Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
97 FISIOLOGIA Unidade III 5 SISTEMA RESPIRATÓRIO 5.1 Vias aéreas – porção condutora e respiratória A função básica do sistema respiratório é suprir o organismo com oxigênio (O2) e remover dele o produto gasoso do metabolismo celular, o gás carbônico (CO2). Nos mamíferos, os pulmões são os órgãos encarregados de realizar esses processos. Para tanto, nos seres humanos, a superfície pulmonar encarregada das trocas gasosas é de 70 a 100 m2. Essa enorme superfície fica contida no interior do tórax, distribuída por 480 milhões de alvéolos pulmonares, variando entre 270 e 790 milhões, com base na altura e no volume pulmonar do indivíduo. O pulmão direito apresenta três lobos, já o pulmão esquerdo apresenta apenas dois; isso ocorre pois entre eles está situado o coração, ocupando um espaço denominado mediastino. 3 lobos 2 lobos Diafragma Figura 42 – Pulmões direito (com 3 lobos) e esquerdo (com 2 lobos) Os pulmões, todavia, não são apenas órgãos respiratórios; participam do equilíbrio térmico, pois com o aumento da ventilação pulmonar há maior perda de calor e água. Auxiliam também na manutenção do pH plasmático na faixa fisiológica, regulando a eliminação de ácido carbônico (na forma de CO2). A circulação pulmonar desempenha o papel fundamental de filtrar eventuais êmbolos trazidos pela circulação venosa de outros órgãos vitais ao organismo. O homem também utiliza seu aparelho respiratório para outros fins, como a defesa contra agentes agressores e a fonação (AIRES, 2008). O sistema respiratório dos mamíferos está constituído pela porção condutora, formada pelas vias aéreas superiores e árvore traqueobrônquica, encarregadas de acondicionar e conduzir o ar até o interior dos pulmões; pela porção respiratória, em que efetivamente se realizam as trocas gasosas; e, por uma porção de transição, interposta entre as duas primeiras, em que começam a ocorrer trocas gasosas, porém em níveis não significativos (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009). 98 Unidade III Quando o ar é inspirado passa pelo nariz ou pela boca indo para a orofaringe. Em seu trajeto pelas vias aéreas superiores, o ar é filtrado, umidificado e aquecido até entrar em equilíbrio com a temperatura corporal. Isso decorre de seu contato turbulento com a mucosa úmida que reveste as fossas nasais, faringe e laringe. Além disso, nessa região, também se dá a filtração das partículas de maior tamanho que estão suspensas no ar. As vias aéreas superiores atuam, por conseguinte, acondicionando o ar, protegendo do ressecamento, do desequilíbrio térmico e da agressão por partículas poluentes de grande tamanho as regiões mais internas do sistema. A respiração nasal é a mais comum e tem duas vantagens sobre a respiração pela boca: filtração e umidificação do ar inspirado. Entretanto, em casos em que há obstrução nasal, como em casos de congestão da mucosa nasal, a boca oferece menor resistência à passagem de ar que o nariz. Durante o exercício, pode ser efetivada respiração bucal junto à nasal (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009). A porção condutora é formada pelas vias respiratórias superiores (nariz e/ou boca, cavidade nasal/ oral, naso e orofaringe e laringe) e pela árvore traqueobrônquica, até os bronquíolos terminais. As principais estruturas da laringe incluem a epiglote e as pregas vocais. Em algumas infecções, essas estruturas podem ficar edemaciadas (inchadas), contribuindo significativamente para a resistência ao fluxo do ar. A traqueia bifurca‑se assimetricamente, em que o brônquio principal direito apresenta menor ângulo com a traqueia em relação ao esquerdo. Logo, a inalação de corpos estranhos vai preferencialmente para o brônquio principal direito. A partir da traqueia, a árvore traqueobrônquica divide‑se progressivamente, em geral por dicotomia, podendo ocorrer a tricotomia a partir da sexta geração das vias aéreas. Os brônquios principais são considerados como a primeira geração ou subdivisão da árvore traqueobrônquica. A segunda geração corresponde aos brônquios lobares, logo os segmentares e subsegmentares até os bronquíolos terminais (16ª geração). A remoção de partículas poluentes, contudo, não se faz somente nas vias aéreas superiores. A cada bifurcação do sistema de condução há geração de turbulência. Também com a progressiva bifurcação do sistema de condução ocorre o aumento da área de seção transversa total do sistema tubular, e a consequente diminuição da velocidade do ar conduzido (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009; GUYTON; HALL, 2011). Cavidade nasal Cavidade bucal Epiglote Glote Esôfago Laringe Faringe Figura 43 – Vias respiratórias superiores 99 FISIOLOGIA As partículas removidas do ar por esses processos caem sobre a camada de muco que recobre o sistema de condução, e com o muco são removidas em direção à glote pelos batimentos ciliares das células que formam o epitélio dessa região. Um dos problemas mais importantes em todas as vias respiratórias consiste em mantê‑las abertas para permitir a fácil passagem de ar para dentro e fora dos alvéolos. Para impedir o colapso da traqueia, múltiplos anéis cartilaginosos estendem‑se de forma incompleta pela circunferência da traqueia. Nas paredes dos brônquios, existem placas cartilaginosas menos extensas que também conferem rigidez a essas estruturas, permitindo ao mesmo tempo o movimento suficiente para a expansão e contração dos pulmões. Essas lâminas de cartilagem ficam menos extensas nas últimas gerações de brônquios e desaparecem por completo nos bronquíolos. Por outro lado, o colapso dos bronquíolos não é impedido pela rigidez da parede. Pelo contrário, são expandidos pelas mesmas pressões transpulmonares que expandem os alvéolos, ou seja, à medida que os alvéolos aumentam os bronquíolos também o fazem (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009; GUYTON; HALL, 2011). Bronquíolo BronquíoloPulmão esquerdo Pulmão direito Brônquio direito Brônquio Esquerdo Pomo de Adão Traqueia Artéria Alvéolo Veia Figura 44 – Traqueia, pulmões, brônquio, bronquíolo e alvéolo Observação Por um movimento reflexo coordenado, a epiglote “encapa” as pregas vocais durante a deglutição, impedindo assim a aspiração de comida e líquidos para o trato respiratório inferior. A porção de transição está compreendida entre as porções de condução e a respiratória. Inicia‑se no bronquíolo respiratório, que se caracteriza pelo aparecimento de sacos alveolares esparsos em sua parede e pelo desaparecimento das células ciliadas do epitélio bronquiolar. Também se observam os canais de Lambert, pequenos orifícios que permitem a comunicação entre os bronquíolos e os alvéolos adjacentes (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009). 100 Unidade III A partir do último ramo do bronquíolo respiratório surgem os ductos alveolares, que, por sua vez, terminam em um conjunto de alvéolos, os sacos alveolares. A porção respiratória, então, está formada pelos ductos e sacos alveolares e os alvéolos. A unidade alvéolo‑capilar é o principal sítio de trocas gasosas (hematose) em nível pulmonar, sendo composta pelo alvéolo, pelo septo alveolar e pela rede capilar. Os alvéolos são pequenas dilatações revestidas por uma camada de células. Nos seres humanos, a superfície pulmonar encarregada pela hematose é de 70 a 100 m2 (sendo essa a maior área de contato do organismo com o meio ambiente). Essa superfície fica contida no interior do tórax, em um volume de aproximadamente 4 L, distribuída por centenas de milhões de alvéolos pulmonares. Para que a hematose se efetue adequadamente, a circulação pulmonar precisa ser muito rica em vasos sanguíneos (cerca de 280 bilhões de capilares). O espaço entre a membrana epitelial alveolar e o endotélio capilar é chamado interstício. O septo alveolar é constituído por vasos sanguíneos e fibras elásticas, colágenas e terminações nervosas. A superfície alveolar é constituída por três tipos de células: • o pneumócito tipo I, ou célula alveolarescamosa, que é a mais frequente e recobre a superfície alveolar; • o pneumócito tipo II, ou célula alveolar granular, que armazena e secreta a substância surfactante, que reduz a tensão superficial entre as moléculas de água que recobrem o alvéolo internamente, agindo como um agente anticolabante; e, finalmente, • os macrófagos alveolares, que constituem uma pequena porção das células alveolares. Os macrófagos passam livremente da circulação para o espaço intersticial e, a seguir, passam pelos espaços entre as células epiteliais e se localizam na superfície alveolar (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009). Lembrete Os macrófagos são células do sistema imune que têm função de fagocitar corpos estranhos, partículas poluentes e bactérias, constituindo uma barreira com o meio externo. Saiba mais A fim de propiciar inter‑relações entre os conteúdos da unidade, leia o artigo a seguir: FREDDI, N. A.; PROENÇA FILHO, J. O.; FIORI, H. H. Terapia com surfactante pulmonar exógeno em pediatria. Jornal de Pediatria, v. 79, suplemento 2, p. S205‑S212, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jped/v79s2/ v79s2a10.pdf>. Acesso: 2 jul. 2015. 