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ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA José Adir Lins Machado CONHECENDO A DISCIPLINA Prezados alunos, a ética é a disciplina que se propõe a responder, dentre tantas outras questões, as seguintes perguntas: o que realmente importa em nossa vida? Como podemos – ou devemos – viver de modo a alcançar a nossa maior e mais plena realização possível? É como se, diante da história da lâmpada do gênio, não pudéssemos fazer três pedidos, mas apenas um. Por isso, a primeira indagação ética é: como devemos viver para colher dessa existência o máximo bem que ela pode nos oferecer? Ela é tão importante para nos conduzir na vida que David Hume (1711-1776) chegou a a�rmar que “a metafísica e a moral são os ramos mais importantes da ciência; a matemática e a ciência da natureza nem sequer têm metade de tal valor” (HUME, 2004). E, como para os gregos, a ética e a política eram indissolúveis, sendo a segunda mais importante que a primeira por debruçar-se sobre o estabelecimento do bem comum, podemos deduzir que a re�exão política também não desmerece o apreço humano. Nesta unidade apresentaremos as principais noções éticas desde a antiguidade até o período medieval e as suas contribuições para o desenvolvimento do papel social pertinente a cada período em questão, bem como as correntes éticas modernas e contemporâneas, seus mais relevantes pensadores e as problemáticas abordadas. Com relação à �loso�a política, abordaremos as visões políticas desde a antiguidade até os dias atuais, mostrando as noções de bem comum em cada uma dessas épocas, por meio das contribuições dos clássicos gregos e cristãos no tocante ao ideário político então vigente, possibilitando o entendimento sobre a re�exão política entre os pensadores modernos e contemporâneos e a compreensão das diferentes ideologias políticas atuais com suas inerentes imbricações. Esta disciplina, embora teórica, pretende proporcionar sólidas bases racionais para as tomadas de decisão práticas diante dos dilemas éticos que poderão surgir nos momentos cruciais aos quais todos estamos expostos. Pretende, também, ajudar no desenvolvimento da re�exão crítica, profunda e bem fundamentada diante da Deseja ouvir este material? Áudio disponível no material digital. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 1 of 2 29/05/2021 09:52 análise do panorama político em que nos encontramos imersos, como compete a um estudante de nível superior. Por isso, não se trata de uma disciplina desvinculada da vida e da prática pro�ssional que, em breve, esperamos que você esteja em condições de bem desenvolver. Bons estudos! 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 2 of 2 29/05/2021 09:52 NÃO PODE FALTAR ÉTICA E MORAL José Adir Lins Machado N CONVITE AO ESTUDO esta primeira unidade, trabalharemos os conteúdos relacionados à origem da ética e suas diferenciações com a moral, bem como as características de cada uma delas. De modo geral, vamos nos dedicar à ética grega, sobretudo aristotélica, e, posteriormente, à ética cristã. Buscaremos mostrar que ambas têm em comum o reconhecimento do papel das virtudes para as ações e re�exões corretas e boas, como um pressuposto para se alcançar a felicidade. A felicidade é apontada como o maior valor moral da vida humana, tanto por Aristóteles quanto pelos principais �lósofos do período helenístico, chegando até Tomás de Aquino. Porém, há divergências entre eles com relação ao modo como alcançamos a felicidade. Os primeiros enfatizam aspectos ligados à racionalidade, e os cristãos pressupõem uma base �deísta, além da crença numa vida futura e eterna, com suas promessas e exigências. O questionamento que norteará a nossa re�exão nesta unidade é: em que consiste a felicidade? BASES PARA O CONCEITO DE ÉTICA As percepções sobre moral e virtude foram uma das bases para a construção do conceito de ética. Fonte: Shutterstock. Deseja ouvir este material? Áudio disponível no material digital. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 1 of 13 29/05/2021 09:52 À guisa de enriquecimento re�exivo, apresentamos o alerta bíblico encontrado no Evangelho de Lucas (12, 16-21), onde se lê que a terra de um homem rico deu uma grande colheita e ele pensou em derrubar seus celeiros e construir outros maiores para guardar todo o trigo, juntamente com os seus bens. E, então, com uma boa reserva para muitos anos descansar, comer, beber e alegrar-se! Mas, naquela mesma noite, acabou falecendo. Esse relato nos lembra que, se não estivermos atentos, podemos ser levados por conceitos frágeis e super�ciais de felicidade, como bem demonstra, também, a anedota do pescador mexicano, na qual se relata que um empreendedor americano, em férias no México, avista um pescador que, após uma boa pescaria, encerra suas atividades. O turista pergunta por que ele está parando tão cedo, e ele responde que é para curtir a família e a vida, cantando e bebendo com os amigos. O turista sugere que ele trabalhe por mais tempo, pois, desse modo, poderá fazer fortuna. O pescador questiona quanto tempo demoraria para isso acontecer e por qual motivo ele deveria correr atrás da fortuna, e o americano responde que deve demorar uns vinte anos, após os quais ele poderá se aposentar e curtir a família e a vida, cantando e bebendo com os amigos. Isso não signi�ca que devemos nos acomodar e deixar de ter ambição na vida. Também não signi�ca que não devemos ser prudentes e precavidos. Signi�ca que pode acontecer de sermos levados por uma mentalidade dominante sem questionarmos o seu verdadeiro escopo, e que podemos andar muito para, no �m, chegarmos ao lugar onde já estávamos. A nossa re�exão, nesta unidade, será sobre as diversas maneiras de conceber a felicidade, entendendo felicidade como vida boa, viver bem ou gostar de viver. E você terá a oportunidade de conhecer o pensamento de importantes �lósofos sobre essa temática, com destaque para Aristóteles e os helenistas. PRATICAR PARA APRENDER Prezado aluno, nesta seção abordaremos o surgimento da ética, desde os mitos até a sua racionalização por meio da contribuição de Sócrates. Trataremos da diferenciação entre ética e moral e das peculiaridades de cada uma delas. Por �m, apresentaremos a ética sofística e a polêmica entre esta e a socrática. Para uma correta compreensão desse contexto, faz-se necessário lembrar que a cultura grega de hoje em dia é bem diferente da cultura brasileira da atualidade. Então, se pensamos diferente vivendo na mesma época, certamente a cultura grega de mais de dois mil e quinhentos anos será ainda mais distante da nossa. Diante disso, precisamos conhecer um pouco das visões de mundo, de tempo, de liberdade e de destino vigentes na mentalidade grega antiga, e que estão na base das suas concepções éticas e mitológicas, sobrevivendo, posteriormente – embora 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 2 of 13 29/05/2021 09:52 de maneira atenuada –, na ética �losó�ca emergente. Embora Homero seja o poeta que mais exerceu in�uências sobre a cultura grega e o que mais forneceu modelos éticos, sobretudo aos atenienses, vamos nos valer da contribuição de Sófocles (497-406 a.C.) para iniciar a nossa re�exão. Ele escreveu mais de cem peças teatrais, mas hoje conhecemos apenas sete delas, sendo a peça Édipo Rei uma das que mais possibilita entender a questão da liberdade e do destino daquela época. O rei Pélops lançou sobre Laios, pai de Édipo, a maldição de ser assassinado por seu �lho e ter sua esposa, a viúva Jocasta, desposada pelo próprio �lho. Portanto, Édipo já nasceu com esse destino trágico, amaldiçoado e sem jamais poder interferir nesse rumo ou alterá-lo, pois, para os gregos, ninguém poderia fugir do destino, nem os homens nem os deuses. Figura 1.1 | Édipo e a Es�nge (1808) − pintura de Jean Auguste Dominique Ingres Fonte: Wikipédia. As três parcas, Cloto, Láquesis e Átropos, costuravam o �o do destino dos homens e dos deuses. Mas a tragédia de Édipo não se encerra com ele, pois, após sua morte, os seus �lhos, Polínices e Etéocles, disputaram o trono e acabaram se matando. O seu cunhado, Creonte, assumiu o poder e emitiu um edito decretando que o mais velho, Polínices, �caria sem sepultura, para servir de exemplo aos revoltosos. Antígona, uma das �lhas de Édipo, julga que existe uma lei natural, ou lei dos deuses, que antecede a lei positivada, aquela decretada por seu tio, e resolve sepultar o próprio irmão. Feito isso, ela acaba por se expor à pena estabelecida por Creonte: ser enterrada viva. Valendo-nos dessa trágica peça teatral, a qual, bem compreendida, poderá nos 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 3 of 13 29/05/2021 09:52 fornecer luzes para uma melhor compreensão do ambiente grego, apresentamos a seguinte situação: João Pedro é estudante universitário do período noturno de uma instituição situada em uma das maiores metrópoles brasileiras. Após o término da aula, ele se dirige para a periferia, onde reside com a sua família. Todas as noites ele passa por um semáforo próximo a uma região marcadamente violenta e, por esse motivo, algumas vezes deixa de parar no sinal vermelho. Por conta disso, recebeu noti�cações da polícia rodoviária. Ele alega que o semáforo tem por objetivo agilizar o trânsito e preservar a vida e que, ao parar no sinal vermelho, há o risco da não preservação da vida. O seu dilema está entre obedecer a lei e parar no sinal vermelho, tendo sua vida ameaçada, ou continuar seguindo a sua consciência. João Pedro resolveu aproveitar o caso para propor um debate em sala de aula com as seguintes questões: existem leis naturais? Caso elas existam, e se porventura vierem a se chocar com as leis positivadas, decretadas, qual delas nós deveríamos escolher seguir? Esses questionamentos foram levantados e a liberdade é um dos pressupostos da ação moral, considerando que só quem age livremente deve responder por seus atos, sejam eles bons ou maus. Se existe uma lei natural, o que signi�ca que ela nasce conosco, essa lei se revela em nossa consciência moral e, assim, agindo em consonância com a nossa consciência, podemos ser mais livres do que agindo por força de leis externas. Essa é a pertinência do tema liberdade no âmbito da ética. CONCEITO-CHAVE É bastante comum usarmos indistintamente os termos ética e moral como sendo sinônimos e plenamente correspondentes. Na linguagem coloquial não é errado procedermos dessa maneira, contudo esses termos têm origens e conceituações diferentes, e, por esta razão, guardam signi�cações distintas, das quais é recomendável termos, ao menos, certa noção. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 4 of 13 29/05/2021 09:52 ÉTICA E MORAL A etimologia da palavra ética faz referência ao ambiente onde os animais �cavam protegidos e que, aos poucos, acabou sinalizando, também, proteção humana. Como os gregos não tinham a pronúncia da letra “e” de forma aguda e grave (e/é), mas de forma breve e longa (ê/ei), usavam duas letras diferentes, o eta (η), o “e” longo, e o épsilon (ε), o “e” curto, para indicar essa variação. Assim, ηθος (eithôs) signi�ca hábito, costume, e εθος (êthos) tinha o sentido de temperamento, caráter (CHAUÍ, 2000). Se a palavra êthikos, na língua grega, lembra habitação e costume, na língua latina, as palavras mor e mores também se referem tanto à moradia quanto a costume. E, de acordo com MacIntyre (2001), a palavra moral teria sido criada por Cícero para traduzir a palavra grega êthikos, cujo signi�cado era “pertencente ao caráter”, ou seja, as disposições para comportar-se de determinada maneira. REFLITA A palavra hábito e a palavra habitação têm a mesma raiz, embora, hoje, tenham signi�cados bem diferentes. Curiosamente as palavras moral e moradia também procedem do mesmo radical, ainda que hoje com signi�cação distante. Talvez você ainda não tivesse se dado conta disso, mas no princípio cada habitação, cada moradia tinha os seus costumes, os seus hábitos, daí a origem do vínculo. Aos poucos as traduções da moralis latina de Cícero foram evoluindo até adquirir o sentido atual. Desse modo, a ética passou a ser compreendida como a re�exão acerca das regras e dos comportamentos morais, sendo, portanto, teórica, com caráter universal e sempre com uma re�exão em torno do conceito de bem. E a moral �cou entendida como sendo a ação em si, por isso ela é prática e pode ser local, contextualizada, haja vista que se baseia nos costumes. A moral é o modo como o conceito de bem se efetiva na prática, converte-se em atos, ações. Podendo ser, também, o conjunto de regras que norteiam as ações (MACINTYRE, 2001). A ÉTICA NOS MITOS 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 5 of 13 29/05/2021 09:52 Há quem sustente que a ética teve o seu início com Sócrates, mas, dependendo do que estivermos considerando, isso pode não ser verdadeiro. A ética racionalista realmente tem início, de modo re�exivo, com Sócrates. Antes dele nós temos a contribuição dos so�stas, porém a ética defendida por eles não se baseava no uso correto da razão, mas no impulso e na busca do prazer. Antes dos so�stas, os mitos apresentavam elementos éticos, porém não de modo re�exivo, e sim como modelos éticos a serem seguidos. Os jovens gregos buscavam ser como Aquiles, Ulysses, Hércules e outros heróis, os quais eram virtuosos. Porém, os mitos não re�etiam criticamente sobre esta questão. EXEMPLIFICANDO As virtudes épicas eram coragem, honradez, justiça, lealdade, dentre outras (isso já consta no livro Introdução à Filoso�a). As quais foram racionalizadas pelos primeiros �lósofos. Os mitos deram importantes contribuições para a formação do povo grego, o qual vivenciava intenso con�ito entre as camadas que o constituíam (MACINTYRE, 1991). Grande parte desses con�itos é ilustrada por Homero em suas duas obras magnas: Ilíada e Odisseia. Elas são uma amostra de tradições incompatíveis de justiça e de racionalidade prática. A tradução dos poemas homéricos limita aquilo que suas palavras expressavam na época. As palavras já não signi�cam aquilo que signi�cavam originalmente. Díke, por exemplo, tem sido traduzida por justiça, mas ela signi�cava que o universo seguia uma ordem, e seria reta se estivesse de acordo com a thémis, aquilo que é ordenado, estabelecido. A ordem exige que o homem saiba qual é o seu lugar dentro da estrutura e que execute aquilo que o seu papel exige. A areté, traduzida como virtude, é a qualidade que torna o indivíduo capaz de fazer aquilo que o seu papel exige (MACINTYRE, 1991). Essa ideia transmitida por Homero de que ser bom signi�ca desempenhar bem o seu papel acabou prevalecendo na cultura grega antiga (MACINTYRE, 1991), e o protótipo de homem bom acabou sendo aquele que sabe tanto agir quanto julgar corretamente, deliberar bem e tomar decisões acertadas. Dado que não havia regras que prescrevessem o que devia ser feito nas circunstâncias particulares, era necessário saber como agir sem �car na dependência delas, e isso caberia à prudência e ao discernimento. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 6 of 13 29/05/2021 09:52 Percebe-se que os mitos homéricos já ofereciam elementos motivacionais para o agir dos gregos, que, por sua vez, vai oferecer elementos para as peças de Sófocles, as quais possuem elementos racionais, embora ainda sejam uma mistura do imaginário com o racional. A compreensão mitológica não é estática, ela tem um movimento interno, ela muda com o passar do tempo (REALE; ANTISERI, 2003). Sófocles se vale dos mitos para fazer críticas sociais, pois, nessa época, o imaginário presente na visão homérica começa a ceder lugar ao inteligível. Sófocles, valendo-se de sua arte, faz importantes e pertinentes críticas à estrutura política vigente. Quando Sófocles escreveu suas peças, Atenas havia sido vítima de uma peste, tal qual a cidade de Tebas, de Édipo. Pesava sobre Péricles uma maldição por um assassinato sacrílego praticado por um ancestral (MACINTYRE, 1991), e o mesmo ocorre com Édipo: Laios havia sido acusado do assassinato do suicida Crísipo, �lho de Pélops, rei da Frigia, e, por isso, foi amaldiçoado por esse rei. Para derrotar Esparta, os atenienses buscaram o apoio das demais cidades; para derrotar Troia, os gregos buscaram a ajuda de Filoctetes. Em Lemnos, os atenienses haviam aprisionado os rebelados de Samos; em Lemnos, Filoctetes é abandonado. Atenas constrói um templo a Asclépio; Filoctetes recebe promessa de cura pelos seguidores de Asclépio. Atenas se depara com o con�ito entre os bens de excelência e os bens de e�cácia; Neoptólemo se depara com o con�ito entre a honra e o roubo do arco de Filoctetes. Péricles a�rma ter consideração pelos que sofreram injustiças; Neoptólemo se arrepende de praticar injustiça à Filoctetes. Há, ainda, a questão da justiça dos deuses e dos homens presente no enredo de Antígona e na Atenas de Péricles. Na sequência, os con�itos presentes no mito e na pólis – pois a pólis é o cenário onde tudo acontece – ganharão a re�exão crítica da Filoso�a, a começar com os so�stas. A ÉTICA DOS SOFISTAS Os so�stas foram os primeiros a tratar a ética de modo re�exivo, a teorizar sobre o modo correto de agir com vistas à felicidade. Mas as suas re�exões não tiveram grande aceitação e continuidade, possivelmente por conta de terem sido combatidas pelos principais �lósofos daquela época e, de modo especial, por Sócrates e Platão. Os so�stas defendiam que os valores se baseavam em convenções e não eram naturais aos seres humanos, uma vez que, sendo o homem a medida de todas as coisas, é ele quem de�ne tudo, inclusive os valores éticos. Para eles, o importante era o homem ser feliz, porém sustentaram que a felicidade 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 7 of 13 29/05/2021 09:52 dependeria do desfrute de uma vida de prazer, poder e riqueza. Talvez não haja nada de errado ou de ruim em se buscar uma vida de prazer, poder e riqueza, mas mesmo assim há que se admitir, diante das evidências, que, por si só, esses elementos não são su�cientes para garantir necessariamente a posse da felicidade. Há quem os desfrute em graus mais elevados, mas seja feliz em graus menores, ou nem sequer seja feliz. Podendo também ocorrer o contrário, não desfrutar deles e ser feliz. Parece que Sócrates foi uma das primeiras pessoas a perceber isso e acabou discordando deles. A ÉTICA EM SÓCRATES A formação do pensamento de Sócrates ocorreu por meio do seu contato com os so�stas primeiramente e, posteriormente, por meio do pensamento de Anaxágoras de Clazômena (500-428 a.C.), tendo se desenvolvido mais, sobretudo, por meio da re�exão pessoal. Ele entendia que a sua missão era parecida com a de Fenareta, sua mãe. Ela era uma parteira e, enquanto ela ajudava as mães a dar à luz os seus �lhos, ele ajudaria as pessoas a dar à luz suas ideias. E o método que ele utilizou para realizar essa missão foi a dialética, composto de dois momentos: a ironia e a maiêutica. Por meio de perguntas, Sócrates mostrava que as opiniões não se sustentavam e que elas os enganavam (ironia); depois, levava as pessoas a re�etir por conta própria (maiêutica). Mas esse método incomodava muita gente, pois colocava a descoberto as suas vaidades. Por conta disso, ele começou a angariar adversários. “Considerava que a sua missão era expor a ignorância dos outros quanto à verdadeira natureza dessas virtudes [justiça, coragem e bondade] e era conhecido por constranger os sábios