, os processos de identificação e as éticas na escola de 
educação profissional. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS / PPGEDU, 2005. 
Orientadora: Dra. Malvina do Amaral Dorneles. 
CUNHA, M. I.. Conta-me agora!: As narrativas como alternativas pedagógicas na 
pesquisa e no ensino. Rev. Fac. Educ. [online]. Jan./Dez. 1997, vol.23, no.1-2. 
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25551997000100010&lng=pt&nrm=iso> Acesso em 15/02/10. 
FRANZÓI, N. L.; ARENHALDT, R.; SANTOS, S. V.. Acontecendo o currículo da 
Especialização/PROEJA/RS: Diálogos de formação de nós para nós mesmos. In.: 
SANTOS, S. V. et al. Reflexões sobre a prática e a teoria em PROEJA: Produções da 
Especialização PROEJA/RS. Porto Alegre: Evangraf Ltda., 2007. 
GUEDES-PINTO, Ana Lúcia. Memorial de Formação – Registro de um Percurso. 
Campinas, s/d. Disponível em: <http://www.fe.unicamp.br/ensino/graduacao/ 
downloads/proesf-AnaGuedes.pdf>. Acesso em: 15/02/10. 
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docente. In: Teoria e educação. Porto Alegre N. 4 (1991), p. 109-139. 
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In: História da Educação. ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (12): 105-118, Setembro, 2002. 
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identitária. III Conferência de Pesquisa Sócio-Cultural. Campinas, SP, 2000. Disponível 
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 18 
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OLIVEIRA, V. F. (Org.). Imagens de professor: significações do trabalho docente. Ijuí : 
Ed. UNIJUÍ, 2000. - 328 p. - (Coleção Educação). 
PRADO, G. V. T.; SOLIGO, R.. Memorial de Formação – quando as memórias narram a 
história da formação. s/d. Disponível em: <http://www.fe.unicamp.br/ensino/ 
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Acesso em 15/02/10. 
SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987. 58p.
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http://www.fe.unicamp.br/ensino/%20graduacao/downloads/proesf-memorial_GuilhermePrado_RosauraSoligo.pdf
 19 
 
Memórias e Saudades 
Simone Valdete dos Santos1 
 
Esta apresentação ocorre afetada pela ausência do autor do texto que segue. A 
ausência do pesquisador dedicado ao Galpão de Reciclagem Rubem Berta da zona 
norte de Porto Alegre, a ausência do professor do curso Pós-Graduação em Educação 
da UFRGS, a ausência do nosso orientador de Trabalhos de Conclusão de Curso da 
Especialização PROEJA. 
No entanto, sua presença é viva nas nossas ideias, na nossa crença absoluta 
sobre as possibilidades de superação, de luta dos sujeitos das classes populares, de seus 
saberes, de sua esperança! 
Nilton Bueno Fischer trabalhou este texto com seus orientandos nos anos de 
1997 e 1998, logo após a ausência de Paulo Freire. 
Consideramos que ele está relacionado a esta obra que dá visibilidade às 
memórias dos professores de diversas escolas públicas do Estado do Rio Grande do 
Sul, atuantes em classes de EJA, em classes de Educação Profissional. 
Em 08 de maio de 2009, o professor Nilton Bueno Fischer, em sua palestra 
para nossas quatro turmas do PROEJA, considerou o estético,a luminosidade, a 
música, a corporeidade como referenciais para a pesquisa em Educação, na 
perspectiva freireana da assunção da identidade cultural. Contava para uma platéia de 
cerca de duzentas professoras e professores que, como o mais velho de uma família de 
12 filhos, ele experimentava a mamadeira dos mais jovens, com aquele pingo de leite 
 
1 Mestre e Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, tendo a honra e 
o privilégio de ter sido orientada pelo professor Dr. Nilton Bueno Fischer, autor do texto que segue. E mail: 
simonevaldete@gmail.com 
 
mailto:simonevaldete@gmail.com
 20 
sobre a mão. Sendo sua mãe professora primária, nos falou de suas ousadias, como 
catequista filiada à Teologia da Libertação em tempos de ditadura militar, afirmando 
que precisamos ousar em Educação, e que fazer ciência é fazer relação. 
Na impossibilidade de ouvirmos novamente suas belas palavras, deixamos aqui 
este texto que completa esta obra, feita por muitos professores e professoras das 
escolas públicas do Rio Grande do Sul. 
Abreijos, em conexões... (Como Nilton encerrava muitas mensagens de seu correio 
eletrônico) 
 
Paulo Freire: 
 Memórias e Afetos! 
Nilton Bueno Fischer2 
Escrevo, hoje, numa tarde de inverno gaúcho, este artigo em homenagem ao 
amigo Paulo Freire. Uma lembrança imediatamente vem à minha mente: o diálogo 
que trocamos durante uma viagem de volta ao aeroporto Salgado Filho, num mesmo 
inverno cinza como hoje, há mais de oito anos atrás. Dizia Paulo, para mim e para o 
colega Balduíno, motorista naquele momento: “Olhem como as árvores das ruas aqui 
de Porto Alegre estão tristes! Parece que choram!”. O mestre expressava ali também 
os seus sentimentos, pois havia recentemente perdido sua esposa, Elza, grande 
companheira. Lembro também que falamos a respeito das relações que a academia 
interdita entre os seus profissionais em momentos como aquele. Perguntei, então, a 
respeito de sua origem cristã e sobre o significado do perdão. Momentos privilegiados 
que pude viver com o nosso querido educador que em maio deste ano trocou de 
materialidade. Sinto que estamos como órfãos de um legado radicalmente humano 
que ele nos deixou, cientes do compromisso que temos de continuar ampliando e 
ressignificando os seus pensamentos, propostas, práticas e esperanças. 
 
