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Diagn Tratamento. 2011;16(2):49. Editorial Psicologia baseada em evidências Tamara MelnikI, Iraní Tomiatto de OliveiraII, Álvaro Nagib AtallahIII A prática clínica baseada em evidências tornou-se a mais im- portante estratégia científi ca de esclarecimentos em todas as es- pecialidades envolvidas na promoção e nos cuidados de saúde. Frente a essa demanda, a Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association, APA)1 divulgou em 2005 a Força-Tarefa Presidencial intitulada: Prática Clínica Baseada em Evidências na Psicologia, que ressaltou a importância das evidên- cias científi cas na prática psicológica juntamente com a experiên- cia clínica, preferências e características individuais dos pacientes. A APA apontou a urgência da adoção de evidências científi - cas na Psicologia: “Se não assumirmos essa tarefa, o desafi o não vai desaparecer magicamente. Ao contrário, alguém não habi- litado vai ditar quais tratamentos são aceitáveis e quais tipos de estudo são adequados. A importância dessa questão ultrapassa os consultórios e envolve políticas de saúde mental. E, por fi m, a adoção de práticas baseadas em evidências tem implicações in- questionáveis para o futuro da psicoterapia” (nossa tradução).1 A busca de evidências científi cas que sustentem a prática psi- coterapêutica também envolve objetivos ligados à prevenção, uma vez que o tratamento precoce pode, muitas vezes, evitar ou diminuir o sofrimento psíquico decorrente do prolongamento ou do agravamento dos distúrbios psíquicos. Psicologia baseada em evidências: provas científi cas da efeti- vidade da psicoterapia2 é uma obra pioneira, escrita por várias mãos, e, indubitavelmente, pelos maiores especialistas na área da saúde mental do Brasil. Tivemos o privilégio de contar com a colaboração de pesquisadores, clínicos e educadores, sendo essa diversidade força motriz para o enriquecimento da obra. O texto coloca à disposição do profi ssional de saúde informação científi ca de alta qualidade metodológica já avaliada (revisões sistemáticas publicadas na Colaboração Cochrane) e fornece, de modo sucinto, um panorama das evidências atuais acerca da efetividade da psicoterapia no tratamento dos transtornos psiquiátricos. Cada capítulo apresenta uma revisão sistemática publicada na Cochrane Library sobre a efetividade da psicote- rapia no tratamento dos transtornos mentais, comentada por um ou mais especialistas na área. A obra discute ainda ques- tões relacionadas à prevenção desses transtornos, abordando revisões sistemáticas de estudos sobre programas preventivos de diferentes níveis. Nessa mesma direção, inclui capítulos sobre pesquisas realizadas com crianças e adolescentes, dedicadas a identifi car fatores de risco e formas de evitá-los e a identifi car fatores de proteção e formas de promovê-los. Os estudos e pesquisas na área da saúde mental envolvendo crianças e adolescentes são, sabidamente, em número bastan- te restrito, apesar do reconhecimento de sua importância pe- los profi ssionais da área. Esse livro busca também incentivar a evolução e ampliação desses conhecimentos e aponta sugestões para novos estudos. Essa obra pode ser utilizada por profi ssionais de saúde como fonte de referência na tomada de decisão sobre cuidados com o paciente e na elaboração de protocolos de pesquisa, abrin- do um leque de temas para a pesquisa científi ca avaliado pelos pesquisadores da área e pela sociedade. Trata-se de um texto inédito que traz contribuição valiosa na apresentação dos resul- tados de pesquisa em psicoterapia e na avaliação das evidências disponíveis. Seu formato objetivo e didático facilita o acesso às informações. REFERÊNCIAS 1. Norcross JC, Beutler LE, Levant RF. Evidence-based practices in mental health: debate and dialogue on the fundamental questions. Washington: American Psychological Association; 2005. 2. Melnik T, Atallah AN. Psicologia baseada em evidências: provas científi cas da efetividade da psicoterapia. São Paulo: Santos; 2011. I Doutora em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora e professora de pós-graduação da Disciplina de Medicina Baseada em Evidências e Medicina de Urgência e Centro Cochrane do Brasil. II Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e professora adjunta e coordenadora do Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. III Médico. Professor titular e chefe da Disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM). Diretor do Centro Cochrane do Brasil e Diretor Científi co da Associação Paulista de Medicina (APM). RDTv16n2.indb 49 31.05.11 18:04:21 Diagn Tratamento. 2011;16(2):50-1. Editorial O ensino médico além da graduação: ligas acadêmicas Paulo Manuel Pêgo-FernandesI, Alessandro Wasum MarianiII Dando sequência à série discutindo as atividades de extensão e sua importância na formação médica atual, abordaremos as ligas acadêmicas de medicina. Apesar de existirem formatações distintas para essas entidades, podemos defi ni-las como organi- zações estudantis sem fi ns lucrativos que criam para seus mem- bros oportunidades de atividades didáticas, científi cas, culturais e sociais, abrangendo sempre uma determinada área da saúde, visando seu aprendizado e desenvolvimento, sendo gerida pelos próprios estudantes, mas com orientação de docentes.1 Existe controvérsia se esse tipo de atividade pode colaborar ou prejudicar o ensino no período da graduação; isso porque muitos alunos acabam por deixar de lado atividades próprias do curso médico para se dedicarem às atividades da liga acadê- mica. Outro aspecto apontado como negativo reside no fato de alguns alunos tomarem essas atividades como uma chance para “especialização precoce”, dedicando-se excessivamente a algu- ma área, por exemplo, cirurgia plástica ou reumatologia, não se interessando devidamente por outras áreas tão importantes na formação geral.2 Entretanto, os pontos positivos que podem ser apontados em relação às atividades das ligas acadêmicas parecem ser prepon- derantes. As ligas representam uma chance a mais para o apren- dizado, que acaba por ocorrer de uma forma mais dinâmica, já que as atividades são desenvolvidas pelos próprios alunos. Po- dem ser realizadas atividades teóricas, como aulas, seminários, discussões de textos, apresentações de casos clínicos; ou práti- cas, por exemplo, atendimento a pacientes, desenvolvimento de projetos científi cos, acompanhamento de cirurgias, treina- mento de técnicas como intubação orotraqueal, confecção de curativos e assim por diante. Parece claro que a convivência e a prática com o dia a dia de uma área acabam por interferir na escolha da especialidade;3 o importante é não permitir que isso interfi ra no aprendizado básico da graduação.4 O estatuto de uma liga acadêmica deve prever quais são seus objetivos, as obrigações dos membros, a formação da diretoria e descrever suas atividades.5 Deve também defi nir seus partici- pantes, especifi cando quais são os acadêmicos (de que cursos, anos e instituições) que podem fazer parte e quantas vagas es- tão disponíveis. As mais procuradas necessitam de seleção, na maioria das vezes representada por avaliação escrita, porque para estas, frequentemente, o número de interessados supera o número de vagas oferecidas. Atualmente, devido ao caráter multiprofi ssional do atendimento à saúde, é comum que uma liga acadêmica agregue alunos de diferentes cursos, por exem- plo, medicina, enfermagem, fi sioterapia, nutrição, fonoaudio- logia e terapia ocupacional. A primeira liga acadêmica formada no Brasil foi a Liga de Combate à Sífi lis, iniciada em 1920, sendo ligada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e permanecendo em plena atividade até hoje. Isso demonstra claramente a longevi- dade que essas instituições podem alcançar.6 O custo de manutençãoe desenvolvimento de uma liga pode variar muito, dependendo principalmente de suas ativida- des; quanto mais atividades práticas, mais dinheiro ela necessita captar. Suas principais fontes de fomento são atividades pagas promovidas pela liga, como, por exemplo, congressos e cursos, patrocínio de empresas, fomento da faculdade, entre outros. Algumas ligas chegam a possuir registro em cartório, denotan- do o grau de complexidade que essas iniciativas acadêmicas aca- bam atingindo. Algumas faculdades, por possuírem um número expressivo de ligas acadêmicas, já trabalham com regras bem estabelecidas para nortear sua criação, desenvolvimento e atividades. Toda- via, na maioria das universidades, sua criação depende somente da motivação dos alunos. Isso talvez seja a maior virtude des- sas entidades: permitir que os alunos desenvolvam por vontade própria uma associação voltada para o aprendizado. As aulas e conteúdos ministrados nas atividades das ligas acadêmicas não devem ser encarados como corretivos para as eventuais falhas do currículo formal, devendo sim servir de ponto de partida para a constante rediscussão e readequação do currículo devido à necessidade de atualização.7 As iniciativas em termos de pesquisa são certamente o ponto de menor controvérsia, pois seu impacto positivo na forma- I Professor livre-docente e associado, Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). II Médico, pós-graduando da Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). RDTv16n2.indb 50 31.05.11 18:04:21 Diagn Tratamento. 