101 FISIOLOGIA 5.2 Mecânica ventilatória, volumes e capacidades pulmonares A ventilação pulmonar envolve a movimentação do sistema respiratório, que requer a realização de um trabalho mecânico para vencer forças de oposição: forças elásticas dos tecidos pulmonares e da parede torácica; forças resistivas resultantes do fluxo de gás pelas vias respiratórias; e a movimentação dos tecidos do pulmão e da parede torácica. Denomina‑se parede torácica o conjunto de estruturas que se movem durante o ciclo respiratório, à exceção dos pulmões (CURI; PROCOPIO, 2009). Os pulmões são separados da parede torácica pelo espaço pleural. Cada pulmão tem acoplado a si a pleura visceral e a pleura parietal, que recobre o mediastino (região onde se localiza o coração), o diafragma e a face interna da caixa torácica. Durante o ciclo respiratório as duas pleuras não se afastam porque a cavidade pleural é fechada e existe em seu interior uma película liquida que as une, permitindo que se deslizem uma sobre a outra, similarmente ao que ocorre quando uma gota de água é colocada entre duas lâminas de vidro (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009). A renovação constante do gás alveolar é assegurada pelos movimentos do tórax. Durante a inspiração a cavidade torácica aumenta de volume e os pulmões expandem‑se para preencher o espaço deixado. Com o aumento da capacidade pulmonar e a queda da pressão no interior do sistema, o ar do ambiente é sugado para dentro dos pulmões. A inspiração é seguida imediatamente pela expiração, que provoca diminuição do volume pulmonar e expulsão do gás. A expiração normalmente tem uma duração correspondente a 1,3 a 1,4 vezes a da inspiração. À expiração, segue‑se, normalmente sem pausa, a inspiração. Ela se faz pela contração da musculatura inspiratória, e a expiração em condições de repouso é passiva, isto é, não há contração da musculatura expiratória. No entanto, ao longo da expiração ocorre uma desativação paulatina da musculatura inspiratória, que contribui para que a expulsão do ar dos pulmões seja suave. A contração dos músculos respiratórios depende de impulsos nervosos originados dos centros respiratórios (localizados no tronco cerebral), às vezes diretamente de áreas corticais superiores, também da medula (em resposta a estímulos reflexos originados nos músculos). O automatismo do centro respiratório mantém o ritmo normal da respiração, que pode ser modificado por estímulos de centros locais do sistema nervoso, bem como por alterações químicas no sangue e/ou no líquido cefalorraquidiano. Portanto, os movimentos respiratórios estão, até certo ponto, sob o controle volitivo, embora normalmente se processem de forma automática, sem a participação consciente do indivíduo. Durante certo tempo, a respiração pode ser intencionalmente acelerada, letificada ou mesmo interrompida. Essas modificações, entretanto, não se manterão por muito tempo, pois que induzirão um distúrbio na homeostase, e o centro respiratório comandará respostas compensatórias, que suplantarão os estímulos corticais (AIRES, 2008). 102 Unidade III Ar Ar Diafragma Inspiração Expiração Figura 45 – Mecanismos de inspiração e expiração Os principais músculos da respiração incluem o diafragma, os intercostais externos e o escaleno, todos eles músculos esqueléticos. Os músculos esqueléticos produzem a força motriz para a ventilação; a força da contração aumenta quando eles são estirados e diminui quando eles se encurtam. A força da contração dos músculos respiratórios aumenta quando o pulmão está em seus maiores volumes (KOEPPEN; STANTON, 2009). Lembrete A musculatura estriada esquelética está presa aos ossos e apresenta contração voluntária. O diafragma, principal músculo da inspiração, é inervado pelo nervo frênico e controlado pelo centro respiratório no SNC. O processo da respiração começa com o ato da inspiração, que é desencadeada pela contração do diafragma. Ao se contrair, o diafragma desloca‑se para a cavidade abdominal, removendo o abdome para fora e criando pressão negativa no interior do tórax. A abertura da glote, nas vias aéreas superiores, conecta o mundo exterior ao sistema respiratório. Como os gases fluem da maior para a menor pressão, o ar move‑se para os pulmões, vindo do meio externo, de forma muito semelhante ao modo como o aspirador de pó suga ar para seu interior. O volume do pulmão aumenta na inspiração, e o oxigênio (O2) é levado para o pulmão, enquanto, durante a expiração, o diafragma relaxa, a pressão no tórax aumenta e o dióxido de carbono (CO2), além de outros gases, fluem, passivamente, para fora dos pulmões (KOEPPEN; STANTON, 2009). 103 FISIOLOGIA Sino frontal Cavidade nasal Ar oxigênio Ar oxigênio O2 CO2 CO2 gás carbônico Cavidade oral Epiglote Pulmões Pulmão Brônquios Coração Encaixe cardíaco Diafragma Alvéolo (seção transversal) Estrutura das vias aéreas intrapulmonares Duto alveolarMúsculos lisos Bronquíolos respiratórios Uma camada de vasos capilares recobre toda a superfície dos alvéolos Duto alveolar Saco alveolar Poro alveolar Veia pulmonar Artéria pulmonar Alvéolos Entrada de oxigênio Saída de dióxido de carbono Células alveolares (tipos 1 e 2) Vaso capilare Pleura Esôfago Traqueia Figura 46 – Durante a inspiração ocorre a entrada de ar (O2) no sistema respiratório, durante a expiração ocorre a saída de ar (CO2) O diafragma é o principal músculo da respiração e separa a cavidade torácica da cavidade abdominal. A contração do diafragma força o conteúdo abdominal para baixo e para frente. Isso aumenta a dimensão vertical da cavidade torácica e cria diferença de pressão entre o tórax e o abdome. Durante a respiração, em repouso, o diafragma move‑se aproximadamente por 1 cm; no entanto, durante manobras de respiração profunda (capacidade vital) o diafragma pode mover‑se por até 10 cm. O diafragma é inervado pelos nervos frênicos direito e esquerdo, originados no terceiro a quinto segmentos cervicais da medula espinhal (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os outros músculos importantes da inspiração são os músculos intercostais externos, que puxam as costelas para cima e para frente durante a inspiração. Isso causa aumento nos diâmetros lateral e 104 Unidade III ântero‑posterior do tórax. A inervação dos músculos intercostais externos é pelos nervos intercostais com origem no mesmo nível da medula espinal. A paralisia desses músculos não causa efeito significativo na respiração porque esta é, em sua maior parte, dependente do diafragma. É por isso que indivíduos com lesões altas da medula espinal podem respirar espontaneamente. Quando a lesão está acima de C3 (terceira vértebra cervical), os indivíduos ficam completamente dependentes de um respirador (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os músculos acessórios da inspiração (os músculosescalenos, que elevam o esternocleidomastoideo; o alar nasal, que causa o alargamento das narinas; e os pequenos músculos da cabeça e do pescoço) não se contraem durante a respiração normal, no entanto, eles se contraem vigorosamente no decorrer do exercício e, quando a obstrução das vias aéreas é significativa, eles, ativamente, puxam a caixa torácica para cima. Durante a respiração normal, eles fixam o esterno e as costelas superiores. A expiração durante a respiração normal é passiva, mas ela passa a ser ativa ao longo do exercício e da hiperventilação. Os músculos mais importantes na expiração são os da parede abdominal (reto abdominal, oblíquo interno e externo e transverso do abdome) e os músculos intercostais internos, que se opõem aos intercostais externos (isto é, eles puxam as costelas para baixo e para dentro). Os músculos inspiratórios fazem o trabalho da respiração. Durante a respiração normal, o trabalho é pouco e os músculos inspiratórios têm reservas energéticas significativas. Os músculos respiratórios podem ser treinados a realizar mais trabalho, mas existe um limite finito para o trabalho que podem executar. A fraqueza dos músculos respiratórios pode comprometer o movimento da caixa torácica, e a fadiga dos músculos respiratórios é o principal fator no desenvolvimento da falência respiratória. A avaliação da função pulmonar e o estudo da mecânica estática do pulmão (as propriedades mecânicas de um pulmão cujo volume não está variando com o tempo) começam com a medida dos volumes pulmonares e dos fatores que determinam esses volumes. Os volumes pulmonares são convencionalmente divididos em quatro volumes primários e quatro capacidades. Os volumes primários não se sobrepõem, ao passo que as capacidades são formadas por dois ou mais volumes primários. O volume corrente (Vc) é o volume de ar movido em cada respiração calma. No ser humano, esse volume oscila entre 350 e 500 ml. O volume corrente aumenta com o metabolismo como durante o exercício, nas sobrecargas ou nos processos febris. O volume de reserva inspiratório (VRI) é o máximo volume de gás que pode ser inspirado após uma inspiração máxima forçada, partindo de uma inspiração basal; em outras palavras, é a reserva disponível para o aumento do volume corrente – se o volume corrente exagera, a reserva disponível ou VRI diminui. Em condições de repouso, o VRI corresponde a cerca de 3.100 ml no adulto jovem. O volume de reserva expiratório (VRE) é o volume máximo de gás, que pode ser expirado, após uma expiração basal. Mede a reserva de expiração e também diminui, quando o volume corrente aumenta. Em condições de repouso, corresponde a 1.200 ml no adulto jovem. O volume residual (VR) é o volume de ar que permanece nos pulmões após uma expiração máxima forçada, ou seja, existe um volume de gás, contido nos pulmões, que não é expelido quando o pulmão e o tórax estão intactos. Esse volume corresponde a 1.200 ml no adulto jovem. A capacidade inspiratória (CI) corresponde ao volume máximo de gás, que pode ser inspirado, após uma expiração 105 FISIOLOGIA basal. Corresponde, portanto, à soma dos volumes corrente e de reserva inspiratório, sendo seu valor aproximadamente de 3.600 ml. A capacidade residual funcional (CRF) iguala‑se ao volume de gás que permanece nos pulmões, após uma expiração basal. Seu valor é de cerca de 2.400 ml. A capacidade vital (CV) é o maior volume de gás que pode ser mobilizado até atingir uma expiração máxima, de maneira forçada, após uma inspiração máxima. A CV corresponde à soma de VRI, VC e VRE e, portanto, tem seu valor ao redor de 4.800 ml. A capacidade pulmonar total (CPT) é a quantidade de gás contido nos pulmões, ao final de uma inspiração máxima; portanto, é o maior volume de gás que os pulmões podem conter. É igual à soma de VRI, VC, VRE e VR ou à de CV e VR, ficando seu valor ao redor de 6.000 ml (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; DOUGLAS, 2006). Todos esses volumes e capacidades descritos não são imutáveis, variando conforme a situação fisiológica ou patológica. Como exemplo, pode‑se citar a capacidade vital que é maior em homens do que em mulheres, aumenta com a altura e diminui com a idade. Também em um mesmo indivíduo, os valores desses compartimentos podem diferir conforme a situação postural; assim, um indivíduo em posição ereta apresenta um aumento da CRF, graças ao aumento do VRE, em relação a quando ele fica deitado, devido ao deslocamento de sangue do tórax e à movimentação das vísceras abdominais; o VRI consequentemente diminui. O volume corrente corresponde a um volume de gás que não vai, em sua totalidade, penetrar nos alvéolos. Essa parte em que não penetra fica localizada nas vias aéreas (fossas nasais, boca, faringe, laringe, traqueia, brônquios e bronquíolos terminais), áreas em que não ocorrem trocas gasosas; por esse motivo, e compartimento é denominado espaço morto anatômico. O volume do espaço morto (VEM) corresponde a cerca de um terço do volume corrente basal. Pode ser calculado em indivíduos de estatura normal como aproximadamente 2,2 vezes o peso corporal em quilos. Entretanto, a aplicação desse cálculo para indivíduos obesos ou crianças foge ao valor real. O VEM pode variar; assim, pode diminuir após uma traqueostomia ou pneumonectomia ou pode aumentar, por exemplo, em patologias nas quais os alvéolos são hiperventilados. Considerando‑se a ventilação necessária para a boa troca gasosa, o espaço morto fisiológico mede todo o volume de ar que não experimenta hematose. A ventilação do espaço morto fisiológico refere‑se à quantidade total de ventilação desperdiçada, incluindo a do espaço morto anatômico, assim como aquela não utilizada nos alvéolos com ventilação excessiva. A fração do volume corrente que penetra nos alvéolos e que, correspondentemente, sofrerá troca gasosa, é denominada volume alveolar (VA) e é o volume que tem fundamental importância no processo de ventilação pulmonar. Portanto, o volume corrente é igual à soma de VA e VEM. Este espaço corresponde àquele que determina a troca gasosa com o sangue circulante pulmonar. A respiração basal normal denomina‑se eupneia. Neste caso, a ventilação pulmonar, ou volume corrente‑minuto (VCM), também é basal. VCM é definido como o volume de ar inspirado, ou expirado, em um minuto, sendo, portanto, igual ao volume corrente x frequência respiratória (FR) (DOUGLAS, 2006). A ventilação pulmonar é o processo por meio do qual o ar contido no interior dos pulmões é constante e periodicamente renovado. Por outro lado, denomina‑se perfusão o volume de sangue que irriga o alvéolo pulmonar. A relação entre esses dois parâmetros (ventilação e perfusão) é considerada 106 Unidade III fundamental na fisiologia respiratória, já que integra as funções ventilatória e circulatória, que devem estar harmoniosamente equilibradas. Essa relação mantém o fornecimento adequado de O2 para os tecidos. Em indivíduos normais, esse desacoplamento é a causa mais comum de hipoxemia (baixa concentração de oxigênio no sangue arterial) e está presente em quase todas as patologias pulmonares (DOUGLAS, 2006). 5.3 Difusão dos gases, transporte dos gases pelo sangue e pressões de trocas gasosas A troca de gases no organismo, movimentando‑se desde a atmosfera até os alvéolos, ou na direção contrária, é um processo passivo, pelo qual acontece a transferência de gás por meio da barreira sangue‑gás. As moléculas de qualquer gás permanecem em movimento constante e aleatório, tanto mais intenso quanto maior for a temperatura, acarretando colisões entre as diversas moléculas, sendo que, quanto maior for o número de moléculas e, portanto, maior a concentração de gás, maior será o número de colisões. Esse processo de movimentação do gás é chamado de difusão e desloca as moléculas do gás do meio mais para o menos concentrado. Cabe ressaltar que a concentração de um gás deve ser levada em conta no processo de difusão somente quando ele estiver livre (sem ter agido ou combinadocom outras moléculas) e, assim, por meio de suas colisões, exerça pressão. Por esse motivo, pode‑se estabelecer que se difunde um gás quando há diferença de pressão. A lei de Dalton estabelece que, em uma mistura de gases, em qualquer volume, a pressão total equivale à soma das pressões desenvolvidas por cada gás componente da mistura. Nesse caso, a pressão de cada gás é denominada sua pressão parcial. Tal conceito é importante, pois a ação químico‑fisiológica de um gás depende de sua pressão parcial, a qual, por sua vez, depende do número de moléculas livres, em condições determinadas de pressão e temperatura, independentemente de outros gases que estejam simultaneamente ocupando o mesmo compartimento (DOUGLAS, 2006). A pressão atmosférica, ao nível do mar, é de 760 mmHg. Um recipiente que contenha somente nitrogênio, ao nível do mar, apresentará, segundo a lei de Dalton, uma pressão de 760 mmHg, o mesmo ocorrendo com a pressão exercida por qualquer mistura gasosa. Assim, se uma mistura gasosa, por exemplo, o ar seco, estiver ao nível do mar, sua pressão total será igual à soma das pressões parciais de cada gás: Ptotal = PO2 + PCO2 + PN2 + ... = 760 mmHg Por outro lado, a pressão parcial de cada gás, em uma mescla gasosa, é igual à pressão total multiplicada pela porcentagem desse gás, na mistura global. Assim, por exemplo, se a porcentagem de O2 no ar seco, ao nível do mar, é de 20,93%, sua pressão parcial será: PO2 = 760 x 20,93 = 159 mmHg 100 O mesmo raciocínio aplica‑se para o CO2 (0,04%), para o N2 (79,03%), ou o equivalente para os componentes de qualquer outra mistura gasosa (DOUGLAS, 2006). 107 FISIOLOGIA A lei de Henry afirma que o volume de um gás solúvel que se dissolve em um líquido a certa temperatura é diretamente proporcional à pressão parcial desse gás, ou seja, a pressão parcial de um gás (Px) é igual à fração dele na mistura gasosa (Fx) multiplicada pela pressão total ou barométrica (PB): Px = Fx x PB Como a principal finalidade do processo ventilatório é a manutenção de uma adequada composição do gás alveolar, o sangue venoso que passa pelos alvéolos está constantemente retirando O2 e eliminando CO2 para essas estruturas; consequentemente, o ar inspirado encontrará, para misturar‑se, um gás alveolar com grande PCO2 e baixa PO2, resultante do metabolismo celular (DOUGLAS, 2006). O ar alveolar não tem as mesmas concentrações de gases que o ar atmosférico. Há várias razões para as diferenças observadas. Em primeiro lugar, o ar alveolar é substituído apenas parcialmente por ar atmosférico a cada respiração; o oxigênio é constantemente absorvido do ar alveolar; o dióxido de carbono sofre constante difusão do sangue pulmonar para os alvéolos. E, finalmente, o ar atmosférico seco que penetra nas vias respiratórias é umidificado mesmo antes de alcançar os alvéolos (GUYTON; HALL, 2011). O ar atmosférico é constituído quase totalmente por nitrogênio e oxigênio; em condições normais, quase não contém dióxido de carbono e só pouco vapor d’água. Todavia, tão logo o ar atmosférico penetra nas vias respiratórias, ele é exposto aos líquidos que recobrem as superfícies respiratórias. Mesmo antes de penetrar nos alvéolos, o ar fica totalmente umidificado. A pressão parcial de vapor d’água na temperatura corporal normal de 37°C é de 47 mm Hg, que, portanto, é a pressão parcial da água no ar alveolar. Como a pressão total nos alvéolos não pode aumentar mais do que a pressão atmosférica, esse vapor d’água simplesmente dilui todos os outros gases no ar inspirado. A umidificação do ar dilui a pressão parcial de oxigênio, ao nível do mar, de uma média de 159 mm Hg no ar atmosférico para 149 mm Hg no ar umidificado, enquanto diminui a pressão parcial de nitrogênio de 597 para 563 mm Hg. Como foi discutido anteriormente, o volume residual dos pulmões, que se refere à quantidade de ar restante nos pulmões ao término da expiração normal, corresponde a cerca de 2.300 ml. Contudo, apenas 350 ml de ar novo é levado aos alvéolos a cada respiração normal, sendo expirada a mesma quantidade de ar alveolar. Por conseguinte, a quantidade de ar alveolar substituído por ar atmosférico novo a cada incursão respiratória representa apenas um sétimo do total, sendo, pois, necessárias muitas incursões respiratórias para substituir a maior parte do ar alveolar. Com a ventilação alveolar normal, cerca da metade do gás é removida em 17 segundos. Quando a frequência da ventilação alveolar da pessoa é apenas metade do normal, metade do gás é removida em 34 segundos, e, quando a frequência de ventilação é o dobro do normal, a metade é removida em cerca de 8 segundos. Essa lenta substituição do ar alveolar tem importância particular na prevenção de alterações súbitas das concentrações gasosas do sangue. Isso torna o mecanismo de controle respiratório muito mais estável do que normalmente seria e também ajuda a evitar aumentos e reduções excessivas da oxigenação tecidual, da concentração de dióxido de carbono e do pH nos tecidos quando a respiração é temporariamente interrompida. 