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FLÁVIA GALVÃO CÂNDIDO NUTRIÇÃO NOS DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS E PSIQUIÁTRICOS: DA FISIOPATOLOGIA À DIETOTERAPIA Monografia apresentada à Instituição Ganep Educação, como parte das exigências do curso de pós-graduação em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica, para obtenção do título de especialista. Orientadora: Renata Cristina Campos Gonçalves JUIZ DE FORA MINAS GERAIS - BRASIL 2019 FLÁVIA GALVÃO CÂNDIDO NUTRIÇÃO NOS DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS E PSIQUIÁTRICOS: DA FISIOPATOLOGIA À DIETOTERAPIA Monografia apresentada à Instituição Ganep Educação, como parte das exigências do curso de pós-graduação em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica, para obtenção do título de especialista. Orientadora: Renata Cristina Campos Gonçalves JUIZ DE FORA MINAS GERAIS - BRASIL 2019 Apresento-lhes um trabalho que é fruto do apoio e do carinho de muitos. A todos que contribuíram indiretamente para a realização desse trabalho. AGRADECIMENTOS A vida é algo surpreendente... Muitos autores ao longo da história tentaram definir a vida de acordo com suas convicções e experiências. Para Charles Chaplin, a vida “é uma peça de teatros que não permite ensaios” e “é algo maravilhoso quando não se tem medo dela”. Para Machado de Assis, a vida “é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito”. Já Mahatma Gandhi diz que a vida “é um todo indivisível”. Para Soren Kierkergaard, filósofo e teólogo dinarmaquês, a vida algo “que só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente”. Para Oscar Wilde, famoso escritos e dramaturgo irlandês, “a vida é muito importante para ser levada a sério”. Há também as definições de vida mais pessimistas, como a de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão de vida conturbada, que diz ser a vida algo “que vai ficando cada vez mais dura perto do topo”, ou a de Florbela Espanca, poeta portuguesa cuja vida foi tumultuada e cheia de sofrimentos, que afirma ser a vida uma “rede de ilusões e desenganos” onde “o quadro é único, a moldura é que é diferente”. Entretanto, hoje pretendo me ater a uma outra definição de vida. Certo dia, um dos maiores poetas brasileiros fez uma definição de vida e a consagrou em uma canção, que se chama “Samba da Bênção”. Esse poeta foi Vinícius de Moraes. Para ele “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. A vida é a arte do encontro... essa frase não me sai da cabeça nesse momento. Fico lembrando de tudo o que aconteceu durante essa especialização, desde o início do seu planejamento até a sua conclusão. Quantas pessoas se “encontraram”, quantos planos feitos em conjunto, quantos esforços compartilhados, quantos sonhos, quantas alegrias, quanto apoio e superação. Essa especialização foi um desafio muito grande, incapaz de ser superado sem o apoio generoso de muitos. Foram necessários “encontros” de pessoas, objetivos, experiências, cumplicidade para conseguir vir a todas as etapas presenciais, manter um negócio próprio funcionando, cuidar de uma filha de menos de um ano, adaptar ao emprego novo. Nada disso seria possível sem “equipes de staff”, ou aqueles que dão suporte. Eles são todos os amigos, colegas, chefes, funcionários, família, marido e pessoas comuns que, mesmo às vezes sem saber, oferecem ânimo, apontam caminhos ou contribuem das maneiras mais variáveis possíveis para que tudo ocorra da maneira certa. Mas, como na vida, também houveram “desencontros”, que foram superados um a um mesmo que às vezes com dor. São tantas opções, tantas possibilidades que a vida oferece de “encontros e desencontros”, não só durante a execução dessa especialização, que parece ser a vida um “jogo de quebra cabeças jogado pelo Ser mais poderoso e bondoso desse universo”. Esta é a minha definição de vida que compartilho com vocês. Tenho convicção de que Ele é o autor de cada “peça” desse quebra-cabeças, e por isso as encaixa da melhor maneira possível e faz, até mesmo dos desencontros, oportunidades para nos ajudar a crescer e a sermos melhores. Hoje eu gostaria de agradecer a esse Deus, que cuida de cada um de nós com um carinho que nos constrange e emociona, e a cada uma dessas “peças”, que foram instrumentos de Deus para que essa especialização fosse realizada. A vocês, “peças”, que fazem minha vida valer a pena. LISTA DE QUADROS Pág. Quadro 1 Nutrientes importantes para o funcionamento do sistema nervoso e suas principais fontes alimentares 2 Quadro 2 Características dos planejamentos dietéticos para pacientes com distúrbios neurológicos e psiquiátricos 7 Quadro 3 Medidas auxiliares no manejo de problemas relacionados à ingestão no paciente com distúrbios neurológicos e psiquiátricos 9 Quadro 4 Avaliação e acompanhamento do estado nutricional do paciente com doenças neurológicas e psiquiátricas 12 Quadro 5 Sintomas característicos da SWK 15 Quadro 6 Comparação entre as doenças esclerose lateral amiotrófica e miastenia grave 31 Quadro 7 Progressão dos sintomas da doença de Parkinson 35 Quadro 8 Modelo de cardápio para pacientes com doença de Parkinson em tratamento com levodopa 38 Quadro 9 Modelo de cardápio da dieta cetogênica utilizando o óleo TCM 43 LISTA DE FIGURAS Pág. Figura 1 Guia da pirâmide para auxílio durante a adoção de uma dieta do estilo mediterrâneo. Fonte: Fundación Dieta Mediterránea, 2010. 4 Figura 2 Modelo patogênico da Síndrome de Wernicke-Korsakoff decorrente do alcoolismo crônico 13 Figura 3 Classificação, fisiopatologia e sintomatologia do Acidente Vascular Encefálico – AVE. 18 Figura 4 Representação esquemática dos tipos de acometimento e das repercussões nutricionais e dietoterápicas do paciente com acidente vascular encefálico – AVE. O lado acometido corpo indica que a injúria ocorreu no hemisfério encefálico oposto (1 e 2). Recomendações dietéticas podem ser encontradas em Xavier et al. (2013) 21 Figura 5 Processo fisiopatológico da doença de Alzheimer. 1) Quebra anormal da proteína precursora amiloide (APP), originando peptídeos com propriedades agregadoras e neurotóxicas, matando os neurônios (adaptado de Gandy et al., 2005). 2) Hiperfosforilação das proteínas Tau, que acabam por perder sua função de estabilização das estruturas de microtúbulos, fazendo com que os neurônios percam sua estrutura e se tornem emaranhados neurofibrilares (NFT). 25 Figura 6 Representação esquemática de como os nutrientes podem comprometer a absorção e/ou ação da levodopa (L-Dopa) durante o tratamento de pacientes com doença de Parkinson. O uso de fármacos mais novos que incluem inibidores da DL-AA periférica permite que esses pacientes façam o uso concomitante de suplementos de piridoxina durante o tratamento 37 LISTA DE ABREVIATURAS ACh Acetilcolina APP Amyloid precursor protein AVB Alto Valor Biológico BIG Baixo índice Glicêmico CHO Carboidratos DRI Dietary Reference Intakes;:;: Proteína;; ELA Esclerose Lateral Amiotrófica EW Encefalopatia de Wernicke GABA Gama-aminobutírico LIP Lipídeos MG Miastenia Grave NFT Neurofibrillary tangles PTN Proteína PUFA Ácido graxo poliinsaturado RDA Recommended Dietary Allowance SIDA Síndrome da imunodeficiência adquirida SK Síndrome de Korsakoff SW Síndrome de Wernicke SWK Síndrome de Wernicke-Korsakoff TCE Traumatismo cranioencefálico TRM Traumatismo raquimedular UI Unidade internacional RESUMO CÂNDIDO, Flávia Galvão. Nutrição nos distúrbios neurológicos e psiquiátricos: da fisiopatologia à dietoterapia [monografia] Juiz de Fora: Ganep,pós-graduação em Terapia Nutricional e Nutrição Clínica. Orientadora: Renata Cristina Campos Gonçalves. Os distúrbios neurológicos e psiquiátricos – DNP são um conjunto heterogêneo de doenças que acometem a estrutura e/ou o funcionamento do sistema nervoso central ou periférico. O objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão acerca dos principais DNP de interesse para a nutrição, sintetizando de maneira didática as principais informações acerca de suas fisiopatologias e metas dietoterápicas. A nutrição parece exercer um papel de destaque na prevenção e no tratamento dos DNP, contribuindo para a melhora do quadro clínico, da qualidade de vida e até da efetividade do tratamento medicamentoso. Devido à heterogeneidade das doenças, as bases fisiopatológicas e as metas nutricionais variam bastante de acordo com cada doença. No entanto, em todas elas é necessário que o nutricionista seja capaz de assumir uma postura holística e humanista, com foco não apenas no paciente mas também no cuidador. Muitas das vezes, tais desordens abalam emocionalmente a família e é importante o envolvimento e o poio de pessoas próximas para que o paciente consiga se beneficiar de uma alimentação equilibrada e de qualidade. SUMÁRIO Pág. AGRADECIMENTOS LISTA DE QUADROS LISTA DE FIGURAS LISTA DE ABREVIATURAS RESUMO 1. INTRODUÇÃO 1 1.1 Características gerais do tratamento dietoterápico 1.1.1 Nutrientes neuromoduladores, dieta Mediterrânea e papel do carboidrato 1.1.2 Recomendações nutricionais 1.1.3 Avaliação e acompanhamento do estado nutricional 2 2 6 11 2. SÍNDROME DE WERNICKE-KORSAKOFF 2.1 Fisiopatologia 2.2 Fatores de risco 2.3 Sintomas e diagnóstico 2.4 Dietoterapia e tratamento medicamentoso 12 14 14 16 16 3. ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO 2.1 Fisiopatologia 2.2 Fatores de risco 3.3 Sintomas e diagnóstico 3.4 Dietoterapia 17 17 18 19 19 4. ALZHEIMER 4.1 Fisiopatologia 4.2 Fatores de risco 4.3 Sintomas e diagnóstico 4.4 Dietoterapia e tratamento medicamentoso 4.5 Recomendações dietoterápicas 22 22 25 25 26 28 5. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA E MIASTENIA GRAVE 5.1 Esclerose Lateral Amiotrófica 5.1.1 Fisiopatologia 5.2 Miastenia Grave 5.2.1 Fisiopatologia 29 29 29 29 30 5.3 Sintomas, fatores de risco e diagnóstico 5.5 Recomendações (Orientações dietéticas) 31 32 6. DOENÇA DE PARKINSON 6.1 Fisiopatologia 6.2 Fatores de risco 6.3 Sintomas e diagnóstico 6.4 Dietoterapia e tratamento medicamentoso 6.5 Recomendações dietoterápicas 33 33 34 34 36 39 7. EPILEPSIA 7.1 Fisiopatologia 7.2 Avaliação nutricional 7.3 Dietoterapia e tratamento medicamentoso 7.4 Novas dietas alternativas 40 40 41 41 45 8. TRAUMAS 8.1 Trauma crânio-encefálico 8.1.1 Fisiopatologia 8.2 Trauma raquimedular 8.2.1 Fisiopatologia 8.3 Terapia nutricional nos traumas 46 46 46 47 47 48 9. CONCLUSÕES GERAIS 48 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49 1 1. INTRODUÇÃO O cérebro é um dos maiores órgãos do corpo humano e, assim como os demais órgãos, é amplamente afetado pela forma como o indivíduo se alimenta. Apesar disso, as associações entre a dieta e a saúde do cérebro e do sistema nervoso são muitas das vezes negligenciadas por nutricionistas e até mesmo por órgãos regulamentadores da profissão (WEYER, 2005). Tal fato dificulta a adoção de medidas corretas no tratamento dietoterápico dos pacientes com distúrbios neurológicos e psiquiátricos (DNP). Além do mais, considerando-se o grande aumento da expectativa de vida e consequentemente da prevalência de algumas dessas doenças, que acometem mais a população idosa, é urgente a necessidade de atenção e de aprofundamento sobre o tema. Em outras palavras, é inconcebível que um nutricionista possua uma formação de qualidade nos dias de hoje sem que ele esteja ciente do papel que ele exerce na prevenção e no tratamento dos DNP. Caracterizam-se como DNP quaisquer distúrbio que acometa a estrutura e/ou o funcionamento do sistema nervoso central ou periférico. Do ponto de vista clínico e didático, tais distúrbios foram separados em distúrbios neurológicos, designados aqueles que possuem desordens cognitivas e/ou comportamentais ligados a comprometimentos estruturais do sistema nervoso, e em distúrbios psiquiátricos, ligados a alterações do humor e/ou comportamentais na ausência (ou quase ausência) de alterações estruturais nos sistemas sensoriais e motor. Como exemplos de distúrbios neurológicos podemos citar os Acidentes Vasculares Encefálicos (AVE), a Doença de Parkinson e de Alzheimer. Já como distúrbios psiquiátricos podemos citar os transtornos da ansiedade e a depressão. Atualmente, no entanto, o limite entre ambas designações é ténue e muitos preferem tratar tais distúrbios como sendo neuropsiquiátricos (Baker, 2002). A maioria das considerações sobre a dietoterapia nos DNP sugerem a adoção de uma dieta saudável e balanceada semelhante àquelas recomendadas para a redução de doenças cardiovasculares, cânceres, diabetes e um grande número de desordens digestivas e metabólicas. Nesse trabalho, iremos abordar os principais DNP de interesse para nutrição que já possuem dietoterapia melhor definida. No entanto, o grande número de DNP existente dificulta a abordagem individual dessas desordens. De modo a contornar esse problema, o início do trabalho trará uma abordagem generalista dos DNP, acompanhado de alguns quadros resumo dos distúrbios aqui contemplados. Sugere-se aos leitores que, ao se depararem com algum quadro patológico não 2 contemplado aqui ou que ainda não seja bem estabelecido na literatura científica, procure se atentar para os sinais e sintomas apresentados pelo paciente e para as características gerais da terapia nutricional aos pacientes com DNP. Desse modo, é possível oferecer uma melhora do seu estado nutricional e promover uma melhor qualidade de vida. 1.1 Características gerais do tratamento dietoterápico 1.1.1 Nutrientes neuromoduladores, dieta Mediterrânea e papel do carboidrato Atualmente, existe um grande número de pesquisas de qualidade desenvolvidas no intuito de melhor entender como os nutrientes afetam a estrutura e o desenvolvimento do nosso sistema nervoso. Tais avanços nos permitem afirmar que a dieta desempenha um papel de destaque dentro desse contexto, apesar do entendimento das associações entre nutrientes específicos e a função nervosa estar longe de poder ser considerado completo. Alguns nutrientes já são considerados essenciais para o desenvolvimento e a função do sistema nervoso mas, para que eles exerçam suas funções adequadamente, é necessário que uma gama de outros nutrientes estejam disponíveis nas proporções adequadas (WEYER, 2005). Por esse motivo, não existe nenhum “nutriente mágico” ou um único nutriente chave capaz de proporcionar a saúde do sistema nervoso e da mente. Os nutrientes que normalmente são associados ao bom funcionamento do sistema nervoso e à prevenção/tratamento dos DNP encontram-se descritos no Quadro 1. No decorrer deste trabalho, serão citados os nutrientes com função neuroprotetora comprovada em relação à cada desordem específica. Quadro 1. Nutrientes importantes para o funcionamento do sistema nervoso e suas principais fontes alimentares Nutriente Efeitos no sistema nervoso Principais fontes Vitamina A (retinóis e carotenoides) Reduz o estresse oxidativo Auxilia na resposta imune Frutas, verduras e legumes com cor amarelo- alaranjado (abóbora, batatadoce, cenoura, mamão, manga, melão), brócolis, couve, damasco seco, espinafre, fígado, ovo Vitaminas do complexo B (B1, B2, B6, B9 e B12) Componente de membrana neuronal (B1) Síntese de dopamina e noradrenalina (B2, B6, B9 e B12) e receptores GABA B1: Leveduras, gérmen de trigo, cereais integrais, castanhas, carne de porco magra fresca, fígado e outras vísceras, aves, carnes magras, peixes, gema de ovo, ervilhas, feijões secos, soja e amendoim. O leite contém 3 (B6) Produção de energia (co- fatores na glicólise, ciclo do ácido cítrico e cadeia respiratória) Metabolismo de homocisteína (B6, B9 e B12) Síntese de mielina (B12) quantidades relativamente baixas dessa vitamina. B2: Leite e derivados, vísceras (fígado, rins), ovos, farelo de trigo, extratos de leveduras, frutas, folhas verdes e legumes, síntese bacteriana. B6: Carne, peixe, vísceras, gema de ovo, leguminosas secas, alguns tipos de queijo, cereais integrais, flocos de cereais, batata, vegetais de folha verde, couve-flor, banana, frutos oleaginosos. B9: Legumes de folha verde, berinjela, beterraba, brócolos, espargos, batata, cereais integrais, leguminosas, frutos cítricos, frutos oleaginosos, carne (vaca, frango, pato), alguns peixes (carapau, dourada, peixe-espada, pescada, sardinha), vísceras, moluscos e gema de ovo. B12: Alimentos de origem animal como carne, pescado, ovos e lacticínios. Vitamina C Síntese de dopamina e noradrenalina Produção de energia (co- fatores na glicólise, ciclo do ácido cítrico e cadeia respiratória) Reduz o estresse oxidativo Frutas cítricas (laranja, limão, tangerinas); goiaba; abacaxi; caju; manga; acerola; kiwis; morangos; legumes de folha verde (couve portuguesa, espinafres, agrião); pimentos; brócolos; couves de Bruxelas; batata. Vitamina D Ativação do sistema imune (células T) Formação óssea Peixe (sardinha, corvina, cherne, truta, salmão, dourada, enguia, linguado); óleos de fígado de peixe; gema de ovo; leite enriquecido em cálcio ou leite de crescimento e margarinas vegetais. Vitamina E Mantém a integridade da membrana Reduz o estresse oxidativo Azeite, óleos de origem vegetal, sementes de girassol, frutos oleaginosos (avelãs, amêndoas, amendoins, pinhões, nozes), abacate, gema de ovo, vegetais folhosos, cereais integrais e leite. Cálcio Transmissão nervosa Formação de ossos e dentes Contração muscular (função cardíaca) Coagulação Leite e derivados, feijão branco, brócolis, couve, espinafre, gergelim, sardinha em conserva, semente de girassol, gema de ovo. Magnésio Cofator da enzima tiamina pirofosfoquinase; Cereais e derivados (aveia, trigo, milho, arroz), frutas e hortaliças, nozes e sementes (castanha de caju, castanha do brasil, nozes, pinhão), cohocolate, café, leite. Selênio Reduz estresse oxidativo (componente da glutationa peroxidase) Carne, pescado, ovo, nozes, flocos de trigo e cereais enriquecidos. Ácidos graxos da série ômega- 3 Mantém a integridade e a fluidez da membrana Peixes gordos (sardinha, cavala, salmão e atum); óleos de peixe; algas; nozes; sementes de linhaça e de chia; óleos vegetais (noz, soja, canhola e de linho); beldroegas; espinafres; alho 4 francês; couves; cogumelos; margarinas vegetais enriquecidas e ovos enriquecidos. Polifenóis Reduz estresse oxidativo Anti-inflamatório Flavonóides: furtas e verduras Hidroxitirosol: azeite de oliva extra- virgem Isoflavonas: soja, feijão, linhaça, vinho tinto Catequinas: chá verde Ácidos fenólicos (ácido gálico): cha verde, chá preto, uva, vinho, manga. A adoção de um padrão alimentar com características da dieta mediterrânea é uma estratégia nutricional bem reconhecida por possuir ação neuroprotetora (ALCALAY et al., 2012). A dieta mediterrânea é caracterizada por uma grande disponibilidade de alimentos de origem vegetal (cereais integrais, frutas, verduras e legumes), oleaginosas, a utilização do azeite como principal fonte de gordura (gordura monoinsaturada), o consumo moderado de peixe (com preferência por àqueles fontes de ácidos graxos ômega-3), aves, lacticínios (de preferência desnatados) e ovos, o consumo de pequenas quantidades de carnes vermelhas e a ingestão moderada de vinho, geralmente durante as grandes refeições. Esta dieta salienta a importância da ingestão reduzida de ácidos graxos saturados e trans e de uma elevada ingestão de gorduras insaturadas, carboidratos complexos, fibras alimentares e antioxidantes. Além disso, ainda inclui a prática de atividade física regular e o consumo adequado de líquidos (água e infusões) (PERK et al., 2012) (Figura 1). Figura 1. Guia da pirâmide para auxílio durante a adoção de uma dieta do estilo mediterrâneo. Fonte: Fundación Dieta Mediterránea, 2010. 