da época ao revelar a confusão implícita em seus pensamentos morais” (LAW, 2008, p. 242). As suas indagações e questionamentos tinham por base a �rme convicção de que “uma vida sem re�exão não merece ser vivida” (PESSANHA, 1999, p. 67). O homem não deve viver na ilusão, no erro e no engano e, para evitar isso, deve se empenhar em conhecer a verdade, o que é possível por meio da re�exão. “A verdade, escondida em cada um de nós, só é visível aos olhos da razão” (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 177). Divergindo dos so�stas e rompendo com eles, Sócrates a�rmou justamente o contrário. Enquanto para os so�stas tudo é relativo, inclusive o bem e a verdade – o que comprometeria a ciência e a ética –, para Sócrates tudo tem uma essência, uma razão de ser, um motivo para existir. A essência do homem é a sua alma, entendida como razão, como logos, a consciência. Conforme Reale e Antiseri (2003, pp. 94-95): 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 8 of 13 29/05/2021 09:52 Se tudo tem uma essência, e a essência do homem é a sua alma, a sua psique, esta também deve ter uma essência. E é a resposta ao questionamento sobre essa essência que nos permitirá entender a seguinte indagação: por que os seres humanos foram dotados de racionalidade? Dirá Sócrates que o motivo, a razão de ser, da nossa racionalidade é o de buscarmos a bondade, a beleza e a verdade nos acontecimentos, nos objetos, nas pessoas, na vida em geral. Somos os únicos seres dotados de racionalidade e devemos usá-la para esse �m. EXEMPLIFICANDO Para exempli�car o posicionamento socrático diante da a�rmação dos so�stas, vamos imaginar o seguinte: se a felicidade fosse necessariamente garantida por uma vida de prazer, poder e riqueza, possivelmente os jovens cantores vitimados pela “maldição dos 27”, Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Kurt Cobain, Amy Winehouse, entre outros, certamente não teriam abreviado a própria existência. Se a essência da alma é buscar o bem, o belo e o verdadeiro – com ênfase na busca, e não na posse, pois quem possui não busca –, então o homem jamais deve se julgar possuidor desses elementos, mas alguém que está sempre em busca, sempre anseia e procura por eles. Devemos amar a verdade, mas não a defender, pois, se a defendermos, pressuporemos que a temos. Segundo Sócrates, a mais expressiva demonstração de que somos dotados de alma é encontrada no fato de conseguirmos exercer a enkrateia, termo que se refere à capacidade que temos de nos autodominarmos, exercermos sobre nós mesmos um autocontrole. Kracia, ou kratos, em grego, é poder, e enkrateia é ter poder sobre si mesmo. É o poder que a nossa razão exerce diante dos estados de prazer, dor e cansaço, das paixões e dos impulsos (REALE; ANTISERI, 2003), que sinaliza para uma energia, alma, que domina uma matéria, corpo. Os Naturalistas procuraram responder à seguinte questão: "O que é a natureza ou a realidade última das coisas?" Sócrates, ao contrário, procura responder à questão: "O que é a natureza ou realidade última do homem?", ou seja: "O que é a essência do homem?". A resposta é, �nalmente, precisa e inequívoca: o homem é a sua alma, enquanto é precisamente sua alma que o distingue especi�camente de qualquer outra coisa. E por "alma" Sócrates entende a nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante. Em poucas palavras: para Sócrates a alma é o eu consciente, ou seja, a consciência e a personalidade intelectual e moral. Consequentemente, com essa descoberta, como foi justamente salientado, Sócrates criou a tradição moral e intelectual sobre a qual a Europa espiritualmente se construiu. “ 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 9 of 13 29/05/2021 09:52 “SÓ SEI QUE NADA SEI” Sócrates acreditava que a sua missão era ajudar os homens a se conhecerem melhor, pois só assim poderiam viver melhor, com sabedoria e virtude (MONDIN, 1982). Por isso, ele estava mais preocupado com o valor do conhecimento humano do que com os princípios supremos do universo. Essa preocupação antropológica (anthropos signi�ca homem, em grego) aparece já no lema por ele adotado e que se encontrava no pórtico do templo de Apolo, em Delphos: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. O empenho na realização dessa missão aumentou ainda mais depois que o seu discípulo e amigo de infância, Querefonte, consultou o oráculo da pitonisa no templo de Apolo, em Delphos, indagando sobre quem era o homem mais sábio de então, tendo obtido como resposta que era Sócrates. Quando Querefonte contou a Sócrates que ele havia sido apontado como o homem mais sábio que existia, ele não aceitou de imediato tal honraria e procurou certi�car-se disso conversando com todas as pessoas que poderiam ser consideradas sábias. Ao conversar com essas pessoas que acreditavam tudo saber, percebeu que elas ignoravam que havia coisas que elas não conheciam, ou seja, elas não sabiam dos limites dos seus conhecimentos, desconheciam a própria ignorância. Sócrates percebeu que ele sabia tanto quanto essas pessoas, mas, além disso, ele também sabia que não conhecia tudo, ou seja, ele tinha algo a mais do que elas, pois era consciente da sua ignorância. Daí vem a sua conhecida frase: “Só sei que nada sei”. Essa frase parece contraditória, pois saber que não se sabe nada já é saber alguma coisa e, portanto, exclui-se o nada, mas o seu sentido é “sei que não sei tudo”. Segundo Marilena É nesse autodomínio que encontramos o fundamento, a base da virtude, pois é a alma dominando o corpo, é a racionalidade dominando a animalidade, é tornar a alma senhora do corpo, dos instintos e das paixões, superando o medo, o ciúme, a inveja, a vaidade, etc. É por isso que Sócrates defende que só é livre aquele que consegue dominar-se pela racionalidade. O homem verdadeiro e virtuoso sabe dominar seus instintos, enquanto aquele que não consegue dominá-los é vítima deles, tornando-se seu escravo (REALE; ANTISERI, 2003). Pode-se dizer que Sócrates nos apresenta um novo conceito de herói, não como aquele que vence todos os inimigos, perigos, adversidades e agentes externos, mas como aquele que vence os inimigos internos que procuram se apossar da alma humana (REALE; ANTISERI, 2003), como aquele que vence a si mesmo. Daí a necessidade de o homem se autoconhecer, sobretudo nos momentos extremos em que será mais exigida a sua virtude. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 10 of 13 29/05/2021 09:52 Chauí (2000), no entanto, essa frase faz parte do método socrático, o qual, através das perguntas, mostrava às pessoas que elas não tinham respostas para tudo o que acreditavam saber. Quando essas pessoas, confusas, pediam a resposta a Sócrates, ele dizia que também não sabia e a�rmava “só sei que nada sei”, mostrando que a consciência da ignorância é o começo da �loso�a. Sócrates não queria a opinião, queria a essência das coisas, pois a opinião muda, mas a essência permanece. RACIONALISMO ÉTICO De acordo com Sócrates, a busca do bem seria a essência da alma. Quem conhece o bem, pratica-o; só age mal aquele que ignora o bem. Essa tese é conhecida como racionalismo ético. O homem deve conhecer e praticar o bem, buscando a virtude (excelência, aquilo que é melhor). E, segundo Sócrates, “a virtude não nasce da riqueza, mas a riqueza nasce da virtude” (PESSANHA, 1999, p. 57). Somente as virtudes podem fazer com que o homem seja senhor de si por meio do autodomínio, “no domínio de si mesmo nos estados de prazer, dor e cansaço, no urgir das paixões e dos impulsos” (REALE, 1990, p. 91). Trata-se de fazer a alma tornar-se senhora do corpo. Somente quando age dessa maneira, o homem estaria, segundo Sócrates, sendo verdadeiramente livre. PAI DA ÉTICA Sócrates não escreveu nenhum tratado sobre ética, não nos deixou nenhuma obra versando sobre essa temática e mesmo assim é considerado o pai da ética em função, primeiro, do alcance e da profundidade das suas ideias e, segundo, por ter vivido de modo muito coerente com elas. Diz-se que ele nunca cometeu nada de errado e que – apesar de sofrer uma sentença injusta, a qual acabou resultando em sua morte –, mesmo tendo a oportunidade de fugir da prisão, escolheu permanecer, alegando que não conseguia imaginar como seria continuar vivendo com um peso na consciência por ter cometido um erro. Figura 1.2 | A morte de Sócrates (1787) – por Jacques Louis David Fonte: Shutterstock. E quando Críton, o discípulo que havia planejado a sua fuga, alegou que a sua 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 11 of 13 29/05/2021 09:52 morte era resultado de uma injustiça cometida contra ele, ele respondeu que um erro não justi�caria o outro e, mesmo alguém tendo errado a seu respeito, isso não lhe daria o direito de errar também. Sendo assim, preferiu enfrentar a morte de forma coerente com a mentalidade grega daquela época, quando se acreditava que era melhor morrer do que perder a honra. ASSIMILE A ética socrática tem por base a virtude. Mas o que é a virtude? Marcondes e Japiassú (2001, p. 189) nos dizem que virtude, do latim virtus, em seu sentido originário, designa uma qualidade ou característica de algo, uma força ou potência que pertence à natureza de algo, sentido que encontramos na expressão "em virtude de". Por exemplo: "em virtude do mau tempo, o espetáculo foi cancelado". Trazendo para o campo da ética, a virtude é a qualidade que faz com que uma pessoa se comprometa com o bem de maneira ampla e não apenas para si. Segundo Platão, isso já nasce conosco, ela não é ensinada. Mas Aristóteles discorda do seu mestre e defende que é ela é adquirida, sim, que ela é resultado do treinamento, do hábito. Segundo ele, ela é uma disposição adquirida voluntariamente, a qual se encontra na medida justa entre dois extremos, um pelo excesso, outro pela falta. Em grego a virtude é aretê e o seu oposto é o vício Kakia. Na �loso�a moderna, a virtude é vista como a força da alma ou do caráter, uma inclinação para o bem. Segundo Kant, a virtude é a força de resolução que o homem revela na realização do seu dever, podendo manifestar-se por meio da coragem, da justiça, da lealdade, etc. quando canalizadas para o bem. Para �nalizar seus estudos, que tal testar seus conhecimentos? REFERÊNCIAS CHAUÍ, M. Convite à Filoso�a. São Paulo: Ática, 2000. COTRIM, G. Fundamentos da Filoso�a: História e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. FABRO, R. E.; BAEZ, N. L. X. Os limites da autonomia da vontade na disposição do corpo: Estudo do leading case Canibal de Rotemburg. Unoesc International Legal Seminar, Chapecó, v. 2, n. 1, p. 231-242, 2013. Disponível em: https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/uils/article/view/4010/2146. Acesso em: 22 nov. 2019. Para visualizar o vídeo, acesse seu material digital. Faça o download do conteúdo do Quiz 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 12 of 13 29/05/2021 09:52 FLORES, J. H. P.; CHINEZE, A. M. Como Evangelizar com parábolas. 