108 Unidade III 5.4 Transporte de oxigênio no sangue O transporte de oxigênio no sangue depende que o mecanismo de troca seja rapidamente reversível, de modo que o oxigênio seja captado nos pulmões e difundido para os outros tecidos do corpo. A hemoglobina (Hb) tem uma estrutura singular que permite isso. Cada litro de sangue arterial contém aproximadamente 200 ml de oxigênio. Cerca de 3 ml desse oxigênio (1,5%) estão dissolvidos no plasma ou no citosol dos eritrócitos; somente esse oxigênio dissolvido contribui para a PO2 do sangue. Os 197 ml de O2 restantes (98,5%) são transportados ligados à hemoglobina. Embora o oxigênio ligado não contribua para a PO2, ele está em equilíbrio com o oxigênio dissolvido e, assim, a quantidade de oxigênio ligada à hemoglobina é uma função da PO2. A molécula de hemoglobina consiste em quatro subunidades – cada uma contendo uma globina (cadeia polipeptídica globular) – e um grupo heme – contendo ferro. Cada grupo heme tem a capacidade de ligar uma molécula de oxigênio; então, cada molécula de hemoglobina pode transportar um total de quatro moléculas de oxigênio. O complexo de hemoglobina e oxigênio ligado é denominado oxihemoglobina; a molécula de hemoglobina sem oxigênio é denominada desoxihemoglobina. Nos pulmões, quando as moléculas de oxigênio movimentam‑se do ar alveolar para o sangue capilar, elas se ligam à hemoglobina; quando o sangue chega aos tecidos‑alvo, as moléculas de oxigênio dissociam‑se da hemoglobina e se difundem para as células. Para a hemoglobina atuar no transporte de oxigênio, é crítico que a ligação ao oxigênio ocorra de forma reversível – ou seja, fortemente o suficiente para captar grandes quantidades de oxigênio nos pulmões, mas não tão forte que não seja possível a liberação do oxigênio nos tecidos consumidores. A ligação ou liberação de oxigênio depende da PO2 do líquido no qual está a hemoglobina. Uma alta PO2 facilita a ligação de oxigênio à hemoglobina, já uma baixa PO2 facilita a liberação de oxigênio da hemoglobina. A reação do oxigênio com a hemoglobina pode ser escrita como: Hb + O2 ↔ Hb ∙ O2 na qual Hb é a desoxihemoglobina, O2 é o oxigênio dissolvido no sangue e Hb O2, a oxihemoglobina. A lei de ação das massas estabelece que um aumento da concentração dos reagentes desloca a reação para a direita, resultando na geração de mais produto. Desse modo, quando os níveis de oxigênio nos capilares pulmonares aumentam, mais oxihemoglobina é formada. Reciprocamente, quando os níveis de oxigênio nos capilares sistêmicos diminuem, a reação é deslocada para a esquerda, para liberar oxigênio da hemoglobina. Quanto mais oxigênio estiver disponível no sangue, mais oxihemoglobina será formada. Quando todos os sítios de ligação de oxigênio de uma molécula de hemoglobina estão ocupados, diz‑se que a molécula de hemoglobina está 100% saturada (STANFIELD, 2014). A relação entre PO2 e a saturaçãoda hemoglobina pode ser resumida na curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio. Embora a saturação percentual da hemoglobina aumente quando a PO2 aumenta, a curva que descreve a ligação do oxigênio à hemoglobina não é linear, porém tem forma 109 FISIOLOGIA de S (sigmoide), porque a capacidade da hemoglobina de ligar oxigênio depende de quantas moléculas de oxigênio já estão ligadas. Especificamente, a ligação de uma molécula de oxigênio à hemoglobina aumenta a afinidade da molécula pelo oxigênio e, assim, aumenta a probabilidade de outro oxigênio ligar‑se à hemoglobina. A ligação do oxigênio a uma das subunidades de uma molécula de hemoglobina induz uma alteração na conformação da molécula, que aumenta a afinidade das demais subunidades pelo oxigênio (processo chamado cooperatividade positiva), uma vez que essa alteração da PO2 produz um aumento maior da saturação percentual. Em pressões parciais muito baixas (menos de 15 mmHg, um nível não habitualmente encontrado no sangue), a maior parte das moléculas de hemoglobina não tem oxigênio ligado à elas. Nessas condições, a afinidade da hemoglobina por oxigênio é relativamente baixa e um dado aumento da PO2 produz um pequeno aumento da porcentagem de saturação. Quando a PO2 aumenta, mais moléculas de hemoglobina ligar‑se‑ão a pelo menos uma molécula de oxigênio, causando aumento da afinidade da hemoglobina por outras moléculas de oxigênio. Essa relação é observada na parte mais inclinada da curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio a valores entre 15 e 60 mmHg. Com valores superiores a 60 mmHg, a inclinação da curva diminui, já que menos sítios de ligação estão disponíveis à medida que a saturação aumenta. Acima de uma PO2 de aproximadamente 80 mmHg, a curva torna‑se praticamente horizontal. Pode‑se relacionar a curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio a eventos nos pulmões e outros tecidos. A PO2 nas artérias sistêmicas é de aproximadamente 100 mmHg e, a essa PO2, a hemoglobina está 98% saturada (atingir 100% de saturação exigiria uma PO2 de cerca de 250 mmHg). Nas veias sistêmicas, a PO2 é de aproximadamente 40 mmHg e a hemoglobina está aproximadamente 75% saturada. Assim, em condição de repouso, os tecidos captam apenas 25% do oxigênio transportado no sangue, deixando uma grande reserva de oxigênio disponível para o caso de aumento das demandas. Existem pelo menos quatro outros fatores (temperatura, pH, PCO2 e 2,3‑bifosfatoglicerato) que afetam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Alterações da afinidade da hemoglobina por oxigênio refletem‑se em deslocamentos da curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio para a direita ou para a esquerda. Diminuições da afinidade fazem a curva deslocar‑se para a direita, indicando que uma PO2 maior é necessária para qualquer dado nível de saturação; um deslocamento para a direita também indica que o oxigênio é liberado mais facilmente pela hemoglobina, tornando‑se mais disponível para os tecidos. Aumentos da afinidade causam deslocamentos para a esquerda, indicando que uma menor PO2 é necessária para a obtenção de qualquer nível de saturação; um deslocamento para a esquerda também indica que o oxigênio é capturado mais facilmente pela hemoglobina. Em condições normais, uma PO2 de 45 mmHg produz 80% de saturação da hemoglobina. Com um deslocamento para a direita, uma PO2 menor que 45 mmHg pode produzir o mesmo nível de saturação. Considerando os quatro fatores mencionados anteriormente que afetam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, os três primeiros – temperatura, pH e PCO2 – cooperam para promover a liberação de oxigênio da hemoglobina nos tecidos consumidores e a captura de oxigênio pela hemoglobina nos pulmões. A temperatura afeta a afinidade por oxigênio por meio da alteração da estrutura da molécula de hemoglobina. Esse fator é inespecífico, já que a temperatura afeta a estrutura de todas as proteínas. Contudo, essa alteração estrutural tem importantes consequências funcionais. Quando o metabolismo do 110 Unidade III tecido aumenta, a temperatura aumenta, diminuindo, assim, a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Como consequência, o oxigênio é liberado no tecido. Da mesma forma, a diminuição da temperatura do sangue quando entra nos pulmões aumenta a afinidade da hemoglobina por oxigênio, promovendo a captação de oxigênio. O efeito do pH sobre a curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio é conhecido como efeito Bohr. Quando se liga o oxigênio à hemoglobina, certos aminoácidos da proteína liberam íons hidrogênio. Portanto, o aumento da concentração dos íons hidrogênio (diminuição do pH) desloca a curva para a esquerda, fazendo com que alguns oxigênios se dissociem da hemoglobina, mesmo quando a PO2 se mantem constante. O efeito Bohr é importante porque, quando íons hidrogênio se ligam à hemoglobina, eles diminuem a afinidade ao oxigênio e, portanto, oxigênio é liberado. A concentração de íons hidrogênio tende a aumentar nos tecidos ativos, o que facilita a liberação de oxigênio. A PCO2 afeta a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio porque o dióxido de carbono reage reversivelmente com certos grupos amino da hemoglobina, formando carbamino‑hemoglobina (Hb∙CO2). Portanto, o aumento da PCO2 no sangue, como ocorre quando a atividade metabólica aumenta, leva ao aumento da concentração de carbamino‑hemoglobina. Quando se liga o dióxido de carbono à hemoglobina, altera a conformação dela e diminui sua afinidade ao oxigênio, fenômeno conhecido como efeito carbamino. O quarto fator, 2,3‑bifosfoglicerato (2,3‑BPG), é um composto químico produzido nos eritrócitos a partir de um composto intermediário da glicólise, a via anaeróbica pela qual os eritrócitos obtêm toda sua energia. Quando a concentração da oxihemoglobina está elevada, ela inibe a enzima que forma o 2,3‑BPG; dessa forma, os níveis de 2,3‑BPG são baixos e exercem pouco efeito sobre a afinidade da hemoglobina. Em contraste, se os níveis de oxihemoglobina estão baixos, como ocorre quando o suprimento de oxigênio é limitado, ocorre a síntese do 2,3‑BPG e ele diminui a afinidade da hemoglobina por oxigênio. Esse efeito aumenta a liberação do oxigênio para os tecidos. As condições que aumentam o 2,3‑BPG incluem a anemia e as grandes altitudes (STANFIELD, 2014). Observação O monóxido de carbono (CO) liga‑se à hemoglobina com mais afinidade que o oxigênio e impede sua ligação, diminuindo o transporte de oxigênio no sangue levando à morte por asfixia. A solubilidade do CO2 no sangue é de cerca de vinte vezes mais que o O2; portanto, consideravelmente mais CO2 do que O2 está presente em uma solução simples a pressões parciais iguais. O CO2 que se difunde nos eritrócitos é rapidamente hidratado em H2CO3 devido à presença da enzima anidrase carbônica. Essa enzima é responsável por catalisar (permitir que a reação ocorra em tempos compatíveis com a fisiologia) a reação. O H2CO3 dissocia‑se em H + e HCO3 ‑, e o H+ é tamponado, principalmente pela hemoglobina, enquanto o HCO3 – entra no plasma. A seguinte equação ilustra o processo de difusão do CO2 que ocorre dentro de um eritrócito: 111 FISIOLOGIA CO2 + H2O ↔ H2CO3 ↔ H + + HCO3 – H+ + Hb‑ ↔ HHb Parte do CO2 nos eritrócitos reage com os aminogrupos de hemoglobina e outras proteínas, formando compostos carbamino. Observação Tamponamento é o mecanismo pelo qual ácidos ou bases fracas, com seus respectivos sais, impendem alterações drásticas no pH de uma solução por adição ou retirada de ácidos. Como a desoxihemoglobina liga mais H+ do que a oxihemoglobina e forma compostos carbamino mais prontamente, a ligação de O2 à hemoglobina reduz sua afinidade ao CO2. Este fenômeno é conhecido como efeito Haldane. Consequentemente, o sangue venoso transporta mais CO2 do que o sangue arterial, a captação de CO2 é facilitada nos tecidos e a liberação de CO2 é facilitada nos pulmões. Cerca de 11% do CO2 adicionados ao sangue nos capilares sistêmicos são transportados para os pulmões como carbamino‑CO2. No plasma,o CO2 reage com as proteínas plasmáticas para formar pequenas quantidades de compostos carbamino e pequenas quantidades de CO2 são hidratadas; mas a reação de hidratação é lenta na ausência da anidrase carbônica. Pelo fato do aumento do conteúdo de HCO3 – nos eritrócitos ser muito maior do que no plasma à medida que o sangue passa por meio dos capilares, cerca de 70% do HCO3 – formado nos eritrócitos entra no plasma. O excesso de HCO3 – deixa os eritrócitos por meio da troca por Cl‑ (íons cloreto). Esse processo é chamado desvio de cloretos. Devido a ele, o conteúdo de Cl‑ dos eritrócitos do sangue venoso é, portanto, significativamente maior do que no sangue arterial (GANONG, 2006). Para cada molécula de CO2 adicionada a um eritrócito, há um aumento de uma partícula osmoticamente ativa na célula (HCO3 – ou Cl‑). Consequentemente, os eritrócitos captam água e aumentam de tamanho. Por essa razão, mais o fato de que uma pequena quantidade de líquido no sangue arterial retorna por meio dos vasos linfáticos, e não das veias, o hematócrito do sangue venoso normalmente é 3% maior que o do sangue arterial. Nos pulmões, o Cl‑ sai das células junto a H2O e, então, elas encolhem. 