5 Os alimentos priorizados nesta dieta são fontes de nutrientes/compostos essenciais para a função cognitiva, dentre eles: as vitaminas hidrossolúveis (vitaminas do complexo B e vitamina C) e lipossolúveis (vitaminas A, D e E), fibras, minerais (selênio, potássio, cálcio e magnésio), compostos bioativos (fitoquímicos, polifenóis, entre outros) e ácidos graxos insaturados (ômega-3) (HE; NOWSON; MACGREGOR, 2006; MASSEY, 2001; KOKUBO et al., 2013; BU et al., 2015; ISO et al., 2001 BURGENER et al., 2008; RODRÍGUEZ-MORATÓ et al., 2015). Estes compostos atuam reduzindo a pressão arterial (potássio, cálcio, ômega-3 e fibras), a formação de radicais livres e o estresse oxidativo (polifenóis, ômega-3, selênio, potássio, vitaminas C e E e carotenoides), a inflamação (polifenóis e ômega-3), a formação de trombos (polifenóis e a combinação de cálcio, potássio e magnésio), os níveis de colesterol sanguíneo (fibras e ômega-3) e de homocisteína (vitaminas B6, B9 e B12). Além disso, eles favorecem a perda de peso corporal (fibras), mantém a saúde óssea (cálcio e vitamina D), auxiliam na produção de energia pelas células (vitaminas B1 e C), na síntese de neurotransmissores (vitaminas do complexo B e vitamina C), na manutenção da integridade da membrana neuronal (vitamina B1, compostos antioxidantes e ômega-3) e na síntese da bainha de mielina (vitamina B12) (HE; NOWSON; MACGREGOR, 2006; BURGENER et al., 2008; MASSEY, 2001; KOKUBO et al., 2013; BU et al., 2015; ISO et al., 2001; OZSOY et al., 2011). Recentemente, o papel da vitamina D no bom funcionamento do sistema nervoso está sendo amplamente investigado desde que os cientistas descobriram a grande quantidade de receptores para a vitamina D no cérebro e na medula espinhal. Desde então, um grande número de evidências científicas apontam para os benefícios dessa vitamina em diversas doenças neurológicas e psiquiátricas, tais como a esquizofrenia, o autismo, a doença de Parkinson, a Esclerose Lateral Amiotrófica e a doença de Alzheimer (DE LUCA et al., 2013). Contudo, ainda são necessários mais ensaios clínicos controlados para sustentar a indicação da suplementação da vitamina D na maioria dos casos. Além dos alimentos contemplados na dieta mediterrânea, alguns estudos ainda têm encontrado associação inversa entre o consumo da genisteína (fitoestrogênio presente na soja) (KYUHOU, 2008), da cafeína (ASCHERIO et al., 2001) e do chá (sem distinção entre o verde e o preto) e o desenvolvimento de doenças neurológicas. O álcool, presente no vinho, um alimento de consumo frequente na dieta mediterrânea, parece exercer efeito protetor quando consumido em pequena a moderada quantidade. O vinho ainda é rico em polifenóis, que possuem poder antioxidante elevado (LIU et al., 2013). O papel do consumo adequado de carboidratos na prevenção e no tratamento dos DNP é outra questão essencial na abordagem nutricional dos mesmos. O sistema nervoso central depende da glicose como fonte majoritária de energia devidoà alta seletividade da barreira 6 hematoencefálica e consequentemente da pouca passagem de outros tipos de nutrientes energéticos. Desse modo, a glicose não pode ser substituída por nenhum outro nutriente energético. Porém, em condições especiais, sua ação pode ser complementada pelo lactato, no caso de exercício físico extenuante, ou pelos corpos cetônicos, produzidos pelo fígado durante o metabolismo de gorduras após períodos de jejum prolongados ou dietas restritas em carboidratos (MERGENTHALER et al., 2013). Adicionado a isso, o sistema nervoso central humano possui relativamente a maior demanda energética entre os órgãos e por isso necessita de captação contínua de glicose da corrente sanguínea. O cérebro de um indivíduo adulto pesa em média apenas 2% do seu peso corporal total mas consume cerca de 20% de toda a glicose ingerida, fazendo dele o maior consumidor em absoluto desse nutriente (taxa de captação de glicose de 5,6 mg por 100 g de tecido cerebral por minuto) (ERBSLOH et al., 1958). A melhor forma de manter o fornecimento contínuo de carboidratos para o bom funcionamento do sistema nervoso e de evitar picos hiperglicêmicos, que geram efeitos prejudiciais de aumento dos danos oxidativos e de hipoglicemia de rebote, é fornecer carboidrato na quantidade adequada, de maneira fracionada e em refeições de baixo índice glicêmico. Apesar de ainda serem necessários mais estudos para se comprovar os benefícios de uma dieta de baixo índice glicêmico sobre alguns aspectos da função neuronal (PHILIPPOU; CONSTANTINOU, 2014), trata-se de uma estratégia de grande potencial que merece ser adotada devido às repercussões positivas sobre o estado metabólico como um todo, cujo decline encontram-se muitas das vezes associado à piora do quadro clínico dos DNP. 1.1.2 Recomendações nutricionais Infelizmente, ainda não foi encontrado disponível no Brasil nenhuma diretriz específica para o estabelecimento de recomendações nutricionais nos diferentes DNP. Optamos, dessa forma, por fazer uma revisão de algumas orientações específicas para cada desordem e apresenta-las no Quadro 2. De modo geral, uma dieta normoglicídica, normoprotéica e normolipídica, que ofereçam carboidratos de baixo índice glicêmico, proteínas e lipídeos de boa qualidade, além de fibras, micronutrientes e água nas quantidades recomendadas pelas RDA é o mais aceito atualmente. Em alguns casos, a suplementação de nutrientes específicos ou o uso de probióticos pode ser feito. 7 Quadro 2. Características dos planejamentos dietéticos para pacientes com distúrbios neurológicos e psiquiátricos Consistência Calorias CHO PTN LIP Micronutrientes Fibras Líquidos Outros Alzheimer Depende do comprometimento da mastigação e deglutição Adequada para atingir ou manter o “peso ideal” 55-60% BIG 0,8 a 1,0 g/kg/dia AVB 25-30% *ômega-3 De acordo com a RDA para idade De acordo com as DRI’s para idade De acordo com as DRI’s para idade Probióticos Síndrome de Wernicke- Korsakoff Normal Adequada para atingir ou manter o “peso ideal” 45-65% (tiamina antes da oferta de CHO) 10-35% *EW – proteína vegetal e caseína 20-35% De acordo com a RDA para idade * atenção especial para alimentos ricos em tiamina e magnésio De acordo com as DRI’s para idade De acordo com as DRI’s para idade Probióticos Suplementação com tiamina Acidente Vascular Encefálico Depende do comprometimento da mastigação e deglutição Adequada para atingir ou manter o “peso ideal” (25- 35kcal/kg) 50-60% BIG 0,8 a 1,0 g/kg/dia AVB (~15%) 25-35% De acordo com a RDA para idade De acordo com as DRI’s para idade De acordo com as DRI’s para idade * importante para evitar a hemoconcentr ação e a propiciação de trombos Orientar cuidador sobre a forma de preparo (consistência, temperatura, administração, uso de espessante comercial ou caseiro) Parkinson Depende do comprometimento da mastigação e deglutição Adequada para atingir ou manter o “peso ideal” 50-60% BIG 0,8 a 1,0 g/kg/dia (estágios iniciais) 0,8g/kg/dia (estágios mais avançados AVB 25-30% De acordo com a RDA para idade * atenção especial para alimentos ricos em piridoxina De acordo com as DRI’s para idade De acordo com as DRI’s para idade Probióticos Orientar cuidador sobre a forma de preparo (consistência, temperatura, administração, uso de espessante comercial ou caseiro) Atenção a distribuição de 8 proteínas entre as refeições ELA e Miastenia Grave Progressão da consistência de acordo com disfagia. Em casos mais avançados – terapia enteral Adequada para atingir ou manter o “peso ideal” 45-65% 10-35% ou 0,8 a 1,0 g/kg/dia 25-30% De acordo com a RDA para idade De acordo com as DRI’s para idade De acordo com as DRI’s para idade ELA: Suplementação com vitamina D3 (2.000 UI/dia – 9 meses) Epilepsia Depende do comprometimento da mastigação e deglutição Adequada para atingir ou manter o “peso ideal” 15% 10% 75% De acordo com a RDA para idade De acordo com as DRI’s para idade De acordo com as DRI’s para idade Suplementação de multivitamina, minerais e oligoelemento, cálcio e vitamina D e ferro Traumas Pacientes com alteração do estado de consciência, disfagia e incapacidade de ingerir a quantidade estabelecida de alimentos e (ou) suplementos devem recebê-los pela via enteral. Fase aguda: 20 a 25 kcal/kg/dia 50-60% (normogl icídica) 1,2 g/kg/dia a 2,0 g/kg/dia, dependend o do estado metabólico 25-30% (normolipí dica) De acordo com a RDA para idade De acordo com as DRI’s para idade De acordo com as DRI’s para idade Podem se beneficiar com dietas enriquecidas com arginina, desde que hemodinamicamente estáveis e sem infecção AVB: Alto Valor Biológico; BIG: Baixo índice Glicêmico; CHO: Carboidratos; ELA: Esclerose Lateral Amiotrófica; EW: Encefalopatia de Wernicke; DRI: Dietary Reference Intakes; LIP: Lipídeos; PTN: Proteína; RDA: Recommended Dietary Allowance; UI: unidade internacional. Fonte: Karam et al. (2013); Cassani et al. (2011); Bianchi et al., (1993); Sposito et al. (2007); Barichella; Cereda; Pezzoli (2009); Craggs; Kalaria (2011). 