2 In Memorian: Doutor em Educação. Professor da UFRGS. 
 21 
Estou convencido de que um dos mais fortes ensinamentos que aprendi com o 
Paulo justamente é aquilo que representa a centralidade de sua proposta pedagógica: 
o diálogo. A tradução que faço desse aprendizado se manifesta por alguns caminhos 
que desejo compartilhar com outros educadores. 
Inicio pela atitude da escuta do outro. Um diálogo por inteiro pressupõe uma 
disponibilidade para a escuta radical. Na condição concreta de professor, na sala de 
aula, espera-se que esse profissional construa tal prática de forma permanente em 
seu cotidiano. O desenvolvimento dessa capacidade pressupõe um conhecimento de 
si próprio, de seus sonhos, utopias, possibilidades e limites. Apreciar a própria 
vulnerabilidade, por sermos humanos, permite uma atenta prontidão para ouvir o 
outro. Esse outro, sabemos todos nós, está se tornando explícito cada vez mais. A 
complexidade de situações vivenciadas por nossos alunos, evidenciada em cada novo 
dia de trabalho, está a demonstrar e exigir uma atenta disponibilidade para a escuta. 
Ressalvo o significado desse tipo de procedimento: ele está distante das chamadas 
idealizações a respeito desse outro, especialmente quando ele é um aluno de classes 
populares, em nossas periferias urbanas. Ele demanda um exercício de construção 
permanente de novos conhecimentos para podermos, como educadores, 
compreendermos com qualificação profissional cada novo desafio interposto por 
parte de nossos alunos. 
Talvez devêssemos procurar alternativas que vão além dos limites de nosso 
campo de saber. Lembro que a hoje legitimada contribuição dos métodos advindos da 
antropologia, especialmente a observação, tem provocado uma ampliação dos nossos 
sentidos enquanto realizamos o trabalho de campo. Não são raros os depoimentos de 
antropólogos que palmilharam as periferias de nossas cidades, trazendo dados 
fundamentais para suas análises: os tatos/toques das pessoas, os cheiros das comidas 
e das fossas, os olhares das cores/dores dos sofrimentos. Considero que todos esses 
indicadores podem ser incluídos no registro da escuta. 
Sei que a partir de nossos colegas professores, que atuam nos “entornos”, 
poderíamos obter inumeráveis registros de experiências dialógicas que lembrariam 
muitos “freires” em ato! Nestes tempos de revisões de paradigmas, de olhares 
complementares entre intuição e pensamento científico, podemos construir, em 
 22 
novas bases, análises que trazem a condição humana denunciada em seus limites de 
dignidade e, ao mesmo tempo, sinalizar para sua superação. 
Um dos pontos de partida para a análise de situações de exclusão, presente no 
dia a dia de nossas escolas, poderia ser a busca de resposta à seguinte questão: como 
a proposta pedagógica freireana, fundada na esperança, pode se constituir? Nos anos 
sessenta e até parte dos anos setenta o “denuncismo” via a escola como sendo uma 
instituição que somente reproduzia as relações sociais de produção, inculcando a tal 
ideologia dominante. Hoje se constata que esse processo não foi assim tão unilateral e 
que algumas escolas, por esse nosso país inteiro, estão conseguindo combinar saberes 
críticos e fortes denúncias com alegria e competência. Uma das pistas para 
entendermos esse processo está vinculada com a contribuição concreta do diálogo 
freireano. Por quê? 
A resposta que encontro está no princípio primeiro, que aludi no início deste 
artigo. E se o diálogo é a condição fundante para o ato pedagógico, sua relação com o 
tempo é um corolário natural. Remeto, como pista, à comparação de três momentos 
da obra de Freire, ao longo de seu tempo de fértil pensador/provocador: a primeira 
etapa, em torno do clássico livro Pedagogia do Oprimido, passando pelo seu tempo de 
volta ao país, na re-escrita dessa obra, agora agregando uma nova palavra: Pedagogia 
da Esperança e finalmente o seu último livro, como que anunciando a despedida, nos 
deixando a responsabilidade de segui-lo sem copiá-lo, através do fantástico livrinho 
que é Pedagogia da Autonomia. Certamente existem outras obras e experiências 
(como as palmilhadas pelo mundo inteiro ou mesmo pela experiência como 
secretário municipal de educação em São Paulo) que poderiam nos servir como 
material de análise. Tomei os três livros, a trilogia. Pedagogia do Oprimido, da 
Esperança e da Autonomia, como uma forma lúdica de compreendermos um 
pensamento sempre irrequieto de um educador e sua forma de entender o seu tempo 
vivido! De um ponto de partida construído sob forma dicotomizada de argumentar 
(opressor/oprimido), para uma forma de argumentação que remete às possibilidades 
de um “depois” a ser atingido, chegando ao mundão das complexidades que compõem 
este final de século, no qual somos chamados para construções possíveis de uma 
sociedade democrática, inclusiva de diversidades. Entretanto, minha argumentação é 
que nós não precisaríamos percorrer os três estágios realizados por Freire: quem 
sabe poderíamos absorver seus ensinamentos de forma mais compactada e assim 
 23 
dispor de mais tempo para nossos projetos de inserção social. Tempo necessário para 
a pedagogia da autonomia! Aos poucos também o conceito e a prática da educação 
popular saem do espaço alternativo para poder ser parte também do espaço 
institucional da escola regular. O tempo, segundo ditado popular, é o que constrói a 
sabedoria. 
Os tempos não são lineares. As três obras de Freire foram se entrelaçandouma 
à outra e criaram, paradoxalmente, uma ruptura com isso: encontramos a figura do 
oprimido (quase como sinônimo de classe operária/classes populares/pobres) 
dentro de todo o espectro da condição do ser humano (oprimidos dentro de cada um, 
nas relações de homem/mulher, de idoso/jovem, negro/branco etc.). O oprimido, do 
início da obra freireana, tenderia a se manifestar no singular e vinculado a um 
significado coletivo e homogêneo; nas obras mais recentes, já encontramos tais 
conceitos diluídos em vários singulares. 
Contraditoriamente, num olhar rápido, a pedagogia da autonomia (que 
poderia representar somente o lado da independização dos “seguidores” de Freire) 
remete para uma nova conexão com o seu pensamento e com a variável tempo: a 
expressão “mestre” é reassumida ou pelo menos retomada nos últimos escritos como 
forma inequívoca da relevância do conhecimento científico e da experiência, na figura 
daquele profissional que assume a sua condição de educador. Gostaria que ficasse 
entendido o que desejo expressar como contribuição de Freire a respeito desse papel 
social do educador: em primeiro lugar se percebe que o próprio educador Paulo 
Freire, ao longo de suas caminhadas pelo mundo afora, foi incorporando 
contribuições e críticas ao seu pensamento. Portanto, aquilo que num primeiro 
momento poderia representar uma espécie de “diluição” da responsabilidade do 
educador (nas vulgarizações do que seria ensinar/aprender: “ninguém educa 
ninguém: a gente se educa uns aos outros, mediatizados pelo mundo”, e que ficava 
traduzido: “cada um faz o que bem entender” [...] “tudo é manifestação de 
conhecimento, não se exige do aluno e nem do professor, pois o que importa é a 
relação...”), fica transformado explicitamente, não permitindo mais aquelas antigas 
interpretações. 
Encontramos, então, a figura do Freire se disciplinando, socializando melhor 
suas fontes e pressupostos ao lado do mesmo Freire que fala suavemente, 
 24 
deliciosamente, da bela experiência que é viver. Para mim, este é o ensinamento que 
fica: a figura do mestre, do profissional, especialmente do adulto que assume estar na 
condição de educador como contador de histórias, num ritual, de repassador de 
conhecimentos transgeracionais. Faz lembrar fortemente a figura da autoridade que 
tínhamos jogado fora quando de nossas fases de crítica pela crítica, em que na 
confusão entre autoridade & autoritarismo não se discernia a função social de ser 
mestre. Considero, neste momento, a passagem de Freire por nossas vidas a partir de 
uma síntese dinâmica, dialogando com o mundo e com as pessoas. 
Tal síntese não é para lembrar modelagem, muito menos apressamento de 
etapas. Pretendo aproximar um tempo vivido, quase 76 anos de uma pessoa como 
Paulo Freire, com o nosso tempo (o qual deve continuar sendo enriquecido de 
reflexões e práticas). Tal processo facilitaria a nossa explicitação de conceitos, 
convicções e práticas que estão, tenho certeza, represados em nossos corações e 
mentes? As virtudes de ser professor, como confessa Freire, deveriam ser: a 
humildade, a tolerância, a amorosidade e a competência. Pergunto: por que 
esperarmos mais tempo para a explicitação de nossas virtudes e vulnerabilidades? 
Em seus diferentes estágios e formas de expressão, nós deveremos fazer um esforço 
bonito e generoso para dizermos as nossas coisas para nós mesmos e para os outros. 
Trata-se de voltar para a escuta a partir de nos escutarmos. 
Retomando as lembranças. Recordo de outro episódio envolvendo Freire, 
desta vez dentro do espaço institucional da UFRGS. Paulo fora convidado para o 
lançamento do primeiro volume da obra de Ernani Maria Fiori, a se realizar no Salão 
Nobre da Faculdade de Direito, em cuja solenidade verti lágrimas quando se falou dos 
tempos do exílio, no Chile, onde Freire e Fiori se encontraram. Antes desse evento, 
numa sala de aula do mesmo prédio, monitores de alfabetização dos assentamentos 
dos colonos sem terra estavam apresentando relatos acerca de suas diferentes 
experiências, e todos de posse de livros autografados pelo Freire. Ao final, todos 
queriam ouvir a fala do Mestre. Faltavam cinco minutos para o outro evento. Freire 
simplesmente passou a sua mão sobre branca e longa barba, recostou-se um pouco 
mais na cadeira e perguntou: “Qual é a distância que existe entre cada um dos 
assentamentos?” E todos se entreolharam, um tanto perplexos, respondendo que 
alguns assentamentos ficavam mais próximos do que outros, os quais, às vezes, eram 
tão distantes quase como cruzar o estado todo. Retrucaram, então: “Mas por que essa 
 25 
pergunta, essa informação?” E Freire, com aquela quase sumida voz, aveludada em 
sua entonação, disse: “É que eu gostaria de sugerir que, aos sábados, talvez pela tarde, 
os monitores de cada assentamento se visitassem entre si para trocar experiências!” 
Eu estava lá, ouvi e não entendi bem. Anos mais tarde, em confidências com ele, pedi 
para confirmar o episódio e se minha interpretação estaria na direção certa, qual seja, 
naquele momento a sua pergunta, simples e direta, estava sinalizando a radicalidade 
do diálogo entre as pessoas e, ao mesmo tempo, fazendo um alerta aos agentes de 
mediação os quais, de fora, prescrevem a fala dos outros. Freire acenou que sim, era 
esse seu objetivo. Estaria aí um evidente chamamento aos pesquisadores, aos agentes 
de pastoral e aos militantes dos partidos políticos: antes da fala articulada, científica, 
organizada, procurem escutar àqueles a quem dizem representar ou assessorar. E 
talvez estivesse aí também a seguinte questão: Os educadores de tantas experiências 
por esse mundo afora estariam gerando momentos de escuta? Freire, por este ato, 
estava sendo novamente coerente às suas crenças e práticas, anunciando a 
continência verbal como ferramenta indispensável ao educador. Aquele que sabe 
escutar.
 26 
 