5.5 Controle nervoso da respiração A respiração é um processo automático, rítmico e regulado centralmente por um controle voluntário. O sistema nervoso central e, em particular, o tronco encefálico funcionam como o principal centro de controle da respiração. A regulação da respiração requer • geração e manutenção do ritmo respiratório; 112 Unidade III • modulação desse ritmo por alças de retroalimentação sensorial e reflexos que permitem a adaptação a várias condições enquanto minimizam os custos energéticos; e • recrutamento de músculos respiratórios que se podem contrair apropriadamente para a hematose (KOEPPEN; STANTON, 2009). O gerador central de padrões (GCP) é composto de muitos grupos de células com propriedades de marca‑passo. O GCP integra a entrada periférica de receptores de estiramento no pulmão e receptores de O2 no corpo carotídeo, com informação vinda do hipotálamo e da amígdala. Essa informação pode ser excitatória ou inibitória. Ainda mais, como os sinais do nervo frênico estão ausentes entre os esforços inspiratórios, uma chave inspiratória, tipo liga‑desliga, parece operar o sistema, e essa chave inibe o GCP durante a expiração. 6 SISTEMAS CARDIOVASCULAR E LINFÁTICO 6.1 Sistema cardiovascular O sistema cardiovascular tem a função primordial de transportar e distribuir nutrientes e oxigênio para os tecidos, bem como remover os produtos oriundos do metabolismo celular. Para cumprir essa função, o sistema dispõe de uma bomba, uma série de tubos para distribuição (artérias) e coleta (veias), e uma rede de vasos finos que permitem trocas rápidas entre os tecidos e o sistema de vasos (microcirculação) (CURI; PROCOPIO, 2009). O coração representa, no sistema cardiovascular, a bomba propulsora de sangue que flui dentro deste compartimento. A circulação do sangue ocorre pela geração de diferença de pressões entre dois ou mais pontos do sistema cardiovascular, a estrutura responsável por gerar esse gradiente de pressões é o coração (DOUGLAS,2006). Miocárdio (músculo cardíaco) Pericárdio Figura 47 – Coração: no detalhe, o músculo cardíaco (miocárdio) e a membrana que reveste o coração externamente (pericárdio) O coração é uma bomba, porque é formado pelo miocárdio (músculo cardíaco). Trata‑se de um músculo estriado devido à organização molecular de suas proteínas contráteis. O coração é dividido em quatro cavidades 113 FISIOLOGIA (ou câmaras cardíacas): átrio direito, átrio esquerdo, ventrículo direito e ventrículo esquerdo. Os átrios direito e esquerdo são separados entre si pelo septo interatrial, assim como os ventrículos direito e esquerdo estão separados entre si pelo septo interventricular. Dessas quatro câmaras cardíacas, os ventrículos são fundamentais como bombas propulsoras do fluxo de sangue, e sua massa muscular é muito maior que a dos átrios. Os átrios, como o nome indica, representam realmente os vestíbulos dos ventrículos que, de fato, constituem o coração propriamente dito. Contudo, o átrio desempenha outra função, além de agir como vestíbulo da função ventricular: é a de atuar como ponto de geração dos impulsos que excitam o coração a contrair‑se. As paredes internas das cavidades cardíacas são recobertas por uma fina membrana endotelial – o endocárdio –, formando conjuntos de pregas nos orifícios: as válvulas cardíacas, que desempenham uma função orientadora do fluxo sanguíneo, dentro do coração, e sua participação é exclusivamente passiva, uma vez que se abrem ou fecham de acordo com as mudanças de pressão a cada lado da válvula (DOUGLAS, 2006). As válvulas que separam os átrios dos ventrículos são chamadas atrioventriculares. A válvula atrioventricular, que separa o átrio direito do ventrículo direito, é chamada válvula tricúspide, e a válvula atrioventricular, que separa o átrio esquerdo do ventrículo esquerdo, é denominada válvula bicúspide ou mitral. Elas se abrem no sentido átrio‑ventrículo e fecham‑se no sentido ventrículo‑átrio. As válvulas arteriais, também chamadas semilunares, localizam‑se entre os ventrículos e as artérias. A válvula pulmonar separa o ventrículo direito da artéria pulmonar, que leva o sangue venoso (pobre em oxigênio) até os pulmões. A válvula aórtica separa o ventrículo esquerdo da artéria aorta, que leva o sangue arterial (rico em oxigênio) para o restante do corpo. O sangue possui um trajeto unidirecional, tanto ao passar pelo coração como pelos vasos sanguíneos. No coração, o fluxo é direcionado pela presença de válvulas entre os átrios e os ventrículos e entre os ventrículos e as grandes artérias (DOUGLAS, 2006; CURI; PROCOPIO, 2009). Veia cava superior Crossa da aorta Artéria pulmonar Valva semilunar fechada Veias pulmonares Átrio esquerdo Valva bicúspide Ventrículo esquerdo Endocárdio Miocárdio Pericárdio Septo interventricular Veia cava inferior Cone muscular cardíaco Ventrículo direito Valva tricúspide Átrio direito Valva semilunar Figura 48 – Cavidades e válvulas cardíacas 114 Unidade III Envolvendo o miocárdio, o coração possui um sistema de membranas denominado pericárdio, que, além de proteger o coração, tem um papel amortecedor dos movimentos, evitando o atrito do miocárdio com outras estruturas do mediastino. O pericárdio possui duas folhas, a visceral e a parietal, que deslizam entre si pela existência de uma tênue camada de líquido pericárdico (fluido transcelular) (DOUGLAS, 2006). Lembrete O mediastino é a região em que o coração se localiza na cavidade torácica. 6.1.1 Circulação do sangue (circulação pulmonar e sistêmica) A contração global do coração é denominada sístole e o relaxamento do miocárdio, diástole. Toda vez que o coração contrai, o sangue é propulsionado por meio do sistema de vasos sanguíneos espalhados por todo o corpo. Esse sistema de vasos pode ser dividido em dois grandes circuitos: circulação sistêmica e circulação pulmonar (DOUGLAS, 2006; CURI; PROCOPIO, 2009). O sangue venoso retorna ao coração por meio das duas grandes veias cavas (superior e inferior), que desembocam no átrio direito. A partir dessa câmara, o sangue passa ao ventrículo direito por meio da abertura da válvula tricúspide. A pequena circulação, ou circulação pulmonar, inicia‑se com a ejeção do sangue venoso contido no ventrículo direito para a artéria pulmonar por meio da abertura da válvula pulmonar, que, por sua vez, divide‑se nas artérias pulmonares direita e esquerda, distribuindo o sangue venoso para os pulmões direito e esquerdo, para ser oxigenado. Ao chegar aos pulmões, o sangue é oxigenado em um processo denominado hematose (processo de troca gasosa nos alvéolos pulmonares). Após ser oxigenado, o sangue arterial retorna ao átrio esquerdo do coração por meio das quatro veias pulmonares, finalizando assim a circulação pulmonar. É importanteressaltar que, nas artérias, normalmente circula sangue arterial (rico em oxigênio) e, nas veias, sangue venoso (pobre em oxigênio). Entretanto, na circulação pulmonar, acontece o contrário, ou seja, nas artérias pulmonares, circula sangue venoso e, nas veias pulmonares, arterial (CURI; PROCOPIO, 2009). O sangue arterial que está contido no átrio esquerdo passa ao ventrículo esquerdo por meio da abertura da válvula mitral (bicúspide). Após o aumento da pressão nessa câmara, o sangue é bombeado para a artéria aorta por via da válvula aórtica, dando início à grande circulação ou circulação sistêmica. Da artéria aorta, o sangue é distribuído para todos os tecidos (com exceção dos pulmões). A partir da artéria aorta, os vasos vão tornando‑se cada vez menos calibrosos à medida que se aproximam da intimidade dos tecidos, em que formam uma extensa rede de capilares sanguíneos. É neste último segmento vascular que ocorrem as trocas de nutrientes e gases entre o sangue e os tecidos. Uma vez que os nutrientes e o oxigênio são difundidos para os tecidos e os produtos do metabolismo celular, como o dióxido de carbono (CO2), são recolhidos pelos capilares, o sangue torna‑se venoso. Esses delicados vasos formam as vênulas que se unem, dando origem a vasos cada 115 FISIOLOGIA vez mais calibrosos. Por fim, são formadas duas grandes veias: a veia cava superior e veia cava inferior, que conduzem o sangue venoso de volta ao coração (átrio direito), encerrando, desta feita, o trajeto da grande circulação. Circulação pulmonar Circulação sistêmica Pulmão Veia pulmonar Átrio esquerdo Sangue + oxigênio (O2) Sangue + CO2 Ventrículo esquerdo Vasos capilares Ventrículo direito Átrio direito Artéria pulmonar Aorta Coração Figura 49 – Circulações sistêmica e pulmonar Acabamos de ver que, por meio da pequena circulação, o dióxido de carbono (CO2) produzido pelo metabolismo celular é retirado do sangue venoso e, ao mesmo tempo, as hemácias do sangue são saturadas com oxigênio por meio da hematose. Durante o trajeto do sangue pela circulação sistêmica, ele passa por vários territórios, nos quais são adicionadas ou retiradas várias substâncias do sangue. Assim, ao passar pelos intestinos, os produtos da digestão são reabsorvidos; enquanto atravessam os órgãos hematopoiéticos, novas células sanguíneas são repostas, em um processo de contínua renovação dos elementos figurados do sangue; e, transcorrendo pelas glândulas endócrinas, o sangue recolhe os produtos dessas glândulas e leva‑os aos diferentes órgãos‑alvo. Por outro lado, durante sua passagem pelos rins, os metabólitos gerados pelas células são eliminados na forma de urina e, em seu decurso pelo baço, as células sanguíneas debilitadas são removidas. Finalmente, é por meio 116 Unidade III da circulação sistêmica que todas as células do organismo são supridas de elementos necessários para que exerçam suas funções, além de recolher os produtos tóxicos produzidos pelo seu próprio funcionamento (CURI; PROCOPIO, 2009). 