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Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO TRANSTORNOS SOMATOFORMES: Os transtornos somatoformes, ou transtorno de sintomas somáticos (atualização do DSM-V), compõem um conjunto de distúrbios que se assemelham pela presença de sintomas físicos causadores de sofrimento significativo. A CID-11 trata dessas afecções como transtornos de angústia corporal. Alterações de nomenclatura após a atualização do DSM-V Atualmente, um critério diagnóstico importante para esse grupo de transtornos é o impacto anormal como resposta a tais manifestações. Essa condição destoa da classificação inicial, que se referia apenas a um quadro clínico sem explicação médica. A presença de sintomas somáticos pode também representar a apresentação inicial de transtornos mentais diversos, como o transtorno de pânico, sejam eles os responsáveis pelo quadro clínico ou não. Cabe ressaltar que diversas condições podem contribuir para o surgimento desse transtorno, como maior sensibilidade a dor, experiências traumáticas e distúrbios de aprendizagem. A investigação quanto a ocorrência e o efeito dessas alterações na vida diária é muito importante para diferenciar os transtornos somatoformes de outros distúrbios. Assim, escalas podem ser utilizadas para “padronizar” o exame. Na presença de três ou mais acometimentos de grande relevância autorrelatada, é plausível pensar em desordens somatoformes. Nada Um Pouco Muito Dor Abdominal Dor nas Costas Dores nas Articulações Dores ou Intercorrências em Relações Sexuais Cefaleia Dor no Peito Tontura Sensação de Desmaio Palpitações Dispneia Alterações do Trânsito Intestinal Náusea ou Indigestão Tabela de “rastreamento” para transtornos somatoformes Fazem parte desse grupo de acometimentos os seguintes: Transtorno de sintomas somáticos; Transtorno de ansiedade da doença (antes denominado como hipocondria); Destaca-se a necessidade de integrar aspectos afetivos, cognitivos e comportamentais nos planos de abordagem a pacientes com transtorno somatoforme Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Transtorno conversivo; Transtorno factício. TRANSTORNO DE SINTOMAS SOMÁTICOS: Os critérios diagnósticos para a avaliação dos transtornos somáticos, pelo DSM-V, são: Critério A: presença de um ou mais sintomas somáticos que resultam em perturbação significativa das atividades diárias; Critério B: pensamentos excessivos sobre os sintomas supracitados, implicando em preocupação com a saúde. Alguns exemplos são: o Pensamentos persistentes e desproporcionais sobre os sintomas; o Ansiedade persistente e elevada sobre o estado de saúde; o Gasto excessivo de tempo e energia ao se preocupar com a saúde. Critério C: persistência (> 6 meses) da condição geral de estar somático, especificando se há ou não dor e a gravidade do quadro como um todo: o Leve: compatibilidade com apenas um sintoma descrito em “B”; o Moderada: são atingidos dois critérios previstos no item B; o Grave: mesmas características acima, somado a múltiplas queixas somáticas OU a um sintoma de maior seriedade. Cabe lembrar que o sofrimento do paciente nesses casos é autêntico, mesmo quando sua origem não é embasada clinicamente. Tal manifestação pode ou não ser atribuída a outros eventos individuais. Alguns traços que apoiam o diagnóstico desse transtorno são o direcionamento da atenção para sintomas somáticos, mudança na interpretação de sensações normais e o medo de prejudicar o organismo com atividades físicas. A busca por atendimento médico é frequente, porém as “garantias de saúde” fornecidas por esses profissionais são vistas como desprezo destes. Há revolta e recusa à menção de encaminhamento para setores de saúde mental. Idosos são um grupo bastante vulnerável a esse tipo de transtorno, pois costumam referir queixas somáticas em abundância, normalmente menosprezadas como “parte da velhice”. As crianças normalmente cursam com dor abdominal recorrente, sendo o critério de sofrimento mediado pela resposta parental. Alguns fatores podem aumentar a