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AULA 3 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Profª Rossana Ghilardi 2 TEMA 1 – TRATAMENTO VERSUS AVALIAÇÃO O principal objetivo desta aula é descrever algumas possibilidades de intervenção para TEA, dentre as mais utilizadas e/ou aquelas nas quais os professores, colegas de classe e familiares se envolvem mais intensamente. No entanto, vamos iniciar a aula trazendo algumas propostas de avaliação para intervenção, essenciais no TEA porque cada sujeito é único em suas potencialidades e necessidades. Há consenso de que um projeto de intervenção individual só pode ser traçado tendo em vista resultados confiáveis de avaliação abrangente. Primeiramente, diferenciaremos avaliação diagnóstica de avaliação para intervenção. Da avaliação diagnóstica, tratamos em momento anterior. No Brasil, está sob responsabilidade de profissionais médicos, como o pediatra ou neuropediatra e tem como propósito identificar o Transtorno do Espectro Autista e seus níveis de gravidade. Já a avaliação para intervenção normalmente é um protocolo aplicado pelos profissionais que acompanharão as ações de aprendizagem da pessoa com TEA. Muitas vezes são psicólogos, mas podem ser psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e outros habilitados a desenvolver as técnicas e programas de avaliação. Os programas de avaliação de intervenção têm como instrumentos a entrevista aos familiares, a observação direta em ambiente natural da criança ou consultório e observação da realização (ou não) de tarefas apresentadas pelo avaliador. Busca-se constatar as brechas do desenvolvimento da criança para estabelecer um plano de intervenção, que, no caso do TEA, será sempre específico e único para cada sujeito. É importante deixar claro novamente que não existe um programa padrão de intervenção, pois, em virtude da diversidade de manifestações do autismo, serão detectadas necessidades singulares, o que leva à proposta de Planos de Ensino Individualizados (PEI). Outra condição das avaliações de intervenção é que elas serão reaplicadas frequentemente, pois ao longo do tratamento espera-se a diminuição ou extinção de comportamentos inadequados e a aprendizagem e desenvolvimento de habilidades. Assim, a revisão é contínua para adequar o PEI às necessidades do sujeito a cada momento. Percebe-se que a avaliação de intervenção é fundamental e usual. No caso de propostas baseadas em ABA, geralmente cabe ao analista de comportamento 3 aplicar os instrumentos para definir o PEI. Já o plano de ensino propriamente dito pode ser aplicado por outros, como pais, professores e mediadores. Uma última observação quanto às avaliações de intervenção: é necessário entender que não se trata de instrumentos para medir coeficiente de inteligência ou nível de desenvolvimento infantil. A intenção, geralmente, é detectar hábitos, comportamentos, marcos de desenvolvimento que ainda não foram atingidos pela pessoa com TEA. Saiba mais Algumas avaliações são voltadas principalmente para crianças muito pequenas e bebês, como Portage (Inventário Portage), criado nos anos de 1970 nos EUA. Envolve as áreas de desenvolvimento motor e de linguagem, além da cognição de uma maneira geral, socialização e autocuidado, verificando ao todo 580 itens diferentes. Com fim ilustrativo, você pode verificar no material disponível a lista de comportamentos avaliados no Inventário Portage. Como o diagnóstico costuma acontecer tardiamente no Brasil, as avaliações comumente utilizadas são VB-MAPP (Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program), PED-R (Perfil psicoeducadional revisado) e ABLLS-R (Assessment of basic language and learning skills), aplicada a crianças pequenas. TEMA 2 – AVALIAÇÕES PARA INTERVENÇÃO 2.1 VP-MAPP O VP-MAPP (Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program) é uma proposta avaliativa que se baseia em marcos de desenvolvimento infantil. A sigla significa “Avaliação de Marcos do Comportamento Verbal e Programa de Nivelamento”, que está organizada em três níveis que se referem a marcos de desenvolvimento de crianças típicas: o primeiro vai de zero a 18 meses; o segundo de 18 a 30 meses; o terceiro de 30 a 48 meses. A faixa etária não significa que o inventário é restrito a crianças de quatro anos de idade, pois a pessoa com TEA terá sempre alguma defasagem nos marcos iniciais de desenvolvimento que impactam em sua aprendizagem e relacionamento social, 4 portanto pode ser utilizado até a adolescência, eventualmente até mesmo para adultos. O VB-MAPP foi desenvolvido por Mark Sundberg em 2008. Segundo o autor, o material condensa os procedimentos e metodologia de ensino da