6.1.2 Ciclo cardíaco As válvulas cardíacas são fundamentais para o funcionamento do coração como uma bomba. Tanto as válvulas atrioventriculares (tricúspide e mitral) quanto as semilunares (pulmonar e aórtica) são retificadoras, ou seja, permitem o fluxo de sangue em uma só direção. Quando as válvulas tricúspide e mitral estão abertas, o sangue irá fluir para o interior dos ventrículos, que se encontrarão em diástole (relaxados); no entanto, quando as válvulas pulmonar e aórtica estão abertas, o sangue fluirá dos ventrículos direito e esquerdo, que se encontrarão em sístole (contraídos), para os pulmões e o restante do corpo, respectivamente. É importante notar que o controle de abertura e fechamento das válvulas se dá por diferenças de pressão no interior das câmaras cardíacas, não havendo outro mecanismo envolvido. Acreditava‑se que os músculos papilares tinham algum papel na abertura das válvulas atrioventriculares; hoje se sabe que a contração desses músculos tem a função de impedir a eversão das cúspides, evitando, assim, que a válvula como um todo projete‑se para o interior dos átrios com a força da sístole. Uma válvula que não se feche ou abra no momento adequado compromete o ciclo cardíaco inteiro. Se a válvula mitral não se abre na diástole, compromete o enchimento do ventrículo esquerdo; se não se fecha durante a sístole, permite que o sangue ejetado pelo ventrículo esquerdo retorne ao átrio esquerdo, podendo adentrar os pulmões, causando a hipertensão pulmonar. No caso da válvula aórtica, se ela não se fecha adequadamente, o sangue reflui durante a diástole; se não se abre na sístole, o coração tem de fazer mais força para movimentar o sangue e acaba hipertrofiando‑se (CURI; PROCOPIO, 2009). O coração, como bomba, funciona a dois tempos: • esvaziamento durante a contração: sístole; • enchimento durante o relaxamento: diástole. Tanto a sístole quanto a diástole podem ser divididas em diferentes fases, ao longo do tempo, de acordo com o comportamento dos ventrículos e das válvulas submetidas às pressões que eles geram durante sua atividade cíclica. Esses eventos determinam o ciclo cardíaco (CURI; PROCOPIO, 2009). O primeiro evento que ocorre na sístole é a contração isovolumétrica. A contração, ou seja, o encurtamento das fibras musculares cardíacas já começou, mas a pressão exercida por essa atividade não é suficiente para abrir as válvulas aórtica e pulmonar. As válvulas mitral e tricúspide permanecem fechadas, o volume no interior dos ventrículos não varia, por isso, é chamada contração isovolumétrica. A pressão, no entanto, eleva‑se rapidamente e isso forçará, finalmente, a abertura das válvulas aórtica e pulmonar. O segundo evento que ocorre na sístole é ejeção ventricular máxima. Quando se abrem as válvulas aórtica e pulmonar, começa a ejeção de sangue para a grande e a pequena circulação em ritmo bastante acentuado. O terceiro evento é a ejeção ventricular reduzida: o fluxo de sangue continua em 117 FISIOLOGIA direção às artérias, mas não com as mesmas velocidade e intensidade de antes. A pressão no interior dos ventrículos cai de modo progressivo, eventualmente chegando a valores abaixo da pressão da aorta. No entanto, o fluxo permanecerá graças à energia cinética da massa de sangue ejetada. A esse fenômeno, dá‑se o nome de inertância. Em seguida, fecham‑se as válvulas aórtica e pulmonar. O primeiro evento da diástole é o relaxamento isovolumétrico. Nessa fase, os ventrículos relaxam‑se progressivamente, com todas as válvulas fechadas, o volume em seu interior não varia, mas a pressão vai caindo, a atingir valores próximos de zero. O segundo evento é o enchimento diastólico rápido; nesta fase, as válvulas atrioventriculares abrem‑se e o sangue flui rapidamente para dentro dos ventrículos, a pressão eleva‑se no interior deles, mas em nível bastante baixo. Em seguida, o terceiro evento consiste no enchimento diastólico lento, o sangue que já flui para os ventrículos aumenta ligeiramente a pressão no interior destes e, portanto, o enchimento torna‑se mais lento. O quarto evento diastólico é a contração atrial. Em um último esforço, os átrios contraem‑se, terminando por completar o enchimento ventricular antes da próxima sístole, que se irá iniciar pela contração isovolumétrica (CURI; PROCOPIO, 2009). 2. Sístole auricular (contração da aurícula) Válvulas fechadas (dos vasos) Válvulas abertas nó SA 1. Diástole Válvulas fechadas (dos vasos) Válvulas abertas Entrada de sangue Entrada de sangue Nó AV 3. Sístole ventricular (contração dos ventrículos) Válvula fechada Válvula fechada Válvulas abertas Contração Contração Nó SA A B C Figura 50 – Ciclo cardíaco 118 Unidade III 6.1.2.1 Bulhas cardíacas As bulhas cardíacas são os sons produzidos pela atividade cardíaca. Quando se contraem, os ventrículos produzem sons característicos, vibrados essencialmente pelo fechamento das válvulas atrioventriculares e semilunares.O primeiro som cardíaco é chamado “primeira bulha cardíaca”, ele coincide com o início da sístole e é representado pelo fechamento das válvulas tricúspide e mitral. O segundo som cardíaco é a “segunda bulha cardíaca”, ele coincide com o início da diástole e representa o fechamento das válvulas pulmonar e aórtica. Por se situarem estrategicamente ao início da sístole e ao início da diástole, o som produzido pelo fechamento das válvulas pode fornecer informações importantes acerca do funcionamento do coração. Todos os sons anormais emitidos entre a primeira e segunda bulha cardíaca são causados por fenômenos disparados durante a sístole, já todos os sons anormais produzidos entre a segunda e a primeira bulha cardíaca são causados por fenômenos que ocorrem durante a diástole. A detecção dos sons cardíacos faz parte do exame clínico cardiológico e muitas patologias cardíacas podem ser diagnosticadas pela ausculta do coração (CURI; PROCOPIO, 2009). 6.1.3 Débito cardíaco Chamamos débito cardíaco (DC) ou volume cardíaco minuto (VCM) o volume de sangue que o coração bombeia em um dado intervalo de tempo na pequena ou na grande circulação. É comumente expresso em litros por minuto (l/min). Podemos definir DC como o volume ejetado pelo coração (dos ventrículos esquerdo e direito), em um intervalo de tempo; no caso, um minuto. Para calcularmos o DC, antes, precisamos saber qual é o volume ejetado pelo coração, e a esse parâmetro damos o nome de volume sistólico (VS). Portanto, o VS é o volume de sangue ejetado em cada batimento cardíaco, ou seja, a cada sístole. É necessário saber também a quantidade de vezes que o coração bate em um minuto – esta segunda variável é definida como frequência cardíaca (FC). Podemos assumir, então, o DC como o volume de sangue ejetado pelo coração em cada sístole (VS) pela quantidade de batimentos cardíacos em um minuto (FC). A partir disso, chega‑se à seguinte equação (CURI; PROCOPIO, 2009): DC = FC x VS Um homem adulto em repouso, com cerca de 70 kg, possui um VS de aproximadamente 80 ml, e, se sua FC for de 65 batimentos por minuto (bpm), o DC será de 5.200 ml/min – valor este representativo da média da população, embora se deva levar em conta, também, outros fatores, como sexo, peso e altura. A equação mostra que o DC é diretamente proporcional à FC e ao VS. Se o VS for mantido constante, o DC é uma função linear da FC. No exercício físico, quando a demanda por oxigênio pelo organismo está exacerbada, o DC pode aumentar de 4 a 5 vezes, graças ao aumento de ambos, FC e VS, mediado pela ativação do sistema nervoso simpático. É importante definir e considerar também o conceito de retorno venoso (RV). Trata‑se ele do fluxo de sangue que retorna ao coração e entra na câmara ventricular. O retorno venoso influencia diretamente o volume sistólico e, consequentemente, o débito cardíaco. Dentro de determinados limites, 119 FISIOLOGIA o coração transfere o que recebe pelo RV em DC. Isso quer dizer que, se mais sangue retornar ao coração, em um dado intervalo de tempo, causando maior enchimento do ventrículo durante a diástole e, por conseguinte, aumento da pré‑carga, o mecanismo de Frank‑Starling, pelo maior estiramento das fibras do músculo cardíaco, garantirá um volume sistólico (VS) maior na sístole seguinte. Portanto, se houver aumento no RV, também o haverá no VS (CURI; PROCOPIO, 2009). Observação A lei de Frank‑Starling assim determina: “Quanto maior o estiramento de uma fibra muscular, maior será sua força de contração” (STARLING, 1920). Devemos considerar também que as variações da frequência cardíaca não significam necessariamente variações do débito cardíaco. Uma leitura desatenta da equação DC = FC x VS levar‑nos‑ia a crer que, aumentando a FC, testemunharíamos sistematicamente o aumento do DC. É um engano. Para isso ser verdadeiro, seria necessário que o VS permanecesse constante. Uma simples elevação da FC, pelo uso de marca‑passo, por exemplo, não aumenta o DC, pelo simples motivo de que, ao aumentarmos a frequência, estaremos diminuindo concomitantemente o enchimento diastólico e, consequentemente, diminuindo o VS. Se a frequência é excessivamente elevada, a diástole torna‑se muito curta e o enchimento cardíaco fica muito comprometido. No homem, uma alteração na FC pode ou não alterar o DC. Isso dependerá do VS e, como já discutimos, do retorno venoso. Uma situação em que o DC é afetado pela FC é o exercício físico. Variações importantes do DC são conquistadas com a variação da FC, enquanto o VS permanece constante. O DC pode chegar a valores de 21 l/min, e o trabalho cardíaco quase quadruplica seu valor, permanecendo o VS em 120 ml. É a frequência da ordem de 175 bpm que garante esse débito. Nesses casos, é bom lembrar que a duração da diástole pode ser reduzida em cinco vezes, e a sístole mal chega a uma redução pela metade. Em exercícios cardíacos muito intensos, nos quais o DC chega a 40 l/min, há a necessidade de aumento também do VS, porque mesmo frequências da ordem de 200 bpm não conseguem dar conta desse valor de débito. A FC pode ser verificada pelos batimentos de veias no pescoço, mas, normalmente, a palpação do pulso é uma das primeiras fontes de informação da ação cardíaca. Por estar sincronizado com o ciclo cardíaco (embora defasado), o pulso periférico permite‑nos saber a frequência cardíaca (CURI; PROCOPIO, 2009). 