susceptibilidade individual a esse transtorno, como: Traço de personalidade afetividade negativa (presença de depressão e ansiedade agravam os sintomas); Baixa escolaridade; Baixo nível socioeconômico e desemprego; Histórico de traumas ou abusos na infância. Aspectos biopsicossociais associados aos sintomas somáticos Dados sobre a epidemiologia desse transtorno são escassos, porém nota-se que mulheres relatam com mais frequência a presença de sintomas somáticos Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Há grande associação com outras comorbidades, sejam elas do campo da saúde física ou mental. Nesses casos, os prejuízos causados pela doença de base são mais intensos. Como diagnósticos diferenciais para esse transtorno, destacam-se: Outras condições médicas: é necessário descartar a ocorrência de outros quadros com etiologia incerta, atentando-se ao “encaixe” no critério B de diagnóstico; Transtorno de pânico: neste, a ansiedade e os sintomas somáticos são limitados a episódios agudos; Transtorno de ansiedade generalizada: as preocupações são direcionadas a múltiplos focos, sendo a saúde apenas mais um; Transtornos depressivos: ainda que acompanhados por sintomas somáticos, a “base” do quadro é diferente, com humor deprimido e anedonia; Transtorno de ansiedade de doença: a diferença aqui é a preocupação com a saúde sem sintomas somáticos; Transtorno conversivo: é marcado por iniciar com a perda de função de alguma estrutura, sem focar no sofrimento associado; Transtorno delirante: diferem na intensidade das crenças individuais sobre saúde e doença; Transtorno dismórfico corporal: tem como alvo a fixação por “defeitos” na aparência; Transtorno obsessivo-compulsivo: há pensamentos intrusivos e comportamentos repetitivos para diminuir a ansiedade. TRANSTORNO DE ANSIEDADE DA DOENÇA: Esse transtorno é marcado por uma preocupação exagerada em ter uma doença grave não diagnosticada (critério diagnóstico A). Para diferenciá-la do transtorno de sintomas somáticos, estes não são encontrados ou, quando presentes, possuem baixa intensidade (critério diagnóstico B). Mesmo após investigação intensa, não é possível identificar condições médicas por trás da ansiedade, que é direcionada aos possíveis significados desses sinais, normalmente fisiológicos. Esses pacientes manifestam insegurança geral sobre a saúde, reagindo intensamente ao receber doenças sobre o adoecimento de terceiros, por exemplo (critério diagnóstico C). Medidas de tranquilização médica não surtem efeito, podendo até mesmo agravar o quadro. É frequente o aparecimento de comportamentos excessivos de auto- verificação (se examinar em busca de sinais sugestivos) ou de comportamentos evitativos para com doenças (critério diagnóstico D). O transtorno acaba por se tornar uma “característica” do portador, mencionada comumente em conversas cotidianas e que pode se tornar frustrante, provocando tensão social. Existem dois subtipos do transtorno de ansiedade de doença: Busca de cuidado: consultas médicas e exames são frequentemente utilizadas; Evitação de cuidado: há esquiva dos serviços de atendimento em saúde Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Há aumento na busca por atenção médica, o que coloca esses indivíduos em risco de complicações e danos iatrogênicos associados à investigação diagnóstica excessiva. Profissionais de saúde por vezes acabam tratando esse grupo de forma desdenhosa, dificultandoa abordagem do caso e elevando a ansiedade do paciente. A prevalência dessa condição é semelhante em ambos os sexos, atingindo entre 1 e 1,3% da população, principalmente durante a fase adulta. Situações como doença grave ou abuso na infância podem contribuir para o desenvolvimento desse transtorno no decorrer da vida. É importante destacar que esse quadro deve estar presente por ao menos 6 meses, porém o foco da preocupação pode mudar nesse período (critério diagnóstico E). Por fim, para consolidar o diagnóstico, é necessário excluir outras possibilidades de doenças que melhor expliquem os sintomas manifestos (critério