9 Devido à grande participação do sistema nervoso nos estímulos sensoriais e na seleção, ingestão, digestão, utilização dos alimentos, bem como no controle da fome e da saciedade, é fácil de se esperar que vários DNP apresentem alterações em um ou vários desses processos. De fato, a anorexia, apraxia, xerostomia, redução no olfato e visão, hipogeusia, disfagia, náuseas, queimação no estômago e vômito, dificuldades de comunicação, de mastigação e de deglutição são alguns dos sinais e sintomas presentes em vários pacientes com DNP que podem comprometer seu estado nutricional. Combatê-los é um passo imprescindível para garantir o atendimento das metas nutricionais. No Quadro 3 encontram-se listadas as principais intervenções que podem ser feitas para combater problemas comportamentais comuns aos DNP. Quadro 3. Medidas auxiliares no manejo de problemas relacionados à ingestão no paciente com distúrbios neurológicos e psiquiátricos Problema comportamental Intervenção Falta de apetite Oferecer pequenas refeições ao longo do dia, evitando pratos demasiado muito cheios de cada vez; Preparar as refeições de acordo com a preferência; Experimentar alimentos e pratos novos que nunca tenham experimentado, com sabores fortes, em diferentes alturas do dia; Manter os alimentos quentes; Manter o ambiente descontraído, com cuidado para evitar distrações durante a refeição; Realizar as refeições juntamente com outras pessoas, usando-a comouma oportunidade para a atividade e estimulação social. Problemas com coordenação e dificuldades para usar talheres (apraxia) Utilizar apenas colher; Fornecer auxílio para alimentação; Adequar o posicionamento do paciente à mesa (manter os pés apoiados, verificar a altura da mesa); Usar pratos com ventosa (para fixar à mesa); Fornecer “finger foods” nutritivos (alimentos que possam ser comidos com as mãos), por exemplo, sanduiche natural, frutas em pedaços, entre outros. Apatia com desinteresse pela comida Preparar as refeições de acordo com a preferência; Preparar pratos atraentes e coloridos; Utilizar pratos lisos sem desenhos/padrões para que os alimentos estejam bem visíveis; Redução no olfato e visão Preparar pratos com sabores e aromas intensos (temperos naturais); Manter a temperatura ideal para cada tipo de prato; Evitar pratos estampados, dando preferência aos pratos lisos e brancos; 10 Hipogeusia Melhorar o sabor e o odor dos alimentos através da utilização de molhos, ervas aromáticas e especiarias Ingerir alimentos e bebidas frias ou à temperatura ambiente, ligeiramente ácidos Caso exista aversão à carne, substituí-la por outras fontes proteicas (peixe, ovo, iogurte, entre outros alimentos ou suplementos nutricionais orais, se adequado) Utilizar louça e talheres de plástico na presença de sabor metálico Disfagia, rigidez da face (dificuldade na mastigação) Adaptar a consistência dos alimentos sólidos (normal brando ou pastoso); Em caso de disfagia para líquidos, utilizar espessantes e atentar para desidratação; Verificar a necessidade de suplementos nutricionais a fim de atender as recomendações; Fornecer a refeição com a pessoa sentada ou em posição de 45º Dificuldades de comunicação Procurar por pistas de comunicação não-verbal, tais como a linguagem corporal e contato visual; Sugerir a necessidade da alimentação em períodos constantes; Assim, como para alimentos, sugerir a ingestão hídrica; Déficit de atenção ou concentração Direcionar verbalmente cada passo do processo de ingestão, e se for, necessário, demonstrar; Colocar os utensílios na mão; Reduzir barulhos próximos; Colocar músicas calmas (estudos tem demonstrado aumento em 20% do consumo calórico); Oferecer as refeições em pequenos pratos ou tigelas e, um de cada vez; Andar e deambular constantemente Utilizar cadeiras altas com bandeja/tabuleiro; Realizar exercícios aeróbicos antes das refeições; Sentar ao lado do paciente na mesa; Não abrir a boca Dizer ao paciente para abrir a boca; Tocar a bochecha com uma colher fria pode ajudar o paciente a abrir a boca Mastigar continuadamente e depois cuspir a comida em vez de engolir Dizer ao paciente para parar de mastigar após cada mordida; Servir alimentos suaves (alteração de consistência) para reduzir a necessidade de mastigação; Oferecer pequenas porções Expressão emocional inapropriada (abanar a cabeça de maneira negativa quando vê a comida) O cuidador deve: Oferecer outros tipos de alimentos e avaliar a preferência; Engajar na conversação; Ignorar a expressão emocional; Fornecer ambiente quieto e se preciso, trocar o ambiente em que as refeições são realizadas; Avaliar dor e problemas com a mastigação ou deglutição; 11 Xerostomia Ingerir em média oito copos de água por dia; Ingerir alimentos que favoreçam a mastigação, estimulando assim a salivação. Além dos alimentos o uso de gomas de mascar sem açúcar pode ser uma estratégia; Realizar uma boa higiene bucal; Alimentos frios podem ser úteis para estimular a salivação, além de suco ou frutas cítricas e doces; Diminuir o consumo de alimentos muito secos (ex: farinha); Umedecer os alimentos mais secos em bebidas; Usar salivas artificiais (encontradas em farmácias). Utilizar cubos de gelo aromatizados ou de fruta congelada Náuseas, queimação no estômago e vômito Evitar os odores dos alimentos no momento das refeições Não consumir grandes quantidades de alimentos de uma só vez; Não dormir de estômago vazio; Evitar alimentos que possam aumentar os sintomas de náuseas: alimentos picantes (picles, azeitona, molhos de pimenta, molho inglês, catchup, etc.), café, chá preto ou mate, embutidos, doces muito concentrados, bolachas recheadas, frituras e alimentos gordurosos, etc. Dar preferência a alimentos mais secos, frios ou à temperatura ambiente; Se os enjoos estiverem muito evidentes, evitar ingerir medicamentos em jejum; Evitar líquidos durante ou logo após as refeições. Fonte: Benarroz; Faillace; Barbosa (2009); Gonçalves; Rosado; Custódio (2010); Santos (2011). 1.1.3 Avaliação e acompanhamento do estado nutricional Se a avaliação completa e precoce do estado nutricional é essencial para se garantir a eficiência e se determinar as metas durante a terapia nutricional de uma maneira geral, mais ainda quando se trata dos pacientes com DNP devido às grandes possibilidades de desfechos que comprometem o seu estado nutricional e o caráter crônico de grande parte dos distúrbios. No entanto, a verificação da avaliação dietética poderá ser comprometida por dificuldades de fala, de memorização e de raciocínio, assim como as avaliações antropométricas por problemas de mobilidade e bioquímicos pelo uso de medicamentos. Assim, antes de se avaliar esses pacientes é necessário bom senso e uma visão global e integrada do quadro clínico. Algumas características comuns das avaliações usadas para diagnóstico e acompanhamento do estado nutricional nos DNP encontram-se descritos no Quadro 4. 12 Quadro 4. Avaliação e acompanhamento do estado nutricional do paciente com doenças neurológicas e psiquiátricas Avaliação dietética Registro ou recordatório alimentar Questionário de frequência Avaliação do apetite Antropometria e composição corporal Peso atual e pregresso Percentual de perda de peso nos últimos meses (voluntária/involuntária) Percentual de gordura corporal Massa magra Estado nutricional geral Mini Avaliação Nutricional (MAN) (BOROWIAK; KOSTKA, 2003) Instrumento Universal de Triagem de Desnutrição - Malnutrition Universal Screening Tool (MUST) (STRATTON et al., 2004) Avaliação bioquímica Hemograma completo Eletrólitos Marcadores de função renal (uréia e creatinina) Marcadores de função hepática (aspartato aminotransferase e alanina aminostransferase) Glicemia de jejum Perfil lipídico Albumina Ferritina Avaliação do comportamento alimentar Presença de: disfagia, comportamento seletivo de alimentação, comportamento de resistência e dispraxia/agnosia, entre outros. 2. SÍNDROME DE WERNICKE-KORSAKOFF A síndrome de Wernicke-Korsakoff (SWK), também conhecida como Beribéri seco, é uma das mais conhecidas manifestações de deficiência de tiamina (vitamina B1) e uma das consequências mais graves do alcoolismo crônico. Na verdade, a SWK corresponde a duas síndromes: a encefalopatia de Wernicke (EW), fase aguda, e síndrome de Korsakoff (SK), que correspondente a evolução da EW (quadro crônico) (SILVA; ENES, 2013). O resumo da fisiopatologia da SWK encontra-se na Figura 2. 13 Figura 2. Modelo patogênico da Síndrome de Wernicke-Korsakoff decorrente do alcoolismo crônico. 14 2.1 Fisiopatologia A tiamina é absorvida no duodeno, sendo posteriormente transportada através da barreira hematoencefálica por processos passivos e ativos. No sistema nervoso central (SNC), é convertida em tiamina pirofosfato, e atua em diversas vias bioquímicas, tais como: metabolismo de carboidratos (cofator dos sistemas enzimáticos piruvato desidrogenase, α-cetoglutarato desidrogenase e descarboxilase de α-cetoácidos de cadeia ramificada, essenciais para a síntese de ATP), metabolismolipídico (para a produção e manutenção da bainha de mielina), produção de neurotransmissores, síntese de DNA e RNA (cofator da transcetolase na via das pentoses com formação de ribose 5- fosfato) e na transmissão nervosa (SECHI; SERRA, 2007). A deficiência de tiamina leva a lesões cerebrais, em 2-3 semanas. Essa deficiência ocorre principalmente pela redução da ingestão dessa vitamina (desnutrição), vômitos frequentes, inibição do transporte intestinal na presença de álcool e aumento de suas necessidades (convulsão, infecção, tumores, e consumo crônico de álcool). O álcool é metabolizado de forma análoga aos carboidratos. Assim, seu consumo excessivo pode ocasionar redução nas reservas de tiamina, diminuição da conversão na sua forma ativa (tiamina pirofosfato), diminuição do estoque hepático, com menor disponibilidade da mesma para uso no metabolismo de carboidratos e a nível de SNC (ISENBERG-GRZEDA; KUTNER; NICOLSON, 2012). Na ausência dessa vitamina, as células perdem a capacidade de produzir energia (metabolismo de carboidratos reduzido), acumulam ácido láctico e espécies reativas de oxigênio (gerando estresse oxidativo) e reduzem a produção de neurotransmissores, como a acetilcolina (ACh), o ácido gama-aminobutírico (GABA) e o glutamato. Em pouco tempo esse quadro pode evoluir para edema, com morte neuronal, coma e morte (CHAN; BUTTERWORTH; HAZELL, 2004; SECHI; SERRA, 2007). 