Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
METODOLOGIA DO FUTEBOL E DO FUTSAL Patrick da Silveira Gonçalves Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Distinguir etapas do processo de ensino-aprendizagem dos funda- mentos do futebol e do futsal. � Identificar elementos importantes da formação e da estruturação do processo de ensino-aprendizagem do futebol e do futsal. � Desenvolver métodos para o processo de ensino-aprendizagem do futebol e do futsal aplicados a diferentes grupos. Introdução O ensino de esportes requer que o profissional de Educação Física ela- bore um planejamento didático com rigor e pautado em pressupostos científicos. Em geral, os esportes são ensinados sem uma elaboração condizente com as características e necessidades dos indivíduos que estão aprendendo. Por isso, neste capítulo, buscaremos elencar as etapas que devem mediar o processo de ensino-aprendizagem, apresentar os elementos importantes quando da elaboração dos planos de ensino e as principais diferenças que precisam ser consideradas no ensino do futebol e do futsal no ambiente da educação formal e no ambiente das escolinhas esportivas. Etapas do processo de ensino-aprendizagem dos fundamentos do futebol e do futsal Ainda que muito presentes no cotidiano de crianças e adolescentes brasileiros, o futebol e o futsal, assim como diversas outras modalidades esportivas, necessitam de uma melhor estruturação em relação aos seus processos de ensino-aprendizagem. Hoje, a trajetória esportiva e a aprendizagem das moda- lidades de muitos atletas se deram de maneira bastante prática, isto é, jogando em parques, praças e ginásios, sem uma estrutura que pudesse vislumbrar o rigor científico para a melhor aprendizagem. Se, por um lado, os praticantes de esportes atuais são formados, muitas vezes, sem alguém que possa direcionar os processos de ensino-aprendizagem, aqueles que contam com um professor ou técnico também enfrentam essa de- fasagem. Muitos clubes e escolinhas esportivas do Brasil, voltados ao processo de ensino-aprendizagem do futebol ou do futsal, são regidos por indivíduos sem a devida formação técnica. Instituições como os Conselhos Regionais de Educação Física e o Conselho Nacional de Educação Física têm buscado garantir que tais espaços sejam de responsabilidade de profissionais habilitados (SANTINI; VOSER, 2008). Ainda assim, mesmo considerando os profissionais que tiveram habilitação específica para o ensino do esporte, como o caso dos profissionais de Educa- ção Física, é comum encontrarmos profissionais que abordam os processos de ensino-aprendizagem de modo bastante idiossincrásico, pautados muitas vezes pela experiência que tiveram quando crianças e adolescentes e pouco considerando os aspectos teóricos e científicos da Pedagogia, da Didática e da Psicologia no esporte. Nesse sentido, o ensino das técnicas e das abordagens táticas esportivas deve obedecer a normas e diretrizes que direcionem os profissionais que tra- balharão com os processos de ensino-aprendizagem para um constante estudo e a práticas condizentes com as amplas investigações que têm se desenvolvido sobre a pedagogia do esporte. Dadas essas considerações iniciais, é preciso fundamentar, como apontamos anteriormente, que o ensino esportivo se apoia em métodos didáticos. A didática é um dos ramos da Pedagogia que busca investigar como os conteúdos, independentemente de quais forem, devem ser ensinados e como são aprendidos, estabelecendo, portanto, métodos de ensino aprendizagem. Segundo Mutti (2003, p. 5), podemos definir a Pedagogia como o “[...] estudo intencional, sistemático e científico da educação; é a ciência da educação. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal2 Também pode ser definida como o conjunto e normas princípios e leis que regem a ação educativa [...]”. Essa grande área da ciência, como dissemos, aborda a didática, que, segundo o mesmo autor, “[...] é a parte da pedagogia que se preocupa com o ensino e com a aprendizagem, tendo como meta transmitir conhecimentos adquiridos através de métodos lógicos de investigação [...]” (MUTTI, 2003, p. 5). Assim, é possível pensar que o processo de ensino-aprendizagem não deve se basear apenas em experiências anteriores dos sujeitos, mas também ao estabelecer estratégias sobre as aquisições futuras que se deseja desenvolver, ampliando as possibilidades de aprendizagem e tornando o ensino das práticas esportivas eficaz (GRECO, 2001). Nessa direção, podemos concluir que o mé- todo didático para o ensino dos esportes contém algumas etapas fundamentais. De modo geral, podemos enumerar essas etapas como o planejamento didático, os objetivos, o conteúdo, as estratégias e a avaliação. Planejamento didático O planejamento, de maneira mais ampla, consiste na previsão metódica e precisa em que, por meio de ações intencionais, se busca identificar os meios e fins para desenvolver determinada habilidade ou competência do futebol ou do futsal. Ele representa, portanto, as diferentes etapas que o profissional de Educação Física deverá desenvolver para que uma ou mais aprendizagens se efetive. Ao iniciar o planejamento, o professor deve basear as suas ações nas seguintes perguntas: � O que é necessário ensinar? � Por que se deve ensinar? � A quem será ensinado? � Como se deve ensinar? 3Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal O planejamento inclui, então, as etapas do processo de ensino-aprendiza- gem. Outro equívoco bastante comum dos profissionais de Educação Física refere-se à elaboração de atividades ou plano de aulas que não dialogam entre si e que não são pensados em um conjunto com outras ações, ou outros planos de aula, que busquem um objetivo mais amplo. Nesse sentido, o planejamento deve ser elaborado sequencialmente, de modo a ordenar os planos para uma aprendizagem efetiva. Para tanto, o planejamento didático precisa ser dividido em três etapas, descritas a seguir (MUTTI, 2003). 1. Plano de curso — consiste na previsão ampla de todo o trabalho que será desenvolvido. Por exemplo, ao trabalhar em uma escolinha es- portiva, o professor deverá elaborar o plano de curso baseando todas as ações que serão desenvolvidas com seus alunos ao término de um período (geralmente em 1 ano ou 1 semestre). Nesse plano, que pode sofrer modificações durante a execução, todas as outras etapas do planejamento didático devem estar previstas. 2. Plano de unidade didática — compreende um planejamento de apren- dizagens a curto prazo, sendo mediado pelo plano de curso. Nele, os objetivos devem se consolidar com determinado número de aulas. Por exemplo, considerando o exemplo da escolinha esportiva, um professor, para trabalhar a condução da bola com as diferentes partes do pé, deve propor diferentes aulas, ampliando as possibilidades de aprendizagem de seus alunos. 