6.1.4 Automatismo cardíaco As contrações rítmicas e coordenadas das câmaras cardíacas produzem o fluxo sanguíneo que supre os órgãos do corpo com nutrientes e oxigênio. Essas contrações são ativadas por impulsos elétricos gerados espontaneamente por células marca‑passo, localizadas no átrio direito, mais precisamente no nó 120 Unidade III sinoatrial (NSA). Os impulsos elétricos gerados no NSA são transmitidos sequencialmente ao miocárdio atrial, ou seja, espalham‑se pelo átrio. Em seguida, o impulso elétrico chega ao nó atrioventricular, localizado entre os átrios e os ventrículos, sofrendo um pequeno retardo. Ao chegar ao feixe de His, o impulso elétrico desce entre os ventrículos direito e esquerdo, e espalha‑se completamente pelo miocárdio ventricular por meio das fibras de Purkinje. A origem e propagação dos impulsos elétricos pelas células cardíacas dependem da existência de gradientes iônicos por meio da membrana plasmática e de mudanças transitórias rápidas na permeabilidade da membrana, que permitam fluxos de íons de acordo com seus gradientes eletroquímicos (CURI; PROCOPIO, 2009). Nó sinoatrial (marcapasso) Nó atrioventricular Ventrículo direito Septo interventricular Septo interatrial Feixe de His (fascículo átrioventricular) Rede de Purkinje (miócito condutor cardíaco) Ventrículo esquerdo Átrio direito Átrio esquerdo Figura 51 – Automatismo cardíaco: podemos observar o sistema de excito‑condução, formado pelo nó sinoatrial, nó atrioventricular, feixe de His e as fibras de Purkinje 6.1.5 Potencial de ação cardíaco As células musculares cardíacas são células excitáveis e, assim como sucede a outras células excitáveis, o citoplasma é eletricamente negativo em relação ao meio extracelular. Por essa razão, a inserção de um eletródio no citoplasma detecta uma diferença de potencial elétrico por meio da membrana, comumente denominado potencial de membrana. O potencial de membranas das células cardíacas (atriais e ventriculares) em repouso é de aproximadamente ‑80 mV. Como já abordado anteriormente, no capítulo em que estudamos o sistema nervoso, o potencial de membrana em repouso é determinado basicamente pela existência de gradientes de concentração de íons por meio da membrana plasmática, que é determinada basicamente por dois fatores: • em repouso, a membrana plasmática apresenta maior permeabilidade ao potássio (K+) do que a outros íons; 121 FISIOLOGIA • e a presença da bomba de sódio e potássio (Na+‑K+‑ATPase) garante que a concentração de potássio (K+) seja maior dentro da célula e a concentração de sódio(Na+) maior no meio extracelular. Além disso, a bomba de cálcio (Ca2+‑ATPase) e o trocador Na+‑Ca2+ mantêm o gradiente de concentração de cálcio (Ca2+) maior no meio extracelular. Quando o cardiomiócito é estimulado por uma onda despolarizante e o potencial da membrana é rapidamente deslocado até um ponto crítico, chamado “potencial limiar”, ocorre então um evento transitório chamado “potencial de ação”. Os impulsos elétricos gerados no NSA e transmitidos pelo miocárdio atrial e ventricular são potenciais de ação que se propagam pela membrana celular, passando de célula a célula. Diferentemente dos potenciais de ação dos axônios e das fibras musculares esqueléticas, os potenciais de ação cardíacos possuem duração muito longa, de até 500 ms, o que consequentemente limita a frequência máxima de ativação cardíaca. Frequências cardíacas muito altas são indesejáveis, pois reduzem o tempo de enchimento ventricular durante a diástole, comprometendo, assim, a eficiência da bomba cardíaca. No coração, os potenciais de ação diferem em forma e duração de uma região para outra. Podem ser classificados como rápidos ou lentos, de acordo com a velocidade da fase ascendente de despolarização, na transição entre o potencial limiar e o pico. Os rápidos efetivam‑se nas células musculares atriais e ventriculares, bem como nas células do sistema de condução feixe de Hiss e fibras Purkinje; já os lentos, nas células nodais do NSA e do NAV. As células cardíacas que tipicamente apresentam potenciais de ação rápidos têm em comum o potencial de repouso ou potencial diastólico máximo mais hiperpolarizado (em torno de ‑80 a ‑90 mV) e, quando ativadas, despolarizam rapidamente, em uma faixa de 200 a 800 V/s, até atingir o pico do potencial de ação. Essa alta taxa de despolarização está associada a uma propagação mais rápida do potencial de ação, já o potencial de ação lento está associado à automaticidade das células marca‑passo do NSA e à baixa velocidade de propagação do impulso elétrico nas células do NAV. Essas células não apresentam um potencial de repouso estável, mas, sim, uma lenta e gradual despolarização diastólica, o potencial marca‑passo que, ao atingir o potencial limiar, dispara um potencial de ação, cuja fase de despolarização, de ascensão ao pico, é bastante lenta. A base iônica do potencial de ação reside nas correntes elétricas que fluem por meio da membrana plasmática, e cujas características dependem das propriedades biofísicas de canais iônicos, tais como: seletividade iônica, condutância, dependência de voltagem e cinética de abertura e fechamento. Os canais iônicos são a base molecular dos processos de gênese e condução da atividade elétrica da membrana celular. Eles são proteínas integrais de membrana, inseridas na bicamada lipídica, formando poros seletivos aos íons específicos. O poro do canal pode abrir ou fechar em resposta a determinados estímulos. Os canais que abrem em resposta a mudanças no potencial de membrana são chamados canais dependentes de voltagem. Quando os canais iônicos abrem, íons seletivos podem fluir passivamente por meio do poro, de um lado para o outro da membrana, de acordo com seus gradientes eletroquímicos, gerando correntes iônicas que irão mudar o potencial da membrana (CURI; PROCOPIO, 2009). 122 Unidade III A despolarização inicial do potencial de ação rápido é produzida por um influxo (entrada) de íons de Na+ na célula por meio de canais de Na+ dependentes de voltagem. Isto ocorre quando o potencial de membrana em repouso é subitamente alterado, por correntes provenientes de um estímulo externo ou de uma célula adjacente, para um valor limiar de aproximadamente ‑65 mV, abrindo canais Na+ suficientes para gerar uma corrente de influxo de Na+ que irá despolarizar ainda mais a membrana, levando à abertura de mais canais de Na+. O influxo de Na+ deveria cessar quando o potencial de membrana atingisse o potencial de equilíbrio deste íon, entretanto os canais de Na+ inativam‑se antes que o equilíbrio seja alcançado, este é um processo dependente de voltagem e de tempo. Os canais de Na+ só serão reabertos após a membrana ser repolarizada até seu potencial de repouso (CURI; PROCOPIO, 2009). Após despolarização e ascensão até o pico do potencial de ação, ocorre um breve período de repolarização. Essa repolarização é originada devido à ativação de uma corrente transitória de efluxo (saída) de K+, que é ativada e inativada muito rapidamente. Em seguida, ocorre o platô de longa‑duração causado essencialmente pelo influxo de Ca2+ através de canais de Ca2+ tipo L, que sustenta a despolarização da membrana contra a ação repolarizante das correntes de efluxo de K+, cujos canais iniciam a lenta ativação nesta fase e atingem máxima condutância na etapa seguinte. A repolarização da célula se dá com a inativação dos canais de Ca2+ e a ativação máxima dos canais de K+ que leva ao efluxo deste íon e gera correntes repolarizantes que deslocam o potencial de membrana de volta ao potencial de repouso. 4 K– K–K+ Ca2+ Na+ Saída Entrada 0 1 2 3 Figura 52 – Potencial de ação na célula muscular cardíaca Diferentemente do que foi descrito anteriormente, a despolarização inicial do potencial de ação lento das células do NSA e NAV ocorre por um influxo de Ca2+, através de canais de Ca2+ tipo L. Estes canais têm cinéticas de ativação e inativação mais lentas que os canais de Na+, o que explica a lenta despolarização inicial neste tipo de potencial de ação. Após atingir o pico, essas células já entram em repolarização sem passar pelo platô. A repolarização ocorre pelo efluxo de K+ através dos canais de K+ retificadores de efluxo retardados, que são ativados pela despolarização. Quando o potencial de 123 FISIOLOGIA membrana se torna hiperpolarizado, um canal de Na+ é aberto, gerando uma corrente de influxo de Na+ que despolariza lentamente a membrana. Quando a despolarização induzida por esse influxo Na+ atinge potenciais de aproximadamente ‑50 mV, ocorre ativação dos canais de Ca2+ gerando um influxo de Ca2+, que resultará um próximo potencial de ação (CURI; PROCOPIO, 2009). 