análise do comportamento aplicada, juntamente com análise de Skinner de comportamento verbal em um esforço para prover um programa de avaliação comportamental da linguagem para crianças autistas e com atrasos similares. (Martone, 2017, p. 16) Matone (2017) descreve o programa de avaliação como tendo ao todo cinco componentes, são eles: 1. Avaliação dos marcos – relacionado ao repertório verbal, são 170 marcos nas áreas: mando; tato; responder de ouvinte; performance visual e emparelhamento com o modelo; brincar independente; comportamento social e brincar; imitação motora; ecoico; comportamento verbal espontâneo; responder de ouvinte por função, classe e característica; rotinas de classe e habilidades de grupo; intraverbal; estrutura linguística; leitura; escrita; e matemática; 2. Avaliação barreiras de aprendizagem – para 24 tipos de comportamentos estabelecidos que podem atrapalhar a aprendizagem; 3. Avaliação de transição – são 18 áreas conectando habilidades e barreiras para verificar fatores que levam à dificuldade de aprendizagem; 4. Análise de tarefas e rastreamento de habilidades: são cerca de 900 habilidades verificadas para elaborar currículo para habilidades de aprendizagem e linguagem; 5. Classificação e metas PEI – como resultado dos componentes anteriores, oferecendo direções, opções para planejamento e recomendações. A avaliação tem o propósito de oferecer orientações sobre: 1) quais habilidades devem ser o foco da intervenção; 2) com qual nível da habilidade o programa de intervenção deve começar; 3) quais barreiras de aprendizado e aquisição de linguagem devem ser levadas em consideração (e.g., presença de comportamentos desafiadores, ecolalia, incapacidade de generalizar); 4) qual tipo de comunicação aumentativa, se alguma, pode ser a melhor; 5) quais estratégias específicas de ensino podem ser mais eficazes para a criança (e.g., ensino por tentativas discretas, ensino em ambiente natural) e 6) qual tipo de estrutura e ambiente educacional pode ser melhor para atender às necessidades da criança (e.g., em casa, 1:1 na sala de aula, pequenos grupos ou inclusão em sala regular). (Martone, 2017, p. 33- 34) 5 Saiba mais Caso tenha interesse em entender detalhes do VB-MAPP, a tese de doutorado da psicóloga Maria Carolina Correa Martone apresenta a tradução e adaptação da avaliação e está inteiramente disponível para download sem custo no repositório de teses da Universidade de São Carlos. Acesse o link a seguir: MARTONE, M. C. C. Tradução e adaptação de Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program (VB-MAPP) para a língua portuguesa e a efetividade do treino de habilidades comportamentais para qualificar profissionais. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/9315/TeseMCCM.pdf?sequ ence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 8 abr. 2021. Em seguida, apresentaremos algumas fichas do inventário para ilustrar a proposta de análise do VB-MAPP, na tese da Martone (2017) estão as orientações sobre anotações, pontuação e análise dos resultados. Para o nível I (0-18 meses), no Quadro 1, temos um exemplode ficha de mando (um componente de aquisição de linguagem na linha comportamental) utilizando observação como estratégia de verificação: 6 Quadro 1 – Exemplo de ficho de mando Fonte: Martone, 2017. 7 Para o nível III (30-48 meses), o exemplo tem, além da observação, itens com comandos e testes. Quadro 2 – Avaliação de marcos – Nível III (30-48 meses) Os exemplos são uma pequena fração dos comportamentos investigados, e o inventário é bastante minucioso e muito extenso, como você pode perceber quando listamos anteriormente os componentes do VB-MAPP. Por isso, a aplicação da avaliação pode durar várias sessões. Há casos nos quais se podem ignorar alguns dos níveis, iniciando a investigação de ponto mais avançado. Isso dependerá de cada sujeito e de suas características. Por manter seu foco no desenvolvimento de crianças típicas de até quatro anos de idade, há limites de investigação no VB-MAPP. Assim, é possível ser necessário utilizar outros instrumentos avaliativos para um único sujeito a fim de desenvolver um Plano Individual de Ensino abrangente e adequado, fato que será constatado pelos profissionais que atendem a pessoa com TEA. 8 2.2 ABLLS-R Mais uma sigla chegando a nossas aulas (e teremos outras tantas adiante). Para crianças com TEA um pouco maiores, pode ser aplicado a ABLLS-R (Assessment of basic language and learning skills), ou “Avaliação de linguagem básica e habilidades de aprendizagem revisada”. Os protocolos de avaliação geralmente são apresentados em livros ou outro tipo de documento nos quais encontramos embasamentos, descrição