2.2 Fatores de risco O principal fator de risco para a SWK é o alcoolismo crônico. Outros fatores de risco incluem: hipercatabolismo, internações prolongadas sem reposição de vitaminas, vômitos recorrentes, diarreia crônica, desnutrição, síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), gastroplastias, anorexia, infecções, neoplasias, doenças gastrointestinais, cirurgias disabsortivas ou que demandem restrição alimentar severa (em especial, cirurgias bariátricas), dietas desequilibradas (ricas em alimentos refinados e pobre em tiamina) e depleção de magnésio (cofator da enzima tiamina 15 pirofosfoquinase, responsável pela conversão de tiamina em tiamina pirofosfato) (AASHEIM, 2008; GALVIN et al., 2010). 2.3 Sintomas e diagnóstico A tríade clínica clássica de sinais de SWK compreende distúrbios visuais (nistagmo), de consciência e de marcha (ataxia). No entanto, a tríade clássica nem sempre está presente, o que pode dificultar o diagnóstico da doença (KAIMEN- MACIEL; ROCHA; MANCINI, 2008). Normalmente, os pacientes apresentam pelo menos dois sinais típicos da doença, que podem envolver tanto sinais específicos da EW como da SK, ou uma mistura deles (Quadro 5). Quadro 5. Sintomas característicos da SWK Encefalopatia de Wernicke Síndrome de Korsakoff Estado confusional agudo Amnésia anterógrada Oftalmoparesia Confabulação Ataxia Alucinação/delírio Nistagmo Comportamento e discurso repetitivo Fonte: AS (2016). Em função dos achados clínicos serem sutis, o diagnóstico da SWK é feito, geralmente, apenas na autópsia. Como não há nenhum teste de rotina laboratorial específico disponível, o diagnóstico dependerá de uma avaliação clínica detalhada, incluindo avaliação do consumo alimentar, de fármacos, de suplementos, de bebidas alcóolicas e a presença de doenças atuais e pregressas. Em casos de apresentação de um ou mais sintomas associados à SWK pode-se solicitar a avaliação direta de tiamina difosfato no sangue ou da atividade transcetolase em glóbulos vermelhos (MANCINELLI et al., 2003; SECHI; SERRA, 2007). Todavia, níveis de tiamina normais não necessariamente excluem EW, como por exemplo quando a doença ocorre em decorrência de mutações no gene transportador de tiamina. São considerados valores normais, concentrações de 32,0 a 82,0 mcg/L. Além de exame bioquímico, a ressonância magnética pode ser utilizada como uma poderosa ferramenta para apoiar o diagnóstico de EW em indivíduos alcoólatras e não alcoólatras (GALVIN et al., 2010). 16 2.4 Dietoterapia e tratamento medicamentoso Os esforços médicos e nutricionais são voltados tanto para a prevenção da SWK quanto para o seu tratamento. No entanto, a intervenção nutricional é mais eficaz para a prevenção da síndrome, uma vez que seu tratamento demanda quantidades elevadas de tiamina que somente são alcançadas com medicamentos. No Brasil, existe um consenso para síndrome de abstinência alcoólica (SAA) que remete à prevenção de desenvolvimento da SWK em portadores de SAA, através de reposição vitamínica de tiamina intramuscular, nos primeiros 7-15 dias e, após este período, 300 mg/dia via oral (LARANJEIRA et al., 2000). Em não portadores de SAA ou usuários de álcool, a melhor prevenção é a adequação dos níveis de tiamina na dieta. O Quadro 1 traz os principais alimentos fontes tiamina. O tratamento da SWK é medicamentoso e é focado na melhoria dos níveis de tiamina no corpo através de suplementos de vitamina B1 por meio da sua administração via intramuscular ou intravenosa. A administração de suplemento exclusivamente por via oral não parece ser eficaz em aumentar os níveis sanguíneos de tiamina em pacientes com SWK ou EW (GALVIN et al., 2010). Assim, o tratamento consiste na suplementação medicamentosa aliada a uma dieta nutricionalmente equilibrada (Quadro 2), rica em alimentos fontes de tiamina e de magnésio, hidratação adequada, além da exclusão do consumo de álcool. Em casos onde há encefalopatia, deve-se atentar para a fonte proteica da dieta, dando preferência para proteínas vegetais e caseína em relação às proteínas da carne (BIANCHI et al., 1993). Ainda não há consenso quanto à melhor dosagem e duração do tratamento. Em indivíduos não alcoólatras, uma dosagem maior ou igual a 200 mg/dia até a reversão dos sintomas, seguido por 100 mg/dia para evitar recidivas (KAIMEN-MACIEL; ROCHA; MANCINI, 2008; SINISGALLI et al., 2004) parece ser suficiente. No entanto, pacientes que fazem uso de álcool com frequência podem necessitar de maiores doses, sendo recomendado a administração de até 500 mg por três vezes ao dia durante 2-3 dias (SECHI; SERRA, 2007). Recomenda-se a infusão de tiamina antes da infusão de glicose em pacientes admitidos em condição de risco de EW ou SWK, ou embriagados, no pronto socorro, uma vez que a mesma é necessária para metabolização dos carboidratos (SECHI; SERRA, 2007). 17 3. ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO O Acidente Vascular Encefálico (AVE) pode ser definido como o surgimento de um déficit neurológico súbito causado por um problema nos vasos sanguíneos do SNC (SBDCV, 2016). Ele é considerado a segunda maior causa de mortes no mundo, sendo o Brasil o país da América Latina que apresenta as maiores taxas de mortalidade, totalizando cerca de 90 mil óbitos por ano. Apesar da redução dos índices de mortalidade nas últimas décadas, os valores continuam muito elevados. Além disso, esta é uma doença altamente incapacitante, sendo responsável por sequelas motoras, na fala e na deglutição. 3.1 Fisiopatologia Os AVEs podem ser classificados didaticamente de acordo com a sua origem fisiopatológica, em AVE isquêmico (isquemia) e hemorrágico (derrame) (Figura 3). O AVE de origem isquêmica é responsável por cerca de 75-80% dos casos, enquanto que o de origem hemorrágica é menos prevalente porém mais letal. Em ambos os casos, ocorre o comprometimento do fluxo sanguíneo seguido de morte neuronal em regiões específicas do encéfalo. O grau de acometimento do paciente irá depender da região e da extensão da área acometida (SBDCV, 2016). No AVE isquêmico ocorre a obstrução dos vasos sanguíneos, com consequente redução brusca do fluxo sanguíneo em partes do encéfalo (SBDCV, 2016). Este tipo de AVE geralmente resulta da oclusão de uma artéria cerebral tendo como causas principais a trombose ou a embolia cerebral. A trombose cerebral deve-se, muitas vezes, a um processo aterosclerótico nas grandes artériascerebrais, com início decorrente de agressão endotelial e/ou inflamação, seguido da formação de placa. As placas reduzem a luz dos vasos e promovem adesão plaquetária com consequente trombose vascular, impedindo o fluxo sanguíneo. A embolia cerebral, por sua vez, resulta, geralmente da fragmentação de um coágulo (êmbolo), proveniente de vasos ateroscleróticos de origem cardíaca, que se desloca na corrente sanguínea e se aloja num vaso cerebral (CARROL; CHATAWAY, 2006; FRIZZELL, 2005). No caso do AVE hemorrágico, há a ruptura de um vaso cerebral com extravasamento de sangue, interrompendo as vias de irrigação e causando lesão por pressão localizada. Este tipo de AVE pode ocorrer por hemorragia intraparenquimal ou subaracnóide. Na primeira, ocorre a ruptura de uma veia encefálica enquanto a segunda 18 é resultado de aneurisma rompido de uma veia no espaço subaracnóide. Na hemorragia intraparenquimal, além do tecido encefálico afetado pela hemorragia, a área circundante pode ser danificada pela pressão produzida pelo hematoma, possibilitando um aumento generalizado da pressão intracraniana (CARROL; CHATAWAY, 2006; FRIZZELL, 2005). Figura 3. Classificação, fisiopatologia e sintomatologia do Acidente Vascular Encefálico – AVE. Fonte: Adaptado de SBDCV (2016); CARROL; CHATAWAY (2006); FRIZZELL (2005); SAVITZ; CAPLAN (2005). 3.2 Fatores de risco Os fatores de risco para AVE se assemelham aos associados com as doenças cardiovasculares (DCV) e podem ser classificados em modificáveis e não modificáveis. Entre os modificáveis, destaca-se a hipertensão arterial sistêmica (HAS) como principal fator, bem como alteração nos níveis de colesterol, obesidade, doenças cardíacas, história de doença vascular anterior, sedentarismo, consumo de dietas pobres em frutas e vegetais, estresse emocional, fumo e uso de certos medicamentos como os anticoncepcionais. O efeito do consumo de álcool sobre o AVE ainda é controverso e parece depender da dose consumida, já que o consumo de altas doses pode ser prejudicial enquanto que pequenas doses de vinho poderiam ter efeito protetor. A presença de diabetes mellitus (DM), por acelerar o processo aterosclerótico e favorecer a oclusão de pequenas e de grandes artérias, também pode elevar o risco de AVE. 19 Entre os fatores não modificáveis destacam-se o aumento da idade, o sexo masculino, a etnia (negros apresentam duas vezes maior risco), a história familiar ou hereditariedade, além da inatividade física. Outros fatores incluem enxaqueca (apenas entre enxaqueca com aura e AVE isquêmico), homocisteína elevada e presença de processos inflamatórios e/ou de infecção (SBDCV, 2016; HAN et al., 2015; KURTH; CHABRIAT; BOUSSER, 2012). 