diagnóstico F). Os diagnósticos diferenciais são muito semelhantes aos do transtorno de sintomas somáticos. TRANSTORNO CONVERSIVO: O transtorno conversivo, também denominado “transtorno de sintomas neurológicos funcionais”, é definido como a presença de um ou mais sintomas referentes à função motora ou sensorial (critério diagnóstico A), que não são melhor definidos por outra disfunção (critério diagnóstico C). Essas manifestações devem ser especificadas, de forma a melhor caracterizar o distúrbio. As afecções mais comuns envolvem: Fraqueza ou paralisia; Movimento anormal (ex.: tremores); Alteração na deglutição; Mudanças na fala; Convulsões; Perda sensorial; Disfunções na percepção sensorial (ex.: perturbações auditivas); Por vezes pode ocorrer associação mista entre diversas formas de apresentação. De forma a garantir que outros diagnósticos sejam descartados, testes podem ser realizados para comprovar a incompatibilidade com doenças neurológicas (critério diagnóstico B). Um desses “comprovantes” é o achado positivo no teste do tremor, no qual o tremor funcional muda de lado ao pedir que o paciente imite o examinador. Tais sintomas implicam em sofrimento individual e prejuízo à qualidade de vida (critério diagnóstico D). Seu desenvolvimento, por vezes, se segue a um trauma ou estresse significativo, frequentemente em mulheres. Como principais aspectos capazes de influenciar sobre o risco e o prognóstico desse quadro clínico, evidenciam-se: Transtorno de personalidade mal- adaptativa; Eventos estressores de vida; Algumas manifestações semelhantes a sintomas conversivos podem ser correlacionadas a rituais e manifestações culturais. Nessa condição, o diagnóstico do transtorno não é feito. Júlia Figueirêdo – PROBLEMAS MENTAIS E DO COMPORTAMENTO Presença de doenças neurológicas com sintomas semelhantes; Obtenção de benefícios com a doença (prognóstico negativo); Duração dos sintomas (pode interferir positiva ou negativamente). As doenças neurológicas são o principal diagnóstico diferencial desse transtorno, que também pode ser confundido com: transtornos dissociativos, simulação, quadros depressivos ou transtorno de sintomas somáticos. TRANSTORNO FACTÍCIO: O transtorno factício (antes síndrome de Munchausen) tem como ponto-chave a falsificação de alterações médicas ou psicológicas, seja em si mesmo ou em outros, devendo ser associada à fraude identificada (critério diagnóstico A). Essa diferença leva a dois diagnósticos distintos, o transtorno factício autoimposto ou o imposto a outro (por procuração), apresentando os mesmos critérios no DSM-V. As apresentações desse quadro podem incluir desde a simulação e a fabricação de sintomas até a indução de lesões ou doenças. A ocultação de comportamentos perturbados por fraude pode levar a atos criminosos (ex.: abuso e maus-tratos), porém eles somente são considerados “efeito” do transtorno quando não se ligam a recompensas externas (critério diagnóstico C). Caso ocorra uma doença física subjacente, o paciente pode se apresentar (ou ao outro) mais doente ou comprometido, induzindo a realização de intervenções desnecessárias (critério diagnóstico B). Destaca-se, no entanto, que o critério diagnóstico D postula que o comportamento expresso pelo indivíduo não pode ser melhor explicado por outras causas. Os impactos psicossociais em indivíduos com transtorno factício são extensos, podendo levar a estresse nas relações familiares, principalmente. Os diagnósticos diferenciais mais comumente associados ao transtorno factício são: Transtorno de sintomas somáticos; Transtorno conversivo; Simulação: a principal diferença é que a falsificação de sintomas visa ganho pessoal; Transtorno da personalidade borderline: marcado pela automutilação sem intenção suicida, porém não ocorre fraude; Condição médica ou transtorno mental não associados a falsificação intencional de sintomas. No caso da apresentação direcionada a terceiros, ressalta-se que o diagnóstico é direcionado ao agente, não à vítima
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