6. ed. São Paulo: Canção Nova, 2008. HUME, D. Ensaios, morais, políticos e literários. Tradução Luciano Trigo. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004. JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filoso�a. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. LAW, S. Filoso�a: Guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. MACINTYRE, A. Depois da virtude. Tradução Jussara Simões. Bauru: Edusc, 2001. MONDIN, B. Curso de Filoso�a: os �lósofos do ocidente. 8. ed. Tradução Benoni Lemos. São Paulo: Paulus, 1982. v. 1. MORA J. F. Dicionário de Filoso�a. Tradução Antônio José Massano e Manuel Palmeirim. Lisboa: Dom Quixote, 1978. PESSANHA, J. A. M. (org.). Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999. REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filoso�a: Antiguidade e Idade Média. 5. ed. São Paulo: Paulus, 1990. REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filoso�a: Filoso�a pagã antiga. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003. v. 1. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 13 of 13 29/05/2021 09:52 FOCO NO MERCADO DE TRABALHO ÉTICA E MORAL José Adir Lins Machado SEM MEDO DE ERRAR Retomamos agora o questionamento inicial desta seção, o qual apresentamos por meio do dilema de João Pedro diante do risco de expor a própria vida ao parar em um sinal vermelho em horário de alta periculosidade, valendo-se dos enredos das peças de Édipo Rei e Antígona com a intenção de nos fornecer luzes para uma melhor compreensão da mentalidade grega. Para entender melhor essa situação, João Pedro propôs um debate com as seguintes questões: existem leis naturais? Caso elas existam, e, se porventura, vierem a se chocar com as leis positivadas, aquelas que são decretadas pelos órgãos competentes, qual delas nós devemos escolher seguir? Se analisarmos essas questões na perspectiva mitológica, conforme vimos, possivelmente deveremos sinalizar para a existência de leis naturais, pois, na visão mitológica, tudo o que ocorre só ocorre porque tem de ocorrer, não há liberdade, ÉTICA SOCRÁTICA A ética socrática é conhecida como racionalismo ético, pois, para Sócrates, a partir do momento em que a alma conhece o bem, necessariamente adere ao bem. Fonte: Shutterstock. Deseja ouvir este material? Áudio disponível no material digital. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 1 of 2 29/05/2021 09:53 tudo já está previamente de�nido. Algumas vezes as leis naturais são chamadas por eles de leis dos deuses, tal qual aparece na peça Antígona, na qual a personagem se recusa a obedecer a lei decretada por seu tio Creonte e a�rma que seu compromisso é com a lei dos deuses. Foi na passagem do mito para o logos que os gregos perceberam que a elaboração das leis não era prerrogativa única dos deuses, mas os homens também podiam, a partir das suas participações na ágora, elaborá-las de modo racional. Contudo, mesmo as leis sendo criações humanas, elas são feitas com base na ideia do bem, e essa ideia em si seria natural, pois estaria assentada na consciência humana. Assim, as leis positivadas são expressões da lei natural. Já para os so�stas não existe lei natural nem bem natural, tudo é criação humana, tudo é convenção. O homem decide o que é o bem e com base nessa decisão elabora as leis que lhe dão expressão. Contudo, não será essa a mentalidade que prevalecerá, mas, sim, a de Sócrates, para quem tudo tem uma essência, inclusive o bem. Portanto, existe o bem em si, a verdade em si, e assim por diante, eles não são meras convenções humanas. E só existe um modo de conhecermos o bem, trata-se do correto da razão. Com base nisso, Sócrates passou a defender que quem conhece o bem necessariamente faz o bem, jamais faz o mal. Só fará o mal aquele que não sabe o que está fazendo, ou seja, que desconhece, que ignora que a sua ação seja má. Concluiu, então, que o bem é o conhecimento e o mal é a ignorância. Concepção conhecida por racionalismo ético ou intelectualismo moral. E isso nos ajuda a entender o porquê de Sócrates insistir para que o homem se autoconheça, uma vez que a falta de conhecimento sobre si mesmo poderá comprometer as suas ações dando vazão para a realização do mal. Sócrates era um homem �sicamente forte e de �rmeza de caráter também e, presumivelmente, acabou concluindo que todos poderiam ter a mesma força e determinação que ele tinha, levando-o a defender que o conhecimento do bem já seria a garantia da sua realização, contudo a sua visão não foi aceita por unanimidade. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 2 of 2 29/05/2021 09:53 NÃO PODE FALTAR A ÉTICA EUDAIMONISTA José Adir Lins Machado PRATICAR PARA APRENDER Prezado aluno, segundo Sócrates “uma vida sem re�exão não merece ser vivida” (PESSANHA, 1999, p. 67), ou seja, se passarmos pela vida sem saber por que a vivemos, ela terá sido em vão. De acordo com o pensamento de Aristóteles, a �nalidade da nossa vida é alcançar a felicidade, o sumo bem que um ser humano pode aspirar (ARISTÓTELES, 1973). E é isso que será abordado nesta seção. Não é um tema qualquer, pois trata do maior bem possível para a nossa vida, de acordo com o pensamento aristotélico. As doutrinas éticas que colocam a felicidade como bem supremo denominam-se eudaimonistas, razão do título desta seção. Uma das di�culdades encontradas é de�nir felicidade, onde podemos encontrá-la e como a encontramos. Estaria a felicidade atrelada às grandes realizações? Às grandes fortunas? À fama? Aos prazeres da vida? Tudo isso é bom, mas há quem desfrute dessas realidades e não se sinta feliz. O que não signi�ca que devemos desprezá-las. E, no mundo atual, cresce o número de pessoas deprimidas e com FELICIDADE OU ALEGRIA? É muito fácil confundir a ideia de estar feliz com a ideia de estar alegre. Por essa razão, é importante aprender a diferenciar esses conceitos. Fonte: Shutterstock. Deseja ouvir este material? Áudio disponível no material digital. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 1 of 13 29/05/2021 09:54 um grande vazio existencial mesmo desfrutando de uma vida cômoda e abastada. Para mobilizar a nossa re�exão, queremos que você conheça a história de Tomás, um pro�ssional bem-sucedido, alegre, bastante solidário e solícito aos problemas sociais, admirado por muitos, mas que guarda dentro de si uma enorme insatisfação com a vida. Ninguém percebia a sua agonia interna, e todos acreditavam que o sucesso era a garantia da sua felicidade. Sexagenário e carregando sua dura sina, desenvolveu uma profunda depressão. Um dia, expondo sua situação ao psicanalista, ouviu deste que há quem acredite que a felicidade depende de fatores externos; ele citou, então, antigos so�stas que sustentavam que para o homem ser feliz precisaria desfrutar de prazer, poder e riqueza. Ele também citou a contraposição de Sócrates, que acabou discordando dos so�stas por perceber que, mesmo quem levava uma vida de prazer, poder e riqueza, por vezes não era feliz ou era menos feliz do que aqueles que não a levavam desse modo. Lembrou, ainda, que hoje, quando presenciamos um considerável número de pessoas falecidas aos 27 anos, situação, inclusive, rotulada de “maldição dos 27”, e percebemos que tais pessoas levavam uma vida pautada pelos elementos apontados pelos so�stas, acabamos nos questionando: em que consiste a felicidade? Para fornecer elementos à nossa re�exão, vamos recorrer ao pensamento de Aristóteles, pois compreender e explicar o que é a felicidade foi uma das tarefas em que ele mais se empenhou. Porém, para uma melhor compreensão do pensamento aristotélico é importante conhecer a contribuição de Platão, o seu mestre. Por �m, vamos abordar como essa temática se desdobrou após a morte de Aristóteles e o �m do esplendor da cultura grega coincidindo com a ascensão de uma nova cultura, a romana. Nesse momento, duas correntes �losó�cas, entre outras, dedicaram-se a esse tema: o epicurismo e o estoicismo, correntes bastante populares no Império Romano que sobreviveram, em parte, no cristianismo. Bons estudos! CONCEITO-CHAVE Prezado aluno, você já se deu conta de que muitas vezes usamos as palavras sem sabermos muito bem o seu verdadeiro sentido? Talvez seja por isso que é bastante comum confundirmos alegria com felicidade. Quando notamos uma pessoa alegre, por vezes dizemos que ela está feliz, mas esperamos que até o �nal desta seção você tenha mais clareza sobre o que é ser feliz. Tales de Mileto (625-558 a.C.) a�rmava