2011;16(2):50-1. Paulo Manuel Pêgo-Fernandes |Alessandro Wasum Mariani 51 ção é claro.8 Apesar de ainda não possuirmos uma mensuração adequada do quanto as ligas acadêmicas conseguem gerar de produção científi ca, fi ca claro que um número cada vez mais expressivo de alunos desenvolve projetos de iniciação científi ca dentro do ambiente das ligas acadêmicas. Outras atividades que nem sempre são adequadamente ex- ploradas são as relacionadas com a promoção da saúde. Ativida- des educativas para orientação da população, participação em programas comunitários, desenvolvimento de campanhas de saúde são algumas das mais importantes atividades sociais que estão ao alcance de uma liga acadêmica de medicina. É inegável a expansão no número de ligas acadêmicas em todo o Brasil. O desenvolvimento, nos últimos anos, foi tão expressivo que propiciou a criação de organizações regionais estaduais e até nacionais, como o Comitê das Ligas Acadêmi- cas da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, o Comitê Brasileiro das Ligas do Trauma, a Sociedade Brasileira das Ligas Acadêmicas de Clínica Médica, entre outras. Todavia, o maior marco, certamente, foi a criação, em setembro de 2006, duran- te o 8o Congresso Brasileiro de Clínica Médica, da Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Medicina (Ablam), que con- tou com o apoio de diversas entidades médicas.9 Importante lembrar que uma liga acadêmica de medicina não deve ser encarada como teste vocacional para futura es- pecialização, muito menos representar uma especialização pre- coce, nem como algo para suprir eventuais falhas do currículo da graduação, isso para que sua característica de complemen- taridade não seja perdida. Sendo assim, uma liga acadêmica representa uma oportunidade singular para o desenvolvimen- to de atividades extracurriculares, direcionadas para educação médica, pesquisa científi ca e promoção da saúde, que quando corretamente direcionada colabora positivamente na formação de seus participantes. REFERÊNCIAS 1. Neves FBCS, Vieira PS, Cravo EA, et al. Inquérito nacional sobre as ligas acadêmicas de Medicina Intensiva [Survey on Brazilian Critical Care Medicine undergraduate study groups]. Rev Bras Ter Intensiva. 2008;20(1):43-8. 2. Guimarães-Fernandes F, Hortêncio LOS, Unterpertinger FV, et al. Liga de Cirurgia Cardiotorácica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. In: Pêgo-Fernandes PM, Samano MN, Jatene FB, editores. Manual de Cirurgia Torácica Básica. 1a ed. Barueri: Manole; 2010. p 118-22. 3. Gott VL, Patel ND, Yang SC, Baumgartner WA. Attracting outstanding students (premedical and medical) to a career in cardiothoracic surgery. Ann Thorac Surg. 2006;82(1):1-3. 4. Peres CM, Andrade AS, Garcia SB. Atividades extracurriculares: multiplicidade e diferenciação necessárias ao currículo [Extracurricular activities: multiplicity and differentiation required for the curriculum]. Rev Bras Educ Med. 2007;31(3):203-11. 5. Kara José AC, Passos LB, Kara José FC, Kara José N. Ensino extracurricular em Oftalmologia: grupos de estudos/ligas de alunos de graduação [Extracurricular teaching in Ophthalmology: undergraduate study groups]. Rev Bras Educ Med. 2007;31(2):166-72. 6. Liga de Combate à Sífi lis e a Outras Doenças Sexualmente Transmissíveis. História da liga (1920-1995). Disponível em: http://www.fm.usp.br/ ligadasifi lis/historia.php. Acessado em 2010 (24 jun). 7. Torres AR, Oliveira GM, Yamamoto FM, Lima MCP. Ligas Acadêmicas e formação médica: contribuições e desafi os [Academic Leagues and medical education: contributions and challenges]. Interface Comun Saúde Educ.. 2008;12(27):713-20. 8. Goodman NW. Does research make better doctors? Lancet. 1994;343(8888):59. 9. Associação Brasileira de Educação Médica – ABEM. Boletim Virtu@l da ABEM. Fundação da ABLAM – Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas. Disponível em: http://www.abem-educmed.org.br/boletim_virtual/boletim_ virtual_12.htm. Acessado em 2010 (24 jun). INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Paulo Manuel Pêgo-Fernandes Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 Instituto do Coração (InCor) Secretaria do Serviço de Cirurgia Torácia — bloco II — 2o andar — sala 9 Cerqueira César — São Paulo (SP) — Brasil CEP 05403-000 Tel. (+55 11) 3069-5248 E-mail: paulopego@incor.usp.br E-mail: alessandro_mariani@hotmail.com Fonte de fomento: nenhuma Confl ito de interesse: nenhum Data de entrada: 22 de junho de 2010 Data da última modifi cação: 22 de junho de 2010 Data de aceitação: 12 de julho de 2010 RDTv16n2.indb 51 31.05.11 18:04:22 Diagn Tratamento. 2011;16(2):52-6. Revisão narrativa da literatura Psicologia médica: a importância da abordagem familiar Décio Gilberto Natrielli FilhoI, Décio Gilberto NatrielliII Hospital do Servidor Público Estadual, Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Comitê Multidisciplinar de Psicologia Médica da Associação Paulista de Medicina INTRODUÇÃO A complexidade envolvendo o funcionamento e a dinâmi- ca de grupos familiares difi culta, para qualquer pesquisador, a elaboração de um conceito referente àquilo que poderíamos chamar de “família normal”. Em psicologia médica, situações envolvendo dinâmicas familiares são importantes na aborda- gem de pacientes em qualquer ambiente clínico. Portanto, o estudo das relações familiares poderia contribuir para dirimir impasses que porventura possam ocorrer. Conforme relatam Bloch e Harari,1 “a família tem sido, há muito, reconhecida como uma unidade fundamental da orga- nização social na vida dos seres humanos. Independentemen- te do padrão específi co da vida familiar, as narrativas, mitos, lendas e folclore fundamentais de todas as culturas enfatizam o poder das relações familiares para moldar o caráter do indi- víduo e servem como um exemplar da ordem moral e política da sociedade”. Pode-se considerar, portanto, que capacidade de adaptação, consistência ao longo do tempo, transmissão (entre gerações) de valores e referenciais, elaboração de confl itos através de meca- nismos de defesa saudáveis (altruísmo, humor, ascetismo, subli- mação e supressão), independência (como uma célula familiar) e ao mesmo tempo a interação com outros grupos familiares e capacidade de suportar diversidades, seriam os principais cons- tituintes de uma dinâmica familiar.2 Vieira e cols.3 afi rmamque “a família é um sistema vivo, isto é, obedece às propriedades de todos os sistemas vivos, sendo a principal delas a circularidade, que indica que, quando houver uma mudança em um indiví- duo do sistema, haverá um movimento em todos os outros”. Entende-se o grupo familiar como aquele que preserva e transmite leis, deveres, valores, cultura, criatividade e qualquer tipo de informação com característica de favorecer a adaptação dos indivíduos. Inclui-se também a capacidade de criação de um espaço de intercâmbios interpessoais, ou seja, de trocas de expe- riências referentes à história de cada um e dos seus familiares.2 Diante desta consideração de conceitos envolvendo os ideais do funcionamento familiar, surge a necessidade de se abordarem os confl itos resultantes de dinâmicas patologicamente estrutu- radas, aquelas observadas na prática médica, impregnadas de pesares, hostilidade, rancores, incapacidade de se desenvolver como um grupo familiar independente, sem criatividade e sem capacidade de conviver com as diversidades.4 Neste trabalho os autores abordam aspectos dos conceitos de psicologia médica envolvendo as famílias (dentro de uma base psicodinâmica) e suas potenciais infl uências na relação médico- paciente, exemplifi cados através de um caso clínico elaborado pelos autores e embasado em suas experiências clínicas. Não há a intenção de se descrever ou relatar as técnicas de psicoterapia familiar, mas fornecer informações que poderiam ser utilizadas para se observar os fenômenos envolvidos na interação entre membros de qualquer família. Os autores realizaram uma busca sistematizada utilizando os termos Psicologia Médica (Psychology, Medical) e Família (Family), conforme o Medical Subject Headings (MeSH), os quais foram mapeados nas bases de dados do Medline (Medi- cal Literature Analysis and Retrieval System Online) via Pub- Med, Cochrane Library e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), utilizando-se buscas avan- çadas nos títulos e resumos dos periódicos em todas as bases para melhor delimitação do tema, no período de 2005 a 2010 (Tabela 1). Além dos estudos da busca sistematizada, os auto- res utilizaram também livros-texto e outros artigos considera- dos relevantes para o tema abordado. O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL NA FAMÍLIA Há uma metáfora envolvendo o desenvolvimento de um bebê, de que a mãe é, na família, quem cria o tempo, através das horas de amamentação, cuidados de higiene, balanços para I Médico psiquiatra assistente e preceptor dos residentes de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE). II Médico psiquiatra e presidente do Comitê Multidisciplinar de Psicologia Médica da Associação Paulista de Medicina. RDTv16n2.indb 52 31.05.11 18:04:22 Diagn Tratamento. 