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Fundamentos de Sociologia Aplicada às Organizações Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Avelar Cesar Imamura Revisão Técnica: Profa. Ms. Katia Maria Lima Revisão Textual: Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco Sociologia do Trabalho • Introdução • Abordagens Sociológicas Clássicas do Trabalho • Tendências Recentes do Capitalismo • Precarização do Trabalho • O Trabalho no Brasil • A Precarização do Trabalho no Brasil · Conhecer o referencial teórico da Sociologia do trabalho, observando a evolução do capitalismo, da globalização, do aumento da precarização do trabalho e do contexto brasileiro. OBJETIVO DE APRENDIZADO Sociologia do Trabalho Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Sociologia do Trabalho Introdução O trabalho já foi considerado, há muito tempo, como um castigo divino ou como um símbolo da dignidade humana, mas para a Sociologia é estudado como um fenômeno social (CASTRO, 2009). Passagens da Bíblia mostram a condenação de Adão a fim de que este passasse a tirar o seu sustento por meio do trabalho: “[...] maldita é a terra por sua causa: em fadiga obterás dela o sustento durante os dias de tua vida [...]” (Gênesis, 3:17) e “[...] no suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra [...]” (Gênesis, 3:19). Xenofonte (430-354 a.C.) considerava o trabalho como a “moeda de dor” com que o homem compra os bens dos deuses. Para John Locke (1632-1704), o trabalho é a ação do homem sobre a natureza para criar riquezas. Jean-Jacques Rousseau (1713-778) dizia que comer sem trabalhar é roubo. Segundo Henri Bergson (1859- 1941), trabalhar é criar utilidade (CASTRO, 2009). Logo, podemos ver o quanto a abordagem sobre o trabalho é diversificada, dependendo de cada pensador. O conceito de trabalho e o trabalho em si sofreram grandes modificações com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A existência de uma sociedade do trabalho, como a nossa, é consequência da Revolução Industrial, esta iniciada na Inglaterra do século XVIII (CASTRO, 2009). Abordagens Sociológicas Clássicas do Trabalho Quadro 1 Conceito de Trabalho Marx Trabalho é a fonte do valordos produtos Weber Trabalho é dever e votação Durkheim Trabalho é parte da divisão do trabalho social Fonte: Elaborado pela professora conteudista Karl Marx (1818-1883), Max Weber (1864-1920) e Émile Durkheim (1859- 1917), os fundadores da Sociologia Moderna, desenvolveram análises do trabalho consideradas clássicas dentro da Sociologia. Para Marx, o trabalho é considerado a fonte do valor, a origem da riqueza social. Esse conceito de valor-trabalho foi buscado nos economistas ingleses Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1722-1823). 8 9 Marx considerou que o valor de um produto final – mercadoria – é determinado pela quantidade de tempo de trabalho socialmente necessária para produzi- lo desde o início do processo (CASTRO, 2009). O preço é a forma monetária do valor. A partir desse conceito de valor-trabalho, Marx desenvolveu a teoria da exploração econômica do trabalhador dentro do capitalismo e a teoria da luta de classes no capitalismo. Para Weber, o conceito de trabalho dentro do capitalismo moderno não poderia ser separado do desenvolvimento de uma ética positiva do trabalho, aspecto este trazido pelo protestantismo. Em sociedades escravistas não há uma ética positiva do trabalho na medida em que trabalho é coisa de escravos. No livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, esse teórico estabelece o papel do protestantismo na formação do comportamento típico do capitalismo ocidental moderno. Weber partiu de dados estatísticos que lhe mostraram o destaque de protestantes entre os grandes homens de negócios, empresários bem-sucedidos e mão de obra qualificada. A partir daí, procurou estabelecer ligações entre a doutrina e a pregação protestante, seus efeitos no comportamento dos indivíduos e sobre o desenvolvimento capitalista (COSTA, 1998). Entendia que a relação entre religião e sociedade não se dá por meios institucionais, mas por intermédio de valores interiorizados nos indivíduos e transformados em motivos da ação social. A motivação do protestante é o trabalho enquanto dever e vocação, como um fim em si – e não para o ganho material obtido por meio do qual. A falta de vontade de trabalhar e o ócio eram considerados sintomas da ausência do estado de graça cristã. Já para Durkheim, o trabalho na sociedade capitalista faz parte da divisão do trabalho social – especialização –, que é o elemento que garante a união social em sociedades diferenciadas como a capitalista. Chamou de solidariedade o elemento que mantém a união social, dividindo-a em dois tipos: 1. Solidariedade Mecânica, que predomina em sociedades pré-capitalistas e onde os indivíduos se identificam por meio da família, religião, tradição e dos costumes, permanecendo, em geral, indiferentes em relação à divisão do trabalho social; 2. Solidariedade Orgânica é aquela típica das sociedades capitalistas onde os indivíduos se tornam interdependentes em função da acelerada divisão do trabalho social. Essa interdependência garante a união social em lugar dos costumes, da religião e tradição. Ao mesmo tempo em que os indivíduos são dependentes uns dos outros, cada qual se especializa em uma atividade e tende a desenvolver maior autonomia pessoal, tornando-se, de fato, um indivíduo (COSTA, 1998). 