que feliz é "quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada" (LAÊRTIOS, 2008, p. 22). Demócrito de Abdera (460-370 a.C.) entendia a felicidade como "a medida do prazer e a proporção da 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 2 of 13 29/05/2021 09:54 vida" (PESSANHA, 1996, p. 322) ao manter-se afastado dos defeitos e dos excessos. FELICIDADE, VIRTUDE, JUSTIÇA E BEM EM PLATÃO Segundo Platão, a felicidade não consiste no prazer, pois ela está relacionada com a virtude. Para ele, os felizes são felizes por possuírem a justiça e a temperança (PLATÃO, 1973), as quais são virtudes. E a virtude é a capacidade da alma de cumprir seu próprio dever, ou seja, de dirigir o homem da melhor maneira (PLATÃO, 1949). Portanto, a noção platônica de felicidade é relativa à situação do homem no mundo e aos deveres que aqui lhe cabem. Ao criar a teoria dos dois mundos – mundo das ideias e mundo material – Platão identi�ca o bem com o agir em conformidade com as ideias puras, perfeitas e eternas, atingíveis apenas pela alma. O verdadeiro bem se encontra na contemplação do mundo das ideias, que exige a fuga, o desprezo do mundo material, onde os sentidos nos enganam ao nos fornecerem um conhecimento apenas aparente. Virtuoso é aquele que sabe afugentar as paixões, os instintos e desejos e agir em conformidade com a razão, a alma humana. Nesse sentido, o corpo é visto como o cárcere da alma e os desejos são entendidos como a fonte de vícios, o que signi�ca que quanto mais suprimirmos nossos apetites mais racionalmente agiremos e mais livres seremos. Segundo Sócrates, a tarefa suprema do homem é cuidar de sua alma, e Platão não só concorda com isso, mas também explica que esse cuidado signi�ca puri�car a alma, transcendendo aos sentidos de modo a alcançar o mundo das ideias, o mundo do puro espírito ao qual se chega por um processo de elevação ao conhecimento supremo do inteligível. Esse mundo é constituído por uma multiplicidade de ideias e, inclusive, de valores estéticos e morais, de objetos físicos, formas geométricas e conceitos matemáticos. O mundo das ideias de Platão foi concebido hierarquicamente indo das ideias inferiores às superiores, cujo ápice é ocupado por uma ideia, que é condição para as demais, mas não é condicionada por nenhuma outra. Segundo Platão, essa ideia incondicionada, ou absoluta, é a ideia do bem. E é sobre essa ideia do bem que se assentam as virtudes (REALE; ANTISERI, 2003). 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 3 of 13 29/05/2021 09:54 Figura 1.3 | Platão Fonte: Shutterstock. Platão acreditava que o homem nascia com virtudes, porém elas estavam adormecidas e precisavam ser despertadas, rememoradas. Isso acontecia porque, antes de nascer, a alma humana vivia no mundo das ideias, também chamado de hiperurânio. Ao nascer, a alma esquecia da vida anterior e aos poucos, a partir da sua vivência, ia relembrando-a. A maior das virtudes era a justiça, a qual estava intimamente atrelada ao funcionamento das três almas: a racional, na cabeça; a irascível, no tórax; e a concupiscente, no ventre. Cada alma possuiria a sua virtude, uma disposição para atingir a excelência ao desempenhar seu papel do melhor modo possível: A virtude da alma racional é alcançar a sabedoria. A virtude da alma irascível, ou colérica, é ter coragem. A virtude da alma concupiscente, ou desejante, é ser temperante, moderada, controlada, não cometendo excessos diante das necessidades físicas. A justiça é alcançada pela harmonia das três almas, ou seja, o homem somente seria considerado justo quando as três interagissem harmonicamente sob o comando da alma racional. Platão desenvolve essa teoria para responder ao seguinte questionamento: será que o homem é justo por natureza ou apenas porque teme represálias? A�rma Platão (1949, p. 481): A questão havia sido proposta a Sócrates por Glauco, irmão de Platão, por meio de um mito. Não refutamos da discussão todas as considerações estranhas, evitando louvar a justiça por causa das recompensas ou da reputação que proporciona? [...] Não descobrimos que a justiça é o bem supremo da alma considerada em si mesma e que esta deve realizar o que é justo, quer possua ou não o anel de Giges? [...] Podemos, sem que nos censurem, restituir à justiça e às outras virtudes, independentemente das vantagens que lhes são próprias, as recompensas de toda espécie que a alma delas retira? “ 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 4 of 13 29/05/2021 09:54 A partir disso Platão pondera: Questionado por Glauco, Sócrates apresenta sua resposta, a qual começa por analisar a justiça na cidade, onde cada cidadão tem uma tarefa a desempenhar e, quando bem desempenhada, concorre não apenas para o bem individual, como também para o bem coletivo. Do mesmo modo, o indivíduo tem de desempenhar a sua tarefa, visando sempre o bem; ao proceder dessa maneira, o homem será justo. O homem virtuoso busca o bem e assim se torna justo; sobre aquele que não é virtuoso recai o peso da lei e, mesmo não sendo virtuoso, vê-se obrigado pelo menos a agir de modo justo. No primeiro caso o homem é autônomo; no segundo, é heterônomo. O autônomo age de acordo com uma lei que ele mesmo outorga para si, já o heterônomo age de acordo com leis que outros dão a ele. Só o homem autônomo é livre, o heterônomo é obrigado. A ÉTICA TELEOLÓGICA E EUDAIMONISTA DE ARISTÓTELES A obra, Ética a Nicômaco, de Aristóteles pode ser considerada a Bíblia da ética, segundo Marcelo Perine, o qual a�rma que “a Ética a Nicômaco pode, sem sombra de dúvida, ser contada entre as obras literárias mais extraordinárias que o gênio humano já produziu” (PERINE, 2006, p. 11). E Danilo Marcondes lembra que a Ética a Nicômaco “foi o primeiro tratado de ética da tradição �losó�ca ocidental e também o pioneiro no uso do termo ‘ética’ no sentido em que o empregamos até hoje” (MARCONDES, 2009, p. 38). Mito do Anel de Giges Giges era um pastor que estava a serviço do rei da Lídia quando, após uma violenta tempestade e um terremoto, o solo se abriu e formou uma cratera enorme perto de onde o seu rebanho pastava. Assustado, desceu ao fundo do abismo e viu um cavalo de bronze oco, cheio de pequenas aberturas e dentro dele viu um cadáver que tinha na mão um anel de ouro, de que se apoderou. Com o anel no dedo, foi a uma reunião dos pastores, lá virou sem querer o engaste do anel para o interior da mão e percebeu que começaram a falar dele como se ele não estivesse ali. Virou de novo o anel e pararam de falar dele. Percebeu, então, que o anel lhe dava a invisibilidade. Foi até ao palácio real, seduziu a rainha, conspirou com ela a morte do rei e tomou o poder. [...] se existissem dois anéis desta natureza e o justo recebesse um, o injusto outro, é provável que nenhum fosse de caráter tão �rme para perseverar na justiça e para ter a coragem de não se apoderar dos bens de outrem, sendo que poderia tirar sem receio o que quisesse da ágora, introduzir-se nas casas para se unir a quem lhe agradasse, matar uns, romper os grilhões a outros e fazer o que lhe aprouvesse, tornando-se igual a um deus entre os homens. Agindo assim, nada o diferenciaria do mau: ambos tenderiam para o mesmo �m. (PLATÃO, 1949, p. 44) “ 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 5 of 13 29/05/2021 09:54 A ética aristotélica não se baseia em normas, mas no pensar e agir corretos. Ao invés de apresentar mandamentos ou leis a serem seguidos quase religiosamente, a ética aristotélica é organizada por duas teses mais �exíveis e estreitamente ligadas: 1. Da prioridade da percepção moral em relação à regra moral. 2. Das circunstâncias com valor moral que não se deixariam apreender completamente por generalizações (ZINGANO, 2009). Contudo, sustenta Aristóteles que a máxima felicidade se obtém “por meio da vida contemplativa, uma vida intelectual sossegada, longe das perturbações do cotidiano” (ABRÃO, 1999, p. 63). No capítulo 7 do livro X, o último da Ética a Nicômaco, diz ele: Aristóteles também é um defensor da ética das virtudes, talvez o maior deles, porém acrescenta a elas o elemento teleológico, pois, segundo ele, tudo no mundo tem um telos, uma �nalidade, uma razão de ser. E aponta a felicidade, o bem viver, a eudaimonia como o telos da ética. Diz ele que “a felicidade é a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo” (ARISTÓTELES, 1973, p. 258). Agimos virtuosamente na tentativa de alcançar a felicidade, a qual pressupõe a realização da natureza última do ser humano, ou seja, agir o mais racionalmente possível. A�rma, ainda, que a felicidade é “uma atividade da alma em consonância com a virtude, e, se há mais de uma virtude, com a melhor e mais completa” (ARISTÓTELES, 1973, p. 256). Figura 1.4 | Aristóteles Fonte: Shutterstock. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 6 of 13 29/05/2021 09:54 De acordo com Aristóteles, algumas pessoas acreditavam que o prazer seria a fonte da felicidade, visto que parece ser uma inclinação natural buscar o prazer e fugir da dor. Mas pode-se notar que a busca de prazeres não se restringe apenas aos seres humanos, estende-se também aos animais e, se não tivermos controle sobre os prazeres, agiremos como animais. Se os apetites nos dominarem e não forem moderadamente mediados pela racionalidade, tornam-se maus. Para Aristóteles havia, ainda, aqueles que viam a honra como fonte de felicidade, mas o problema é que a honra depende mais de quem a dá do que daquele que a recebe, e a felicidade deve ser constituída por algo que seja próprio a cada indivíduo, e não por algo que dependa de um terceiro. Nem a riqueza seria a fonte da felicidade, pois ela só tem valor em função daquilo que pode proporcionar ao ser humano. Diz ele: “Quanto à vida consagrada ao ganho, é uma vida forçada, e a riqueza não é evidentemente o bem que procuramos; é algo útil, nada mais, e ambicionado no interesse de outra coisa” (ARISTÓTELES, 1973, p. 252). Porém, não podemos esquecer também que, para Aristóteles, o homem necessitaria, na justa medida, de bens materiais, de beleza física e de inteligência. Um homem feio, pobre e solitário, di�cilmente, na visão aristotélica, conseguirá ser feliz. “Há coisas cuja ausência empana a felicidade, como nobreza de nascimento, uma boa descendência, a beleza. [...] O homem de muito feia aparência, ou malnascido, ou solitário e sem �lhos, não tem muitas probabilidades de ser feliz” (ARISTÓTELES, 1973, p. 258). Se a felicidade é atividade conforme à virtude, será razoável que ela esteja também em concordância com a mais alta virtude; e essa será a do que existe de melhor em nós. Quer seja a razão, quer alguma outra coisa esse elemento que julgamos ser o nosso dirigente e guia natural, tornando a seu cargo as coisas nobres e divinas, e quer seja ele mesmo divino, quer apenas o elemento mais divino que existe em nós, sua atividade conforme à virtude que lhe é própria será a perfeita felicidade. Que essa atividade é contemplativa, já o dissemos antes. (ARISTÓTELES, 1973, p. 428) “ 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 7 of 13 29/05/2021 09:54 Aristóteles discorda de Platão com relação às características da virtude, pois para Platão elas tinham um aspecto individualista e para Aristóteles as virtudes deviam ser vistas dentro de um todo maior, a pólis. Segundo este, a pólis fornece uma espécie de substrato, de padrão normativo para o julgamento do que venha a ser a justiça e as virtudes e é somente nela que o homem consegue realizar a essência de sua natureza enquanto animal social, ou político. É a pólis que permite ao homem atingir, de forma racional, a eudaimonia, o bem viver. Aristóteles não compartilha também da ideia platônica de que o homem nasce com virtude, ao contrário, ele a�rma que a virtude é adquirida através do hábito, daí a necessidade do esforço permanente em praticar atos virtuosos. Diz ele: A virtude, portanto, pode ser ensinada através da prática, e esse deve ser um dos objetivos da �loso�a. “Os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem” (ARISTÓTELES, 1973, p. 267). Portanto, para Aristóteles “a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome (ηθική, ethike) por uma pequena modi�cação da palavra ηθος (ethos, hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza” (ARISTÓTELES, 1973, p. 267). Nesse sentido, a virtude é entendida como: A força necessária para agir corretamente, tal como ter autocontrole, autodomínio. Seria como “pensar bem” antes de agir para não se arrepender depois; não “explodir” facilmente nas discussões; não falar nada ou praticar algum ato de que se possa arrepender rapidamente, etc. A excelência, o que signi�ca dizer cumprir bem aquilo que lhe é pertinente; fazer bem feito aquilo que lhe compete fazer. Mas para Aristóteles a virtude apresenta um elemento bastante marcante: o mesotes, traduzido por justa medida. Segundo Aristóteles, a felicidade mais plena se encontra no exercício da inteligência teorética, isto é, na contemplação. A vida contemplativa realiza o �m próprio do ser humano, pois é como se proporcionasse autonomia, autossu�ciência; e aquele que a atinge não precisa desejar mais nada, embora possa, ainda assim, desfrutar de outros bens. Trata-se de um estilo de vida que é buscado pelo valor que tem em si mesmo e não como meio para se atingir outra coisa. Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, e assim com a temperança, a bravura, etc. (ARISTÓTELES, 1973, p. 267)“ 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 8 of 13 29/05/2021 09:54 Primeiramente é preciso entender que a virtude enquanto força, autocontrole, implica a existência do desejo, do instinto, pois quem não sente desejos não precisa controlá-los. Abbagnano nos lembra que, para Aristóteles, as virtudes “A coragem, por exemplo, seria uma virtude situada entre a covardia (a de�ciência) e a temeridade (o excesso). Assim, Aristóteles propôs uma ética do meio-termo, onde a virtude consistira em procurar o ponto de equilíbrio entre o excesso e a de�ciência” (COTRIM, 2008, p. 251). EXEMPLIFICANDO Quadro 1.1 | Quadro das virtudes segundo Aristóteles (1973) Virtude Vício por excesso Vício por de�ciência Coragem Temeridade Covardia Temperança Libertinagem Insensibilidade Prodigalidade Esbanjamento Avareza Magni�cência Vulgaridade Vileza Respeito próprio Vaidade Modéstia Prudência Ambição Moleza Gentileza Irascibilidade Indiferença Veracidade Orgulho Descrédito próprio Agudeza de espírito Zombaria Rusticidade Amizade Condescendência Enfado Justa indignação Inveja Malevolência Fonte: adaptado de Aristóteles (1973). A doutrina da justa medida defende que a ação correta, do ponto de vista ético, é evitar os extremos, tanto o excesso quanto a falta, e caracterizar-se pelo equilíbrio. A sabedoria prática consiste na capacidade de discernir esta medida, cuja determinação poderá variar de acordo com as circunstâncias e situações envolvidas (MARCONDES, 2009). Mas só é possível adquirir sabedoria prática com o [...] correspondem à parte apetitiva da alma, na medida em que esta é moderada ou guiada pela razão, e consistem no justo meio entre dois extremos, dos quais um é vicioso por excesso, o outro por de�ciência. As virtudes éticas são: coragem temperança, liberalidade, magnanimidade, mansidão, franqueza e justiça; esta última é a maior de todas. (ABBAGNANO, 2003, p. 387) “ 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 9 of 13 29/05/2021 09:54 tempo, com a experiência. Cabe-nos, ainda, lembrar que Aristóteles distingue entre virtudes éticas e dianoéticas. Quadro 1.2 | Distinção entre virtudes éticas e virtudes dianoéticas VIRTUDES ÉTICAS VIRTUDES DIANOÉTICAS Estão ligadas a agir corretamente. Estão ligadas a deliberar bem (proairésis). São práticas. São racionais (pensar e escolher o mais acertadamente possível) São chamadas por Aristóteles de virtudes morais. São chamadas por Aristóteles de virtudes intelectuais. ASSIMILE No livro VI da Ética a Nicômaco, Aristóteles de�ne as virtudes intelectuais, classi�cando-as em cinco formas: 1. A arte ou técnica (techné). 2. O conhecimento cientí�co (episteme). 3. A prudência, saber prático ou discernimento (phronesis). 4. A intuição intelectual (noesis). 5. A sabedoria (Sophia). No capítulo V, temos a de�nição de phronesis, geralmente traduzida pelo termo latino prudentia, que por sua vez pode ser traduzido por prudência, saber prático ou capacidade de discernimento (MARCONDES, 2009, p. 42). Aristóteles morreu em 322 a.C. e naquele momento a Grécia estava sob o domínio do Império Macedônico; nesse cenário, pode-se dizer que a queda política se re�etia também na queda re�exiva, pois a Filoso�a ganhou em extensão ao se espalhar por todo o império macedônio e, posteriormente, romano, mas perdeu em intensidade, pois a temática discutida se restringia à questão da felicidade. É o período chamado de helenismo, composto de várias escolas, sendo as mais importantes o epicurismo e o estoicismo. No livro VI da Ética a Nicômaco, Aristóteles diz que os jovens podem ser geômetras ou matemáticos, e mesmo mestres nessas disciplinas, porém jamais se viu um jovem que seja sábio (phronimos). A causa disso é que a sabedoria (phronesis) tem por objeto, além dos universais, também os singulares, cujo conhecimento se adquire por experiência, sendo que é a duração do tempo que faz a experiência. (PERINE, 2006, p. 19) “ 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 10 of 13 29/05/2021 09:54 EPICURISMO A ética epicurista é hedonista, palavra que vem do grego hedon e signi�ca prazer. Porém, o prazer para eles era a ausência de paixões, ausência de sofrimento, ou seja, a apatia. A virtude era o prazer espiritual, a paz de espírito e o autodomínio, de modo que era necessário diminuir toda a in�uência externa sobre o bem-estar do espírito. Não havia nada a temer, pois a pior coisa era a morte e, quando ela chegava, perdia-se a consciência; portanto, tratava-se de um medo tolo. Existem prazeres naturais e necessários que devem ser sempre satisfeitos, como comer, beber e descansar, pois a não satisfação deles pode comprometer a nossa saúde e a nossa vida. Existem também os prazeres naturais não necessários, que podem ser satisfeitos às vezes, tais como comer bem, tomar bebidas re�nadas, etc. E prazeres não naturais, não necessários e que jamais devem ser satisfeitos, por causar dependência, como a utilização de drogas, por exemplo, pois a satisfação dos mesmos compromete a nossa saúde e a nossa vida. Há dores que se tornam prazeres e há prazeres que se tornam dores, é preciso saber distingui-los. ESTOICISMO O nome estoicismo vem de stoá, que, em língua grega, signi�ca portão, pórtico. Os �lósofos dessa corrente �losó�ca se reuniam no portal da cidade. Para eles o objetivo da ética era levar o homem a encontrar a felicidade através da ataraxia, a imperturbabilidade. Anacoretas, eremitas e monges podem ilustrar essa visão estoica, pois a busca do êxtase místico ou do nirvana tem paralelo com o estoicismo. Eles pregavam a resignação que, ao contrário da indignação, signi�ca aceitação, conformismo, donde decorre a ideia de paciência estoica: aceitar pacientemente tudo o que acontece, pois faz parte do plano divino, desprezando toda forma de prazer e sendo insensível aos bens do mundo. REFLITA Você já se questionou acerca do maior bem da sua vida? Será que existe um ou mais bens que todas as pessoas unanimemente consideram o sumo bem? E com relação à felicidade, o que mais o faz feliz e por que o faz? Se possível, procure discutir sobre isso e você perceberá que, por vezes, as pessoas não têm muita clareza sobre essa questão. Após termos conhecido as re�exões sobre a ética, as virtudes e a felicidade, será que temos mais clareza sobre como elas se distinguem da alegria? Partindo da raiz grega da palavra felicidade – a eudaimonia –, podemos concluir que seu sentido é gostar de viver, viver bem, ter uma vida boa. Momentos de alegria e de tristeza não comprometem a felicidade desde que amemos a vida e queiramos sempre viver 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 11 of 13 29/05/2021 09:54 do melhor modo possível. Então, talvez não seja errado deduzir que só é infeliz aquele que gostaria de abster-se de viver. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filoso�a. 4. ed. Tradução Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ABRÃO, B. S. (org.). História da Filoso�a. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores). ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores). ARMENDANE, G. D. A Teoria da ação de Aristóteles e a noção gramatical de vontade no segundo Wittgenstein. Cadernos UFS Filoso�a, [S.l.], ano 6, fasc. XII, v. 8, p. 75-83, 2010. CHAUÍ, M. Convite à Filoso�a. São Paulo: Ática, 2000. COTRIM, G. Fundamentos da Filoso�a: História e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. LAÊRTIOS, D. Vidas e doutrinas dos �lósofos ilustres. 2. ed. Tradução Mário da Gama. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. LUZ, D. Exercícios �losó�cos em Epicteto. Ituitio, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p.17-33, 2018. Disponível em:http://web.b.ebscohost.com/ehost/pdfviewer /pdfviewer?vid=27&sid=d8c07c21-56d3-4454-9c16-24c1b3f17bd3%40pdc- v-sessmgr06. Acesso em: 6 dez. 2019. MARCONDES, D. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. PERINE, M. Quatro lições sobre a ética de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 2006. (Coleção Leituras �losó�cas). PESSANHA, J. A. M. (org.) Os pré-socráticos: vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 1996. PESSANHA, J. A. M. Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999. PLATÃO. A República. 9. ed. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1949. PLATÃO. Górgias. In: PLATÃO. Górgias, O banquete, Fedro. Tradução Manoel O. Pulquerio, Maria Teresa S. Azevedo e José R. Ferreira. Lisboa / São Paulo: Verbo, 1973. PLATÃO. Fedro. Tradução Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães editores, 2000. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 12 of 13 29/05/2021 09:54 REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filoso�a: Filoso�a pagã antiga. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003. v. 1. ZINGANO, M. Estudos de ética antiga. 2. ed. São Paulo: Discurso Editorial: Paulus, 2009. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 13 of 13 29/05/2021 09:54 FOCO NO MERCADO DE TRABALHO A ÉTICA EUDAIMONISTA José Adir Lins Machado SEM MEDO DE ERRAR Possivelmente estejamos agora em melhores condições de buscar um posicionamento perante o nosso questionamento inicial, proposto por meio da história de Tomás, que aparentemente tinha tudo para ser feliz, pois era um pro�ssional bem-sucedido, alegre, bastante solidário e solícito com os problemas sociais, mas que, apesar de ser admirado por muitos, guardava internamente um vazio existencial traduzido por uma grande insatisfação com a vida; sem dar demonstrações disso, era massacrado por sua angústia e não recebia ajuda de ninguém. Inclusive, por ser bastante prestativo, era visto como um homem de sucesso, o qual, supunha-se, levava uma vida feliz. Por �m, com mais de sessenta anos, o fardo foi �cando pesado e a depressão chegou. Em suas sessões de psicanálise, Tomás ouviu que a felicidade não estaria necessariamente garantida por fatores externos à nossa mente, como defendiam NOÇÃO ARISTOTÉLICA DE FELICIDADE Para Aristóteles, a felicidade, o sumo bem da vida humana, está intimamente atrelada a dois fatores: virtude e contemplação. Fonte: Shutterstock. Deseja ouvir este material? Áudio disponível no material digital. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 1 of 3 29/05/2021 09:54 os so�stas, para quem o homem seria feliz caso desfrutasse de uma vida de prazer, poder e riqueza. Seria interessante considerar também o que Sócrates havia percebido, que algumas pessoas que levavam uma vida de prazer, poder e riqueza por vezes não eram felizes ou eram menos felizes do que outras que não desfrutavam dessa realidade. Agora ganhamos novos elementos para acrescentarmos à nossa re�exão. Começando por Platão, pudemos perceber que ele defende que, se o homem feliz é aquele que vive bem, faz-se necessário ter um comprometimento com o bem tanto no plano inteligível, primeiramente, quanto no campo das ações. Esse comprometimento é a capacidade da alma de cumprir seu próprio dever, de dirigir as decisões e os passos humanos da melhor maneira. Assim, a noção platônica de felicidade é relativa à situação do homem no mundo e aos seus deveres. Para Aristóteles, que pode ser considerado uma das maiores autoridades sobre esse assunto, a felicidade, o sumo bem da vida humana, está intimamente atrelada a dois fatores: à virtude e à contemplação. A virtude é o domínio que o homem deve ter sobre seus atos, sobre seus impulsos, paixões e instintos; é um autocontrole que se exerce sobre si mesmo, �cando em um estado de mediania, de justa medida diante dos extremos que a vida apresenta. E a contemplação tem a ver com “um ideal de vida dedicada exclusivamente ao conhecimento” (ABBAGNANO, 2003, p. 198). É a contemplação que permite ao cidadão discernir qual é o seu papel no mundo. Quem não descobrir e cumprir com o papel que lhe cabe, não alcança a felicidade. No livro VIII, capítulo 4, da Ética a Nicômaco, Aristóteles a�rma que a existência é boa para quem é virtuoso, por desejar o bem e amar a vida que leva, pois ninguém desejaria possuir o mundo inteiro se para isso fosse preciso tornar-se outra pessoa. O indivíduo é o próprio pensamento e deseja viver a sua vida com prazer, já que se compraz na recordação de seus atos passados e suas esperanças para o futuro são boas e agradáveis, tendo a mente bem provida de objetos de contemplação. Ou seja, podemos concluir que feliz, para Aristóteles é quem ama a vida que leva. Mesmo assim, Aristóteles não menospreza elementos externos, apenas sustenta que não devemos �car na dependência deles. Ele também dá um destaque especial à amizade, pois para ele o homem é um ser social por natureza. De acordo com ele, todo homem feliz é virtuoso, mas nem todo homem virtuoso é feliz, caso em que ele lembra de Príamo, rei de Troia, que mesmo sendo virtuoso acabou não alcançando a felicidade pelas circunstâncias da sua vida (ARISTÓTELES, 1973). Por �m, os epicuristas veem a felicidade atrelada ao prazer da alma, viver sem temor, sem sofrimento, contentando-se em satisfazer as necessidades su�cientes 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 2 of 3 29/05/2021 09:54 para nos manter vivos e sem dependências de elementos externos. Bem próximo a esse pensamento está a posição dos estoicos, para quem a felicidade requer que não nos deixemos perturbar por nada, aceitando o que a vida nos apresentar como oriundos da vontade divina. Em suma, para sermos felizes devemos amar a vida, vivê-la do modo mais racional possível, ter controle sobre a nossa própria natureza e ter uma força interior que nos permita enfrentar os obstáculos que possamos encontrar do modo mais inabalável possível. Esperamos ter contribuído para o seu entendimento acerca dessa questão. Bons estudos! 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 3 of 3 29/05/2021 09:54 NÃO PODE FALTAR A ÉTICA CRISTà José Adir Lins Machado PRATICAR PARA APRENDER Prezado aluno, você já deve ter ouvido falar que é importante conhecer a história para não repetir os mesmos erros do passado, ou então que, conhecendo o percurso da história, temos mais condições de perceber para onde estamos indo. Isso vale também para a história do pensamento �losó�co, pois dessa forma podemos entender melhor por que pensamos como pensamos. A sociedade em que nos encontramos privilegia uma série de valores em detrimento de outros. Embora possa parecer uma coisa natural, é possível buscar entender onde, quando e como isso começa. E é isso que buscamos fazer aqui: conhecer o percurso das re�exões éticas para entender melhor os valores morais que hoje tendemos a assumir. FUNDAMENTOS DA ÉTICA CRISTà A ética cristã constitui-se como uma mescla entre pensamento grego e visão bíblica. Fonte: Shutterstock. Deseja ouvir este material? Áudio disponível no material digital. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 1 of 12 29/05/2021 09:54 De um modo geral, toda a cultura ocidental é marcada pela cultura greco-romana e pela tradição judaico-cristã. Houve um momento em que essas duas visões de mundo se fundiram, in�uenciaram-se e, então, caminharam juntas por muito tempo, tendo a visão religiosa assumido uma posição de superioridade e a Filoso�a carregado o título de serva, ou escrava, daquela. Esse período se estendeu por aproximadamente mil anos e é conhecido como período medieval. O mundo (e tudo o que o compõe, como homem, natureza, etc.) passou a ser explicado com base na Bíblia, na fé e na vontade divina. Nessa perspectiva, a vida continua para além da morte e é preciso fazer por merecer uma recompensa e evitar castigos futuros, o que só é possível vivendo-se eticamente. Passa a parecer natural buscar o bem não por ele mesmo, mas pelo que ele pode nos proporcionar. Vamos tentar entender melhor essa questão por meio da história de uma senhora que sempre foi muito religiosa e que aprendeu desde criança sobre a necessidade de agir corretamente e ajudar as pessoas, porque Deus vê tudo e se agrada com as nossas boas ações, concedendo-nos um lugar privilegiado junto Dele. Um dia sua neta contou a ela que estava lendo um livro de Filoso�a que questionava as motivações da prática caritativa. De acordo com o que esse livro apresentava, assim como o dono de uma mercearia, por exemplo, que viesse a praticar um preço justo, motivado unicamente pelo aumento da sua clientela – e, consequentemente, do seu lucro – estaria agindo de modo egoísta e sua ação, embora correta, não fosse a mais recomendável, também quem se empenha em ajudar os outros pode não estar sendo motivado por um compromisso com o bem do outro, mas por outros interesses. A neta e a avó passaram a se questionar se, de fato, era possível fazer caridade pensando apenas no bem próprio. Os elementos que serão apresentados para auxiliar a nossa re�exão serão a ética agostiniana e tomista, ambas elaboradas por dois dos maiores doutores da Igreja, o primeiro do século IV da nossa era, bem próximo do surgimento do Cristianismo enquanto religião o�cial do Império Romano, e um dos maiores representantes da �loso�a patrística; e o segundo do século XIII, bem próximo do surgimento das instituições universitárias na Europa, e um dos maiores nomes da �loso�a escolástica. E o problema que buscaremos resolver é: seria possível fazer caridade motivado pelo egoísmo? Bons estudos! 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 2 of 12 29/05/2021 09:54 CONCEITO-CHAVE FILOSOFIA E RELIGIÃO CRISTà No ano 146 a.C., gregos e romanos travaram a última batalha, a batalha de Corinto, após a qual a Grécia passou a ser considerada uma colônia romana. No ano 70 d.C., Jerusalém foi destruída pelos romanos, fazendo com que os judeus se espalhassem pelo mundo, momento conhecido como diáspora, voltando a ocupar o território apenas em 1948. Esses dois eventos acabaram possibilitando o encontro de duas diferentes culturas em Roma, a Filoso�a, oriunda da Grécia derrotada, e a religião cristã, proveniente de uma Judeia destruída. E, a partir dessas duas mentalidades, originou-se a civilização ocidental. O cristianismo foi perseguido até 313 d.C. quando, então, ganhou liberdade de culto, recebendo, em 391 d.C., o título de Religião O�cial do Império, data que marca o surgimento da Igreja Católica Apostólica Romana. Depois disso, todos os povos que estivessem sob o domínio romano deveriam adotar essa religião e abandonar as suas, pois até ali as religiões eram nacionais, cada nação e cada povo tinha a sua religião. Marilena Chauí (2000, p. 283) nos lembra que “ao surgir, o cristianismo era mais uma entre as várias religiões orientais; suas raízes encontravam-se na religião judaica, isto é, numa religião que, como todas as religiões antigas, era nacional ou de um povo particular”. A Igreja se fortaleceu ao centralizar o seu comando no bispo de Roma, o qual recebeu o título de Papa, e também por receber o apoio dos imperadores. Contudo, em 476 d.C., o Império Romano ruiu sob a invasão dos povos nórdicos, e a única instituição sólida e unida, naquele momento, era a Igreja, a qual, por meio de seus estudiosos, buscou contornar, ou vencer, as heresias da época, oriundas de visões �losó�cas e religiosas discordantes da doutrina o�cial da Igreja. A Igreja defendia que a Bíblia era a palavra de Deus e, como tal, continha a verdade, pois Deus, sendo onisciente, não errava. A área de estudos que se dedica a esse assunto é a Teologia, à qual a Filoso�a deveria estar submissa e a serviço, pois passou a ser considerada a ciência das ciências, com condições de responder a todos os questionamentos possíveis e explicar corretamente o funcionamento do mundo. A sua in�uência se estendeu da Economia à Astrologia, da Física à Ética, da Política à Arte, ou seja, abrangia todas as áreas. ÉTICA MEDIEVAL No campo ético, estabeleceu-se uma ética essencialmente bíblica e normativa, o que signi�cava que seguir as normas, ou, como se diz em linguagem cristã, os mandamentos, é o mesmo que agir eticamente. Como o cristianismo surgiu a partir do judaísmo, muitos mandamentos do Antigo Testamento se fazem 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 3 of 12 29/05/2021 09:54 presentes até hoje na vida cristã, a qual, com o passar do tempo, foi criando outros, tendo por base o magistério da Igreja, pois ela crê �rmemente que o espírito divino continua agindo na história. O magistério da Igreja foi se formando aos poucos, começando pelas epístolas de Paulo, seguindo pelas disputas com as heresias através do pensamento dos santos padres e contando também com os 21 concílios ecumênicos realizados desde 325 d.C., em Niceia, até 1965, no Vaticano. Entre os padres que mais contribuíram para a edi�cação do magistério da Igreja, encontram-se dois doutores em teologia ou doutores da Igreja: Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) e Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.). Desse modo, a ética medieval é a ética bíblica, que tem como características a normatividade, a subjetividade e a intencionalidade, pois Deus conhece o coração humano e as verdadeiras razões de suas ações. Por último, também se assenta na questão das virtudes, juntando às principais virtudes gregas (justiça, prudência, coragem e temperança) as virtudes evangélicas (fé, esperança e caridade), elegendo a caridade como a virtude por excelência, acima, inclusive, da justiça, que era a maior na concepção dos gregos. No �nal da �loso�a medieval, os �lósofos começaram a questionar a obediência às normas sem a devida consciência e convicção acerca do bem. Isso poderia deixar o homem na heteronomia e não o faria necessariamente ético. Só pode ser considerado ético quem age de modo autônomo. BASE FILOSÓFICA DA DOUTRINA CRISTà PATRÍSTICA A patrística surgiu quando o cristianismo se difundiu e se consolidou como religião de importância social e política, e a Igreja se �rmou como instituição, formulando- se então a base �losó�ca da doutrina cristã, especialmente na medida em que esta se opôs ao paganismo e às heresias que ameaçavam sua própria unidade interna. Portanto, predominaram nessa época os textos apologéticos em defesa do cristianismo. 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 4 of 12 29/05/2021 09:54 A patrística representou a síntese da �loso�a grega clássica com a religião cristã, tendo seu início com a escola de Alexandria, a qual revelava um pensamento in�uenciado pelo espiritualismo neoplatônico e pela doutrina ética do estoicismo. Os maiores destaques foram Justino (105-165 d.C.), Clemente de Alexandria (150-215 d.C.) e Orígenes (185-254 d.C.). Em Constantinopla, principal representante do Império Romano no Oriente, surgiu a escola da Capadócia, que contou com Basílio de Cesareia (330-379 d.C.), Gregório Nazianzeno (329-390 d.C.), Gregório de Nissa (335-395 d.C.), João Crisóstomo (347-407 d.C.), entre outros. Embora tenhamos a contribuição de vários pensadores, quase todos in�uenciados pelo pensamento de Platão, o mais destacado pela tradição patrística, por conta do alto grau de elaboração de sua obra, por sua originalidade e in�uência durante o desenvolvimento da �loso�a cristã no período medieval, foi Agostinho de Hipona, sendo seu tratado Sobre a doutrina cristã um dos mais representativos dessa tradição (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001). AGOSTINHO DE HIPONA Agostinho, ou Santo Agostinho como também é conhecido, nasceu em 354, em Tagaste, no norte da África, cidade que hoje se chama Souk-Ahras, na Argélia. Foi bispo de Hipona, hoje Annaba, também na Argélia, e é um dos maiores responsáveis pela introdução da tradição platônica na nascente �loso�a cristã, sendo também um dos principais colaboradores com a síntese entre o pensamento �losó�co clássico e o cristianismo. Figura 1.5 | Agostinho de Hipona – por Philippe de Champaigne, no século XVII Fonte: Wikipédia. PRINCIPAIS OBRAS Estudou e lecionou em Cartago e depois em Roma e Milão, tendo sido professor de 0 Ve r an ot aç õe s template https://conteudo.colaboraread.com.br/202002/INTERATIVAS_2_0/ETI... 5 of 12 29/05/2021 09:54 retórica. Reconverteu-se ao cristianismo, que fora a religião de sua infância, em 386, após ter passado pelo maniqueísmo e pelo ceticismo. No ano 388, regressou à África, fundando ali uma comunidade religiosa. Suas obras mais conhecidas são: As con�ssões, composta no ano 400 e de caráter autobiográ�co, e A cidade de Deus, composta entre 412 e 427. A in�uência do seu pensamento foi decisiva na formação e no desenvolvimento da �loso�a cristã no período medieval, principalmente com relação ao platonismo. Tanto as Con�ssões quanto as Retratações, mais próximas do �nal de sua vida, fazem dele um precursor do pensamento de Descartes ao a�rmar "Se eu me engano, eu existo" (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001). A ÉTICA AGOSTINIANA Ao dar liberdade de culto aos cristãos – em 313 d.C., por meio do Édito de Milão, que pôs �m às perseguições e torturas –, Constantino permitiu que o cristianismo fosse elevado, por Teodósio, à categoria de religião o�cial do Estado, no ano 391. Isso promoveu uma simbiose entre a �loso�a grega e o cristianismo, embora a �loso�a tenha permanecido unida à teologia sob a condição de sua serva. Essa simbiose foi realizada por Agostinho de Hipona, que buscou racionalizar a fé e cristianizar a �loso�a. Agostinho procurou fundamentar a sua visão ética no amor, tendo por concepção antropológica básica aquela vinda de Platão e de Plotino, mesclada,
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