3. Plano de aula — plano individual de cada aula realizada, no qual constam os objetivos que as atividades propostas devem alcançar. Objetivos Consistem na demonstração das aprendizagens que devem ser alcançadas ao final das atividades. Aqui, encontram-se os conteúdos conceituais, pro- cedimentais e atitudinais. Em outras palavras, ao elaborar os objetivos de um planejamento didático, o professor não pode se centrar apenas no “saber fazer” (outro equívoco comum entre os profissionais de Educação Física), mas também buscar trabalhar os conceitos, os valores, as atitudes e s regras inerentes à prática do futebol e do futsal (MUTTI, 2003). Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal4 Os objetivos direcionam as ações do professor, pois, por meio deles, são desenvolvidos o conteúdo, as estratégias e a avaliação. Importante destacar que os objetivos não são estáticos. Assim como as outras partes do planejamento, é possível reelaborar os objetivos traçados. Por exemplo, imagine que o objetivo inicial de um profissional de Educação Físicaseja “realizar o cabeceio em suspensão”. Ao identificar que seus alunos não obtêm o domínio do cabeceio, a ação de saltar e cabecear pode ser bastante complexa. Para atingir melhor as aprendizagens, o objetivo pode ser readequado para “realizar o cabeceio”. Outra atitude a se considerar ao elaborar os objetivos é expô-los aos alunos. Ao estabelecer metas em colaboração com os alunos, os praticantes podem direcionar suas ações, com enfoque na busca do objetivo e conseguindo manter uma constante autoavaliação. Conteúdos Fazem referência a todas as atividades que serão necessárias para atingir os objetivos propostos. A seleção dos conteúdos deve ser criteriosa, de acordo com as metas traçadas. De acordo com os objetivos, é possível escolher os conteúdos, os quais, por sua vez, podem ser revistos, atualizados e modificados para que tais objetivos sejam alcançados (LOPES, 2004). Como exemplos de conteúdos para o futebol e o futsal, podemos citar atividades como: � jogos lúdicos (p. ex., bobinho); � jogos cooperativos (p. ex., cruzamentos com cabeceio, nos quais o objetivo comum consiste em realizar um gol); � jogos competitivos (p. ex., jogos situacionais 1 × 1, como na Figura 1, ou 2 × 2); � atividades de estafeta (p. ex., a condução da bola até um colega que, por sua vez, deverá conduzir a outro colega); � outras possibilidades, com a função de atingir objetivos específicos das modalidades (aprender a efetuar o passe, aperfeiçoar o cabeceio, melhorar a condução de bola, etc.). Os conteúdos também não devem estar “soltos” no planejamento, mas fazer parte dele, de modo que compreendam uma etapa para atingir os objetivos (BAYER, 1994). 5Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal Figura 1. Jogo situacional 1 × 1. Fonte: Jacob Lund/Shutterstock.com. Estratégias Referem-se aos meios utilizados pelo professor para facilitar a aprendizagem e possibilitar que seus alunos atinjam os objetivos propostos. Incluem todas as atividades do professor e a seleção de materiais, momentos e espaços que serão necessários para o processo de aprendizagem (LOPES, 2004). As estratégias do professor têm um papel muito importante, principal- mente quando os alunos são iniciantes no futebol ou futsal. Imagine que um professor, ao trabalhar com alunos iniciantes de futebol ou futsal, tenha como principal estratégia de ensino a vivência em jogos disputados com equipes mais experientes. Certamente, o fracasso recorrente dos praticantes os fará ter uma experiência negativa nessas modalidades; por consequência, o desânimo culmina no abandono do esporte. Do mesmo modo, imagine que a estratégia de um professor nessas mo- dalidades consista em uma rotina, com as mesmas atividades a cada aula. As tarefas monótonas também se demonstram alheias ao engajamento dos praticantes. Portanto, o professor deve ter o cuidado de construir estratégias condizentes com os objetivos propostos, o nível de experiência, as necessidades e as capacidades do seu aluno, proporcionando-lhes uma experiência positiva no futebol ou no futsal. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal6 Avaliação Embora muitas vezes negligenciada pelos profissionais de Educação Física, a avaliação consiste em um momento importante, pois a partir dele o professor consegue identificar se os objetivos foram alcançados pelos seus alunos ou se as aprendizagens não se efetivaram. A avaliação também possibilita que o professor vislumbre se as próprias técnicas empregadas no processo de ensino- -aprendizagem foram eficientes, conduzindo o seu planejamento didático de maneira científica. Muitas vezes, os profissionais buscam estabelecer critérios de avaliação durante os jogos que compõem torneios de futebol ou futsal, isto é, “a prova de fogo” pela qual as aprendizagens se mostram consolidadas ou não se de- monstram em partidas oficiais. Esse não é o melhor momento para avaliar os avanços dos alunos. Em primeiro lugar, pois todo o planejamento não pode se reduzir ao que se mostra em apenas um jogo. Em segundo lugar, porque os jogos contêm diversos elementos internos (nervosismo, expectativa, ansiedade) e externos ao indivíduo (qualidade dos adversários, condições climáticas, con- dições do local do jogo, expectativa dos pais, tempo de participação na partida) que podem não apresentar fielmente os avanços no processo de aprendizagem obtidos (LOPES, 2004). A avaliação, portanto, integra o planejamento didático, fazendo parte de toda a sua extensão. Durante as atividades e os jogos, o professor deve avaliar o aproveitamento técnico de seus alunos, observando a realização de gestos técnicos, como a posição dos braços e das pernas, a inclinação do tronco e a parte do pé que se utiliza ao efetuar um chute. No plano tático, deve observar o deslocamento, a participação em jogadas com ou sem a bola, a interação com os companheiros e os adversários. Aqui, podemos perceber que a observação constitui uma importante ferra- menta para a avaliação. Contudo, o professor não deve se basear apenas no ato de observar seus alunos, e sim também em outras ferramentas, como cadernos de anotações, planilhas ou até mesmo filmagens, para que as informações não se percam na memória e seja possível realizar comparações entre as ações dos próprios indivíduos. Outra consideração importante sobre a avaliação é que ela nunca representa um ponto de chegada, mas um ponto de contínuo recomeço, ou seja, as ações do professor não devem se basear na avaliação que fará, mas, ao contrário, a avaliação deve estar a serviço do planejamento desde o seu início, direcio- nando as ações do professor. Mesmo que a avaliação mostre que os objetivos 7Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal foram alcançados, serve de guia para apontar que o aluno está pronto para a aquisição de novas aprendizagens. Evidentemente, o plano didático por si só não garante que o processo de ensino-aprendizagem se concretize. A aprendizagem é um processo muito mais complexo, envolvendo outros fatores além do planejamento. No entanto, devemos destacar novamente que uma aprendizagem efetiva e significativa depende da elaboração criteriosa de um plano didático. A seguir, vamos abor- dar outros