3.3 Sintomas e diagnóstico Os pacientes com AVE apresentam história de início súbito de um sinal ou sintoma neurológico focal e, em menor proporção, uma piora gradual. O quadro clínico é bastante variado e depende da localização da lesão e da artéria comprometida. Normalmente há fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, especialmente em um lado do corpo, confusão, dificuldade de comunicação oral com alteração da fala ou compreensão, alteração na visão, alteração do equilíbrio, coordenação, tontura ou alteração no andar, aumento da pressão intracraniana, dor de cabeça, náuseas e vômitos (SAVITZ; CAPLAN, 2005) (Figura 3). Em geral, o diagnóstico inicial de AVE é feito através de informações derivadas da avaliação clínica e da história dos sinais e sintomas apresentados pelo paciente. Algumas escalas foram propostas para a avaliação desses pacientes, as quais permitem aumentar a sensibilidade para o diagnóstico de um provável AVE. Uma delas é a escala de Cincinatti Prehospital Stroke Scale, a qual avalia três itens (assimetria facial, força nos braços e linguagem) (KOTHARI et al., 1999) e a Los Angeles Prehospital Stroke Screen (KIDWELL et al., 2000). Esta última é mais sensível e específica, uma vez que considera idade, história de crises epiléticas, duração dos sintomas, glicemia, ausência de problemas de deambulação preexistentes, além do exame físico (expressão facial, força nos braços e de preensão), com maior valor preditivo. Os métodos de imagem aceitos para a avaliação inicial são a tomografia computadorizada e a ressonância magnética de crânio. A tomografia computadorizada sem contraste é o método mais amplamente utilizado por ter custo mais baixo, maior disponibilidade e menor tempo necessário para realização. 3.4 Dietoterapia A manutenção do bom estado nutricional é importante, uma vez que a desnutrição após um AVE interfere na recuperação e no bem estar do paciente. Estudos 20 observacionais demonstram que de 16 a 49% dos pacientes com AVE encontram-se subnutridos durante a admissão hospitalar (MOSSELMAN et al., 2013). Dessa maneira, o rastreio precoce e sequencial do risco nutricional é necessário para permitir uma intervenção nutricional adequada (Quadro 4). As avaliações antropométricas e do consumo alimentar podem estar comprometidas nestes pacientes por causa de condições específicas, como a dificuldade de comunicação, a imobilização ao leito e a paresia ou hemiparesia. Além disso, alguns parâmetros laboratoriais normalmente disponíveis em ambiente hospitalar como as dosagens de hemoglobina, proteínas plasmáticas e transferrina, devem ser interpretados cuidadosamente, uma vez que esses podem estar sob influência de outras condições (por exemplo, do estado catabólico ou do grau de hidratação) e não refletir necessariamente prejuízos no estado nutricional. Dessa forma, deve-se realizar uma avaliação cautelosa e global dos marcadores disponíveis. Aproximadamente 50% dos pacientes com a AVE apresentam disfagia que, por sua vez, está associada a um aumento do risco de complicações pulmonares por aspiração de saliva e/ou alimento, desnutrição, desidratação, hospitalização prolongada e morte. O grau de disfagia varia de acordo com a extensão do AVE e da área do cérebro afetada. O processo de deglutição pode ser dividido em três fases: oral, faríngea e esofágica. Quando o AVE acomete o lado esquerdo do cérebro, há comprometimento da fase oral da deglutição, com dificuldades de iniciar os movimentos coordenados de mastigação e deglutição. Nestes casos, pode ser necessário modificar a consistência da dieta, como forma de facilitar a ingestão. No entanto, não há restrição quanto à ingestão de líquidos. Por sua vez, quando o AVE afeta o hemisfério direito do cérebro, a fase oral da deglutição não é afetada de maneira significativa, porém há comprometimento da fase faríngea. Desse modo, estes pacientes são mais suscetíveis à aspiração e as modificações da consistência e a restrição de líquidos podem ser necessários (Quadro 2). Em alguns casos, a dieta via oral é contraindicada pelos riscos de broncoaspiração e a terapia nutricional é necessário para manutenção da saúde nutricional (THE FOOD TRIAL COLLABORATION, 2005). A avaliação do tipo de dieta tolerada pelo paciente, bem como da necessidade do uso de espessantes, deve ser feita por fonoaudiólogos (Figura 4). Além disso, algumas medidas podem facilitar o consumo alimentar frente a alterações específicas, como demonstrado no Quadro 3. Em geral, um aporte energético de 25 a 35 Kcal/kg de peso/por dia é adequado, exceto em situações de sobrepeso ou obesidade em que poderá ser ligeiramente inferior, 21 e em casos de desnutrição, que pode ser necessário um aporte maior de calorias, lembrando sempre que a ingestão calórica deve ser adequada para manter ou atingir o peso “ideal”. Quanto aos macronutrientes, a recomendação é semelhante à proposta pelas Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemia e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose (SPOSITO et al., 2007) (Quadro 2, Figura 4). Atenção especial deve ser dada aos carboidratos, compreferência pelos de baixo índice glicêmico. Quanto às vitaminas e minerais, estes devem ser fornecidos dentro das recomendações para a idade (DRI, 2002), atentando sempre para àqueles com atividade antioxidante (Quadro 1). Figura 4. Representação esquemática dos tipos de acometimento e das repercussões nutricionais e dietoterápicas do paciente com acidente vascular encefálico – AVE. O lado acometido corpo indica que a injúria ocorreu no hemisfério encefálico oposto (1 e 2). Recomendações dietéticas podem ser encontradas em Xavier et al. (2013). 22 4. ALZHEIMER A doença de Alzheimer (DA) é a principal causa de demência senil e a quarta principal causa de morte no mundo. É uma doença progressiva e consiste de uma disfunção degenerativa do cérebro com um declínio progressivo das funções cognitivas, como a memória, linguagem, capacidade visual e espacial. Os distúrbios do humor e as alterações da personalidade e do comportamento são frequentes. Embora acometa especialmente indivíduos idosos (90% dos casos, denominado como Alzheimer de início tardio ou Alzheimer esporádico), a doença ainda pode ser caracterizada em outros dois tipos: Alzheimer de início precoce e Alzheimer familiar. O Alzheimer com início precoce é uma forma rara da doença, caracterizada pelo diagnóstico antes dos 65 anos de idade. A doença de Alzheimer familiar, por sua vez, é conhecida por ser inteiramente hereditária (AA, 2016). 4.1 Fisiopatologia A DA é uma doença neurodegenerativa que se caracteriza pela presença de placas β-amilóides (ou placas senis) e de emaranhados neurofibrilares (NFT, do inglês neurofibrillary tangles). A progressão da doença leva à atrofia cerebral, com diminuição no peso e volume do cérebro. Assim, há redução dos níveis corticais de vérios neutrotransmissores, em especial da ACh, colina-acetiltransferase e norepinefrina, com degeneração de neurônios e redução de sinapses (DUYCKAERTS; DICKSON, 2003). Essas modificações levam a disfunção em conexões importantes relacionadas à cognição e à memória, caracterizando a demência. Vários mecanismos foram descritos como envolvidos na causa da DA, envolvendo fatores genéticos, metabólicos, reações inflamatórias, alterações mitocondriais, estresse oxidativo, má formação ou alteração em proteínas plasmáticas e cerebrais, além de fatores ambientais (HUANG; MUCKE, 2012). O acúmulo de placas β-amilóides geralmente precede o início clínico da DA, enquanto que os NFT, perda neuronal e a perda sináptica se relacionam com a progressão do declínio cognitivo. As placas β-amilóides decorrem da agregação e acúmulo do peptídeo β-amilóide, que é um fragmento peptídico derivado da clivagem inadequada da proteína precursora amiloide (APP, do inglês amyloid precursor protein). Em condições normais, a APP é clivada formando uma proteína não amiloidogênica, que tem funções protetoras neuronais. No entanto, sua quebra anormal origina o peptídeo β-amilóide, com alto poder agregador e capaz de gerar as placas β- 23 amilóides (MAWUENYEGA et al., 2010; CAVALCANTI; ENGELHARDT, 2012). Os NFT, por sua vez, são formados pela hiperfosforilação das proteínas do tipo tau, que pode ser resultante do excesso do peptídeo β-amilóide ou por aumento na expressão do apoE- ε4. Em condições normais, a proteína tau se encontra associada aos microtúbulos e é responsável pela estruturação e estabilização dos neurônios. Quando ocorre a sua hiperfosforilação, essa proteína se dissocia dos microtúbulos e se agrega sob a forma de filamentos insolúveis. Com a perda de estabilidade dos microtúbulos, o transporte dos sinais por este sistema fica comprometido, o neurônio perde progressivamente suas conexões e caminha para a morte celular (HASHIMOTO et al., 2012; CAVALCANTI; ENGELHARDT, 2012) (Figura 5). O peptídeo β-amilóide, as placas β-amilóides e os NFT podem ativar células gliais (micróglia e astrócitos), induzindo a mobilização de macrófagos e linfócitos através da barreira hematoencefálica. Essa ativação leva à liberação de citocinas, interleucinas, fator de necrose tumoral (TNF-α), neurotransmissores, espécies reativas do oxigênio (ROS) e outros elementos que geram estresse oxidativo, inflamação e interferem nas funções mitocondriais (DAS; BASU, 2008; CAVALCANTI; ENGELHARDT, 2012), levando a lesão e morte neuronal. Outros fatores devem ser considerados na gênese da DA, como o metabolismo glicídico e a resistência insulínica. A resistência à insulina cerebral pode induzir a quebra inapropriada das APP, resultando na formação das placas beta-amiloide, além de favorecer a hiperfosforilação das proteínas do tipo tau, aumentando a formação dos NFT. Ela ainda pode atuar na interrupção das vias que regulam a sobrevivência neuronal, a produção de energia, a expressão de genes e a plasticidade cerebral. Devido a estas relações com a resistência insulínica central, a DA tem sido reconhecida por alguns autores como o diabetes tipo 3 (STEEN et al., 2005). 