2011;16(2):52-6. Décio Gilberto Natrielli Filho | Décio Gilberto Natrielli 53 o sono, aconchego, brincadeiras e satisfação das necessidades básicas. Com o tempo, o elemento que representa a mãe, além de suprir essas necessidades ligadas às satisfações biológicas e instintivas, promove também o terreno para uma estruturação cerebral e sináptica rica para desenvolver, quando adulto, a sub- jetividade e a simbolização (após um desenvolvimento cogniti- vo e intelectual completo, anteriores a estes dois). Destacam-se, neste campo, as contribuições de Sigmund Freud, Erik Erikson, Jean Piaget e autores modernos do estudo do desenvolvimento da personalidade.2,5 Com todas as mudanças sociais e familiares nas sociedades modernas, fi ca cada vez mais difícil estabelecer parâmetros es- táticos e referenciais de “normalidade”. O que se sabe é que, desde a concepção, o feto começa a interagir com o ambiente uterino e suas infl uências provenientes da mãe e sua relação com o ambiente. Sabe-se também que o sistema nervoso cen- tral humano nasce, após uma moldagem fi logenética de milha- res de anos, com a predisposição para receber estímulos e criar representações. Um indivíduo privado destes estímulos, como se observa em ambientes clínicos com pacientes que sofreram privação, negligência e violência familiar, provavelmente não se desenvolverá de forma adequada para o seu grupo social e cultural.6 Quanto mais precoce a intervenção sobre a família, menor será o risco de os fi lhos desenvolverem problemas emo- cionais e comportamentais.7 Coid8 elaborou um modelo de progressão de estágios para comportamentos antissociais durante o ciclo de vida individual. A progressão de um estágio para outro é dependente de uma estrutura teórica baseada num balanço entre fatores de “risco” e “protetores”, que operam durante as fases da infância e adoles- cência. Crianças com temperamento difícil na infância podem progredir, em certas circunstâncias, para transtorno de condu- ta no fi nal da infância. As pesquisas sobre o desenvolvimento sugerem que a presença de mais de um fator de risco aumenta as chances de progressão para outra fase, mas pode ser balan- ceada por fatores de proteção, como orientação social positiva, receber atenção adequada durante o primeiro ano de vida, boa relação dos pais com o fi lho, a presença de cuidadores adicio- nais além da mãe e uma boa estrutura com regras e disciplina no ambiente da casa. A maioria dos estudos recentes sobre abordagem familiar enfoca os resultados dos comportamentos e confl itos familiares (principalmente dos pais) sobre o desenvolvimento da criança. A relação entre a satisfação na relação do casal, estresse do casal, cuidados parentais e consequências sobre os fi lhos é bem estabe- lecida. Crianças provenientes de lares com elevados índices de confl itos familiares apresentam maior incidência de problemas de ajustamento; e naqueles ambientes onde o nível de estresse do casal é elevado, os fi lhos evoluem com baixo desempenho escolar, problemas comportamentais e maior incidência de do- enças clínicas.6 Os estudos envolvendo famílias disfuncionais também são importantes no acompanhamento de adolescentes que fugiram de casa ou foram rejeitados pela família, com abu- so de substâncias, transtornos comportamentais ou relaciona- dos à sexualidade.9-12 Portanto, os profi ssionais não podem deixar de avaliar, num ambiente clínico, todos aqueles fatores individuais dos elemen- tos da família, como cada membro se desenvolveu e suas con- sequências para a desestabilização do ambiente que convivem. Importante salientar que aqueles que passaram por experiências de abuso físico e sexual, rompimento familiar e tiveram mo- delos criminais e perversos dentro da própria família também podem manifestar alterações comportamentais ou estabelecer relações com a equipe médica que são de difícil manejo e po- Base de dados Estratégia de busca Resultados n Total PubMed Psychology, medical and family [Title/Abstract] Limites: Humans[Mesh] AND Clinical Trial [ptyp] OR Editorial [ptyp] OR Letter [ptyp] OR Meta-Analysis [ptyp] OR Practice Guideline [ptyp] OR Randomized Controlled Trial [ptyp] OR Review[ptyp] AND English [lang] OR Spanish [lang] OR Portuguese [lang] AND from 2005 to 2010 Nenhum artigo encontrado 0 0 Cochrane Library Psychology, medical [Record Title] and family [Record Title]. Limites: de 2005 a 2010 Revisões Cochrane 0 9 Outras revisões 0 Ensaios clínicos 5 Estudos metodológicos 0 Avaliações tecnológicas 0 Avaliações econômicas 4 Grupos Cochrane 0 Lilacs Psychology, medical [words] AND family [words]. Limites: de 2005 a 2010 Estudos 2 2 Tabela 1. Estratégia de busca para “psychology, medical” e “family” com os respectivos resultados encontrados nas bases de dados do Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) via PubMed, Cochrane Library e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), no período de 2005 a 2010 RDTv16n2.indb 53 31.05.11 18:04:23 Diagn Tratamento. 2011;16(2):52-6. Psicologia médica: a importância da abordagem familiar54 dem comprometero tratamento ao qual o paciente deve ser submetido.9,10,12 PSICOLOGIA MÉDICA E FAMÍLIA Vieira e cols.3 afi rmam que o atendimento de família não consiste em agrupar seus elementos em uma sala ou mesmo atendê-los separadamente. A família funciona como um todo inseparável e possui uma linguagem própria e um modo pe- culiar de funcionar e isto só é possível de ser visto e compre- endido observando-se o movimento do grupo como um todo. Completam que cada família, assim como cada paciente, é vista como única e cada diagnóstico atinge o indivíduo e o grupo de uma forma singular. O objeto da abordagem é o estudo e a interpretação de emo- ções bem particulares da família: a relação entre o casal, entre pais e fi lhos e entre irmãos. No atendimento, o profi ssional ob- serva e interpreta os diferentes papéis adotados pelos elementos da família: pai, mãe, crianças etc. Apesar de parecer óbvio e ex- cessivamente simples, aquele profi ssional com um olhar clínico pode observar frequentemente que esses papéis são distorcidos, equivocados e às vezes bizarros para as (nossas) percepções mol- dadas por valores sociais e culturais comuns. Citam-se, como exemplos, casos de incesto, fi licídio, parricídio, matricídio, fra- tricídio e outras formas de confusão de papéis entre os mem- bros da família, muitas vezes escondidos na trama familiar. É de grande importância a delimitação didática de conceitos que clínicos poderiam utilizar na identifi cação de “movimentos” dentro das famílias e que poderiam ser foco de intervenção ou observação. Apesar das difi culdades no manejo das famílias, de- ve-se salientar que é uma prática intrínseca da atividade médica, enfatizada pela psicologia médica sob infl uência das psicoterapias (principalmente psicanalítica/psicodinâmica neste trabalho). Primeiro, a transferência,13 na qual os indivíduos incons- cientemente se relacionam com o terapeuta como se este re- presentasse uma fi gura signifi cativa do seu passado. Entretanto, na terapia familiar, a transferência ocorre de forma complexa, envolvendo os próprios membros do grupo e o terapeuta. Pode ocorrer entre cônjuges, pais e fi lhos e entre irmãos. Segundo, a contratransferência,2,13 que representaria aqui o re- sultado da transferência dos componentes da família sobre o te- rapeuta. Este pode perceber os pacientes como hostis, agressivos, passivos, difíceis, excessivamente resistentes, geradores de impo- tência, desafi adores ou qualquer outro adjetivo atribuído a um sentimento vivenciado pelo profi ssional. Enquanto uma pessoa despreparada perceberia as reações desencadeadas e responderia de forma impulsiva, o profi ssional identifi ca esses “movimentos” e os elabora, devolvendo àquele indivíduo interpretações ou in- tervenções sobre a relação