 
 
 
PROFESSORES A(U)TORES: 
SUAS VOZES E SUAS 
PALAVRAS, SUAS HISTÓRIAS 
E SUAS VIDAS 
 
 27 
Trilha da Vida1 
 
REGRAS DO JOGO 
 
 
Número de jogadores: depende de como você se relaciona com as pessoas. 
Idade recomendada: desde o dia em que você nasceu. 
Dinâmica do jogo: jogue o dado, conte as casas, leia e siga as instruções nelas 
contidas. 
Preparação: a sua vida inteira. 
Tempo do jogo: depende dos cuidados que você tiver com a sua saúde. 
Complexidade das regras: você irá fazer as regras, conforme julgar serem 
corretas. 
Estratégia: conquistar o maior número de amigos e realizações possíveis. 
Objetivo: atingir todas as metas que estabeleceu para a sua vida sem 
trapacear ninguém. 
 
 
 
 
 
 
1 Memorial de Felipe Ribascik. 
 28 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 29 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 30 
 
 
Escrever para escrever-se1 
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior 
leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura 
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente (Freire, 
2001, p. 11). 
 
Falar de minhas memórias me leva a abrir parênteses e oferecer este exercício 
de reflexão ao meu professor e amigo Paulo Coimbra Guedes, o qual dedicou (e ainda 
dedica, mesmo que aposentado) sua carreira de professor de Língua Portuguesa à 
preocupação com o ato de escrever como forma de ler sua história. Seu assunto nas 
aulas que ministrava na Faculdade de Letras da UFRGS ou mesmo na mesa de um 
bar qualquer era a importância do ato de “escrever-se”, como ele dizia. Um dia ele me 
disse para escrever-me e eu respondi que não era o momento, que não via um motivo 
para tal e hoje, me vejo com uma obrigação gostosa de re-visitar minha trajetória, de 
refletir sobre a mesma e de quem sabe, fazer a minha história. 
Para escrever-me, busco inspiração em Paulo Freire, no que se refere à leitura 
do mundo. Acredito que minhatrajetória pessoal e profissional começa com a leitura 
do um pequeno mundo que vai se ampliando e segue-se nas leituras de “outros 
mundos” que sequer imaginava existirem e que hoje me apaixonam e me envolvem 
cada vez mais. 
Meu primeiro pequeno mundo era bem escondido atrás da cômoda da minha 
mãe, onde rabiscava com giz, aos dois anos de idade, falando para uma platéia atenta 
de bonecas. Meu pai garante que eu estava imitando a professora do meu irmão que, 
nesta época já estava na Escola, onde eu e minha mãe passamos longas tardes durante 
sua adaptação. 
 