9 UNIDADE Sociologia do Trabalho Tendências Recentes do Capitalismo Quadro 2 Conceito de Trabalho Acumulação Flexível Neoliberalismo Reestruturação Produtiva Mudança da rigidez do modelo fordista Ataque ao Welfare State (Estado do bem-estar social); Intensificação da mudança tecnológica; Flexibilidade do Trablho e Mercado de Trabalho Privatização de Empresas Estatais Passagem do Fordismo para Toyotismo Flexibilidade dos Produtos Políticas fiscais e monetárias para controle da inflação; Difusão do novo padrão de Organização da Producação e da gestão.Fonte: Elaborado pela professora conteudista A sociedade capitalista contemporânea, particularmente nas últimas décadas, sofreu grandes transformações. O neoliberalismo e a reestruturação produtiva da Era da acumulação flexível têm acarretado uma alta taxa de desemprego, a precarização do trabalho e uma degradação crescente da natureza que destrói o meio ambiente em escala globalizada (ANTUNES, 2001). A acumulação flexível na década de 1970 foi marcada por um confronto direto com a rigidez do sistema fordista. Apoiava-se na flexibilidade dos processos de traba- lho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracterizou-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, assim como inéditas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, aceleração da inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego do chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então pouco desenvolvidas, por exemplo, os vários vales do silício (HARVEY, 2000). O mercado de trabalho passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, as empresas tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão de obra excedente – desempregados ou subempregados – para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis – terceirização, banco de horas, trabalho em tempo parcial, temporário, estagiários etc. O que sempre implica em alta rotatividade de mão de obra (HARVEY, 2000). Na década de 1970, tomou forma, nos países desenvolvidos, um processo amplo e variado de mudanças no padrão convencional da produção, a qual caracterizada até então pela fabricação em massa de bens e serviços, condição típica do fordismo (GOMES; SCANDELARI; KOVALESKI, 2005). Tal reestruturação produtiva, enquanto conjunto de transformações técnico-científicas, econômicas e sociais, influenciou e se manteve influenciada pelo processo de globalização, como conjunto de mecanismos de generalização do padrão dominante de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. 10 11 A globalização pode ser entendida como um estágio mais avançado do processo histórico de internacionalização do capital, caracterizado pela: i) intensificação da mu- dança tecnológica; ii) rápida difusão do novo padrão de organização da produção e gestão; iii) emergência mundial de um número significativo de setores oligopolizados; iv) intensificação dos investimentos diretos no exterior pelos bancos e empresas trans- nacionais dos países desenvolvidos (GOMES; SCANDELARI; KOVALESKI, 2005). A nova forma de produção está ainda em desenvolvimento, fruto de uma competição acirrada pelos mercados cada vez mais segmentados, fazendo com que as empresas tenham que tornar mais eficiente sua capacidade de produzir e, ao mesmo tempo, maximizar sua capacidade de inovar, intensificando, em ritmo e volume, a criação de produtos e serviços. Isto as impele a adotar novos métodos de produção e inéditas formas de organização do trabalho (GOMES; SCANDELARI; KOVALESKI, 2005). Houve também enorme expansão de políticas neoliberais a partir da década de 1970. O neoliberalismo passou a ditar o programa a ser implementado pelos países capitalistas, inicialmente nos países centrais e logo depois nos subordinados, contemplando reestruturação produtiva, privatização acelerada, enxugamento do Estado, de políticas fiscais e monetárias, ações sintonizadas com os organismos mundiais, tal como o Fundo Monetário Internacional (FMI) (ANTUNES, 2001). Comecemos com as origens do que se pode definir por neoliberalismo. O neoliberalismo nasceu logo depois