da proposta, modelos de fichamento, de marcação e escalas de resultados. No caso do ABLLS-R, são dois documentos que abrangem 544 habilidades relacionadas a habilidades básicas de aprendizagem e de linguagem. As habilidades estão em 25 áreas de prioridades educacionais, tais como habilidades de ouvinte, de falante, habilidades motoras. Os resultados da avaliação, a partir deste instrumento, permitem que os pais e os profissionais identifiquem os obstáculos que impedem a criança de adquirir novas habilidades e possibilitam o desenvolvimento de um currículo abrangente, altamente personalizado e baseado na linguagem. (Carvalho et al., 2021, p. 81) Revisado por James Partington em 2006, a ABLLS-R organiza as habilidades em graus de complexidade, da menor para maior. A criança recebe um estímulo do instrutor, que observa o comportamento dela para determinar o nível da habilidade. Outros itens são avaliados por relatos dos pais. Até o momento não há uma aferição para população brasileira ou mesmo tradução para nosso idioma, o que pode acontecer em breve, pois TEA é uma área na qual as pesquisas estão em franca expansão e o interesse aumenta na mesma medida em que a prevalência se expande. É muito comum encontrarmos pesquisadores de TEA com filhos diagnosticados. O empenho desses pais em buscar alternativas de tratamento tem impulsionado grandemente as investigações na área desde meados do século passado. Diferentemente do VB-MAPP, o material do ABLLS-R não tem oficialmente área sem custo para consulta, e os aplicadores costumam traduzir o material original, produzido em inglês, mas temos algumas imagens das fichas de avaliação para auxiliar na percepção da organização do documento. 9 As fichas de avaliação apresentam de forma minuciosa cada comportamento e o avaliador tem no inventário as instruções específicas para aplicação, observação, anotação e análise. Nas últimas décadas, as teorias comportamentais, principalmente o ABA (Análise do Comportamento Aplicada), têm sido a principal referência para o tratamento do TEA pelos resultados apresentados e validação no meio científico. Isso não quer dizer que outras opções estejam descartadas e é possível que mudanças aconteçam pelo volume de estudos na área, principalmente nos Estados Unidos. Não há como negar que as propostas de avaliações na abordagem comportamental são detalhadas e abrangentes no que diz respeito ao comportamento verbal – base para aquisição da linguagem e comunicação – e a comportamentos básicos para aprendizagem. Assim, as avaliações citadas nesta aula e outras como PEAK (protocolo de linguagem que avalia 184 habilidades mais complexas) ou Essential for Living (rastreia habilidades funcionais, apropriado para crianças e adultos com quadros moderados e graves) são válidas para entender melhor cada caso. Fornecem um mapa para estabelecer objetivos e metas de intervenção. Avaliações como essas podem até mesmo atender crianças típicas com dificuldade de aprendizagem. As avaliações orientam na elaboração do currículo que pode atender mais adequadamente a criança com TEA. É preciso lembrar que um currículo convencional para crianças típicas geralmente está voltado para habilidades acadêmicas, no entanto, muitas das crianças com TEA estão defasadas justamente naquilo que outras crianças adquirem naturalmente. Um exemplo é a capacidade de imitar, de prestar atenção ou de fixar o olhar no rosto de uma pessoa. São as habilidades desenvolvimentais, muitas delas básicas para relacionamento e comunicação, deficitárias no TEA. Portanto, o currículo escolar convencional dificilmente atenderá uma criança com TEA. Assim, o desenvolvimento de planos de ensino individuais são fundamentais para atendê- las. TEMA 3 – MÉTODO TEACCH Após rastrear habilidades não desenvolvidas e comportamentos inadequados ou exagerados na pessoa com TEA, cabe aos profissionais envolvidos no tratamento e acompanhamento traçar um plano de intervenção. 10 Nessa tarefa, também existem métodos que podem oferecer opções e orientações já testadas e estabelecidas. Assim como na avaliação, as teorias comportamentais e base experimental da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) sustentam algumas das propostas mais utilizadas e com bons resultados documentados e sistematizados. Escolhemos para detalhar na aula dois métodos fundados da análise comportamental com propósitos e faixas etárias diferenciadas. A intenção é mostrar possiblidades e rumos da intervenção em TEA. O primeiro é estruturado e o segundo é o naturalístico. Em seguida, explicaremos essas diferenças conceituais e práticas decorrentes. O método Teacch (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children) é