1 Memorial de Evelise Neumann Passos. 
 
 31 
Bem maior foi o mundo da minha experiência como aluna do Jardim A, antes 
mesmo de completar quatro anos de idade: aquele monte de materiais escolares, nos 
quais minha mãe, carinhosamente colava etiquetas com meu nome, mostrando-me as 
letras para que eu soubesse quais eram os meus lápis de cor, giz de cera, almofada 
xadrez, toalhinha... O preguinho com meu nome, cheio de folhas penduradas com 
garatujas que eu jurava serem formas definidas e que adorava expô-las a adivinhações. 
A professora Olga me chamava de “minha gorda” com tanto carinho, que eu nem me 
importava. Adorava ser a ajudante do dia, pois assim passeava por aquele imenso 
colégio para buscar um grampeador ou para dar algum recado. Mas do que eu mais 
gostava mesmo, era da Hora do Conto, quando a professora nos contava histórias 
com um entusiasmo que parecia que eu estava vivendo o que ela narrava. Eu era 
muito curiosa, então, estava sempre fazendo perguntas e tentando descobrir coisas 
novas, nem que fosse uma maneira diferente de montar os Legos gigantes. 
A Escola era de freiras, muito rígidas quanto à relação idade/série e, como eu 
só faria aniversário em 26 de março, não tinha a “idade certa” para frequentar o 
Jardim B nos primeiros dias de março, quando começavam as aulas. Apesar de ser 
considerada bem esperta para a minha idade e ter acompanhado o Jardim A 
tranquilamente, tive que “repetir o ano”. 
Lembro-me que o início daquele ano foi entediante: a nova professora, 
chamada Vera, mostrava aos alunos novos (o que não era o meu caso) as 
dependências da Escola, a diretora, os funcionários... Mas isso tudo eu já conhecia, e 
o trabalhinho de colar feijão no nome eu já tinha feito, e a música da casinha com 
uma lagartixa eu já havia cantado durante um ano inteiro. O tédio fez com que eu 
procurasse, por conta própria, coisas novas para fazer: brigar com os colegas, fugir da 
sala, cortar o cabelo loiro, lindo e longo da coleguinha Patrícia. As conversas com a 
professora e com a irmã Lourdinha, freira/professora responsável pelo SOE de nada 
adiantavam: é claro que eu, naquela época não sabia dizer o motivo dos meus atos, 
respondendo, apenas, que a Escola era chata. Minha mãe tentou formas mais rígidas 
comigo, como castigo e até mesmo palmadas, que também foram em vão. Em uma 
das minhas fugas da sala de aula vi a porta da Biblioteca aberta e entrei. Lá ficava a 
professora Bernadete e muitos livros dos mais diferentes tamanhos. Perguntei se podia 
entrar e ela, com um sorriso que recordo até hoje, permitiu, com a orientação de que 
eu não mexesse em nada. Fiquei vidrada nas estantes olhando para cima e para baixo, 
 32 
até que a “Dete” (como passei a chamá-la no decorrer de nossa convivência) me 
entregou uma cesta plástica com muitos livrinhos de história e me apontou para um 
canto cheio de almofadas, dizendo que ali eu poderia ficar. Estava fascinada no meio 
dos livros quando a responsável pela disciplina apareceu na porta com um grito de “te 
achei!”. A Dete disse que eu não estava incomodando e que não se importava se eu 
fosse visitá-la diariamente. Então, toda vez que eu estava perturbando a aula, era 
mandada para a Biblioteca. Com o passar do tempo, Bernadete me contava algumas 
histórias e depois pedia para eu lhe contar outra, que ela não conhecesse. Passávamos 
tardes inteiras contando fábulas, lendas e contos de fada uma para a outra. Desta 
forma, meu desafio era conhecer muitas histórias para lhe contar. Para isso minha 
mãe me ajudava em casa, comprando livrinhos e lendo-os várias vezes para que eu as 
decorasse. E eu folhava por horas e horas aqueles livros, como se quisesse entrar neles. 
No mês de agosto, em uma das minhas visitas à Biblioteca, peguei um livro de 
Histórias Bíblicas e comecei a ler deitada nas almofadas. Bernadete ficou encantada 
com a maneira como eu havia decorado a história, ao que respondi que nunca tinha 
visto aquele livro. Sinceramente, não sei como se deu, mas eu estava dominando o 
código escrito: estava lendo histórias inteiras. Como prêmio, ganhei de meus pais uma 
caixa cheia de livros e gibis, muitos beijos, abraços e demonstrações de orgulho. 
Fui parar novamente no SOE, mas agora para ser testada quanto à leitura e à 
escrita. Ao final do teste, foi sugerido à minha mãe que eu fosse imediatamente para a 
primeira série, mas ela não aceitou, pois já estávamos na metade do ano e ela achava 
que não tinha maturidade suficiente para esta “aprovação”. Terminei aquele ano mais 
na Biblioteca do que na sala de aula e, no ano seguinte, ao invés de ir para o Jardim B, 
fui direto para a primeira série. 
Na primeira série tive a sorte de conviver com a professora Rose, que 
entendendo que eu já lia e escrevia, procurava me dar trabalhos diferentes dos que os 
meus colegas não alfabetizados faziam, procurando sempre ampliar meus 
conhecimentos. Em alguns momentos, ela me pedia para ajudar os colegas, o que 
fazia com grande satisfação. 
Nos anos seguintes do primeiro grau (hoje Ensino Fundamental) posso dizer 
que minha vida escolar equiparou-se a dos colegas, pois eu já fazia as mesmas coisas 
que todo mundo, tinha muitas dúvidas e aprendia com meus colegas. Até a oitava 
série, alguns fatos foram recorrentes: minha curiosidade ia além dos conteúdos 
 33 
trabalhados em aula, sempre fui sócia assídua da Biblioteca, nunca tive problemas de 
comportamento além dos esperados para cada faixa etária, nunca fiquei em 
recuperação e muito menos rodei. Como sempre tive facilidade quanto aos conteúdos, 
frequentemente ajudava alguns colegas com aulas particulares na hora do recreio. 
Também conquistei a simpatia da maioria dos professores e percebi o quanto é bom 
aprender com quem a gente gosta e com quem olha para a gente com carinho. Muitas 
vezes, fui escolhida líder da turma, mas só hoje entendo o porquê. 
No final do ano de 1988 chegou a hora de pensar no segundo grau. Embora 
possa parecer piegas, atribuo a minha escolha pelo Magistério a uma boa dose de 
destino (sabe quando parece que nascemos para aquilo?) aliada à expectativa da 
minha mãe, como forma de realizar um sonho seu que não aconteceu. Ela queria ter 
sido professora, mas seu destino assim não o quis. 
Foi no Instituto de Educação General Flores da Cunha que dei, o que 
considero hoje, meu primeiro passo em direção a um mundo bem maior do que aquele 
que ficava atrás da cômoda do quarto dos meus pais e do que o mundo da Biblioteca 
da professora Bernadete. Conheci um mundo que me vejo lendo até hoje, muitas 