da Segunda Guerra Mundial, na Europa e nos Estados Unidos. Foi uma reação teórica e política contra o welfare State – Estado do bem-estar social – e o Estado intervencionista. Seu texto de origem é O caminho da servidão, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, ações denunciadas como ameaças letais à liberdade, não somente econômica, mas também política (ANDERSON, 1996). As características principais da política neoliberal são: » Manter um Estado forte com capacidade de romper o poder dos sindicatos, mas com poucos gastos sociais e intervenções na economia; » A estabilidade monetária – acabar com a inflação – deveria ser o objetivo supremo de qualquer governo; » Privatizar todas as atividades estatais que o mercado pudesse suprir; » Restaurar a taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um “exército de reserva” de trabalho para diminuir os custos da força de trabalho; » Reformas fiscais para incentivar os agentes econômicos, ou seja, reduzir impostos sobre os rendimentos mais altos (ANDERSON, 1996). Começou-se, então, a desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, o combate ao sindicalismo mais radical, a propagação de um subjetivismo e de um individualismo exacerbados (ANTUNES, 2001) – são traços marcantes desse período recente. 11 UNIDADE Sociologia do Trabalho Precarização do Trabalho Precarização do Trabalho: corresponde ao processo onde os novos postos de trabalho não oferecem as garantias e remunerações que as leis trabalhistas e os contratos coletivos vinham garantindo. Ex pl or Podemos dizer que o mundo do trabalho vem sofrendo profundas mutações na atualidade. Sabemos que quase um terço da força humana disponível para o trabalho, em escala global, ou se encontra exercendo trabalhos parciais, precários, temporários, ou está desempregado (ANTUNES, 2007). São bem mais de um bilhão de homens e mulheres que vivem no regime de trabalho precarizado, instável, temporário, terceirizado, quase virtual etc. A precarização do trabalho pode ser entendida como um processo onde os novos postos de trabalho que surgem já não oferecem aos seus ocupantes as garantias e compensações usuais que as leis e os contratos coletivos vinham garantindo (SINGER, 2000). Há um movimento pendular que caracteriza a classe trabalhadora na atualidade: por um lado, cada vez menos homens e mulheres trabalham muito, em ritmo e intensidade que lembram muito o início da Revolução Industrial na Inglaterra. De outro lado, cada vez mais trabalhadores – homens e mulheres – encontram menos emprego, migrando pelo mundo em busca de qualquer trabalho, configurando uma crescente tendência de precarização do trabalho em escala global. Nesta nova morfologia do trabalho podemos testemunhar a ampliação dos trabalhadores de telemarketing e call center, dos motoboys, dos digitalizadores que trabalham nos bancos, dos assalariados do fast food, dos trabalhadores dos hipermercados etc. (ANTUNES, 2007). Precarização do trabalho Terceirização da força de trabalho Cooperativas de trabalho Trabalho temporário Figura 1 Fonte: Elaborada pela professora conteudista 12 13 Dentro desse contexto, podemos constatar a ampliação de modalidades de tra- balho mais desregulamentadas, distantes da legislação trabalhista, gerando uma massa de trabalhadores que passam da condição de assalariados com carteira de trabalho registrada para os sem carteira assinada. Se na década de 1970 era relativamente pequeno o número de empresas de terceirização de força de trabalho, nas décadas seguintes esse número aumentou significativamente para atender à grande demanda por trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício, sem registro formalizado. Ou seja, em plena Era da informatização do trabalho, do mundo digital, estamos conhecendo a época dotrabalho informal, dos terceirizados, precarizados, subcontratados, flexibilizados, trabalhadores em tempo parcial e do cyber-trabalhador. O resultado é que onde havia uma empresa concentrada, esta foi substituída por várias pequenas unidades interligadas pela rede, com número significativamente mais reduzido de trabalhadores e produzindo cada vez mais (ANTUNES, 2007). O perfil desse novo trabalhador deve ser mais “polivalente”, “multifuncio- nal”, diverso do trabalhador que se desenvolveu na empresa de tipo fordista. O tra- balho que cada vez mais as empresas buscam não é mais aquele fundamentado na especialização, mas o que se criou na fase do “trabalho multifuncional” que, em ver- dade, expressa a enorme intensificação dos ritmos, tempos e processos de trabalho (ANTUNES, 2007) – e isso ocorre tanto no mundo industrial quanto no de serviços. O trabalho estável torna-se, então, – quase que – virtual. Vivenciamos, portanto, a erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século