um dos mais conhecidos. Traduzido como “Tratamento e educação para crianças autistas e com outros prejuízos de comunicação”, a base conceitual está no behaviorismo e na psicolinguística. A abordagem é clínica somada à educacional, portanto envolve diretamente a escola e educadores, além da família. A valorização da descrição de cada comportamento, a utilização de programas passo a passo e o uso de reforçadores evidenciam as influências comportamentais na tentativa de se obter maior controle das respostas discrepantes e idiossincráticas, presentes nas pessoas acometidas pelo autismo. Por outro lado, foi na psicolinguística que se buscou estratégias para compensar os déficits comunicacionais causados pelo transtorno, através do uso de recursos visuais, como pictogramas ou fotos, para ampliar as capacidades de compreensão. (León et al., 2004, p. 40) O método tem como frentes de ação a estruturação de ambientes pedagógico-terapeutico; a implementação de rotinas (muitas vezes com referências visuais); e atividades planejadas e bem estruturadas (em termos de sequência e duração) voltadas para os comportamentos a serem desenvolvidos ou extintos. Nos itens anteriores, trouxemos alguns instrumentos de avaliação, mas o método Teacch tem instrumento próprio criado para investigar os parâmetros do instrumento, por isso comentaremos aqui sobre a avaliação PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado).Nesta altura das aulas, você já percebeu que a avaliação é essencial e que bons resultados de intervenção dependem de uma boa avaliação. O PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado) avalia crianças com idade entre 1 e 12 anos, destinado a autistas ou com outros transtornos correlatos de 11 comunicação. Possui uma escala para detectar nível de desenvolvimento em dimensões de análise como coordenação motora fina e ampla, coordenação visuomotora, performance cognitva. Tem uma segunda escala para comportamento como afeto, brincadeira e linguagem. Assim, durante a avaliação, a criança realiza tarefas ou observa-se seu comportamento, e há uma escala específica para cada área investigada. Como as demais avaliações com base behaviorista, o PEP-R tem várias fichas e instrumentos de registro: ficha de dados de identificação; inventário de comportamentos de infância e adolescências (questionário para problemas de comportamento e interação social); matrizes progressivas coloridas (para verificar os progressos intelectuais, para faixa etária de 5 a 11 anos); perfil psicoeducacional revisado propriamente dito, que avalia a idade de desenvolvimento em sete áreas: imitação, coordenação motora fina, coordenação motora ampla, coordenação visomotora, percepção, performance cognitiva e cognição verbal. Cada área tem suas provas específicas, totalizando 131 itens. O material de teste é padronizado e envolve materiais, como por exemplo, encaixes de madeira coloridos, livro de imagens, fantoches, objetos com suas respectivas fotografias, instrumentos musicais e massinha de modelar. (León et al., 2004, p. 44) Com os resultados da avaliação podem-se identificar padrões e comportamentos que estão interferindo na aprendizagem. Essas informações levam à proposta de intervenção psicoeducacional para a criança. Voltando ao Método Teacch, também foi desenvolvido nos EUA (Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Norte) na década de 1966, pelo Dr. Eric Schoppler, mais tarde nas mãos do Dr. Gary Mesibov. Os planos de intervenção traçados se concretizam por meio de agendas de atividades, com função de agendas convencionais, mas podem ser apresentadas por meio de quadros ou painéis, afixados na parede ou em cadernos, com orientações ou rotinas a serem seguidas (informações em fotos, ilustrações ou texto, quando possível). As agendas são referência importante na organização da rotina, o que diminui a ansiedade e a insegurança na criança. O ambiente será organizado, adaptado para que a criança entenda melhor o espaço e as ações que precisa executar. A estruturação do ambiente tem como objetivo final promover maior autonomia para a criança na realização das tarefas, mas o principal é levar ao desenvolvimento das áreas deficitárias, portanto estimular habilidades desejadas e diminuir comportamentos considerados 12 inadequados (Mello, 2007). Pode-se, por exemplo, facilitar o acesso e diminuir as distrações visuais e auditivas, retirando o que incomoda a criança e incluindo indicações visuais nos objetos e áreas para facilitar a comunicação. Podem ser colocadas divisórias (como tapetes) nas áreas em que se realiza cada tarefa. Na agenda, pode aparecer a foto ou ilustração dos espaços que serão