vezes não lhe entendendo, mas sempre procurando fazer parte dele: o mundo da 
crítica, da reflexão, da participação, da valorização do público e da luta pelo 
cumprimento de direitos e deveres. Esse foi um grande passo na minha trajetória 
pessoal e que não consigo dissociar de minha prática pedagógica. 
Já no primeiro ano do curso comecei a frequentar o Grêmio Estudantil da 
Escola: no início porque era uma sala onde podíamos fumar escondidos, depois por 
simpatizar com as pessoas e enfim, por concordar com suas idéias e lutas. Participei 
da destituição de Presidente deste Grêmio e também do movimento Fora Collor. 
Abracei o Instituto em seu aniversário e tranquei a Avenida Osvaldo Aranha 
reivindicando professores que estavam faltando naEscola. E nessa participação muito 
intensa em manifestações e movimentos, conheci muito de política e também de 
politicagem. Pude estabelecer contato com ideologias com as quais concordava e 
concordo e com idéias que eu não concordava, mas que aprendi a respeitar e, desta 
forma, mais do que assistindo aulas de Didática, comecei a montar minha bagagem 
profissional. Claro que as práticas de ensino e o estágio obrigatório contribuíram 
bastante na minha formação, bem como os cinco anos nos quais trabalhei em uma 
creche como recreacionista (enquanto ainda estudava e logo depois de formada). Tive 
 34 
a honra de assistir Paulo Freire e sua filha Madalena Freire em uma palestra no 
Ginásio da Brigada Militar, mas só tempos depois pude perceber a proporção daquilo 
que ouvi e daquele momento que vivi; participei de muitos encontros e seminários do 
GEEMPA, os quais naquele momento me pareciam bastante próximos à prática, e 
dos quais por algum tempo tentei “copiar algumas receitas”. 
Depois de dois anos formada, realizei o sonho (que depois virou pesadelo) de 
trabalhar em uma escola particular, ganhando um salário bastante razoável para 
alguém com dezenove anos de idade. Trabalhei em três escolas no período de seis 
anos (uma média de dois anos em cada uma). Em todas elas aconteceu a mesma 
coisa: em sala de aula eu era adorada pelos alunos e também pelos pais, a direção 
reconhecia meu domínio de conteúdos e minha didática, mas depois de algumas 
reuniões administrativas e/ou pedagógicas eu passava a ser mal vista por meus 
posicionamentos, pois ali não se enquadravam as palavras de António Nóvoa que 
ouvi em um Seminário: “Na docência é impossível separar as dimensões pessoais e 
profissionais. Ensinamos aquilo que somos e naquilo que somos encontra-se muito daquilo que 
ensinamos”. Como não podia ser eu mesma e não conseguia ser diferente, acabei sendo 
sempre demitida. 
No ano de 1999 ingressei na UFRGS, para cursar Licenciatura Plena em Letras 
com habilitação em Língua Portuguesa e Espanhola e suas respectivas Literaturas. Tal 
escolha deveu-se à minha adoração pela leitura aliada ao meu gosto pelo Português e 
também ao fato de já ter escolhido o magistério como profissão. Foram cinco anos de 
muita aprendizagem no campo teórico; tive contato com obras, autores, teóricos, 
idéias que nunca tinha ouvido falar. Confesso que o contato com o modelo do 
professor universitário me encantou muito. Vê-los dando aulas fortalecia ainda mais 
minha opção profissional. Apesar de perceber o curso como muito teórico e pouco 
prático, tive a sorte de já ter experiência profissional e consegui estabelecer relações 
que contribuíram muito na minha formação. Quanto aos meus colegas, que nunca 
haviam dado aulas, tenho as minhas dúvidas... 
Em 2002, fui nomeada professora de currículo por atividade no Estado do Rio 
Grande do Sul. Fui trabalhar na E.E.E.F. Professor Afonso Guerreiro Lima, 
localizada no “coração” da Vila Cruzeiro do Sul. Assumi uma turma de 2ª série no 
mês de maio, sendo que os alunos, todos multirrepetentes, estavam desde meados de 
março sem professora. Confesso que foi um grande contraste com as escolas 
 35 
particulares nas quais eu havia trabalhado: a escola não tinha uma aparência das mais 
bonitas e bem cuidadas, as crianças na sua maioria eram sujas, cheiravam mal e não 
tinham, sequer, lápis e caderno. Mas o melhor de tudo foi saber, através da diretora, 
que não havia orientadora e nem supervisora, e que ela, como professora de 
Matemática não tinha muita experiência com “os pequenos”, então, eu podia 
trabalhar como achasse melhor dentro da minha sala de aula. O fato de poder fazer 
como eu achasse melhor me levou a ter contato com um mundo agora muito maior do 
que todos os que eu já havia lido. Era um mundo bem diferente do meu, onde as 
pessoas passavam frio e fome, onde as crianças não tinham o mesmo prazer que eu 
tive quando era aluna... E aquelas crianças que eu encontrei faziam com que eu me 
lembrasse da minha experiência no segundo ano de Jardim B. A escola para eles era 
chata, no caso dos multirrepetentes, já haviam visto várias vezes as mesmas coisas. 
Nos livros e nos quadros lotados com a letra linda da professora era mostrada uma 
realidade que não era a deles. Foi então, o meu grande desafio e a minha grande 
aprendizagem: desconstruí alguns conceitos, construí outros, procurei conhecer a 
comunidade onde meus alunos viviam, integrei-me à escola fazendo parte do CPM, 
do Conselho Escolar, Comissão Organizadora de Festas e outras tantas Comissões, 
até mesmo porque a maioria dos meus colegas não participava de nada. Acredito que 
passei a conviver não só com a consciência prática, que faz com que nos acomodemos 
a passemos a repetir mecanicamente as coisas, mas também com uma consciência 
crítica que estava adormecida no meu lado profissional, mas sempre viva 
pessoalmente. Passei a refletir e a estudar muito, procurando maneiras para lidar com 
as surpresas e com o inesperado. A bagagem que adquiri na Escola, através da 
experiência e da reflexão sobre a mesma é imensurável. 
A minha relação tanto com os alunos quanto com a comunidade e com o 
grupo de professores fez com que, ao final do meu segundo ano na escola fosse 
convidada a concorrer como vice-diretora. Algumas questões burocráticas não 
permitiram, mas fiquei bastante orgulhosa com o convite. 
Acontece que, infelizmente somos movidos pelo capitalismo e pela sede de 
ganhar mais para ter mais, e desse mal ainda não consegui me livrar. Então, troquei 
de escola no intuito de ganhar mais. Fui trabalhar no bairro da Ponta Grossa, na 
Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. José Loureiro da Silva, distante a 50 
minutos de carro da minha casa. Lá a diretora tinha hábitos e posturas que me faziam 