transferencial. Terceiro, mecanismos de defesa mais primitivos14 que, ao contrário daqueles considerados “maduros”, estão presentes em indivíduos de determinadas famílias confl ituosas e vão consti- tuir suas formas de adaptação às demandas da relação familiar que, no trabalho clínico, caracterizam-se por comportamentos disfuncionais de um ou mais membros do grupo (um fi lho ou um cônjuge por exemplo). Dentre os mecanismos de defesa primitivos citamos, como principais, a cisão (no inglês, splitting), projeção, identifi cação projetiva, dissociação, negação, somatização, idealização, isola- mento afetivo e repressão.14 Através da transferência, devidamente identifi cada e meta- bolizada pelo profi ssional, irão se desfazer e decifrar todos aque- les elementos geradores do confl ito familiar que se manifestam de forma única. Neste sentido, a transferência também será ma- nifestada de forma repetitiva e estereotipada para cada família, caracterizando a sua identidade. UM EXEMPLO CLÍNICO Um exemplo de como esses elementos podem se apresentar na clínica seria o caso de um paciente internado numa enfermaria de clínica para compensação de diabetes mellitus. A importância do caso-exemplo (fi ctício e elaborado a partir da prática clínica dos autores) não está na possibilidade de se reverter toda a psico- patologia familiar, mas conseguir identifi cá-la e evitar que estes fatores possam interferir na evolução do tratamento clínico. Trata-se de um paciente de 49 anos, casado e com um fi lho, apresentando uma história de descontrole dos impulsos, en- volvendo gastos excessivos e compulsão alimentar; seu humor sempre foi caracterizado por instabilidade e irritabilidade, com frequentes episódios de impulsividade e agressividade. Sentimentos de raiva, muitas vezes gratuita, também se ma- nifestavam e, antes do diagnóstico do diabetes, chegou a fl er- tar com ideias de suicídio, queixando-se “de não se encontrar no mundo”, de se sentir “sempre vazio” e tentando suicídio por aproximadamente cinco vezes (ingerindo medicamentos e tentando se mutilar com objetos cortantes). Quando diag- nosticado como diabético, desenvolveu uma reação de não aceitação do tratamento, passando a boicotar as estratégias terapêuticas preconizadas por seu médico, tendo repetidas internações clínicas por intercorrências. Numa tentativa de abordar o caso de forma mais ampla, o médico convocou os familiares que estariam dispostos a ajudar. Compareceram a mãe e a esposa do paciente. Ambas mostravam-se irritadas e hostis, inicialmente com o paciente e passaram a hostilizar o interrogatório do médico, que tinha a intenção de investigar a história clínica, dizendo que este não poderia reverter tudo o que este homem já havia realizado e feito de errado em sua vida. Após um período prolongado de escuta, as familiares relataram espontaneamente que o pai do paciente era um in- divíduo também impulsivo e agressivo, tendo sido “alcoóla- tra” por muitos anos e “descontando” suas raivas e frustrações nos dois fi lhos e na esposa. A irmã do paciente saiu de casa precocemente e chegou a alegar que seu pai a seduzia quando embriagado, mas sua mãe sempre desconfi ou desta informa- ção e nunca a valorizou. RDTv16n2.indb 54 31.05.11 18:04:23 Diagn Tratamento. 2011;16(2):52-6. Décio Gilberto Natrielli Filho | Décio Gilberto Natrielli 55 O médico, trazendo à tona a história familiar, conseguiu per- ceber que este paciente era portador de um provável transtorno psiquiátrico (no caso, transtorno de personalidade borderline). Mais importante do que o encaminhamento para tratamento especializado, foi a identifi cação de sentimentos de hostilidade e raiva permeando a comunicação entre os membros desta fa- mília. Numa visão mais dinâmica, o paciente seria o portador de toda responsabilidade pela desgraça familiar, punindo-se an- tes com tentativas explícitas de suicídio e, atualmente, assumin- do condutas de risco em relação ao diabetes e que poderiam se caracterizar como uma forma de suicídio. CONCLUSÃO A possibilidade de semelhança do caso acima com fatos e ca- sos observados na realidade clínica ressalta a importância deste assunto para a prática da psicologia médica. Na tentativa de se adotar um referencial, os elementos que apontam para uma família saudável seriam: capacidade de di- ferenciar os papéis de pai, mãe, fi lhos ou irmãos (seja qual for a conformação estrutural desta família), tolerar críticas ou observações dos outros participantes, assumir a identidade do grupo (participar e dividir), capacidade de sentir confi ança, promover um ambiente de pertença, que agrega e fornece continência. Por outro lado, os elementos que na maioria das vezes estão presentes e difi cultam o trabalho do profi ssional e a evolução do grupo familiar são: presença de hostilidade, cinismo, vínculos baseados em identifi cações projetivas, manutenção da estabi- lidade através de mecanismos de defesa primitivos por parte dos membros da família, incapacidade para assumir responsa- bilidades, tolerar frustrações e perdas, além de sentimentos de que fatores externos são determinantes para o destino do grupo familiar, em vez da contribuição conjunta das ações individuais.Em psicologia médica, realizando-se uma abordagem dinâmica, a identifi cação desses elementos nas relações familiares auxilia o médico no manejo dos casos-alvo, evitando impasses com as famílias dos pacientes, os quais muitas vezes comprometem a evolução e resposta ao tratamento. REFERÊNCIAS 1. Bloch S, Harari E. Terapia familiar. In: Gabbard GO, Beck JS, Holmes J, editores. Compêndio da psicoterapia de Oxford. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 84-97. 2. Natrielli Filho DG, Natrielli DG, Goes RD. Contribuições para a prática da psiquiatria, psicodinâmica e psicologia médica. São Paulo: Leitura Médica; 2008. 3. Vieira E, Portugal FR, Barbosa MFM. Abordagem familiar ao paciente com transtorno mental grave. In: Sanches M, Uchida RR, Tamai S, editores. Manejo do paciente psiquiátrico grave. São Paulo: Roca; 2009. p. 37-43. 4. Eiguer A. Um divã para a família. Porto Alegre: Artes Médicas; 1985. 5. Svrakic DM, Cloninger CR. Personality disorders. In: Sadock BJ, Sadock VA, editors. Kaplan & Sadock´s comprehensive textbook of psychiatry. 8th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 2063-104. 6. Linville D, Chronister K, Dishion T, et al. A longitudinal analysis of parenting practices, couple satisfaction, and child behavior problems. J Marital Fam Ther. 2010;36(2):244-55. 7. Connell A, Bullock BM, Dishion TJ, et al. 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RESUMO A abordagem familiar em psicologia médica pretende, através do enfoque em conceitos psicodinâmicos (baseados no modelo psicanalítico), auxiliar na compreensão dos fenômenos e comportamentos das famílias, observada na prática clínica de qualquer profi ssional da área da saúde. Através da exposição de um exemplo de caso clínico e de considerações teóricas envolvendo a psicodinâmica das famílias, os autores salientam a importância deste tema na atividade clínica. Com todas as mudanças na sociedade moderna, fi ca cada vez mais difícil estabelecer os parâmetros e referenciais de “normalidade”, e isto se aplica àquilo que chamamos de família. Observa-se que, independentemente da estrutura ou forma que uma família tenha, os resultados dos comportamentos e confl itos de seus membros têm grande impacto sobre o desenvolvimento individual, principalmente quando incidem sobre a criança em desenvolvimento. Essas dinâmicas familiares, quando estruturadas de forma patológica e não compartilhadas por outros grupos familiares da mesma cultura, vão se refl etir nos comportamentos futuros de cada um dos seus componentes. A identifi cação de elementos psicodinâmicos disfuncionais nas relações familiares poderá auxiliar o profi ssional no manejo dos casos, evitando impasses com as famílias dos pacientes, os quais muitas vezes comprometem a evolução e a resposta ao tratamento. RDTv16n2.indb 56 31.05.11 18:04:24 Diagn Tratamento. 