utilizados na sequência de uso. Como a que segue: Figura 1 – Indicação visual para facilitar a comunicação Crédito: Tartila/Shutterstock. É importante também deixar claro o sistema de trabalho, o que será feito, quanto tempo durará e a sequência das tarefas. O material geralmente deve estar disposto de acordo com cada atividade, em caixas separadas. Na introdução de uma atividade nova, a criança será acompanhada individualmente até conseguir desenvolvê-la com mais autonomia. Perceba que são criadas condições ideais para promover a aprendizagem da pessoa com TEA, removendo o que atrapalha, o que a incomoda e facilitando o acesso ao necessário. Chamamos esse tipo de intervenção de estruturada. Algumas críticas indicam a robotização da criança, isto é, levando-a a realizar tarefas sem entendê-la, induzida pelo ambiente organizado e reforços recebidos. Mas, como já vimos anteriormente, a generalização é uma das características 13 desejadas para ABA. Assim, para considerar que a aprendizagem aconteceu, o comportamento deve ser reproduzido espontaneamente em outras condições. Mello (2007) também revela evidências de que a criança constrói significados e adquire habilidades com as intervenções. Ainda mais uma observação: assim como os demais instrumentos com base comportamental, os registros no Método Teacch são exaustivos, tanto no que se refere às tentativas quanto aos resultados. TEMA 4 – MODELO DENVER Outro método bastante conhecido e com intervenção abrangente para TEA é chamado Modelo Denver de Intervenção Precoce (ESDM – Early Start Denver Model), voltado para crianças mais novas (de 12 a 60 meses) nos aspectos de linguagem, aprendizagem em geral e socialização. O livro Intervenção precoce em crianças com autismo: modelo Denver para a promoção da linguagem, de aprendizagem e da socialização, dos pesquisadores americanos Rogers e Dawson (2014), tem 10 capítulos apresentando o programa, que é também uma marca, isso é, existem direitos autorais e a aplicação é limitada àqueles habilitados para utilizá-lo. O Modelo Denver é direcionado a crianças pequenas com diversos níveis de comprometimento e segue princípios naturalísticos com bases comportamentais, isso é, se aproveita das atividades naturais e do interesse da criança para apoiar e aumentar comportamentos desejáveis, ou diminuir aqueles indesejáveis. As rotinas sensório-sociais nos jogos e brincadeiras são as principais atividades do modelo Denver. As técnicas de aprendizagem são variadas, como a modelagem e o encadeamento de ações. Assim como no Método Teacch, os dados são coletados de forma minuciosa e detalhada para fornecer informações segura quando ao resultado e próximos passos de intervenção. Mergulhão (2017) relata que as ações de intervenção podem acontecer em consultório, mas na maioria das vezes se efetiva na casa da criança, ambiente mais natural para ela. Apesar das diferenças metodológicas, o Modelo Denver também tem como base a ciência ABA (e outros modelos e abordagens comportamentais), com análise do comportamento na sequência natural do desenvolvimento infantil. O foco principal do programa são as interações sociais 14 (ponto nevrálgico do TEA) mediadas pelo afeto positivo, promovendo aquisição da linguagem e a comunicação. A estratégia central de trabalho do modelo é a construção de uma relação afetiva com a criança pequena com uso de jogos e brincadeiras. Quem trabalha com o Modelo Denver defende que interações sociais positivas são capazes de aumentar a motivação da criança com autismo na busca de novos contatos sociais e ampliar a capacidade dela de aprender. (Mergulhão, 2017) Como o modelo é naturalístico e voltado para crianças bem pequenas, o terapeuta partirá daquilo que a criança já conhece e gosta, portanto precisa manter-se muito atento às suas próprias ações de modo a promover aprendizado. Assim, o modelo tem abordagens quanto à gestão da atenção da criança: que ocorra a interação com o outro durante a atividade e que a criança consiga entender os objetivos e intenções da atividade desenvolvida. São 13 abordagens para as quais o terapeuta precisa atentar continuamente para evitar, por exemplo, que tomem o jogo pelo jogo, sem evoluir na aprendizagem. A avaliação das intervenções do terapeuta deve ser constante para verificar a qualidade do suporte dado à criança. A relação afetiva deve ser autêntica e trabalhar os comportamentos inapropriados visando reduzi-los. A abrangência do Modelo Denver são os domínios da comunicação receptiva e expressiva, competênciassensoriais, de jogo, motoras finas e grossas, comportamento adaptativo (Mergulhão, 2017) e estão distribuídas em quatro níveis, por faixa etária: de 12 a 18 