 36 
lembrar as escolas particulares, e isto me desagradava. No dia em que essa diretora me 
disse que havia observado que eu era mais de escutar do que de falar, vi que ali não 
era o meu lugar, eu não estava sendo eu. Ao final do ano, não consegui trocar de 
escola e tive que ficar lá. Para minha surpresa, em junho a diretora renunciou e sua 
vice assumiu, me convidando para ser sua vice-diretora. Pensei em não aceitar, mas 
depois vi o convite como um desafio: era hora de tentar pôr em prática o meu 
compromisso social e a vontade de mudança. Não adiantava estar insatisfeita e não 
fazer nada para mudar a situação. Aceitei o convite desde que pudesse continuar em 
sala de aula, onde me realizo a cada dia. Nossa proposta enquanto equipe diretiva era 
construir uma nova maneira de estar na escola, fazendo com que os professores que 
demonstravam vontade de evoluir pudessem se juntar com os colegas para refletir 
sobre o seu trabalho. Proporcionamos momentos de diálogo para análise das práticas 
e para procura coletiva de melhores formas de agir. Foi um trabalho bastante 
enriquecedor para o grupo, que passou a agir de maneira mais autônoma e 
consequentemente com maior qualidade. Profissionalmente, tive contato com as 
questões burocráticas que fazem parte da instituição escolar; aprendi muito e passei a 
acreditar que todo o professor deveria passar pela direção de uma escola. 
A longa distância percorrida diariamente para chegar à Ponta Grossa estava 
me desgastando e eu decidi que ao final do ano trocaria de escola embora estivesse 
feliz com o meu trabalho. E novamente a questão financeira falou mais alto: eu queria 
uma escola perto da minha casa e com 100% de difícil acesso. No mês de julho fiquei 
sabendo da existência de uma vaga na Escola Tom Jobim, localizada no Complexo 
Vila Cruzeiro da FASE. Conversei com a diretora do Loureiro, que me apoiou em 
minha decisão, e me liberou uma vez que era uma oportunidade financeira boa e um 
desafio maior ainda. 
Em agosto assumi como professora de Língua Portuguesa na Escola Estadual 
de Ensino Fundamental Tom Jobim. Era realmente uma experiência diferentee 
desafiadora, pois até então, só havia trabalhado com séries iniciais e a partir daí eu 
trabalharia com alunos de 5ª a 8ª na modalidade EJA, internos da FASE. Era um 
mundo que para mim só existia nos jornais, com menores infratores, privados de 
liberdade por terem cometido todo o tipo de delito, inclusive os mais inimagináveis. 
Desta vez, o mundo que se apresentava para a minha leitura ia além da minha 
imaginação e me dava certo medo; medo dos alunos e também da situação, 
 37 
completamente distinta de tudo o que eu já havia vivido. Recorri novamente ao 
estudo para aumentar meu repertório pedagógico para dar conta do que viria. 
A Escola Tom Jobim é repleta de particularidades além daquelas que toda a 
escola tem: está inserida dentro da FASE, e, portanto, submetida às regras da 
Instituição principalmente voltadas à segurança; os alunos, na maioria das vezes estão 
há muito tempo fora da escola e, durante sua internação, são obrigados a estudarem; 
estão “emburrecidos” pelas drogas, como eles mesmos dizem; por questões de 
segurança, os internos não ficam com seus cadernos e nenhum tipo de material após 
as aulas, não tendo assim como estudar em horário extra-escolar; a rotatividade de 
alunos é intensa devido a novos ingressos, fugas, desligamentos, liberdade assistida... 
A composição das turmas muda quase que diariamente. Lidamos com portas de ferro, 
cadeados, monitoria, “pedalaços” (forma de manifestação onde os internos deitam-se 
no chão e batem fortemente com os pés nas portas de ferro de seus dormitórios). Mas, 
acima de tudo, é uma Escola onde há conteúdos, objetivos, avaliações, conselhos de 
classe, aprovações, reprovações e, é claro, a preocupação com um fazer pedagógico 
que seja significativo para nossos alunos. 
Posso dizer que me adaptei facilmente ao novo contexto. Depois de dois meses 
trabalhando na Escola, fui convidada a assumir a vice-direção do turno da manhã, 
permanecendo com turmas à tarde e à noite. Aceitei o convite e mais esse desafio. 
Acredito que estar em sala de aula e na vice-direção são experiências que se 
complementam e enriquecem-se mutuamente. 
Na Tom Jobim cada dia deve ser visto como uma conquista e uma reconquista, 
devido à resistência dos alunos durante as aulas. A cada dia nossas certezas a respeito 
da educação devem ser reforçadas para que possamos passá-las aos alunos. É como 
uma plantação: devemos plantar, regar as plantas diariamente na medida certa e 
admirar seu crescimento mesmo que aos pouquinhos. 
O cotidiano me mostrou que minha prática deveria pautar-se no respeito, na 
confiança e na significação. Como os alunos verbalizavam odiar o Português, procurei 
e procuro a cada dia compreender a matriz histórica, científica e social dos conteúdos 
que trabalho transformando a matéria em instrumento de cidadania e de autonomia, 
fazendo com que eles percebam uma utilidade prática para as nossas aulas, que são 
baseadas praticamente na escrita e na leitura. No começo não foi fácil, diziam que 
nunca iriam usar nada daquilo etc., mas hoje, vejo como recompensa o sorriso dos 
 38 
alunos quando me enxergam, três adolescentes do 3º ano do Ensino Médio os quais 
convenci a fazer o ENEN, percebendo uma possibilidade de conhecer outros mundos 
ao saírem da FASE e a turma do 2ª ano do Ensino Médio do CASE feminino na qual 
estamos produzindo textos para a publicação de um livro no final do ano. 
Em dezembro de 2007, ingressei no Curso de Especialização em PROEJA, 
vislumbrando uma grande oportunidade de qualificar minha prática e, 
consequentemente tornar meu trabalho mais significativo para meus alunos. Algumas 
dúvidas foram sanadas e muitas outras se criaram, assim como algumas teorias já 
viraram práticas e algumas práticas estão tornando-se teorias que pretendo aprofundar 
no decorrer do curso. 
Desta forma, hoje paro durante algumas horas para dedicar-me a esta escrita de 
mim mesma e percebo o quanto andei, muitas vezes sem notar e do quanto mudei sem 
ter percebido. Apesar de em certos momentos ter vontade de correr para trás da 
cômoda da minha mãe, vou em frente, desafiando os mundos que encontro (ou que 
me encontram) cada vez mais com a certeza de que ensinar é aprender e de que, nossa 
história está aí para ser escrita e reescrita. 
Referências 
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler em três artigos que se completam. São 
Paulo: Cortez, 2001. 
 