XX, e vendo sua substituição pelas diversas formas de “empreendedorismo”, “cooperativismo”, “trabalho voluntário”, “trabalho atípico” etc. (ANTUNES, 2007). O exemplo das cooperativas talvez seja mais expressivo, uma vez que, em sua origem, nasceram como instrumentos de luta dos trabalhadores contra o desemprego e a exploração do trabalho. Atual e contrariamente, as empresas vêm criando falsas cooperativas, como forma de precarizar ainda mais os direitos do trabalho. Essas “cooperativas patronais” têm sentido contrário à ideia original das cooperativas de trabalhadores, uma vez que são verdadeiros empreendimentos para burlar direitos trabalhistas e aumentar ainda mais as condições de precarização da classe trabalhadora. Similar é o caso do empreendedorismo, que cada vez mais se configura como forma oculta de trabalho assalariado e que permite proliferar as distintas formas de flexibilização salarial, de horário e funcional (ANTUNES, 2007). É neste quadro que as empresas globais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho, de modo que flexibilizar a legislação do trabalho significa aumentar ainda mais os níveis de lucratividade das empresas, ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram duramente conquistados pelos trabalhadores desde o início da Revolução Industrial na Inglaterra (ANTUNES, 2007). 13 UNIDADE Sociologia do Trabalho O Trabalho no Brasil Somente após 1930, o Brasil começou a integrar tanto as atividades econômi- cas como o mercado de trabalho. A Crise de 1929, ao prejudicar o comércio inter- nacional, induziu o desenvolvimento do mercado interno brasileiro, este que pro- curou substituir os produtos importados. O início da integração nacional propiciou a quebra da situação de isolamento dos mercados regionais, permitindo o início da migração dos trabalhadores nordestinos para a industrialização concentrada na região Sudeste do País, em especial ao Estado de São Paulo (DEDECCA, 2005). Somente na década de 1930, o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) iniciou o reconhecimento de uma organização sindical tutelada. Naquela década foram também reconhecidos alguns direitos sociais do trabalho, bem como ganharam impulso os sistemas previdenciários por categorias de trabalhadores (DEDECCA, 2005). Entre 1930 e 1945, a política trabalhista de Vargas teve dois objetivos: 1. Reprimir as iniciativas de organização dos trabalhadores urbanos fora do controle do Estado; e 2. Atrair os trabalhadores para apoiarem o governo. Em novembro de 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Seguiram-se leis de proteção ao trabalhador, de enquadramento dos sindicatos pelo Estado e foram criados órgãos para arbitrar conflitos entre patrões e operários – Juntas de Conciliação e Julgamento. Entre as leis de proteção ao trabalhador, constavam as que regularam o trabalho das mulheres e dos menores, a concessão de férias e o limite de oito horas diárias na jornada normal de trabalho (FAUSTO, 1998). Em julho de 1940, foi criado o imposto sindical – instrumento básico de financiamento do sindicato e de sua subordinação ao Estado. Esse imposto consiste em uma contribuição anual obrigatória, correspondente a um dia de trabalho, paga por todo empregado, sindicalizado ou não. Com o imposto sindical surgiu a figura do “pelego”, que passou a ser o dirigente sindical que atuava mais no interesse próprio do que no dos trabalhadores. Sua existência foi facilitada na medida em que não precisava atrair ao sindicato uma grande massa de trabalhadores, afinal, o imposto garantia a sobrevivência do sindicato (FAUSTO, 1998). Para decidir as questões trabalhistas, o governo organizou, em maio de 1939, a Justiça do Trabalho. Ademais, a sistematização e ampliação da legislação trabalhista se deu com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em junho de 1943 (FAUSTO, 1998). No campo da política salarial, o Estado Novo (1937-1945) de Vargas introduziu a Lei do salário mínimo, capaz de satisfazer às necessidades do trabalhador conforme cada região – isso em maio de 1940. Assim, o País foi dividido em várias regiões e, com o correr dos anos, o valor do salário mínimo deteriorou-se, até converter-se em uma importância irrisória (FAUSTO, 1998). 