meses (nível 1); de 18 a 24 meses (nível 2); de 24 a 36 meses (nível 3); e de 36 a 48 meses (nível 4). TEMA 5 – OUTROS PROGRAMAS DE TRATAMENTO Como citamos em aulas anteriores, existem diversos programas de tratamento para TEA, com características e objetivos diferenciados. Os dois descritos anteriormente são mais abrangentes em termos de objetivos. Como o modelo Pivotante (Pivotal Response Treatment – PRT), também naturalístico com técnicas motivacionais para aumentar imitação e vocalização espontânea, que inclusive serviu de referência para modelo Denver. Bem conhecida também é a técnica PECS (Picture Exchange Communication System), desenvolvida por Andy Bondy e Lori Frost em 1985 com base na obra original de B. F. Skinner sobre comportamento verbal e ABA. É direcionado a desenvolver habilidades comunicacionais para crianças com TEA 15 que não falam ou que precisam organizar a fala. Talvez você já conheça a parte mais visível da técnica – cartões de figuras (ilustrações) que são utilizadas pelas crianças para comunicação. Saiba mais Você pode verificar também modelos das ilustrativos figuras no material disponível. As figuras são os instrumentos mais visíveis, no entanto são aplicadas diversas estratégias de aprendizagem, como estímulo e reforço usados em todo o protocolo. Também inclui procedimentos sistemáticos de correção de erros para promover a aprendizagem se o erro ocorrer. Não se emprega a dica verbal para evitar que a criança se torne dependente do outro para usar os cartões. PECS é um sistema de comunicação alternativa que tem seis fases, desde a entrega da figura solicitada para o parceiro comunicacional, passando para a formação de frases juntando as figuras. O objetivo é a comunicação funcional, e alguns indivíduos evoluem também para comunicação por meio da fala. Mas a intenção é promover a independência comunicacional, o que indiretamente diminui sintomas como irritabilidade, pois permite que a criança revele seus incômodos (Gonçalves, 2011). É perceptível que as técnicas descritas na aula exigem intervenção intensiva para que os resultados apareçam, evidenciando a necessidade da participação dos pais, tanto para viabilizar os programas quanto para diminuir o custo com profissionais diversos. Assim, o treinamento parental surge como alternativa fundamental. Pesquisas (Andrade et al., 2016, p. 8) constatam que os pais das crianças com TEA têm “potencial de influenciar intensamente o desenvolvimento de seus filhos, visto que estão mais em contato com os mesmos do que os educadores ou clínicos”. São também facilitadores de mudanças positivas. Naturalmente, existem consequências negativas na dedicação intensiva dos pais ao filho com TEA em detrimento aos demais. Muitos dos programas têm momentos e protocolos de treinamento para os pais e alguns outros foram desenvolvidos especificamente para esse fim, como Parent-assisted Children’s Friendship Training, para o aprendizado de rótulos sociais e regras específicas de comportamento; ou Qigong sensory training (QST), 16 aplicado pelos pais e voltado para a regulação sensorial (Andrade et at., 2016). Todos fazem parte de um procedimento maior de intervenção. Existem outros tantos tratamentos específicos, voltados para muitos dos sintomas e manifestações de cada pessoa com TEA, como as terapias comportamentais ou analíticas, atividades com fisioterapeuta ou educador físico, terapeutas comportamentais e fonoaudiólogos. Encerramos esta aula cientes de que mostramos apenas a ponta do iceberg das possibilidades de intervenção e que, nas próximas aulas, alguns outros caminhos também serão apresentados. 17 REFERÊNCIAS ANDRADE, A. A e et al. Treinamento de pais e autismo: uma revisão de literatura. Ciências & Cognição, v. 21, n. 1, p. 7-22, 2016. Disponível em: <http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/1038/pdf_6 7>. Acesso em: 8 abr. 2021. CARVALHO FILHO, F. S. S. et al. Avaliação de habilidades básicas de estudantes no espectro do autismo no ambiente de aprendizagem. Revista Amazônia Science & Health, v. 9, n. 1, p.79-95, fev. 2021. Disponível em: <http://ojs.unirg.edu.br/index.php/2/article/view/3371/1741>. Acesso em 8 abr. 2021. CAPUZZO, D.; GALVÃO, T. Autismo: inclusão e adaptação escolar pelo método TEACCH. In: FRANÇA, G.; PINHO, K. (orgs.). Autismo: tecnologias e formação de professores de escola pública. Palmas: Acadêmica, 2020. GONÇALVES, M. A. F. T. Alunos com perturbações do espectro do autismo: utilização do sistema PECS para promover o desenvolvimento comunicativo. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) – Instituto Politécnico de Lisboa, 2011. 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