 39 
 
 
Mosaico de Com-vivências 
Educacionais1 
Este Memorial aborda a desafiante tarefa da escrita de um texto marcado pela 
subjetividade e, portanto, sujeito a diferentes interpretações. Constitui-se de uma 
escrita complexa, na qual o discurso é expresso pelo viés dos sentimentos, das 
emoções, das reflexões, das memórias de vivências e de meu fluir pela vida como 
sujeito a um só tempo físico, biológico, psíquico, histórico, social e cultural (Morin, 
2002). 
Esse “garimpar” na minha trajetória educacional e profissional, o compartilhar 
experiências, o repensar (com idéias e imagens) de fatos significativos é marcado pela 
curiosidade, paixão e sensibilidade no ato de educar. De uma maneira geral, mas 
suficientemente próxima, este memorial me conduz ao desafio de um novo conviver 
com meu processo formativo/educativo, tocada por uma curiosidade epistemológica 
(Freire, 1996, p. 27), na ressignificação de minha docência em tempos de exigências 
de uma nova postura frente à realidade educacional. 
A escolha do subtítulo Mosaico representa a reunião de elementos 
significativos, constituintes do meu fazer pedagógico. Mosaico também nomeia um 
disco instrumental, de Ângelo Primon, um querido músico gaúcho, a quem 
homenageio e agradeço, por alegrar minha alma no exercício desta escrita, 
sensibilizando-me, inspirando-me, por meio do seu trabalho, a buscar a delicadeza 
dos acontecimentos que me constituem como educadora. 
 