24 Figura 5. Processo fisiopatológico da doença de Alzheimer. 1) Quebra anormal da proteína precursora amiloide (APP), originando peptídeos com propriedades agregadoras e neurotóxicas, matando os neurônios (adaptado de Gandy et al., 2005). 2) Hiperfosforilação das proteínas Tau, que acabam por perder sua função de estabilização das estruturas de microtúbulos, fazendo com que os neurônios percam sua estrutura e se tornem emaranhados neurofibrilares (NFT). 25 4.2 Fatores de risco O principal fator de risco para a DA é o aumento da idade. Outros fatores incluem o sexo (prevalência mais elevada entre as mulheres), os fatores genéticos, o consumo excessivo de álcool, trauma crânio encefálico (TCE), inatividade física, AVE, doença cardíaca, síndrome metabólica, HAS, hiperlipidemia, obesidade, DM tipo 2 e resistência à insulina. Boa parte destes fatores de risco advém de fatores associados ao estilo de vida devendo esses, portanto, ser combatidos (AA, 2016). Os fatores genéticos estão relacionados com a DA de duas maneiras: como fator determinante e como fator de risco para o desenvolvimento da DA. Dentre as alterações associadas, pode-se destacar aquelas relacionadas ao cromossoma 14 (pressenilina 1), cromossoma 1 (pressenilina 2) e ao cromossoma 9 (apolipoproetína E - apoE). O gene da apoE apresenta três alelos designados como apoE-ε2, apoE-ε3 e apoE-ε4. A presença de cópias de apoE-ε4 aumenta o risco de DA em três até doze vezes e parece estar relacionado tanto com a formação das placas β-amilóides quanto dos NFT (KAMBOH, 2004; CAVALCANTI; ENGELHARDT, 2012). 4.3 Sintomas e diagnóstico Inicialmente, os sintomas, tais como dificuldades de memória e perda de capacidades intelectuais, podem ser tão sutis ao ponto de passarem despercebidos pela pessoa acometida, por seus familiares e pessoas próximas. No entanto, à medida que a doença progride, os sintomas tornam-se cada vez mais notórios. A taxa de progressão varia de pessoa para pessoa. Em média, uma pessoa com DA vive de quatro a oito anos após o diagnóstico, podendo se estender por até 20 anos dependendo de fatores como o estilo de vida e tratamento. A progressão da doença pode ser categorizada em 3 estágios, que refletem o nível de declínio cognitivo e consequentemente a dependência do paciente. Estes estágios podem se sobrepor, porém sem regressão dos sintomas (AA, 2016). Estágio I: estágio inicial, de difícil diagnóstico pois há perda sutil da memória e pequenas alterações da personalidade, como a perda de iniciativa e de motivação, muitas vezes caracterizadas como próprias do envelhecimento. Estágio II: estágio intermediário, normalmente o mais longo. A memória está mais comprometida, podendo ocorrer esquecimento e confusão sobre a data atual, a própria história pessoal, endereço, telefone, entre outros. As alterações de humore de comportamento, como irritabilidade, agressividade e sintomas psicóticos, geralmente 26 começam a aparecer, se agravando na próxima fase. Ainda há perda de coordenação motora e início de incontinência urinária e fecal. Estágio III: estágio final da doença, os indivíduos perdem a capacidade de responder ao seu ambiente, de reconhecer rostos e objetos familiares e, por fim, de controlar os movimentos. A comunicação torna-se difícil e os indivíduos precisam de ajuda extensiva com as atividades diárias. Outros achados comuns incluem as alterações no apetite, perda de peso, disfagia, convulsões, lesões cutâneas, hipotermia, infecções pulmonares, aumento da sonolência, úlceras da derme (escaras) e incapacidade no controle do intestino e da bexiga (NIA, 2016). Até o momento, não existe nenhum exame que permita identificar de modo definitivo a DA. Existem testes genéticos, que podem revelar a probabilidade do indivíduo vir a ter a doença. Um diagnóstico definitivo, no entanto, só é possível com biópsia do tecido, onde a presença de ENF, a deposição de PBA e perda neuronal podem ser confirmadas. Atualmente, o diagnóstico é realizado através de avaliação clínica, fundamentado por exames de triagem (bioquímicos e de imagem) e confirmado por testes neuropsicológicos. Embora ainda não tenha cura, o diagnóstico precoce pode abrandar o desenvolvimento da doença e permitir aos familiares e ao próprio paciente um melhor planejamento para o futuro (AA, 2016; SELKOE, 2011). 4.4 Dietoterapia e tratamento medicamentoso O tratamento com fármacos permanece experimental, mas medicamentos anti- inflamatórios não esteroidais, vasodilatadores cerebrais e estimulantes são os mais utilizados atualmente. Outros medicamentos também podem ser prescritos para melhora de sintomas secundários, como agitação, depressão, ansiedade e dificuldades para dormir (NIA, 2016). Assim, a investigação de interação droga-nutriente é essencial para adequação do aporte nutricional. Na fase inicial da doença pode haver ganho de peso e de gordura corporal, devido à redução na prática de atividade física, perda da memória alimentar e distúrbios na saciedade. Com o avançar da doença, a perda de peso, torna-se comum uma vez que, a auto-alimentação fica comprometida, pode haver atrofia do córtex (responsável por controlar as funções envolvidas com a alimentação e a memória) resultando em redução do paladar e/ou do olfato, incapacidade em reconhecer alimentos (agnosia), problemas com a comunicação (dispraxia), dificuldades de mastigação e deglutição com prejuízos 27 sobre a digestão e absorção de nutrientes, diminuição do neuropeptídeo Y (peptídeo orexígeno) e aumento da taxa metabólica. Tanto o ganho quanto a perda podem ter um impacto significativo sobre o curso da doença. O excesso de peso está associado à resistência insulínica e progressão da doença, além de dificultar os cuidados com o paciente (banho, deambulação, entre outros). Por outro lado, a perda de peso aumenta o risco de quedas (e, portanto, fraturas), úlceras de pressão e infecções, reduzindo consequentemente a qualidade de vida. Ainda não foi estabelecido metas dietéticas específicas para a DA (LUCHSINGER; MAYEUX, 2004) devendo os planejamentos atender, a princípio, às recomendações nutricionais para indivíduos saudáveis (DRI, 2002) (Quadro 2). No entanto, muitos portadores de DA podem apresentar necessidades nutricionais especiais porque tanto o envelhecimento quanto os danos neurais podem afetar a absorção, o metabolismo e a excreção de nutrientes. Normalmente, indivíduos com DA têm menor consumo de calorias, fibras, vitaminas (do complexo B, A, C, D, E, K e ácido fólico), selênio e ácidos graxos da série ômega-3. Assim, o atendimento às recomendações, em especial destes nutrientes, e a avaliação constante do consumo alimentar, do peso corporal, da hidratação e da função intestinal são essenciais para a garantia da qualidade de vida desses pacientes e para a manutenção do peso saudável (Quadro 4). A suplementação de vitaminas e minerais, em pessoas com DA já instalada parece, por si só, não melhorar o estado mental e cognitivo dos indivíduos. No entanto, podem ser utilizadas nos casos onde há inadequação do consumo através da alimentação (SHAH, 2013). Quando necessária, uma atenção especial deve ser dada ao uso de suplementos multivitamínicos, uma vez que eles podem conter quantidades significativas de zinco, cobre, ferro e manganês. Embora esses nutrientes sejam essenciais para a síntese de neurotransmissores e para a excitabilidade neural, em quantidades acima do recomendado eles podem se depositar nas placas amiloidais no cérebro e exercer efeitos neurotóxicos (OBULESU; VENU; SOMASHEKHAR, 2011). O uso de suplementos hipercalóricos e hiperprotéicos pode ser necessário diante da redução da ingestão alimentar e do aumento do gasto energético destes pacientes. Nos estágios avançados e nos casos onde há o consumo alimentar abaixo do recomendado (<70% das necessidades), pode ser necessário a terapia nutricional enteral. Outras medidas auxiliares de manejo dos problemas comportamentais 28 relacionados à ingestão encontram-se descritas no Quadro 3 e podem ajudar a retardar a progressão da doença e a utilização da terapia nutricional enteral. 