14 15 Ao tutelar os sindicatos, o governo de Vargas transformou a negociação coletiva em um instrumento burocrático, reconhecendo o direito privado das empresas na gestão cotidiana das relações de trabalho. Ao mesmo tempo em que articulou toda uma extensa regulação do mercado e das relações de trabalho, Vargas atuou no sentido de impedir os mecanismos que pudessem transformá-la em realidade para os trabalhadores brasileiros (DEDECCA, 2005). Ao final do longo período de industrialização (1930-1980), aproximadamente metade da população ocupada não tinha acesso ao sistema de proteção social constituído na década de 1940 (DEDECCA, 2005). Ainda assim, o Brasil foi o último país da América Latina a implantar uma política neoliberal. Tal fato se deveu, de um lado, à dificuldade de conciliar interesses empresariais divergentes e, de outro, à intensa atividade política desenvolvida pelas classes trabalhadoras na década de 1980 – que se expressou na constituição do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), na criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT) e na realização de cinco greves gerais entre 1983 e 1989 (FILGUEIRAS, [19--?]). Com o fracasso do Plano Cruzado (1986-1987), bem como dos demais planos que se seguiram na segunda metade da década de 1980 e das discussões travadas na Assembleia Constituinte (1986-1988), a política neoliberal foi se desenhando e se fortalecendo, passando do campo teórico para se constituir em um programa de governo (FILGUEIRAS, [19--?]). Desse modo, na década de 1990, o neoliberalismo foi implantado no Brasil com toda força, a partir do governo Collor (1990-1992). Dito de outra forma, o discurso liberal radical, a abertura da economia e o processo de privatizações inauguraram a Era liberal no Brasil (FILGUEIRAS, [19--?]). O projeto neoliberal foi implantado no Brasil em três fases: 1ª Entre 1990 e 1993, etapa marcada pela ruptura com o “modelo de substituição de importações”, que caracterizava a industrialização brasileira até então; 2ª De 1994 a 1998, dada pela ampliação e consolidação da ordem neoliberal no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC); 3ª Por fim, de 1999 até os nossos dias, ou seja, a fase de aperfeiçoamento do modelo, consolidando a hegemonia do capital financeiro no controle político- econômico do segundo governo FHC e no de Lula (SABADINI, [20--?]). As características gerais do projeto neoliberal já são bem conhecidas: abertura comercial e financeira, privatizações, flexibilizaçãodos direitos trabalhistas, repressão e desarticulação dos movimentos social e sindical, política monetária e fiscal contracionistas, política social focalizada e, acima de tudo, a retirada do Estado da economia. 15 UNIDADE Sociologia do Trabalho A Precarização do Trabalho no Brasil Durante a década de 1980, impulsionado pelos movimentos sociais e sindicais que ganharam força pelo processo de redemocratização do Brasil, houve, na verdade, um processo de ampliação da regulamentação sobre o mercado de trabalho, principalmente em torno da adoção de novos direitos sociais e trabalhistas, cuja concretização se daria com a promulgação de uma nova Constituição Federal, em 1988 (CARDOSO JR., 2001). Já na década de 1990, com a adoção das políticas neoliberais no Brasil, teve início uma estratégia de desregulamentação do mercado de trabalho brasileiro, que se caracterizou por uma alteração gradual de itens importantes da legislação trabalhista consagrada na CLT e na Constituição de 1988 (CARDOSO JR., 2001). A forma pela qual vem sendo conduzida a desregulamentação do mercado de trabalho no País – por meio de medidas provisórias, emendas constitucionais, portarias e decretos –, constitui uma estratégia deliberada do governo federal em aliança com poderosos grupos sociais de grandes empresários e parte do sindicalismo de resultados. Esse amplo processo de desregulamentação do mercado de trabalho brasileiro pode ser constatado por um conjunto de medidas legais que promovem importantes mudanças na organização do trabalho do País (CARDOSO JR., 2001). No que diz respeito às condições de contratação e demissão da força de trabalho, bem como às condições que regulam a jornada oficial de trabalho no País, as primeiras iniciativas de desregulamentação ocorreram já em 1994, no governo Itamar Franco (1992-1994). Especificamente em dezembro de 1994, foi editada a Lei n.º 8.949, popularmente conhecida como Lei das cooperativas, que declara a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados, de forma que os trabalhadores assim organizados não são empregados da cooperativa e não têm, portanto, registro em carteira, direitos trabalhistas tais como férias, 13º salário, previdência social ou descanso semanal remunerado (CARDOSO JR., 2001). Abriu-se assim a possibilidade da criação de cooperativas de mão de obra. Ainda em 1994, foi editada a Medida Provisória (MP) n.º 794, que garantiu aos trabalhadores a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) da empresa, participação esta desvinculada da remuneração contratual. Além de a PLR precisar ser objeto de negociação coletiva entre os empregados e a empresa, não pode ter periodicidade inferior a seis meses, de forma a não substituir a remuneração contratual mensal. Com a regulamentação dessa MP, o governo desonerou a transferência de recursos das empresas para os empregados a um custo mais baixo, pois o valor acertado na PLR não entra no cálculo das contribuições e dos direitos trabalhistas (CARDOSO JR., 2001). 