1 Memorial de Ceres Labrea Ferreira. 
 
 40 
Mosaico de “Con-Vivências” Educacionais 
De acordo com o dicionário, Mosaico é uma palavra originária do latim 
(lat.tard.Mosaicus) que tanto pode significar “Reunião de pequenas pedras, quase 
sempre cúbicas, multicoloridas, justapostas de maneira a formar um desenho e 
incrustada em cimento”, quanto “qualquer trabalho manual ou intelectual composto 
de partes visivelmente, distintas, miscelânea”. Ainda na busca de definições, descobri 
que a palavra Mosaico tem origem na palavra grega mousien, a mesma que deu 
origem à palavra música, que significa próprio das musas. 
Assim, penso minha constituição enquanto educadora: um mosaico que é 
misto de reuniões de pequenos acontecimentos, de “con-vivências” sociais, 
educacionais que formam um desenho um trabalho intelectual composto por uma 
miscelânea de idéias e de uma parte poética que me inspira ir ao encontro de outros 
saberes em minha história de vida, tecida por tramas e texturas de uma significância 
vivencial, emocional e afetiva. 
Quanto ao termo “garimpar”, usado como metáfora nesse processo de reflexão, 
várias são as imagens que me vêem. Lembrei da frase de Heráclito: “Nunca nos 
banhamos duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez não somos os mesmos, e 
também o rio mudou” (Apud Martins, 1993, p. 93). Neste garimpar, tenho a clareza de 
que já não sou a mesma desde que iniciei este memorial. 
Con-vivências Primeiras 
Ah, um banho de rio... mergulhar e deixar vir à tona os acontecimentos pela 
reflexão presente... 
Em São Luiz Gonzaga, pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, região 
missioneira, foram tecidas minha infância e adolescência através de um mosaico de 
aprendizagens e saberes sensíveis. Uma estadia de convivências, de explorações e 
descobertas junto à natureza; experiências cotidianas repletas de significações, 
desafios, frustrações, curiosidade e possibilidades. 
Essa estadia, repleta de múltiplos encontros e movimentos, povoou meu 
imaginário eajudou-me a compreender singularidades nesses espaços. Assim, fui 
dando sentido aos acontecimentos, construindo e compreendendo valores/ 
 41 
significados, que penso serem necessários e referenciais na arte de educar. Falo de 
valores, construção de sentidos e compreensões mútuas entre os sujeitos, pois vejo o 
processo educacional perpassado por ações que deflagram construções de 
identidades constituídas de sentidos num contexto histórico-social. 
 Naquele espaço geográfico tive a oportunidade de contatar com a natureza 
quase que diariamente, o que me oportunizou vivenciar brincadeiras recheadas de 
desafios, ousadias e poesia, juntamente com minha nômade família (ora vivíamos no 
campo, ora na cidade). Quando voltada para interesses agrários, reforçava este 
contato, bem como intensificava o estabelecimento de relações num círculo de 
amizades alicerçadas na simplicidade, na colaboração mútua, na autenticidade e na 
solidariedade. Ao vivenciar o espaço urbano, lembro com muito carinho das peças 
teatrais, realizadas no pátio de casa, de meu acesso a um bem cultural, o cinema, que, 
semanalmente, era frequentado por nós. Muitas de minhas aprendizagens nasceram 
desse vínculo social, o qual tinha uma participação ativa de amigos do meu pai. 
Freire considera que “aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais 
nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto” (2001, p. 20). Para mim, 
ter tido um convívio no meio social urbano, ter tido contato com a arte, ter aprendido 
a respeitar a natureza, a regozijar-me com os prazeres e desafios por ela ofertados 
através dos banhos de rio e de chuva, da brincadeira em gangorras de taquara; ouvir 
causos ao redor do fogo de chão, ter convivido com diferentes pessoas e animais, sem 
dúvida constituíram um reservatório para meu processo de aprendizagem, um acervo 
de fenômenos, tal qual uma biblioteca com seu acervo de livros. Eu fui aos poucos, à 
medida que me relacionava, lia e decifrava o mundo à minha volta, montando uma 
biblioteca: biblioteca de pensamentos, de imagens, de sentimentos, de afetividades, 
de conflitos internos, de superações, frustrações e de possibilidades. 
Essa formulação me remete a Jean Marie Goulemot que, ao entender a leitura 
como um evento do tipo aqui e agora, pensa sobre os elementos externos a ela, ou 
seja, as condições que o leitor tem nesse determinado momento. São condições que 
concorrem para a percepção dos efeitos de sentido, e são elencadas através de três 
variáveis: fisiologia, tempo e biblioteca. A variável biblioteca chama atenção por 
pressupor culturas adquiridas pelo sujeito, já que “cada indivíduo carrega consigo 
uma biblioteca armazenada de experiências, o que, definitivamente, demarca um 
 42 
melhor nível de leitura” (Goulemot, 1996, p. 113). Penso que essas vivências, ao 
serem acessadas pela iconografia da sensibilidade e pela consciência do 
inacabamento do ser humano (Freire, 1996) me tecem enquanto sujeito hoje. 
Ao refletir sobre as vivências significativas de minha infância e adolescência 
também trago o pensamento de Berger & Luckmann que, numa análise sociológica, 
nos diz que 
o sentido se constitui na consciência humana: na consciência do 
indivíduo, que se individualizou num corpo e se tornou pessoa 
através de processos sociais. Consciência, individualidade, 
corporalidade específica, sociabilidade e formação histórico-social da 
identidade pessoal são características essenciais de nossa espécie 
(2004, p. 14). 
Percebo, então, que minha forma de me mover, de sentir, de agir e de intervir 
no mundo advém dessas relações, juntamente com outras experiências, que me 
ensinaram e me ensinam a atribuir significado aos acontecimentos e a ter um olhar 
construtivo frente à vida e na minha relação com os educandos. 
Con-vivências Profissionalizantes 
Ao realizar as leituras propostas nas disciplinas do Curso de Especialização em 
Educação Profissional e Técnica de Nível Médio Integrada à Educação Básica na 
Modalidade Educação de Jovens e Adultos dei-me conta da importância desse resgate 
histórico como condição sine qua non para que eu me enxergasse nesse processo e 
entendesse minha construção como sujeito docente. 
Nasci em 1964 e ao ingressar na escola nos anos 70, recebi uma educação 
influenciada pelo tecnicismo, mas creio que respingada pelas influências de uma 
educação tradicional. Nesse período, com o desenvolvimento do processo de 
industrialização e a ênfase no desenvolvimento econômico, senti a aplicação da Lei 
5.692/71 no contexto da educação – essa lei oficializava a formação integral do 
jovem, com preparação do homem para o mercado de trabalho. 
Minha construção profissional iniciou quando ingressei no curso de Magistério 
em uma Instituição Educacional Confessional Salesiana, em 1979, na cidade de São 
Luiz Gonzaga. Hoje, através dos diversos estudos que empreendi, percebo o modelo 
inscrito na minha formação, que dava ênfase ao domínio de habilidades referentes ao 
planejamento de ensino, ao conhecimento e a utilização de novas tecnologias do 
 43 
ensino e recursos audiovisuais, a definição de objetivos, a avaliação voltada para o 
alcance dos objetivos propostos e a fragmentação no processo ensino-aprendizagem. 
O curso com três anos de duração e realização de um semestre de estágio, 
possibilitou-me a conquista do diploma de Educadora. 
Minha primeira experiência como educadora foi numa escola particular 
Salesiana que primava pelo ensino de elite; naquela época trabalhávamos com grupos 
de crianças pretensamente homogeneizadas por um processo de seleção (Esteves, 
1995, p. 96). Digo pretensamente porque a segmentação social era facilmente 
identificável e se refletia na divisão dos alunos em turmas diferenciadas econômica e 
cognitivamente. 
Posteriormente, já com a formação de professora, atuei em uma escola 
Municipal da periferia, ainda em São Luiz Gonzaga, numa turma de 2ª série do Ensino 
Fundamental. Esta turma, pelo baixo desempenho alcançado no ano anterior, 
carregava o estigma de fracassada. 
A diferenciação econômica, social e cognitiva (entre a turma da escola 
particular e a da periferia) foram o principal e primeiro desafio, que me instigou a 
usar uma espécie de rede de atividades, as quais eu entendia como alternativas, de 
forma a despertar o interesse dos alunos. 
Buscando romper estigmas, valorizando o ser em sua complexidade, 
respeitando o tempo de aprendizagem de cada um no grupo, tendo uma consciência 
de unidade na coletividade e vice-versa, entendi como necessário, ensinar o conteúdo 
de forma mais lúdica do que a orientação tradicional indicava. Pretendia, assim, 
superar as limitações cognitivas apresentadas pelos alunos em relação à proposta 
formal de desenvolvimento do conteúdo. Naquela ocasião, eu trabalhava 
intuitivamente, empiricamente. Busquei resgatar a auto-estima do grupo através do 
acolhimento dos saberes. Lado a lado com as interações face a face, essas condutas 
foram protagonistas na troca de sabedorias dando-me oportunidade de experimentar 
também, as interações mediadas. 
Nestas interações, o gravador, o jornal, a revista, os cartazes de filmes infantis, 
foram coadjuvantes indispensáveis nas diversas linguagens e atividades criativas e 
inovadoras para a época. 
 44 
Essa experiência, garimpada em meio a tantas outras desse meu mosaico 
pessoal/profissional, vista até então como positiva, assegurou-me uma auto-
credibilidade e uma credibilidade comunitária, de forma que os novos desafios 
profissionais me motivaram nesta busca de um maior entendimento dos processos de 
construção de conhecimento. 
Mais que os resultados profissionais positivos alcançados, esta foi uma 
experiência que entendo como a primeira manifestação da ação educativa, 
fundamentada na idéia da Biologia do amor de Maturana e Rezepka (2001). 
Paralelamente, anseios pessoais me moviam em direção à ampliação

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