6.1.6 Ritmicidade cardíaca e o sistema de condução Em condições normais, o estímulo para a ativação elétrica das câmaras cardíacas origina‑se no NSA, sendo este considerado o marca‑passo cardíaco. As células do marca‑passo têm a capacidade de iniciar um potencial de ação na ausência de qualquer estímulo externo. Essa propriedade é denominada automatismo e está presente nas células do NSA, NAV, feixe de His e fibras de Purkinje. Portanto, além das células do NSA, as células desses outros locais do eixo de excito‑condução são potencialmente marca‑passos cardíacos. Essas células não apresentam um potencial de repouso fixo, e sim uma despolarização basal lenta, causada pelo influxo de Na+ nas células, que, ao atingir um determinado potencial limiar, desencadeia a despolarização mais rápida, causada pela entrada de Ca2+ nas células e, em seguida, um potencial de ação. A frequência de disparos de potenciais de ação pelas células marca‑passo depende da velocidade da despolarização inicial. As células do NSA conseguem atingir o limiar em menor tempo, portanto têm maior frequência de disparos. Essa característica confere ao NSA a condição de marca‑passo dominante, já os outros marca‑passos permanecem latentes. Entretanto, se o NSA falhar, o marca‑passo latente de frequência intrínseca imediatamente inferior dispara e assume a função de marca‑passo dominante. Em condições normais, as células cardíacas estão acopladas eletricamente, de forma que a excitação de uma única célula resulta na excitação de todas as células do tecido; o miocárdio é considerado um sincício funcional, pois suas células estão unidas entre si por estruturas chamadas de discos intercalares. Nesses discos, existem áreas de íntima aposição das membranas das duas células, as junções comunicantes. As junções comunicantes são canais que comunicam diretamente o citoplasmadas células adjacentes, e são formados por proteínas denominadas conexinas. Esses canais permitem a condução rápida do potencial de ação entre as células, facilitando o espalhamento da atividade elétrica pelo miocárdio e o batimento sincronizado do coração. As junções comunicantes são essenciais para a propagação do potencial de ação cardíaco. O impulso elétrico formado no NSA, localizado na parede do átrio direito, é transmitido inicialmente para o átrio direito adjacente e daí para o átrio esquerdo e NAV. No miocárdio atrial, em que o potencial de ação é do tipo rápido, a velocidade de condução é de 0,8‑1,0 m/s. As câmaras atriais e ventriculares estão isoladas eletricamente pelo tecido conjuntivo fibroso que separa os átrios e os ventrículos. O impulso proveniente do NSA para chegar aos ventrículos precisa antes passar pelo NAV. O NAV tem potencial de ação do tipo lento, com velocidade de condução de 0,02‑0,05 m/s, o que retarda a transmissão do impulso elétrico dos átrios para os ventrículos. Esse retardo assegura que no momento da contração atrial os ventrículos estejam relaxados, favorecendo maior enchimento ventricular. Após trafegar pelo NAV o impulso elétrico atinge o feixe de His, de onde é conduzido para os ventrículos, em alta velocidade, pelo sistema de condução His‑Purkinje. As células do feixe de His e fibras de Purkinje são 124 Unidade III especializadas para a condução rápida. Elas têm o diâmetro três vezes maior do que os cardiomiócitos atriais e ventriculares, menor resistência interna, maior quantidade de junções comunicantes nos discos intercalares e potenciais de ação do tipo rápido. A velocidade de condução neste sistema é de 1,0‑1,5 m/s no feixe de His e de 3,0‑3,5 m/s nas fibras de Purkinje. A atividade elétrica dos ventrículos, ativada por impulsos transmitidos pelas fibras de Purkinje, tem início no septo e ápice ventricular, depois progride para a base ventricular e em cada região ventricular, progride do endocárdio para o epicárdio. A velocidade de condução dos potenciais de ação rápidos no miocárdio é de 0,3‑1,0 m/s. A presença de uma extensa rede de fibras de Purkinje na superfície endocárdica favorece a sincronia das contrações de ambas as câmaras ventriculares (CURI; PROCOPIO, 2009). 6.1.7 Eletrocardiograma (ECG) O ECG é um registro indireto da atividade elétrica do coração, obtido por meio de eletródios colocados em diferentes pontos da superfície do corpo, em posições já determinadas por regras convencionadas, denominadas derivações eletrocardiográficas. É uma ferramenta clínica não invasiva de grande utilidade na detecção e diagnose de irregularidades na condução elétrica do coração. Para entender o princípio desse registro, devemos lembrar que a célula cardíaca em repouso tem a membrana polarizada (superfície interna carregada negativamente em relação à externa). Quando excitada, a célula cardíaca gera um potencial de ação e o potencial da membrana atinge valores positivos, havendo inversão local da polaridade da membrana. Portanto, na superfície da célula, haverá separação de cargas entre a área ativada (local onde está ocorrendo a despolarização) e a área inativa, ainda não atingida pelo potencial de ação, formando dipolos. Consideram‑se dipolo dois pontos próximos com cargas elétricas opostas e de mesmo módulo. Um dipolo, em um meio condutor, cria um campo elétrico. Embora o corpo seja um meio condutor não homogêneo, ele pode conduzir correntes até a superfície da pele. Portanto, estando o coração imerso no volume condutor do corpo, podemos detectar na superfície corporal os potenciais gerados por uma série de dipolos que se deslocam na superfície do coração durante a propagação do potencial de ação. Assim, o ECG registra a variação temporal do potencial dipolo entre dois pontos na superfície do corpo. A sequência de ativação cardíaca é iniciada pela onda P, que representa a despolarização do átrio. Em seguida, há um seguimento isoelétrico denominado PR, que representa o período de condução do impulso elétrico no NAV, feixe de His e fibras de Purkinje. Como essas estruturas são muito pequenas em relação à massa dos músculos atrial e ventricular, o campo elétrico gerado pela propagação dos potenciais de ação nelas não é captado pelos eletródios colocados na superfície corporal, por esse motivo o segmento PR é isoelétrico. Após o segmento PR, há um conjunto de ondas Q, R e S, denominado complexo QRS, que representa a despolarização ventricular. Em seguida, ocorre um segundo segmento isoelétrico chamado ST, que não registra diferença de potencial na superfície corporal, pois todas as células estão com um mesmo valor de potencial transmembrana. A onda T final representa a repolarização ventricular. Podemos identificar, ainda, no traçado do ECG, os intervalos PR e QT. O intervalo PR é o período entre o início da despolarização atrial e o início da despolarização ventricular. O aumento da 125 FISIOLOGIA duração do intervalo PR pode indicar bloqueio parcial da condução do impulso elétrico no NAV ou feixe de His. O intervalo QT é o período entre o início da despolarização ventricular e o final da repolarização ventricular. A duração do intervalo QT correlaciona‑se à duração do potencial de ação ventricular e é dependente da frequência cardíaca (CURI; PROCOPIO, 2009). +1 mV +0,5 0 P R T Q segmento PR segmento ST intervalo QT intervalo PR tempo intervalo QRS S –0,5 vo lta ge m Figura 53 – Eletrocardiograma típico 6.1.8 Regulação da pressão arterial A pressão arterial (PA) é uma das variáveis hemodinâmicas de medida mais comum, pois, além de ser aferida de modo fácil, pode fornecer informações importantes sobre a homeostase cardiovascular. A pressão arterial, como o próprio nome indica, representa a pressão existente dentro das grandes artérias. O valor da PA é muito diferente em diversos locais da circulação. Quando medimos a PA de uma pessoa, em geral, aferimos essa medida no braço, pois a artéria braquial fica, aproximadamente, na altura da raiz da aorta. Portanto, ao aferirmos a pressão na artéria braquial estamos, na verdade, aferindo a pressão que o sangue exerce sobre as paredes da artéria aorta torácica. Como ao longo das grandes artérias a pressão é relativamente constante, a PA medida na artéria braquial passou a ser considerada a medida padrão da pressão nas grandes artérias (CURI; PROCOPIO, 2009). A PA é a medida da força exercida pelo sangue contra as paredes das grandes artérias. A pressão estática, em um vaso de paredes elásticas (como as artérias), aumenta diretamente com o volume de líquido no interior do vaso, e esse aumento depende das características elásticas da parede. A pressão dinâmica, em um vaso cilíndrico, depende de outros fatores, dos quais o mais importante é a energia cinética da massa líquida contida no vaso. Uma massa líquida impulsionada com certa velocidade tem energia cinética. Ao encontrar uma região de resistência em que a velocidade tende a diminuir, aumenta‑se a pressão. A quantidade de sangue dentro das artérias depende do fluxo de entrada (débito 126 Unidade III cardíaco) e de saída (migração do sangue das artérias de maior calibre para a microcirculação), ou seja, depende do fluxo de sangue que o ventrículo esquerdo ejeta para dentro do sistema arterial e do ritmo de esvaziamento do sangue dos grandes vasos arteriais para a circulação periférica. O efluxo de sangue do sistema arterial para a microcirculação depende, em larga escala, da resistência vascular periférica, a qual se localiza principalmente nas arteríolas. Como a quantidade de sangue dentro das artérias não é constante, e varia com os fluxos de entrada e saída do sangue para a microcirculação, a pressão arterial também adquire um caráter pulsátil, isto é, varia continuamente durante o ciclo cardíaco desde um valor máximo, chamada pressão arterial sistólica, pois coincide com a sístole ventricular, até um valor mínimo, a pressão arterial diastólica,
Compartilhar