elementos importantes para o processo de ensino-aprendizagem. Elementos importantes da formação e da estruturação do processo de ensino- aprendizagem do futebol e do futsal Como vimos anteriormente, o plano didático e suas etapas são importantes elementos para que se efetive o processo de ensino aprendizagem. No entanto, ao considerarmos as amplas e complexas relações implicadas nesse processo, o melhor dos projetos não é suficiente para que a aprendizagem se efetive. De- vemos levar em consideração que o plano didático compreende o instrumento que relaciona as diferentes abordagens do processo de ensino-aprendizagem, isto é, trata-se da ferramenta pela qual o aluno, o professor e a matéria (neste caso, o futebol ou o futsal) se unem, dando origem a relações entre eles. O aluno é o agente principal dos processos de ensino-aprendizagem, já que é ele quem vai aprender um novo conteúdo, reformulá-lo e repassá-lo às outras pessoas. Portanto, é ele quem aprenderá, adquirirá, construirá novas condutas ou modificará condutas anteriores. Ao professor, cabem instruir, comunicar, transmitir, dirigir e guiar os processos de aprendizagem. Por último, a matéria consiste no elemento que constitui um acevo cultural e social, o qual deverá ser transmitido. A ação educativa se baseia nesses três pilares, os quais enfatizaremos a seguir. Aluno Para elaborar melhor o processo de ensino-aprendizagem, é essencial que o profissional de Educação Física com a tarefa de ensinar a prática esportiva conheça as características de seus alunos. Além de conseguir identificar a realidade social em que vive, o contexto familiar e outras variáveis, pelo fato Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal8 de o futebol e o futsal compreenderempráticas corporais, torna-se impres- cindível conhecer as características físicas e psicológicas, as necessidades de atividades físicas e o interesse em relação às práticas dos alunos. Ao trabalhar com o processo de ensino-aprendizagem, é bastante comum que a abordagem esportiva se dê na infância, a partir dos 6 anos, e se estenda até o fim da adolescência. Antes dessa idade, espera-se que as crianças te- nham experiências diversas, capazes de ampliar o seu repertório motor, se o desejo é de que a especificidade esportiva se consolide. Após a adolescência, na vida adulta, a expectativa é de que os domínios dos esportes já estejam consolidados, permitindo aos praticantes realizá-los de maneira recreativa, competitiva ou participativa. Por isso, adotaremos o intervalo entre o início da terceira infância e o final da vida adulta para apresentar algumas considerações gerais sobre o desenvolvimento. A partir dos 6 anos de idade, as crianças já conseguem dominar muitas das habilidades psicomotoras, o que faz com que tenham um grande desejo de saber, experimentando corporalmente várias situações. Nessa fase, as aprendizagens se dão de forma concreta, isto é, a partir de situações que a criança possa praticar concretamente. Fomentar raciocínios mais complexos, a partir de hipóteses, não se mostra efetivo, já que tudo parte do mundo material. A principal característica da infância refere-se à capacidade e à neces- sidade de brincar. Quando não estão comendo, dormindo ou obedecendo a ordens de adultos, as crianças estão brincando. As brincadeiras, assim como o trabalho para os adultos, ocupam a maior parte do tempo delas. Por meio das brincadeiras, os seres humanos, em sua infância, conscientizam-se sobre seus corpos e desenvolvem suas capacidades motoras (GALLAHUE; DONELLY, 2008). O brincar ainda serve como facilitador cognitivo e afetivo da criança, tornando-a capaz de analisar e compreender o mundo que a cerca. Partindo desse pressuposto, o ensino do futebol e do futsal deve opor- tunizar uma aquisição maior de movimentos, explorando ao máximo os corpos das crianças nas mais diversas situações que existem sem que sejam reprimidas, oportunizando que as ações sejam praticadas por todos, para que haja uma aquisição ampla de movimentos (não havendo movimento ou ação considerada errada) e o respeito às regras, como de jogos simples, consolidando a sua autoafirmação e a capacidade de conviver harmonica- mente em grupo. Quanto aos exercícios, a aprendizagem ocorre por meio de repetições sistemáticas e numerosas de tudo o que é ensinado, podendo fixar a execução dos movimentos. 9Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal Além de representa uma possibilidade de atividade, o esporte é um elemento essencial para a formação da criança e do adolescente. No link a seguir ou no código ao lado, você conhecerá alguns dos benefícios da inclusão de programas esportivos para esse público. https://goo.gl/bLGW7F Entre os 9 e 12 anos de idade, as crianças já têm um conhecimento sobre os jogos com regras e a importância delas nesse contexto, podendo sugerir alterações ou até mesmo criar regras e jogos novos, o que desenvolve certa autonomia e democratização. Nessa fase, há uma intensa necessidade de realizar movimentos, tornando-se um dos principais momentos para iniciar a especiali- zação esportiva. O poder de concentração e atenção melhora consideravelmente e, junto ao domínio de muitas habilidades motoras, pode-se estabelecer a ênfase em posições e ações táticas. Essa fase é ideal para corrigir os gestos motores realizados de maneira equivocada, para que não se automatizem. Ainda, nessa fase, inicia-se a puberdade, que se apresenta de maneira desigual em indivíduos diferentes. Por isso, é bastante comum que algumas crianças e adolescentes de mesma idade se desenvolvam rapidamente, ganhando estatura e massa muscular, enquanto em outras essas modificações demorem um pouco mais para acontecer. O professor deve buscar conhecer o estágio puberal de seus alunos, de modo a compreender que nem todas crianças e adolescentes que se apresentem altos e fortes em relação aos demais manterão essas diferenças em relação à estatura e à massa muscular. Nesse sentido, ao não prever qual será a forma física que cada aluno terá na vida adulta, o professor deve procurar que todos se desenvolvam em todas as funções das modalidades. Um erro bastante comum cometido por profissionais de Educação Física consiste em determinar as posições no esporte, no início da puberdade, pela forma física dos alunos. Ao atribuir que o jogador mais alto ocupará a posição de goleiro ou de zagueiro, por ser mais alto, acaba retirando a possibilidade de construir aprendizagens em outras funções táticas. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal10 Já os adolescentes conseguem deduzir e formular hipóteses abstratas a partir de processos de raciocínio mais complexos (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). A dedução nessa fase parte de esquemas metódicos e sistematizados, o que se denomina solução sistemática de problemas, sendo ideal para a solução de problemas táticos apresentados durante o jogo. Somado à criação de hipóteses, desenvolvem o idealismo ingênuo, que se trata da capacidade adolescente de imaginar um mundo ideal (no campo das ideias) e, com isso, compará-lo ao mundo real. Em grande parte das vezes, o mundo real se apresenta muito aquém do mundo idealizado pelos adolescentes, culminando em ações no campo concreto. Por exemplo, ao se deparar com um mundo que não atende às expectativas idealizadas, um adolescente pode resolver fugir de casa, como um modo de, no mundo concreto, buscar o seu mundo ideal. Isso faz com que adquiram um comportamento desafiador, em busca de sua autoafirmação. Nesse sentido, os adolescentes necessitam ser protagonistas das tomadas de decisão, tanto na formação dos objetivos quanto na tomada de decisões. O professor, nesse caso, tem o desafio de ser um mediador, fomentando a capacidade crítica dos alunos quanto às apren- dizagens necessárias. Professor Independentemente da idade dos sujeitos expostos aos processos de ensino- -aprendizagem do futebol e do futsal, o professor tem um papel de destaque, já que, através dele, ocorre a mediação entre o que cada sujeito precisa aprender e como serão possibilitadas essas aprendizagens. Embora haja defensores de que o esporte possa ser ensinado por qualquer pessoa que tenha experiência em determinada prática esportiva, essa tarefa deve ser entregue somente ao profissional de Educação Física, pois é quem, a priori, dispõe dos conhecimen- tos técnicos e científicos necessários às abordagens pedagógicas relacionadas às práticas corporais para cada fase da vida. No entanto, somente a formação acadêmica inicial, por vezes, não é sufi- ciente para que o professor obtenha total domínio de sua função. Imagine um professor que se formou em meados do século passado com a tarefa de ensinar conforme os modelos existentes à época. Provavelmente, esses modelos e pressupostos teóricos já foram superados tecnológica e cientificamente. Nessa direção, é importante que o professor se mantenha sempre atualizado quanto aos métodos e modelos de treinamento mais eficientes. Não é por acaso que muitos treinadores de equipes de alto rendimento, ainda que estejam no auge 11Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal de suas carreiras, busquem dedicar alguns meses do ano para aperfeiçoar seus conhecimentos. Além do conhecimento, o professor deve atuar com valores inerentes à ação pedagógica. Portanto, precisa gostar de realizar a sua função, ser um indivíduo dedicado e comprometido com as práticas pedagógicas, atuar sempre com o sentido de transformar seus atletas em cidadãos melhores e atuar de acordo com os pressupostos morais dos sujeitos com quem convive. De modo geral, existem dois momentos em que o professor desenvolve suas funções: um está ligado aos momentos de treinamentosou à aula; e o outro, aos momentos em que dirige sua equipe em jogos competitivos. Durante os treinamentos, a ação pedagógica está enfatizada na construção ou modificação de novas formas de conduta, aprendendo tarefas novas que componham uma nova gama de hábitos a serem desenvolvidos. Ao dirigir treinamentos e aulas, o professor deve prezar por sua autoridade, mas sem que isso represente que os alunos sejam corpos a serem doutrinados. Pelo contrário, deve ser o exemplo de sujeito em que espera que seus alunos se formem. Para tanto, as suas ações devem sempre se basear na disciplina, na tomada de ações conscientes, em sua convicção e nos sensos de justiça e bom senso. Ao se colocar como o líder, o professor, por suas atitudes, postura e voz, determina como os sujeitos se comportarão. Não há uma fórmula que conduza as ações do professor ao melhor aprendizado. No entanto, ele deve buscar sem- pre o equilíbrio entre a bondade e a severidade, a afabilidade e a austeridade, a brandura e a rigidez. Os comandos para o desenvolvimento das aulas devem sempre ser alegres, cativantes e motivadores aos seus alunos. Já na condução de seus atletas durante os jogos competitivos, que também forma o processo de ensino-aprendizagem, o professor precisa conhecer as regras do jogo e fazer com que seus alunos também as conheçam. Deve sempre propor ações positivamente, respeitando e considerando as opiniões dos atletas. Durante o jogo, os alunos enxergam o professor como um guia. Nesse sentido, esse profissional deve ancorar suas ações como uma maneira de transmitir o ânimo que requer de seus alunos, apresentando-se calmo, pronto para compreender e auxiliar os atletas na tomada de decisões. As derrotas também devem ser encaradas como parte do processo de ensino-aprendizagem, transmitindo às crianças e aos adolescentes que se trata de um momento de reavaliar os equívocos cometidos e buscar a melhoria das aptidões e com- petências. As ações dos alunos frente às inúmeras decisões que envolvem a partida sempre serão mediadas pela imagem transmitida pelo professor. Nesse sentido, o Quadro 1 apresenta as principais imagens do professor e o possível comportamento de sua equipe durante um jogo competitivo. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal12 Fonte: Adaptado de Mutti (2003, p. 20). Imagem do professor Comportamento da equipe Técnico medroso Equipe sem confiança Técnico desanimado Equipe sem vibração Técnico nervoso Equipe sem equilíbrio emocional Técnico indefinido ou confuso Equipe sem definição e sem padrão de jogo Técnico sem autoridade Equipe indisciplinada Técnico pessimista Equipe perdedora Técnico seguro Equipe confiante Técnico tranquilo Equipe calma Técnico esclarecido Equipe consciente Técnico determinado Equipe aplicada Técnico coeso Equipe unida Técnico otimista Equipe vencedora Quadro 1. Imagem do professor e comportamento da equipe Matéria A matéria compreende o conteúdo educativo, ou seja, o que se pretende en- sinar. No caso em questão, diz respeito aos fundamentos do futebol ou do futsal, técnicos ou táticos, em nível conceitual, procedimental ou atitudinal. Os fundamentos são ensinados em três momentos distintos: a iniciação do futebol e do futsal, a fixação da aprendizagem e a especialização técnica e tática (MUTTI, 2003). A iniciação ao futebol e ao futsal, assim como a outros diversos esportes coletivos, requer o domínio de habilidades motoras que possibilitem a exe- cução de gestos e movimentos que compõem os padrões motores técnicos da modalidade. Esse momento consiste, portanto, na ampliação do repertório motor que possibilitarão, no futuro, a execução de movimentos complexos, como realizar um drible ou chutar a bola com precisão. 13Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal Ao analisarmos o desenvolvimento motor de crianças, podemos reconhecer que as habilidades vão progredindo gradualmente. Primeiro, ela aprende a dominar ações voluntárias enquanto bebê. Em seguida, consegue controlar o tronco, para sentar-se, ficar em pé, marchar, correr, e assim sucessivamente. O desenvolvimento motor, ainda que atravessado por características here- ditárias e ambientais, está bastante relacionado às experiências vivenciadas pelas crianças. Nesse sentido, a iniciação ao futsal ou ao futebol, que ge- ralmente ocorre a partir dos 6 anos de idade — momento em que a criança tem um domínio motor maior —, deve promover o máximo de experiências motoras, ampliando o repertório motor. Essa iniciação representa, portanto, uma continuidade às experiências motoras que a criança já tem, incorporando gradativamente os gestos motores inerentes à modalidade. Durante a iniciação ao futsal e ao futebol, o professor deve prever mo- mentos de demonstração e descrição de movimentos, execução pelos alunos dos movimentos em sua totalidade ou por partes e as correções, visando à execução adequada. A fixação da aprendizagem consiste na segunda etapa do processo de aprendizagem, ocorrendo ao final da infância, quando os gestos técnicos mais elementares são realizados com facilidade. Nessa fase, a ênfase se dá na repetição de movimentos, para automatizá-los e tornar sua execução a mais fácil possível (GRECO, 2001). A especialização deve acontecer com o início da adolescência com foco no desempenho, ou seja, não basta apenas a realização repetida e com certa facilidade, mas também que os fundamentos técnicos do futebol e do futsal sejam realizados corretamente. Esse processo, que se inicia quando os mo- vimentos básicos do esporte estão consolidados, não apresenta um término específico, já que, no alto rendimento, ele se mantém ou se amplia, visando ao maior rendimento do atleta. A perspectiva de alto rendimento é justamente a máxima exploração das capacidades dos atletas, tendo em vista a conquista de resultados positivos pela equipe. Ambiente social Embora não esteja presente em primeiro plano no processo como os alunos, diante da matéria, desenvolvem a aprendizagem dos conteúdos mediados pelo professor, o ambiente social no qual cada sujeito está inserido merece destaque, pois influencia nos processos de ensino-aprendizagem. As relações sociais que cada aluno estabelece com outros sujeitos, e o modo como estes projetam a sua aprendizagem no futebol ou no futsal, transmitindo valores, modos de agir, Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal14 de ser e de pensar, ditam como o aprendizado em determinadas modalidades evolui. Nesse cenário, a forma como as relações sociais se estabelecem com amigos e com familiares é bastante evidente. Um dos fatores que leva os indivíduos a aderirem e permanecerem em determinados programas de atividades físicas são os vínculos sociais com os outros participantes e com os próprios profissionais. Por isso, as atividades físicas devem, sempre que possível, ser desenvolvidas em grupos, fortalecendo nas crianças e nos adolescentes a construção de vínculos afetivos entre os participantes, para que permaneçam motivados nas atividades voltadas ao futebol e ao futsal, tornando possível o estabelecimento da motivação para a aprendizagem. Ryan e Deci (2000) afirmam que a motivação intrínseca é essencial para os processos de adesão à atividade física. Os mesmos autores informam que os vínculos sociais e a percepção de pertencimento a um grupo são essenciais para que a adesão se mantenha. No mesmo sentido, o primeiro ambiente social que a criança frequenta é a família, na qual construirá os seus valores, os seus interesses e desinteresses. Os vínculos afetivos são motivadores relevantes na adesão de crianças e adolescentes às diferentes práticas corporais, nas quais o futebol e o futsal se destacam. A família exerce papel fundamental na adesão de práticas corporais saudáveis, ou seja, além de possibilitarem e auxiliarem os profissionais das escolas na promoção de atividades físicas, os pais devem servir como modelos a serem seguidos pelos filhos. No entanto,no âmbito do futebol e do futsal, é bastante comum vermos a intensa participação dos pais, mas de modo nem sempre positivo. A espeta- cularização que acontece principalmente no futebol, os altos salários que os jogadores das principais equipes brasileiras recebem e a paixão que permeia esse esporte fazem com que muitos pais almejem que seus filhos se tornem futuros jogadores profissionais. Segundo Morin (2002), os valores, as atitudes, os hábitos e os significados marcam cada sujeito desde o início da vida. Pri- meiro, com a participação em família e, depois, em outros ambientes sociais. O incentivo dos pais, de maneira moderada e respeitando os interesses e o desenvolvimento das crianças, é plenamente saudável. Contudo, a cobrança intensa e desproporcional quanto ao rendimento e as exposições públicas como um modo de envergonhar os filhos podem ser extremamente prejudiciais, tanto à prática esportiva quanto ao desenvolvimento integral dos indivíduos, afetando a aprendizagem. Da mesma forma, a falta de incentivo nas práticas esportivas pode fazer com que as crianças acabem não aderindo a uma vida saudável. No futebol e no futsal, são bastante comuns as cenas em que os pais, ao assistirem aos jogos de seus filhos, desferem ofensas aos adversários e árbitros. 15Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal Nesse sentido, o trabalho do profissional de Educação Física também se estende ao núcleo familiar, buscando proporcionar orientações aos pais/responsáveis quanto à postura adequada para incentivar os filhos à prática esportiva, tanto nas situações do cotidiano quanto nos momentos em que estão participando de jogos. Além disso, a orientação se dá para que os pais consigam respeitar outros pais, outras crianças, os árbitros e os treinadores em jogos e competições, já que seus filhos enxergam neles o exemplo a ser seguido. De modo geral, essas três etapas da matéria, assim como as características dos alunos, as considerações sobre o professor e o ambiente social saudável, pilares que constituem o processo de ensino-aprendizagem, devem ser atendidas nos mais diversos espaços de prática do futebol e do futsal. Essas modalidades, atualmente, estão muito relacionadas às práticas em clubes e em escolinhas esportivas. Ainda que os objetivos se diferenciem, a ação pedagógica tem muitos pontos em comum. A seguir, debateremos duas propostas de abordagem do futebol e do futsal. Métodos para o processo de ensino- -aprendizagem do futebol e do futsal aplicados a diferentes grupos Pelo fato de serem esportes bastante populares no Brasil, o futebol e o futsal são praticados em diferentes ambientes sociais. Não são raras as vezes que passeamos pela beira da praia, por uma praça ou até mesmo em uma rua e nos deparamos com crianças, adolescentes ou adultos praticando essas mo- dalidades. Independentemente do espaço em que é desenvolvido, para tornar essa prática corporal m elemento que possa ser transmitido e sistematizado com o rigor científico e pautado por princípios pedagógicos, a figura do pro- fissional de Educação Física é essencial. Mais do que mediar os jogos, esse profissional consegue fazer com que a prática do futsal e futebol seja positiva aos jogadores, garantindo que a participação deles ocorra de forma saudável, buscando o pleno desenvolvimento. Ainda que os processos de ensino-aprendizagem possam ocorrer em qual- quer ambiente social, é mais comum encontrá-los em instituições destinadas aos objetivos pedagógicos. Nesse sentido, o futebol e o futsal são mais facilmente encontrados nas instituições escolares, voltados aos princípios pedagógicos que regem a educação formal, e nos clubes e nas escolinhas esportivas, desti- nados ao ensino como proposta de participação ou busca de alto rendimento. A seguir, vamos discutir as principais características do futebol e do futsal, quando inseridos nos objetivos dessas duas instituições. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal16 Futebol e futsal na escola Nas instituições de ensino, a Educação Física escolar procura que os alunos obtenham experiências e conhecimentos somente acessíveis por meio do movimento. Aliada aos princípios pedagógicos, ela deve fornecer ao estudante o acesso aos saberes acumulados pela sociedade, garantindo a sua formação cidadã, atuando no mundo de maneira crítica e em busca de uma sociedade justa e livre de desigualdades. A Educação Física escolar, como um dos componentes curriculares que integram o percurso formativo dos alunos, não deve se ater somente a um esporte, mas garantir que as vivências aconteçam em diferentes práticas corporais produzidas social e culturalmente. Nesse sentido, deve atender a objetivos mais amplos do que o domínio das técnicas ou táticas de uma modalidade exclusiva. Seus objetivos são expressos em documentos oficiais, que, entre outras orientações, estabelecem dez competências específicas: 1. Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual. 2. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo. 3. Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das ati- vidades laborais. 4. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas. 5. Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus participantes. 6. Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam. 7. Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos. 8. Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde. 9. Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, pro- pondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário. 10. Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo (BRASIL, 2017, p. 221, grifo nosso). 17Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal É importante destacar que o futebol e o futsal não representam uma obri- gatoriedade de ensino. Como conteúdo, os direitos de aprendizagem dos estu- dantes são os esportes, as danças, as práticas corporais de aventura, as lutas, as ginásticas, os jogos e as brincadeiras, sem que isso delimite qual esporte (ou qual dança, luta, etc.) fará parte do acervo de objetos de conhecimento a serem desenvolvidos. No entanto, a seleção de conteúdos deve obedecer à cultura vivida pelos estudantes. O futebol e o futsal, por integrarem a cultura de grande parte dos brasileiros, tornam-se objetos de conhecimentos a serem ensinados na maioria das instituições de ensino (BETTI, 2007). Os esportes de invasão, categoria de modalidades na qual se incluem o futebol e o futsal, são um direito de aprendizagem de todo estudante. A abordagem desse objeto de conhecimento está prevista entre o 3º e o 9º ano do Ensino Fundamental e consta na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), documento normativo que determina o currículo de todas as instituições de ensino brasileiras. Nas perspectivas da Educação Física escolar, podemos reconhecer que as práticas corporais devem oportunizar diferentes possibilidades de experi- mentar, fruir e expressar as diferentes culturas, das quais o futebol e o futsal são exemplos,isto é, as inclusões desses dois esportes tornam possíveis não somente a sua prática, mas também o acesso aos conhecimentos inerentes a eles, seja como prática corporal, seja como esporte espetacularizado no século XX, seja como influência europeia em nosso território ou, ainda, como forma de ressignificação de práticas corporais (o futsal é um exemplo clássico). Em relação aos processos de ensino-aprendizagem do futebol e do futsal, os gestos motores, os fundamentos técnicos e táticos específicos das modalidades devem ser experimentados pelos estudantes. Da mesma forma, a vivência em jogos competitivos ou campeonatos estudantis pode fazer parte do acervo de experiências. No entanto, a ênfase da abordagem esportivista dessas duas modalidades não se fundamenta em produzir indivíduos capazes de executar a técnica com perfeição. A perspectiva do futebol e do futsal no ambiente escolar é a de criar possibilidades para que todos os alunos experimentem o jogo de futebol e de futsal, assim como seus elementos, respeitando as formas de desenvolvimento Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal18 e o desempenho individual e valorizando os aspectos coletivos que o esporte pode proporcionar. Além disso, ser desenvolvido de modo que o conhecimento a ser ensinado seja contextualizado com as expectativas que os alunos trazem consigo e que foram constituídas historicamente. Quer dizer, o futebol e o futsal, além das perspectivas procedimentais (saber fazer), deve relacionar os conteúdos conceituais (saber) e os atitudinais (saber ser). Cabe destacar, ainda, que se deve desenvolver o currículo escolar com todos os alunos. Frequentemente, nas escolas, alguns estudantes não têm interesse em desenvolver determinados objetos de conhecimento. No caso do futebol e do futsal, é comum que estejam bastante relacionados aos meninos e restritos às meninas. Quanto a isso, o papel do professor passa a ser tematizar tais relações, problematizando a influência de determinados esportes na cultura que os alunos partilham e motivar os estudantes a se engajarem em uma prá- tica que pode ser desconhecida, permitindo que a experienciem e a recriem. Futebol e futsal nos clube e nas escolinhas esportivas Se, por um lado, as instituições de ensino formal são um espaço em que todas as crianças e adolescentes passam (ou deveriam passar), nos clubes e nas escolinhas esportivas o acesso é mais restrito. E, a partir dessa diferenciação de acesso à prática, podemos elencar que os objetivos dos praticantes não são os mesmos. Nas escolas, o interesse de cada indivíduo é bastante geral, ou seja, to- dos os alunos devem estar na escola, independentemente de seus interesses particulares. Por exemplo, em uma aula sobre futebol, podemos encontrar adolescentes que não gostem dessa prática e prefiram uma aula de Biologia. Nos clubes, a diferenciação entre os interesses se minimiza. A princípio, todos os indivíduos matriculados nas modalidades de futsal ou de futebol têm certa familiaridade e interesse em praticar esses esportes. A exceção, talvez, fica por conta de quando a matrícula em tais modalidades resulta do interesse dos pais, que, movidos pela espetacularização do esporte, projetam seus filhos como futuros atletas, fatos bastante comuns no futebol e no futsal. A diferenciação de abordagem do futebol e do futsal nas escolinhas espor- tivas, quando comparadas às instituições escolares, nos leva a elaborar que a última se baseia no desenvolvimento de atletas que, no futuro, se especializarão no esporte, isto é, o treinamento técnico, tático e físico visa a uma melhoria das competências dos jovens atletas para que consigam desfrutar do êxito durante algum jogo ou uma competição. 19Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal Seguindo esses preceitos, muitos professores acabam, de maneira exacer- bada, enfatizando a competição para além de níveis adequados ao desenvolvi- mento de crianças e adolescentes. Nesse sentido, Ramos e Neves (2008, p. 5) apontam alguns erros comuns praticados por profissionais de Educação Física que atuam com a iniciação esportiva: a) investem no desenvolvimento das capacidades físicas e no controle destas e das variáveis antropométricas; b) investem no aprimoramento, em geral precoce, das habilidades técnicas e táticas; c) elegem um modelo de atleta ideal a ser perseguido; d) investem na seleção de crianças que atendam às exigências de um modelo de atleta ideal e que componham as equipes menores de competição; e) participam de campeonatos nos quais se reproduzem estruturas de com- petição do esporte profissional; f) elegem a competição como o principal referencial para avaliar as crianças. Ainda que o futebol ou o futsal sejam desenvolvidos nos clubes, nos quais a ênfase compreende a prática esportiva visando à competitividade, o professor deve se pautar pelo fato de estar lidando com sujeitos em formação. Com base nesse aspecto, a prática do clube se aproxima daquela oportunizada em instituições escolares. Para tanto, o professor deve superar a visão de que o esporte trata apenas de métodos corporais para autossuperação ou para a superação de adversários. Mais do que isso, além do movimento humano, os processos de ensino-aprendizagem devem se basear nos aspectos psicológicos, nos princípios filosóficos e na relevância da aprendizagem social (PAES; BALBINO, 2005). No futebol e no futsal praticados em clubes, o movimento é o principal meio de expressão, o que evidencia a necessidade do desenvolvimento de competências físicas e motoras. Portanto, o profissional de Educação Física deve buscar oportunizar aos seus alunos experiências motoras diversas, pos- sibilitando o desenvolvimento das capacidades físicas, como agilidade, força, coordenação e resistência. O aspecto psicológico faz referência ao estabelecimento de um ambiente capaz de contribuir para o reconhecimento da identidade e o estímulo do mundo interno de cada indivíduo. A autoestima e a liderança se tornam mais evidentes nesses processos, uma vez que o jogo deve proporcionar o reconhecimento de suas próprias habilidades e o estímulo mútuo. O professor deve sempre valorizar o empenho dos indivíduos na tentativa de realizar as atividades propostas. No clube, são recorrentes as situações de insucesso durante os jogos e torneios. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal20 O professor precisa buscar que seus alunos compreendam que os resultados negativos também fazem parte do processo de formação esportiva. O professor também deve pautar a construção de princípios filosóficos com seus alunos. Em qualquer espaço formativo, o futebol e o futsal buscam o desenvolvimento integral dos sujeitos que os pratica, e não somente os aspec- tos físicos e motores. O objetivo da prática deve sempre ser a aprendizagem, com base no respeito pelos demais companheiros e adversários, ainda que as diferenças entre desempenho sejam significativas (GRECO, 2005). O esporte é uma representação da vida, na qual os valores, os costumes e o comportamento se mostram com maior evidência. Nesse sentido, a aprendiza- gem social dos esportes deve promover momentos de expressão e convivência diversas, mediadas pelo profissional de Educação Física, capaz de apresentar os modos adequados de expressá-las. Métodos de ensino do futebol e do futsal Como discutimos, tanto na escola quanto em clubes e escolinhas esportivas, o ensino da técnica e da tática é essencial à prática das modalidades do futebol e do futsal. Existem diferentes modelos de ensino-aprendizagem aplicados à modalidade esportiva, os quais, de maneira ampla, buscam adequar a matéria às necessidades e características de cada aluno. Entre as formas de abordar o ensino do esporte, estão o formato analítico-sintético, o modelo situacional e o modelo misto (GRECO, 2001; SANTINI; VOSER, 2008). O modelo analítico-sintético busca estabelecer a aprendizagem a partir do domínio de cada um dos elementosque integram o jogo. As atividades nesse modelo se baseiam na decomposição de gestos motores, como realizar uma atividade voltada ao chute ou uma atividade voltada à condução. A ideia prin- cipal é de que o domínio motor se efetive e evolua em nível de complexidade gradual, até a experiência que demanda as inúmeras exigências técnicas que formam o jogo. Assim, diversas habilidades motoras e gestos técnicos podem estar presentes em uma mesma atividade. No entanto, o foco da aprendizagem se torna o domínio técnico a partir da repetição, até que se automatizem os movimentos. Frequentemente, tal modelo de aprendizagem é empregado com os indiví- duos iniciantes no esporte e cujo domínio técnico ainda não é eficiente para enfrentar as situações de um jogo. Dessa forma, as atividades específicas para a aprendizagem de técnicas individuais, como o passe, o chute, o cabeceio, a condução, o drible e os lançamentos, requerem esse modelo de aprendizagem. Como principal benefício desse método, enfatiza-se a repetição dos movi- 21Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal mentos e isola-se um gesto técnico isolado, possibilitando que o profissional identifique de maneira mais eficaz os erros cometidos em cada um dos gestos técnicos de seus alunos. No entanto, por não enfatizar as situações de jogo, as aprendizagens táticas, como movimentar-se conforme a posição dos co- legas, os contatos físicos com outros jogadores e as trajetórias imprevisíveis de colegas adversários e a bola, podem atrasar (MENEZES; MARQUES; NUNOMURA, 2014). O modelo situacional se baseia na vivência dos gestos técnicos em mi- nijogos, com elementos que se aproximam do jogo formal. Por exemplo, ao fomentar a aprendizagem do passe, é possível estabelecer jogos entre duas equipes cujo objetivo é realizar determinados números de passes entre as equipes. Nesse formato, além do gesto técnico do passe, podemos perceber que outros elementos estão presentes, como o deslocamento com a bola, o deslocamento sem a bola, a marcação, entre outros jogos que simulam as situações de um jogo em sua estrutura formal. Por sua maior complexidade, esse modelo acaba sendo voltado para indi- víduos que já apresentam movimentos básicos automatizados, já que aqueles que ainda não o dominam têm maiores dificuldades em participar de jogadas mais complexas. Como principal benefício, baseia-se nas situações do jogo, fomentando os aspectos táticos. Contudo, por requerer grandes movimenta- ções e pela imprevisibilidade do número de vezes que cada jogador executará determinado gesso motor, as aprendizagens dos elementos técnicos podem ficar prejudicadas. Além disso, o profissional necessita de maior atenção para identificar aqueles jogadores que apresentam defasagem em seu rendimento, já que a aprendizagem é mais dinâmica, na qual os jogadores executam inde- terminados números e tipos de gestos técnicos das modalidades (MENEZES; MARQUES; NUNOMURA, 2014). Um terceiro modelo, como apontado por Xavier (1986), consiste em uma metodologia mista, na qual os aspectos técnicos são desenvolvidos com a aprendizagem tática buscando, em uma mesma aula, atividades e exercícios que enfatizem a aprendizagem técnica e atividades e exercícios com foco nos aprendizados táticos. Evidentemente, este formato apresenta o benefício de desenvolver aspectos técnicos e táticos. No entanto, ao pensarmos que as sessões semanais se reduzem a poucas horas, o tempo limitado pode não fomentar o aprendizado tal como ocorreria com outra ênfase metodológica. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal22 Grande parte da literatura sugere que as modalidades esportivas sejam ensinadas a partir dos 9 anos de idade, quando as habilidades motoras e cognitivas já estão bastante desenvolvidas, possibilitando a sua prática. No entanto, os elementos que constituem as atividades competitivas podem ser inseridos antes na vida de crianças, sendo avançados gradualmente. A estrutura de desenvolvimento a seguir mostra um exemplo de desenvolvimento que pode orientar o profissional de Educação Física. 6 a 8 anos — nessa fase, deve ser abordada a aprendizagem esportiva global, como arremessar, lançar, correr, pular, saltar e andar, ações presentes em diferentes modalidades esportivas. Nessa faixa etária, as atividades não devem ter um rigor de treinamento, mas partir de vivências lúdicas e situações em que as crianças demonstrem o prazer em realizar. Assim, pode-se enfatizar um método com abordagem global, já que atividades repetitivas podem se tornar monótonas. 9 a 11 anos — essa fase é considerada a de desenvolvimento e fixação dos aspectos técnicos do futebol e do futsal. O professor deve buscar melhorar o desempenho de gestos motores elementares do futebol e do futsal, como passes, lançamentos, chutes, condução e dribles. Nessa fase, é importante a vivência de posições em campo, buscando oportunizar a experiência em diferentes funções. Como a competitividade aumenta, o nível de exigência técnica tende a ser maior, exigindo a perfeição na execução dos fundamentos técnicos. Assim, o modelo analítico sintético pode ser eficiente para automatizar os movimentos. Após os 11 anos de idade — nessa fase, os gestos técnicos são exigidos com maior intensidade e as situações de competição podem ser enfatizadas com elementos mais complexos, reestruturando os processos cognitivos, ampliando gradativamente a exigência das funções em campo. Nesse sentido, uma abordagem situacional, sem que se despreze a ênfase nos aspectos técnicos, que devem continuar se desenvolvendo, pode ser a mais indicada na metodologia dos treinamentos. Dessa forma, o esporte no clube e nas instituições escolares têm caracterís- ticas em comum, ou seja, ambas as propostas devem buscar o desenvolvimento dos sujeitos em suas diversas dimensões — físicas, sociais, afetivas, motoras ou cognitivas. As duas devem procurar não somente a prática em si, mas também o desenvolvimento de valores e comportamentos que formarão a bagagem necessária para a vida em sociedade, lançando mão de métodos de ensino condizentes com o desenvolvimento e a fase da vida dos estudantes. Apesar disso, o objetivo do ensino do futsal e do futebol nas instituições escolares é o de contextualizar tais práticas como manifestações construídas social e culturalmente. Já nos clubes e nas escolinhas esportivas, o objetivo centra-se na prática das modalidades esportivas e nos aspectos produzidos nas relações entre o sucesso e o insucesso que tanto o futebol quanto o futsal 23Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal proporcionam. Independentemente da proposta de abordagem, o profissional de Educação Física deve agir criteriosamente, elaborando planejamentos didáticos condizentes aos seus alunos e à matéria a ser abordada. BAYER, C. O ensino dos deportos colectivos. Lisboa: Dinalivros, 1994. BETTI, M. Educação física e cultura corporal de movimento: uma perspectiva feno- menológica e semiótica. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 18, n. 2, p. 207-217, 2. sem. 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Curricular Comum. Brasília: MEC, 2017. GALLAHUE, D. L.; DONNELLY, F. C. Educação física desenvolvimentista para todas as crianças. São Paulo: Phorte, 2008. GALLAHUE, D. L.; OZMUN, J. C.; GOODWAY, J. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. GRECO, P. J. Métodos de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos. In: GARCIA, E. S.; LEMOS, K. L. M. Temas atuais VI: educação física e esportes. Belo Horizonte: Health, 2001. p. 48-72. GRECO, P. J. Metodologia de ensino-aprendizagem-treinamento nos esportes: iniciação esportiva universal uma escola da bola. Revista Perfil, Porto Alegre, v. 8, n. 8, p. 38-40, 2005. LOPES, A. A. S. M. Futsal: metodologia e didática na aprendizagem. São Paulo: Phorte, 2004. MENEZES, R. P.; MARQUES, R. F. R.; NUNOMURA, M. Especialização esportivapre- coce e o ensino dos jogos coletivos de invasão. Movimento, Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 351-373, jan./mar. 2014. MORIN, E. O método 4: as ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 2002. MUTTI, D. Futsal: da iniciação ao alto nível. 2. ed. São Paulo: Phorte, 2003. PAES, R. R.; BALBINO, H. F. Pedagogia do esporte: contextos e perspectivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. RAMOS, A. M.; NEVES, R. L. R. A iniciação esportiva e a especialização precoce à luz da teoria da complexidade: notas introdutórias. Pensar a Prática, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 1- 8, jul. 2008. RYAN, R. M.; DECI, E. L. Self-determination theory and the facilitation of intrinsic moti- vation, social development and well-being. American Psychologist, Washington, v. 55, n. 1, p. 68-78, jan. 2000. Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal24 SANTINI, J.; VOSER, R. C. Ensino dos esportes coletivos: uma abordagem recreativa. Canoas: Editora Ulbra, 2008. XAVIER, T. P. Métodos de ensino em educação física. Barueri: Manole, 1986. Leituras recomendadas BEE, H.; BOYD, D. A criança em desenvolvimento. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. MARTORELL, G. O desenvolvimento da criança: da infância à adolescência. Porto Alegre: AMGH, 2014. (Série A). SALLES, J. F.; HAASE, V. G.; MALLOY-DINIZ, L. F. (org.). Neuropsicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. Porto Alegre: Artmed, 2016. (Série: Temas em Neuropsicologia). SCHMIDT, R. A.; LEE, T. D. Aprendizagem e performance motora: dos princípios à aplicação. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. 25Métodos de ensino aplicados ao futebol e ao futsal
Compartilhar