2011;16(2):57-61. Revisão narrativa Mecanismos fi siopatológicos da dor pélvica na endometriose profunda Daniel Bier CaraçaI, Sérgio PodgaecII, Edmund Chada BaracatIII, Mauricio Simões AbrãoIV Departamento de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo INTRODUÇÃO Endometriose é defi nida como a presença de tecido endome- trial (glândulas e/ou estroma) fora do útero. Ocorre em 10-15% das mulheres em idade reprodutiva1 e os locais mais frequentes de implantação são a região retrocervical e os ovários.2 Foram pro- postas várias teorias para explicar a sua histogênese, sendo duas mais comumente citadas: • Teoria do transplante: originalmente proposta por Sampson em meados da década de 1920, baseia-se na suposição de que a endometriose é causada pela implantação de células endo- metriais por regurgitação tubária durante a menstruação.3 A menstruação retrógrada ocorre em 70% a 90% das mulheres e parece ser mais comum nas pacientes com endometriose que nas que não têm a doença.4,5 Assim sendo, os implantes ocorreriam pela infl uência de um ambiente hormonal favo- rável e de fatores imunológicos que não eliminariam essas células do local impróprio.6-8 • Teoria da metaplasia celômica: transformação do epitélio celômico em tecido endometrial. Essa teoria sugere que as lesões de endometriose podem originar-se diretamente me- diante um processo de diferenciação metaplásica induzida por ativação de um alelo oncogênico.2 Tendo sido observados diversos aspectos morfológicos dessa afecção, foi proposto o conceito que dividiu a endometriose em duas doenças distintas: superfi cial, quando a profundidade das lesões que penetram no espaço retroperitoneal ou na parede de órgãos pélvicos for menor que 5 mm, e profunda, quando a profundidade for maior que 5 mm. A endometriose superfi cial pode ser dividida em peritoneal e ovariana. A peritoneal se ca- racteriza pela presença de implantes superfi ciais no peritônio; a ovariana se caracteriza por implantes superfi ciais no ovário ou cistos (endometrioma).9,10 A endometriose é uma doença ginecológica multifatorial, crônica, benigna, estrogênio-dependente.1 Os sintomas carac- terísticos dessas pacientes são infertilidade, dismenorreia, dis- pareunia de profundidade, dor pélvica crônica e alterações do hábito intestinal (dor à evacuação, hemorragia retal) e urinário (disúria e hematúria), de forma cíclica na época menstrual.1,2 A fi siopatologia da associação entre a dor e a endometriose é pouco conhecida. Acredita-se que a infl amação crônica seja a principal causa, porém, muitos pesquisadores têm identifi ca- do fi bras nervosas em lesões da doença traçando um paralelo entre a densidade e a qualidade dessas fi bras com a dor. Os sintomas da endometriose, assim como exames de imagem especializados, podem sugerir a doença, porém, o diagnósti- co defi nitivo somente é realizado por meio de laparoscopia e biópsia de lesões suspeitas. As alterações do endométrio, além de proporem um mecanismo de dor específi ca, abrem uma nova perspectiva de diagnóstico menos invasivo da doença e de menor custo. Assim, o principal objetivo desta revisão é verifi car a infl uên- cia da presença de fi bras nervosas em lesõesde endometriose e no endométrio tópico de mulheres com a doença, tendo como focos de discussão: diferenças do endométrio tópico de mulhe- res com e sem endometriose, diferenças entre lesões peritoniais e profundas e perspectivas de diagnóstico. A pesquisa foi realizada com os “termos endometriosis and nerve fi bers and nerve growth factor” no Medline (Medical Li- terature Analysis e sistema de recuperação on-line) via PubMed, Biblioteca Cochrane e Lilacs (Literatura Latino-Americana do Caribe em Ciências da Saúde). Os estudos considerados mais relevantes foram discutidos (Tabela 1). DOR E ENDOMETRIOSE Da análise crítica da expressão da dor é que frequentemen- te o diagnóstico da endometriose é estabelecido e estratégias terapêuticas visando o seu controle ou a eliminação das con- dições causais são implementadas.11 Possíveis mecanismos causadores da dor pélvica na endometriose são infl amação pe- ritoneal local crônica causada pela liberação de citocinas pró- infl amatórias, prostaglandinas, quimiocinas e outras substân- I Médico residente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. II Médico assistente da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Mestre e Doutor em Ginecologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. III Professor titular da Disciplina de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. IV Professor associado da Disciplina de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. RDTv16n2.indb 57 31.05.11 18:04:24 Diagn Tratamento. 2011;16(2):57-61. Mecanismos fi siopatológicos da dor pélvica na endometriose profunda58 cias pelos implantes ectópicos, infi ltração profunda com lesão tecidual, formação de aderências, espessamento fi brótico e acúmulo de sangue menstrual eliminado em implantes endo- metrióticos, resultando em tração dolorosa com movimentos fi siológicos dos tecidos.2 A multiplicidade de alterações moleculares e celulares de- monstradas no endométrio tópico de mulheres com endometrio- se12-14 sugere que as anormalidades primárias neste tecido podem ter um papel na gênese da endometriose e talvez até mesmo na gênese dos sintomas. Em dois estudos chave da presente revisão realizados pelo mesmo grupo de autores, Tokushige et al., foi su- gerido que essas alterações podem incluir fatores de crescimento locais ou citocinas para fi bras nervosas que, se também presentes no tecido endometrial ectópico de pacientes com endometriose, poderiam induzir o crescimento de fi bras nervosas nos focos de endometriose e, assim, fornecer um mecanismo de lesão e dor específi co.15,16 Tratava-se de estudo tipo caso-controle, em que os autores avaliaram o tecido endometrial de 25 mulheres sintomá- ticas com o diagnóstico de endometriose (média de 27,5 anos) e 47 mulheres sem endometriose (média de 32,7 anos). O grupo sem evidência laparoscópica da endometriose era composto de pacientes submetidas a laqueadura tubária, avaliação prévia para reanastomose tubária ou investigação de infertilidade. Além de amostras do endométrio obtidas por curetagem, blocos uteri- nos16 foram selecionados de 10 mulheres com endometriose (média de 44 anos) e 35 mulheres sem endometriose (média de 46 anos), que foram submetidas a histerectomia. As indica- ções para a histerectomia em pacientes sem endometriose foram miomas uterinos, prolapso uterino, aderências ou sangramento uterino anormal. Foi utilizada imunoistoquímica para avaliação das amostras por meio de PGP9.5, marcador proteico altamente específi co pan-neuronal, e NF, também um marcador proteico, porém al- tamente específi co para fi bras nervosas mielinizadas. Múltiplas pequenas fi bras nervosas não mielinizadas coradas para PGP9.5 estavam presentes na camada funcional do endométrio em todas as pacientes com endometriose. Em pacientes sem endometrio- se, não foram detectadas fi bras nervosas na camada funcional do endométrio (P < 0,001). Fibras nervosas mielinizadas NF imu- norreativas foram encontradas na parte mais profunda do endo- métrio basal em todas as pacientes com endometriose, enquanto em pacientes sem endometriose, nenhuma fi bra mielinizada foi detectada na camada basal, com uma única exceção (P < 0,001). Foi observada também a existência de uma concentração mui- to maior de pequenas fi bras nervosas não mielinizadas presentes em toda a camada basal do endométrio em mulheres com endo- metriose que em pacientes sem endometriose. Ocasionalmente, pequenas fi bras nervosas não mielinizadas foram observadas em mulheres sem endometriose, mas apenas na parte mais profunda da camada basal (P < 0,001). Pequenas e grandes fi bras nervosas estavam presentes no miométrio em mulheres com e sem endo- metriose, porém, havia mais fi bras nervosas coradas com PGP9.5 no miométrio de mulheres com endometriose do que nas mulhe- res sem (P < 0,001). Sabe-se que o miométrio, a interface endométrio/miométrio e a porção profunda da camada basal do endométrio podem ser inervadas por fi bras nervosas, e que estas estão ausentes nos dois terços superfi ciais da camada funcional do endométrio no útero humano normal.17 A função dessas fi bras nervosas na ca- mada basal normal não é bem compreendida, tendo o estudo acima trazido novas perspectivas nessa questão, ao sugerir que o endométrio tópico pode ser programado para secretar grandes quantidades de fatores trófi cos nervosos, resultando no ingresso de pequenos nervos desmielinizados nesse tecido. Isso também pode ser traduzido em ingresso de fi bras nervosas em novas pla- cas de endometriose no peritônio ou ovário. Sendo assim, essas fi bras nervosas podem ter um papel importante na mediação dos sintomas de dor pélvica. Data base Estratégia de busca Resultados N Lilacs endometriosis [DeCS] and nerve fi bers[DeCS] endometriosis[DeCS] and nerve growth factor [DeCS] Nenhum artigo encontrado 0 Cochrane Library endometriosis [MeSH] and nerve fi bers[MeSH] endometriosis[MeSH] and nerve growth factor [MeSH] Artigo de revisão 2 Ensaio clínico controlado 1 PubMed* endometriosis [MeSH] and nerve fi bers[MeSH] endometriosis[MeSH] and nerve growth factor [MeSH] Artigo de revisão 1 Carta ao leitor 5 Estudo experimental 2 Estudo de coorte 4 Estudo caso-controle 15 Estudo de prevalência 9 Relato de caso 1 Tabela 1. Estratégia de busca para “endometriosis and nerve fi bers and nerve growth factor” com os resultados no Medline (Medical Literature Analysis e sistema de recuperação on-line) via PubMed, Biblioteca Cochrane e Lilacs (Literatura Latino- Americana do Caribe em Ciências da Saúde), sem limite de data de publicações Medline = Medical Literature Analysis e sistema de recuperação on-line; Lilacs = Literatura Latino-Americana do Caribe em Ciências da Saúde; *linguagem = somente inglês; limites = estudos humanos, mulheres. RDTv16n2.indb 58 31.05.11 18:04:25 Diagn Tratamento. 