4.5 Recomendações dietoterápicas Durante a fase inicial, em que as alterações nutricionais são pouco visíveis, é importante evitar a monotonia dos alimentos e observar as variações de peso. Nas fases intermediárias e avançadas, deve-se considerar a consistência dos alimentos, pois nessas fases surgem as alterações nos processos de mastigação e deglutição. Algumas recomendações incluem: Fornecer uma dieta equilibrada com uma variedade de alimentos (todos os grupos em todas as refeições); Oferecer vegetais, frutas, laticínios com baixo teor de gordura e alimentos fontes de proteína de alto valor biológico. Se necessário, abrandar as fibras de frutas e vegetais através da cocção (facilitar a mastigação e quando for o caso, controlar a diarreia); Limitar o consumo de alimentos ricos em gordura trans, saturada e colesterol (manteiga, banha, cortes gordos de carnes, alimentos processados, entre outros); Evitar o consumo de açúcar e utilizar opções mais saudáveis, como frutas ou produtos assados adoçadas com suco. Mas note-se que, nos posteriores-estágios da doença de Alzheimer, se a perda de apetite é um problema, a adição de açúcar aos alimentos podem incentivar a alimentação; Limitar o consumo de alimentos com alto teor de sódio e usar menos sal. Utilizar temperos alternativos: hortelã, coentro, orégano, limão; Incentivar o consumo de líquidos, oferecendo pequenos copos de água ou outros líquidos durante todo o dia ou alimentos com alto teor de água, tais como frutas, sopas, batidos e smoothies; no entanto, evitar a utilização de preparações liquidificadas em substituição às sólidas, uma vez que apresentam menor sabor e não ajudam a exercer a memória; Preparar pratos saudáveis, atraentes e fáceis para consumo, com comidas que possam ser consumidas com os dedos (finger food); Incentivar a independência (adaptar servindo os alimentos em pratos e utensílios que facilitem o consumo); Oferecer apenas um prato de comida de cada vez; 29 Observar a necessidade de mudanças na consistência da dieta; Controlar a constipação: frutas, aveia, hortaliças, líquido; Evitar alimentos secos, crus e com cascas duras (engasgos); Respeitar as preferências alimentares do paciente. 5. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA E MIASTENIA GRAVE 5.1 Esclerose Lateral Amiotrófica A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença caracterizada por disfunção seletiva e denervação com degeneração progressiva dos neurônios motores superiores e inferiores, do córtex ao corno anterior da medula,gerando atrofia progressiva e fraqueza generalizada (CORCIA; MEININGER, 2008). 5.1.1 Fisiopatologia Embora o mecanismo da doença ainda permaneça incerto, algumas hipóteses foram propostas: (1) excitotoxicidade do glutamato, neurotransmissor importante para a cognição, memória, movimento e sensação. É hipotetizado que, nestes pacientes, há um defeito na recaptação do glutamato pela célula da glia ou aumento da liberação nas fendas sinápticas, levando a aumento na transmissão excitatória, resultando no influxo de quantidades excessivas de sódio e cálcio na célula e um comprometimento irreversível dos neurônios (SHAW; INCE, 1997); (2) inflamação, estresse oxidativo e disfunção mitocondrial (SHI et al., 2010); (3) formação de agregados proteicos; (4) mutações nos genes de alguma proteínas (SOD1, VAPB, TDP-43) (LUDOLPH et al., 2010); (5) deficiência de fatores tróficos, importantes no desenvolvimento e sobrevivência dos neurônios e; (6) autoimunidade. Vários auto-anticorpos são encontrados na ELA, sendo alguns destes citotóxicos para motoneurônios in vitro, porém, ainda não está consolidada a relação entre alteração imune e ELA (ABRELA, 2016). 5.2 Miastenia Grave A Miastenia grave (MG) é uma doença neurológica autoimune crônica, que afeta a porção pós-sináptica da junção neuromuscular (LANG; VINCENT, 2009). É uma 30 doença de baixa incidência e raramente fatal, embora possa ameaçar a vida quando atinge os músculos da deglutição e da respiração. 5.2.1 Fisiopatologia A junção neuromuscular consiste na ligação entre a parte terminal de um axônio motor com uma placa motora. Quando há um estímulo, o axônio motor libera ACh, um neurotransmissor químico, na fenda sináptica, que permite a rápida difusão da ACh até a placa motora (membrana muscular), onde se encontram os receptores de ACh (AChR). Estes receptores traduzem o sinal químico da ACh em um sinal elétrico que é necessário para contração das fibras musculares e movimentação (MARTYN; FAGERLUND; ERIKSSON, 2009; FAGERLUND; ERIKSSON, 2009). Na MG cerca de 90% dos pacientes apresentam anticorpos anti-receptores de ACh (anti-AChR) e anti-MuSK (VINCENT, PALACE, 2001; PAL et al., 2011). Os anti-AChR atuam através de: (1) degradação dos receptores (CONTI-FINE; MILANI; KAMINSKI, 2006; GOMEZ et al., 2010); (2) bloqueio funcional dos AChR por meio da ligação dos anti-AchR aos receptores (GOMEZ; RICHMAN, 1983) e; (3) ativação do complemento, com danos à membrana pós-sináptica (GOMEZ et al., 2010). Os anti- MuSK podem atuar inibindo a proliferação celular e diminuindo a expressão das subunidades de AChR (BONEVA et al., 2006). Assim, há redução na ligação da ACh a seu receptor e do efeito de contração muscular, surgindo a fraqueza miastênica, caracterizada por cansaço aos esforços (THANVI; LO, 2004). A maneira como se inicia a produção de anticorpos na MG ainda é desconhecida. Tem sido sugerido que o timo seja determinante no seu desenvolvimento. Três linhas de evidência demonstram o envolvimento do timo na MG anti-AChR: 1) a maioria dos pacientes com MG anti-AChR tem alterações patológicas do timo, como hiperplasia (60-70% dos casos), ou timoma (10-12% dos casos) (DRACHMAN, 1994); 2) o timo possui todos os elementos necessários para iniciar uma resposta autoimune (HOHLFELD; WEKERLE, 2008); 3) a doença frequentemente melhora ou cura com a retirada do timo (timectomia) (VINCENT, 2002). 5.3 Sintomas, fatores de risco e diagnóstico A ELA e a MG são doenças que acometem os neurônios motores e apresentam tratamento muito semelhante. No entanto, com alguns sintomas e características específicas, conforme mostrado no Quadro 6. 31 Quadro 6. Comparação entre as doenças esclerose lateral amiotrófica e miastenia grave ELA Miastenia Epidemiologia 1-2 casos/100.000 25-142 casos/1.000.000 Sintomas Atrofia progressiva (com comprometimento dos quatro membros, a musculatura facial, cervical e torácica) com paralisia (significativo quando atinge o musculo respiratório) Fraqueza muscular generalizada Cãimbra Disfagia Disartria Alterações fonatórias Fraqueza progressiva (apenas quando em movimento), sendo significativa quando atinge músculos respiratórios Ptose palpebral Visão borrada Diplopia Disfagia Disartria Dispnéia Dificuldade de sustentação da cabeça Fatores de Risco Atividade física extenuante Trauma físico (mecânico, elétrico ou cirúrgico) Envelhecimento Sexo (masculino) Raça (branco) Exposição a agentes químicos (neurotoxinas, inseticidas e pesticidas) Associação entre sexo e idade: (< 40 anos – feminino; puberdade e 40-50 anos – não tem predomínio do sexo; >50 anos – masculino); Sobrevida 3-5 anos após o diagnóstico - Diagnóstico Não há exame específico; Eletroneuromiografia; Ressonância magnética; Exames bioquímicos. Não há exame específico; Eletromiografia; Avaliação clínica; Exames bioquímicos; Testes imunológicos Fármacos utilizados Riluzole Anticolinesterásicos Corticóides Gama-globulina (caro) 5.4 Tratamento nutricional Ainda não foi desenvolvida a cura para essas doenças. Os tratamentos disponíveis no momento visam retardar a evolução da doença, aumentando a expectativa de vida e melhorando a qualidade de vida do paciente (MCGREER; MCGREER, 2005; MILLER et al., 2010). Nos estágios mais avançados, observa-se diminuição da força, perda progressiva de peso corporal e de massa muscular, controle nitrogenado negativo e aumento do gasto energético (NELSON et al., 2000). Embora não exista dietoterapia específica, uma avaliação detalhada do paciente (avaliação bioquímica e do estado nutricional (Quadro 4) e uma terapia nutricional adequado e precoce pode retardar a perda de peso 32 a atrofia muscular (SLOWIE; PAIGE; ANTEL, 1983) (Quadro 2). Em alguns casos pode ser necessário o uso de suplementos hipercalóricos. Como nestes pacientes não há regressão da doença, a escolha da via de administração da dieta é importante. Em caso de alimentação via oral, deve-se atentar a consistência da dieta devido à disfagia e risco de broncoaspiração (perda do controle dos músculos faciais e respiratórios). Outros sintomas como a disartria, visão e ambulação prejudicadas, podem tornar a alimentação menos agradável e mais difícil. Algumas medidas auxiliares de manejo dos problemas comportamentais relacionados à ingestão encontram-se descritas no Quadro 3. Dada a natureza crônica destas doenças, pode ser necessária a terapia nutricional enteral, com uso de sondas ou ostomias (gastrostomia ou jejunostomia) (KARSARSKIS; NEVILLE, 1996). Com relação a suplementação na ELA, não há evidência suficiente sobre a eficácia da vitamina C e E no tratamento destes pacientes. No entanto, não se demonstrou uma contraindicação para o seu uso (ABRELA, 2016). Por outro lado, tem sido demonstrado melhoras significativas com suplementação da vitamina D3 (KARAM et al., 2013). A vitamina D parece atuar melhorando o quadro inflamatório e de estresse oxidativo (com redução dos níveis de TNF-α, IL-1β e óxido nítrico sintase e aumento de IL-10), aumentando a força muscular (captação de cálcio e síntese de proteínas contráteis), atenuando a excitotoxicidade do glutamato e a perda neuronal (GIANFORCARO; HAMADEH, 2014). Mais estudos são necessários para um melhor entendimento dos mecanismos associados à suplementação de vitamina D e melhora do quadro de ELA. 5.5 Recomendações (Orientações dietéticas) Fornecer refeições pequenas e frequentes, que sejam fáceis de mastigar e deglutir; Evitar se exercitar antes das refeições (evitar a fadiga e o cansaço); Realizar as refeições em locais tranquilos e confortáveis; Não encorajar a alimentação quando cansado, pois isso pode contribuir para aspiração; Consumir
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