16 17 No governo FHC (1995-2002), na mesma linha da flexibilização das condições de uso da força de trabalho, vieram a Lei n.º 9.601 (jan. 1998) e a MP n.º 1.709 (ago. 1998). A Lei n.º 9.601 trouxe novidades no que diz respeito à contratação de empregados e à jornada de trabalho. Por um lado, abriu a possibilidade de contratação de trabalhadores por tempo determinado, desde que em acréscimo aos postos de trabalho já existentes, por um período de até 24 meses. Por outro lado, a Lei veio flexibilizar a jornada de trabalho com a criação do banco de horas, por meio de uma alteração do Artigo 59 da CLT. O banco de horas permite que não haja pagamento adicional de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas trabalhadas em um dia for compensado pela diminuição em outra data (CARDOSO JR., 2001). A MP n.º 1.709, por sua vez, regulamentou o trabalho por tempo parcial, permitindo, assim, uma jornada de até 25 horas semanais. Esse regime de trabalho vale tanto para novas contratações, como para os atuais empregados, desde que estes optem por esse novo regime. Nesse caso, o salário e os demais direitos trabalhistas serão pagos conforme a jornada de trabalho semanal. Por exemplo, se a pessoa trabalhar 25 horas por semana, seu salário será 60% do valor integral e suas férias podem ser reduzidas a oito dias por ano (CARDOSO JR., 2001). Em junho de 1995, foi editada a MP n.º 1.053, que suprimiu os mecanismos automáticos de reajuste salarial. Os salários e as demais condições de trabalho continuam a ser acordados por meio da negociação coletiva, mas fica proibida a fixação de qualquer tipo de cláusula de correção ou reajuste salarial automático. Além da desindexação salarial, essa MP tornou possível, ainda, a adoção imediata do efeito suspensivo dos acordos, o que permite a uma das partes recorrer da decisão de um tribunal de instância inferior (CARDOSO JR., 2001). A desindexação salarial promovida pela MP n.º 1.053 foi reforçada, em 1997, com a MP n.º 1.906, que não permite a correção automática por qualquer índice de reposição da inflação, assim como estipulou uma tabela de reajustes para os benefícios previdenciários que utilizava uma referência sem qualquer relação com a reposição salarial ou do custo de vida. Assim, a partir da MP n.º 1.906, o reajuste do salário mínimo passou a ser definido no mês de maio de cada ano pelo Poder Executivo. Já em 2000, por meio do projeto de Lei Complementar n.º 113, a União delegou aos Estados a responsabilidade pela fixação do piso salarial, que não poderá ser inferior ao salário mínimo nacional do ano em questão (CARDOSO JR., 2001). Podemos ver que as tendências do capitalismo internacional se propagam também no Brasil, revelando que o processo atual de globalização afeta a organização do trabalho e o mercado de trabalho indistintamente em todos os países com maior ou menor grau. 17 UNIDADE Sociologia do Trabalho Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Mais informações acerca do tema Sociologia Contemporânea podem ser encontradas nos seguintes vídeos Vídeos A Servidão Moderna https://youtu.be/Ybp5s9ElmcY BLOCO 1/3 – Neoliberalismo e Globalização https://youtu.be/6Pg80ylbhE4 Crise Capitalista e a Reprodução do Trabalho na Atualidade. https://youtu.be/xX83EwH_xyA Os Desafios do Trabalho no Século XXI https://youtu.be/MngrxshE5XY 18 19 Referências ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, E.; GENTILI, P. (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. ANTUNES, R. Dimensões da precarização estrutural do trabalho. 2007. Disponível em: <http://www.itcp.usp.br/drupal/files/itcp.usp.br/ANTUNES%20 LIVRO%20GRA%C3%87A%202007.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2017. ________. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). A cidadania negada. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. CARDOSO JR., J. C. Crise e desregulação do trabalho no Brasil. Tempo Social, São Paulo, v. 13, n. 2, nov. 2001. CASTRO, C. A. P. de. Sociologia aplicada à Administração. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. COSTA, C. Sociologia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1998. DEDECCA, C. S. Notas sobre a evolução do mercado de trabalho no Brasil. Revista de Economia Política, v. 25, n. 1 (97), p. 94-111, jan./mar. 2005. FAUSTO, B. História do Brasil. 6. ed. São Paulo: Edusp, 1998. FILGUEIRAS, L. O neoliberalismo no Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico. [19--?]. 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