2011;16(2):57-61. Daniel Bier Caraça | Sérgio Podgaec | Edmund Chada Baracat | Mauricio Simões Abrão 59 Mudando o foco das alterações do endométrio tópico para as lesões ectópicas, o mesmo grupo,18 em estudo caso-controle, avaliou a densidade e os tipos de fi bras nervosas em lesões peri- toneais de endometriose comparadas com amostras de peritô- nio normal. Amostras de tecido peritoneal foram coletadas de 40 mulheres com dor pélvica e endometriose (média de 33,2 anos). Amostras de peritônio normal também foram coletadas de 36 mulheres sem endometriose (média de 34,9 anos) que se submeteram a laparoscopia combinada com histeroscopia em virtude de laqueadura tubária, avaliação para reanastomose tubária ou investigação da infertilidade (sem qualquer doença reconhecível). Foi observada maior densidade de fi bras nervo- sas nas lesões de endometriose (média de 16,3 ± 10,0/mm2; intervalo 6,8-53,9/mm2) do que no peritônio normal (média de 2,5 ± 1,3/mm2; intervalo0,5-5,5/mm2, P < 0,001). Confi r- madas com marcadores neuronais específi cos, as fi bras nervo- sas no peritônio de lesões de endometriose eram sensoriais C, sensoriais A-delta, colinérgicas e adrenérgicas. Ainda não está claro como o estímulo neural pode iniciar a sensação de dor intensa que mulheres com a doença apresen- tam. A endometriose é uma doença infl amatória e muitos me- diadores são liberados a partir de células e tecidos danifi cados nas proximidades das lesões. Essas substâncias incluem a hista- mina, serotonina (5-HT), bradicinina, prostaglandinas (PGs), leucotrienos, interleucina (IL) 1-beta, IL-6, IL-8, acetilcolina, fator de crescimento vascular endotelial (VEGF), fator de ne- crose tumoral alfa (TNF), endotelinas, fator de crescimento epidermal (EGF), TGF-beta, fator de crescimento plaquetário (PDGF) e NGF.18 Essas substâncias podem ativar/sensibilizar terminações nervosas sensitivas no peritônio, iniciando assim o estímulo da dor.18 ENDOMETRIOSE PROFUNDA Todos os tipos de endometriose podem causar dor, porém, sugere-se que lesões de endometriose profunda estão associadas com um grau maior de dor e comprometimento da qualidade de vida da paciente.19 Wang et al.,1 avaliaram a densidade e a presen- ça de diferentes tipos de fi bras nervosas em lesões de endometrio- se profunda comparando com lesões de endometriose peritoneal avaliadas no estudo de Tokushige et al.,18 utilizando-se de marca- dores neurais específi cos. Amostras teciduais foram coletadas de 31 mulheres com dor pélvica e endometriose profunda (média de 34,6 anos), havendo uma densidade muito maior de fi bras ner- vosas em lesões de endometriose profunda (67,6 ± 65,1/mm2) do que nas lesões peritoneais (16,3 ± 10,0/mm2). Marcadores específi cos sugeriram, como nas lesões peritoneais, que as fi bras nervosas presentes na lesão profunda eram uma mistura de fi bras sensoriais C, sensoriais A-delta, colinérgicas e adrenérgicas. Outro estudo, em que 51 pacientes com suspeita clínica ou radiológica de endometriose que foram submetidas a videola- paroscopia com ressecção das lesões,20 foi demonstrado que o NGF (nerve growth factor), que é uma proteína que promove a sobrevivência de determinada população de nervos, apresen- tou forte expressão em lesões profundas, sendo um provável mediador de dor, além de indutor da expressão de neuropepití- deos que estão envolvidos na modulação da transmissão da dor central.21-23 No entanto, não tem sido clara a explicação do por- quê de a expressão NGF ser signifi cativamente maior em lesões profundas quando comparada a outras formas de endometriose. Uma possível explicação seria de que a história natural da endo- metriose profunda seria diferente daquela das outras formas da doença devido a uma possível diferença etiopatogênica. Uma segunda possível explicação consiste no processo infl amatório que é frequentemente visto na endometriose profunda. Tem sido demonstrado que níveis de NGF são signifi cativamente elevados em locais de infl amação e que sua produção pode ser aumentada por mediadores infl amatórios como interleucina-1 e TNF-alfa.20 Em muitas mulheres com endometriose, a dor crônica pode ser exacerbada pela co-ocorrência de outras condições de dor intensa, como síndrome do intestino irritável, cistite intersti- cial, litíase renal de repetição, vulvodídea, fi bromialgia e enxa- quecas. A inervação visceral de vários órgãos e tecidos chega à medula muitas vezes de forma convergente nos nervos aferentes, assim sendo, a dor produzida pela sensibilização periférica dos implantes ectópicos pode ser exacerbada por condições de dor que podem estar ocorrendo em outros lugares anatômicos.24 NOVO MÉTODO DE DIAGNÓSTICO NÃO INVASIVO DA ENDOMETRIOSE Sintomas como dor pélvica crônica e infertilidade podem sugerir a presença da doença, mas, na ausência de focos de endometriose profunda ou endometriomas que podem ter sua suspeita diagnóstica observada em métodos de imagem como a ultrassonografi a e a ressonância magnética, a lapa- roscopia é ainda necessária para a confi rmação ou exclusão de focos de endometriose peritoneal superfi cial.25,26 Os es- tudos citados acima têm demonstrado grande concentração de pequenas fi bras nervosas desmielinizadas C na camada funcional do endométrio tópico de mulheres com endome- triose, em contraste com mulheres sem a doença e que não apresentam esse achado. Isso poderia se tornar um marcador relativamente simples desta condição através de biópsias do endométrio.1,15,16,18 Em estudo duplo-cego prospectivo, Al- Jefout et al.27 avaliaram a efi cácia da detecção de endometrio- se por meio de curetagem uterina comparada à laparoscopia. No total, 99 pacientes com sintomas relacionados com dor foram submetidas à curetagem uterina e posteriormente à laparoscopia para diagnóstico da doença. As amostras ute- rinas foram avaliadas por técnicas de imunoistoquímica. A laparoscopia foi indicada por uma série de sintomas relacio- nados com dor e infertilidade. Das 99 pacientes, 64 tiveram a confi rmação laparoscópica de endometriose, sendo 50% peritoneal e 50% ovariana ou profunda. RDTv16n2.indb 59 31.05.11 18:04:25 Diagn Tratamento. 2011;16(2):57-61. Mecanismos fi siopatológicos da dor pélvica na endometriose profunda60 Em mulheres que apresentavam diagnóstico de endome- triose pela laparoscopia, a biópsia de endométrio apresentou uma densidade de fi bras nervosas de 2,7 (+ 3,4) por mm2. Em pacientes sem endometriose, não foram observadas fi bras ner- vosas na camada funcional do endométrio, com exceção de seis pacientes em que a biópsia foi positiva. Foi aventada a possibi- lidade de que essas seis pacientes apresentavam endometriose, porém, não foi diagnosticada pela laparoscopia. Somente um caso que foi diagnosticado como endometriose profunda pela laparoscopia não apresentou fi bras nervosas na curetagem uteri- na. Foi calculada especifi cidade de 83%, sensibilidade de 98%, valor preditivo positivo (VPP) de 91%, valor preditivo negati- vo (VPN) de 96%. Foi também avaliada a presença de fi bras nervosas na camada funcional de pacientes com adenomiose, hiperplasia de endométrio, leiomioma uterino e pólipos en- dometriais, porém, não foram encontradas fi bras sensoriais C nessas doenças, enfatizando ainda mais a presença única dessas fi bras na camada funcional do endométrio em pacientes com endometriose.27 CONCLUSÃO Essa revisão demonstrou que a dor pélvica relacionada à en- dometriose pode refl etir uma variedade de fatores associados com o suprimento nervoso de implantes ectópicos e alterações no endométrio tópico. Esses fatores parecem incluir o tipo e a densidade das fi bras nervosas, além de agentes que as ativam e as sensibilizam. As lesões de endometriose profunda, frequentemente, estão relacionadas a quadros clínicos mais graves de dor do que as lesões superfi ciais. Foi demonstrado que essas lesões apresentam uma maior densidade de fi bras nervosas que lesões superfi ciais peritoniais. Assim, essa diferença pode desempenhar um papel importante na patogênese da dor. Até o momento, não existem métodos não invasivos para o diagnóstico defi nitivo da endometriose, fato que contribui para que haja substancial atraso no diagnóstico da doença. Re- lacionando esses dois tópicos, ou seja, a relação de fi bras ner- vosas no tecido endometrial e o diagnóstico da endometriose, a presente revisão de literatura apresentou a possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos de diagnóstico, como a biópsia endometrial, para a avaliação da presença de fi bras nervosas, procedimento pouco invasivo e de menor custo. Ain- da há muito a ser estudado sobre como a endometriose está associada a uma variedade de sintomas relacionados com a dor. A sua relação com o suprimento nervoso é uma área promissora de pesquisa, com perspectivas futuras de facilitar o diagnóstico e melhorar o tratamento clínico. REFERÊNCIAS 1. Wang G, Tokushige N, Markham R, Fraser IS. 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RESUMO Endometriose é uma doença ginecológica crônica, benigna, estrogênio-dependente, multifatorial, sendo dor pélvica e a infertilidade os mais comuns dos sintomas. A endometriose profunda, defi nida pela lesão que se infi ltra por mais de 5 mm no local de acometimento, é comumente associada com sintomas mais exuberantes, porém, a fi siopatologia da associação entre a dor e a doença é pouco conhecida. Acredita-se que a infl amação crônica seja a principal causa, sendo que fi bras nervosas foram identifi cadas em endométrio tópico e em lesões ectópicas da doença, traçando um paralelo entre a densidade e a qualidade dessas fi bras com a dor. A sintomatologia da endometriose, assim como exames de imagem especializados, pode sugerir a doença, porém, o diagnóstico defi nitivo somente é realizado por meio de laparoscopia e biópsia de lesões suspeitas. As alterações do endométrio, além de proporem um mecanismo de dor específi co, abrem nova perspectiva de diagnóstico menos invasivo da doença e de menor custo. Tendo em vista a importância do tema no contexto da prevalência da doença, difi culdade diagnóstica e atualidade da relação entre fi bras nervosas e lesões de endometriose, foi proposta a presente revisão. RDTv16n2.indb 61 31.05.11 18:04:26 Diagn Tratamento. 2011;16(2):62-6. Relato de caso Gestação em pacientes com síndrome de Klippel-Trenaunay. Relatos de dois casos Aleylove TalansI, Alan Saito RamalhoI, Maria Rita de Figueiredo Lemos BortolottoII, Rossana Pulcineli Vieira FranciscoIII, Marcelo ZugaibIV Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo INTRODUÇÃO A síndrome de Klippel-Trenaunay, também conhecida como síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber, é uma anormalidade congênita rara de manifestação clínica variável e de etiologia desconhecida.1 O critério diagnóstico clássico é uma tríade de anormalidades, que incluem malformações capilares (comu- mente nevus cutâneos/hemangiomas), malformações venosas ou veias varicosas, e hipertrofi a óssea e de tecidos moles, afetan- do um ou mais membros, sem a presença de malformações arte- riovenosas hemodinamicamente signifi cativas.2,3 O diagnóstico de síndrome de Klippel-Trenaunay é feito com a presença de no mínimo dois desses três sinais.2,4,5 Observam-se malformações venosas ou capilares em 98% dos casos, varicosidades venosas em 70% a 90% dos casos e hipertrofi a óssea e de tecidos moles em 50% a 94% dos casos.6 No entanto, a associação de anoma- lias venosas como hipoplasia, aplasia, incompetência venosa e malformações linfáticas, pode ocorrer com frequência.4 Gravidez é raramente descrita em pacientes com síndrome de Klippel-Trenaunay e sua incidência não é conhecida. Exis- tem apenas 21 casos de gravidez em mulheres com síndrome de Klippel-Trenaunay na literatura. O primeiro caso foi descrito em 1989 por Verheijen e cols.7 Foram pesquisadas as bases de dados PubMed/Medline, Embase, Lilacs e Biblioteca Cochrane, seguindo a terminologia MeSH (Medical SubjectHeadings). Os resultados foram revi- sados manualmente e os artigos realmente relacionados foram selecionados e tiveram sua bibliografi a revisada (Tabela 1). A síndrome de Klippel-Trenaunay é uma condição rara e uma vez que a gravidez pode exacerbar as complicações da do- ença, colocando assim as gestantes sob alto risco obstétrico, a gestação foi, historicamente, desencorajada nessas pacientes. Dessa forma, existe uma falta de conhecimento sobre as ges- tantes com síndrome de Klippel-Trenaunay e sua evolução obs- tétrica. De acordo com nossa pesquisa, esta é a terceira série de casos relatada e a primeira na literatura com mais de uma paciente com duas ou mais gestações cada. Esta série de casos descreve o curso pré-natal, intraparto e pós-natal de duas mu- lheres com síndrome de Klippel-Trenaunay que tiveram duas gestações cada. RELATO DA SÉRIE DE CASOS Caso 1 Mulher, branca, apresentava desde o nascimento aumento de volume e comprimento de membro superior direito e mem- bro inferior direito (Figura 1), além de manchas na pele. Aos sete anos, foi diagnosticada como portadora da síndrome de Klippel-Trenaunay e, aos 15 anos, notou o surgimento de dila- tações varicosas nos membros inferiores, referindo dor e edema. Submeteu-se a uma safenectomia em membro inferior direito aos 23 anos. Primeira gestação No início do pré-natal em sua primeira gestação, aos 25 anos, observava-se o aumento de tamanho do membro infe- rior direito em relação ao esquerdo, além de varizes e edema em vulva e membros inferiores. Intercorrências no pré-natal: úlcera genital (tratada satisfatoriamente com promestriene tó- pico), piora da assimetria corporal (com evidente aumento de volume de membro inferior direito e membro superior direito) e edema 4+/4+ em membros inferiores e vulva. Foi indicada cesárea na 38a semana, devido a vício pélvico e pela gravidade da doença materna, e a paciente deu à luz um recém-nascido do sexo feminino, pesando 3.070 gramas, com índice de Apgar I Acadêmico do quinto ano de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. II Médica supervisora do Departamento de Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. III Professora doutora do Departamento de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. IV Professor titular do Departamento de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. RDTv16n2.indb 62 31.05.11 18:04:26 Diagn Tratamento. 2011;16(2):62-6. Aleylove Talans | Alan Saito Ramalho | Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto | Rossana Pulcineli Vieira Francisco | Marcelo Zugaib 63 tempo cirúrgico. O recém-nascido era do sexo masculino, pe- sava 3.150 gramas, com índice de Apgar no primeiro e quinto minutos de 10 e 10. Caso 2 Mulher, parda, foi diagnosticada como portadora da síndro- me de Klippel-Trenaunay aos cinco anos de idade. Desde oito meses de idade apresentava hemangiomas em abdômen, dorso, pescoço, orelha direita, braço direito, palma da mão direita, membros inferiores e planta do pé direito (Figura 2). Apresen- tava também membro superior direito aumentado em volume em relação ao esquerdo e apresentara episódios de hematêmese aos oito anos. Foi diagnosticada com hipertensão arterial sistê- mica aos 12 anos. Primeira gestação Aos 19 anos, no início do pré-natal de sua primeira gesta- ção, a paciente apresentava múltiplos hemangiomas de fácil sangramento em membros inferiores e superiores, pescoço e tronco e havia assimetria de membros superiores, sendo o direito maior em relação ao esquerdo. Ao exame gineco- lógico especular, foram observadas máculas rubras em colo, não sendo observadas telangiectasias em parede vaginal. A hipertensão arterial foi tratada com pindolol (20 mg ao dia) Figura 1. Assimetria evidente, com membro inferior direito hipertrofi ado. Varicosidades presentes em ambos os membros inferiores (caso 1). Figura 2. Múltiplos hemangiomas cutâneos em mama direita e membro superior direito. O membro superior esquerdo é poupado. Assimetria evidente de membros superiores, com hipertrofi a do membro superior direito (caso 2). no primeiro e quinto minutos de 8 e 9. Durante a operação, verifi cou-se a presença de rede vascular calibrosa em peritôneo visceral. Foi indicada profi laxia antitrombótica nas primeiras duas semanas do puerpério. A paciente recebeu alta no terceiro dia de pós-operatório. Após dois anos, ocorreu piora da insufi ciência venosa, princi- palmente em membro inferior direito. A paciente referia dor e for- migamento em membros inferiores. Ao exame físico, apresentava edema em membros inferiores (maior à direita), varizes em mem- bro inferior direito até o glúteo e em membro inferior esquerdo até a panturrilha. Fez nova cirurgia de varizes aos 28 anos. Segunda gestação Aos 32 anos, a paciente engravidou novamente, G2P1. Na 19a semana de gestação, apresentou suspeita clínica de trombo- se venosa, em membro inferior direito, recebendo enoxapari- na. Na 32a semana de gestação, a ocorrência de trombofl ebite em face posterior de coxa fez com que se aumentasse a dose de anticoagulante. Foi realizada cesárea na 38a semana devido à gravidade da doença vascular materna e à apresentação fe- tal anômala (pélvica), e para suspensão oportuna da profi laxia antitrombótica, com incisão uterina corporal longitudinal, em virtude da grande quantidade de varizes supravesicais aderidas ao segmento uterino, e laqueadura tubárea bilateral no mesmo RDTv16n2.indb 63 31.05.11 18:04:27 Diagn Tratamento. 2011;16(2):62-6. Gestação em pacientes com síndrome de Klippel-Trenaunay. Relatos de dois casos64 até a 37a semana de gestação, quando este medicamento foi substituído por amlodipina (5 mg ao dia). Ao longo da ges- tação, a paciente apresentou piora da manifestação cutânea da síndrome de Klippel-Trenaunay, com fácil sangramento dos hemangiomas e epistaxe. Foi realizada cesárea, sem in- tercorrências, com 38 semanas de gestação por falha de in- dução do trabalho de parto. O recém-nascido era do sexo masculino, pesou 3.350 g e teve índices de Apgar no primei- ro e quinto minutos de 9 e 10. Não foi observada nenhuma complicação tardia. Segunda e terceira gestações A paciente teve dois abortos espontâneos, o primeiro aos 24 anos e idade gestacional de 10 semanas e 2 dias pela data da úl- tima menstruação, com curetagem uterina, e outro aos 25 anos de idade e idade gestacional de 7 semanas e 2 dias pela data da última menstruação , sem necessidade de curetagem. Quarta gestação Aos 27 anos, G4P1A2, retornou para acompanhamento de sua quarta gestação. Persistiam os hemangiomas periféricos e múltiplos em membro superior direito, tronco e pescoço, assimetria de membros e varicosidades. Fazia uso de enalapril, 10 mg ao dia, que foi substituído por pindolol, 15 mg ao dia. Durante a gestação, apresentou pequeno sangramento de hemangiomas das mamas e teve a dose de pindolol aumen- tada para 20 mg e, em seguida, para 30 mg ao dia para me- lhor controle pressórico. Foi internada com idade gestacional de 37 semanas para observação clínica e controle da pressão arterial, tendo sido registrado episódio de epistaxe, embaça- mento visual e edema de membros inferiores 1+/4+. Durante a internação hospitalar, foram utilizados, além de pindolol, metildopa (1,5 g) e levomepromazina (15 mg ao dia). Apre- sentou doença hipertensiva específi ca da gravidez (DHEG) superajuntada à hipertensão arterial crônica. Foi realizada ce- sariana com 38 semanas de gestação devido à presença dessa associação e de cicatriz uterina prévia. O recém-nascido era do sexo masculino, pesando 3.070 g, com Apgar no primeiro e quinto minutos de 8 e 9, e apresentava polidactilia no pé esquerdo. A paciente teve alta no segundo dia após o parto. Não foram observadas complicações tardias. DISCUSSÃO Os casos descritos neste relato evoluíram de forma benigna. A primeira gestante apresentou intercorrências menores,como úlcera genital, trombofl ebite e piora da assimetria corporal. A segunda gestante também evoluiu satisfatoriamente, apesar do fácil sangramento dos hemangiomas cutâneos. No entanto, este foi primeiro caso descrito na literatura de gestante com síndro- me de Klippel-Trenaunay que apresentou doença hipertensiva específi ca da gravidez (DHEG) superajuntada à hipertensão arterial crônica. Os recém-nascidos foram de termo e sem complicações. Ana- lisando-se os relatos na literatura (Tabela 1), percebe-se que a maioria dos casos evoluiu sem maiores complicações, apesar de a gestação em pacientes com síndrome de Klippel-Trenaunay ser um evento raro. Há, no entanto, relatos de casos cujas gestantes apresentaram sérias complicações na evolução obstétrica, como de hemorragia durante a gestação8 e intraoperatória,9 coagulação intravascular disseminada9 e embolias pulmonares.10,11 O penúl- timo caso descrito cursou com prolapso cervical devido ao edema cervical decorrente de malformações venosas, porém, o manejo conservador apresentou bons resultados.12 Também foi descrito um caso de cardiopatia periparto em gestante com síndrome de Klippel-Trenaunay, em que os autores sugerem uma possível re- lação entre as duas comorbidades.13 Os fatores que explicam a ausência ou presença de complica- ções, bem com a ampla variedade dessas, não são esclarecidos. O Base de dados eletrônica Estratégia de busca Resultados Resultados realmente relacionados após busca manual nos resultados iniciais Embase “klippel-trenaunay” AND (“pregnancy”/de OR pregnancy) 25 citações 15 citações: 13 relatos de caso 2 séries de casos PubMed “klippel-trenaunay-weber” OR “klippel-trenaunay” AND “pregnancy” 71 citações 14 citações: 12 relatos de caso 2 séries de casos Lilacs Klippel-Trenaunay [Palavras] and gestação [Palavras] Klippel-Trenaunay [Palavras] and pregnancy [Palavras] Klippel-Trenaunay [Palavras] 35 citações 1 citação 1 relato de caso Biblioteca Cochrane Klippel-Trenaunay 0 citações 0 citações Total de casos descritos 21 casos diferentes Tabela 1. Bases de dados pesquisadas, estratégias de busca utilizadas e resultados encontrados em busca realizada em 15 de novembro de 2010. No total, há 21 casos descritos de gestação em pacientes com síndrome de Klippel-Trenaunay RDTv16n2.indb 64 31.05.11 18:04:31 Diagn Tratamento. 2011;16(2):62-6. Aleylove Talans | Alan Saito Ramalho | Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto | Rossana Pulcineli Vieira Francisco | Marcelo Zugaib 65 tempo de evolução da síndrome de Klippel-Trenaunay e, princi- palmente, a gravidade da doença, parecem associar-se à evolução.6 Embora sejam frequentes as complicações maternas, com exa- cerbação das manifestações prévias da síndrome, habitualmente não são observadas complicações fetais decorrentes da síndrome ou manifestação fetal da síndrome de Klippel-Trenaunay, exceção feita ao relato de Jorgensen e cols.,14 em que foi realizado aborto eletivo após ultrassonografi a sugerindo malformação fetal, tendo a autópsia mostrado hemangiomas na perna e no fígado do feto. Nos casos apresentados, todos os recém-nascidos foram de ter- mo, com pesos adequados e sem intercorrências. Apesar de haver relatos de recorrências familiares, o risco de transmissão da síndrome da mãe para seu fi lho é desconheci- do.15 Nos casos deste relato não foi observada, até o momen- to, nenhuma evidência da síndrome de Klippel-Trenaunay nas crianças. Apesar de a polidactilia estar associada a defeitos ge- néticos de diversas síndromes congênitas, não está associada à síndrome de Klippel-Trenaunay.16 É necessário ressaltar que a gravidez cursa com o aumento da progesterona, do volume sanguíneo e do peso, estase venosa e edema de membros inferiores, levando frequentemente à piora das malformações capilares.17 É sabido que a gestação agrava o risco de eventos adversos, como hemorragia e trombose super- fi cial e profunda. São raros os casos de gravidez em pacientes com a síndrome de Klippel-Trenaunay. Estes são os 22o e 23o casos relatados na literatura (Tabela 1). Passaram-se 20 anos desde o primeiro relato, por Verheijen e cols.,7 em 1989. Em média, menos de um caso é relatado por ano. Embora tenha sido histori- camente desencorajada, parece que a gestação em pacientes com síndrome de Klippel-Trenaunay, a despeito dos desafi os impostos, pode ter desfechos obstétricos satisfatórios, quando adequadamente assistida. Assim, devido ao fato de não serem bem estabelecidos na prática clínica os cuidados diante de gestantes com síndrome de Klippel-Trenaunay17 e, tampouco, haver dados na litera- tura sufi cientes que permitam a compreensão das repercus- sões dessa síndrome na gestação e da gestação na síndrome, tornam-se essenciais os relatos caso a caso observados nos di- versos serviços de obstetrícia, para que, aos poucos, se possa aumentar o conhecimento sobre a gestação na síndrome de Klippel-Trenaunay, tornando seguro seu manejo e possibili- tando maior qualidade de atendimento a essas gestantes. CONCLUSÃO O reconhecimento e entendimento da síndrome de Klippel-Trenaunay e o cuidado multidisciplinar pré-natal, intra e pós-parto, são fundamentais para a boa evolução e o bom des- fecho da gestação nessas pacientes. Os dois casos descritos nessa publicação apresentaram intercorrências menores, como trom- bofl ebite, piora da assimetria corporal e fácil sangramento dos hemangiomas. As condutas conservadoras mostraram-se adequa- das e sufi cientes para o sucesso gestacional. A revisão de litera- tura disponível até o momento, junto com a nossa experiência relatada neste artigo, mostram bom desfecho obstétrico (exceção feita a um relato, citado na discussão), não havendo atualmente evidências para desencorajar a gestação nessas pacientes. REFERÊNCIAS 1. Atiyeh BS, Musharrafi eh RS. Klippel-Trenaunay-type syndrome: an eponym for various expressions of the same entity. J Med. 1995;26(5-6):253-60. 2. Capraro PA, Fisher J, Hammond DC, Grossman JA. Klippel-Trenaunay syndrome. 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