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Isomeria espacial: geométrica e óptica APRESENTAÇÃO A isomeria está presente na química de diferentes formas. Enquanto alguns isômeros possuem diferenças no modo como os átomos estão conectados, outros possuem a mesma conectividade, mas com um arranjo espacial diferente. Assim se distinguem a isomeria plana da espacial. A isomeria espacial está presente, principalmente, em alcenos e cicloalcanos, denominando-se isomeria geométrica. Também está em compostos que apresentam centro assimétrico, que, na maioria dos casos, é um carbono saturado com quatro substituintes diferentes, recebendo o nome de isomeria óptica. Os isômeros ópticos correspondem a uma ampla faixa de substâncias que dão cheiro e paladar a plantas e flores, que possuem atividade farmacológica, entre outros. A presença de isomeros ópticos na natureza é mais pronunciada do que a de isômeros geométricos. Mesmo assim, as gorduras cis e trans, tão presentes na nossa alimentação, configuram a isomeria geométrica. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar os compostos da isomeria espacial, compreendendo como classificam-se os estereoisômeros e como se diferenciam enantiômeros e diasteroisômeros, de modo a saber o que são isômeros geométricos e ópticos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Classificar os estereoisômeros.• Diferenciar enantiômeros e diasteroisômeros.• Descrever isômeros ópticos e suas diferentes atividades em sistemas biológicos.• DESAFIO As gorduras trans, presentes nos alimentos, são exemplos de aplicações da isomeria geométrica. Sabe-se que esse tipo de gordura é extremamente prejudicial ao organismo, podendo ocasionar aumento no colesterol, obstruções coronarianas e levar a sérios problemas cardíacos. Ela não é muito comum na natureza, porém é produzida para uso em alimentos industrializados a partir da gordura vegetal. Grandes quantidades dessa gordura são encontradas em alimentos como bolos, bolachas recheadas e derivados; em menor quantidade, pode ser encontrada na carne e no leite. Você, químico, trabalha em uma empresa do ramo alimentício cujo novo sócio-gerente, para estar em conformidade com políticas internacionais de redução de gordura trans, tem a intensão de eliminar as gorduras trans dos alimentos produzidos na empresa ou substituir por fontes de gorduras cis. Por causa disso, ele convoca você para uma reunião para discutir o assunto. Antes da reunião, você estuda diversos artigos e resoluções sobre o assunto, a exemplo do estudo apresentado no link abaixo. INFOGRÁFICO Na Química Orgânica, o caso mais comum de isomeria óptica ocorre em carbonos saturados que apresentam quatro substituintes diferentes. Esses compostos apresentam isômeros que são a imagem especular de si mesmos: os dois compostos não se sobrepõem independentemente de rotação. Por isso recebem a definição de enantiômeros. Veja, no Infográfico a seguir, como identificá-los, posto que a atribuição pode gerar dúvidas em alguns casos. CONTEÚDO DO LIVRO A isomeria é um fenômeno no qual duas moléculas distintas apresentam a mesma fórmula molecular, mas possuem ou estruturas diferentes ou conectividade dos átomos distintas. Embora o conceito seja simples, diversas formas de isomeria foram constatadas desde o século 19, quando esse conceito foi proposto. A literatura divide isomeria em dois tipos: a isomeria plana (ou conformacional) e a isomeria espacial (ou estereoisomeria). A diferenciação entre elas está vinculada ao fato de os isômeros espaciais apresentarem estrutura plana idêntica: os átomos estão conectados da mesma forma e se distinguem no arranjo espacial dos elementos. Para saber mais, acompanhe a leitura do capítulo Isomeria espacial: geométrica e óptica da obra Fundamentos de Química Orgânica e Inorgânica, que serve como base teórica desta Unidade de Aprendizagem. Boa leitura. FUNDAMENTOS DE QUÍMICA ORGÂNICA E INORGÂNCIA Felipe Lange Coelho Isomeria espacial: geométrica e óptica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Classificar os estereoisômeros. � Diferenciar enantiômeros e diasteroisômeros. � Descrever isômeros ópticos e suas diferentes atividades em sistemas biológicos. Introdução A isomeria é um fenômeno em que duas moléculas distintas apresentam a mesma fórmula molecular, porém têm estrutura diferente ou conec tividade dos átomos distinta. Embora o conceito seja simples, diversas formas de isomeria foram constatadas desde o século XIX, quando esse conceito foi proposto. A literatura divide esses tipos de isomeria em dois tipos: a isomeria plana (ou conformacional) e a isomeria espacial (ou estereoisomeria). Enquanto a isomeria plana é dividida entre isomeria de posição, de função, de cadeia, metameria e tautomeria, a isomeria espacial com preende a isomeria geométrica e isomeria óptica. Neste capítulo, você vai estudar a respeito desse último tipo de isomeria discutindo a isomeria cis-trans dos alcenos e compostos cíclicos (isomeria geométrica) e a quiralidade (isomeria óptica) presentes em diversos compostos com atividade biológica. Isomeria geométrica A diferenciação da isomeria espacial da isomeria plana está vinculada ao fato de os isômeros espaciais apresentarem estrutura plana idêntica, os átomos estarem conectados da mesma forma e se distinguirem no arranjo espacial dos elementos. Observe a estrutura do ácido butenodioico ilustrada na Figura 1. Esse ácido tem dois isômeros, em que as duas substâncias apresentam propriedades físico-químicas diferentes, apesar do mesmo arranjo plano. Cada carbono da ligação dupla tem um H e um grupo COOH ligados a eles. No entanto, um isômero apresenta ponto de fusão de 130°C, massa es- pecífica de 1,59 g/cm3 e solubilidade em água de 79 g/100 mL (25°C), o outro apresenta ponto de fusão de 286°C, massa específica de 1,64 g/cm3 e solubilidade em água de 0,7 g/100 mL (25°C). A primeira substância trata-se do ácido maleico e a segunda do ácido fumárico e são exemplos de isomeria cis-trans. A Figura 1 também ilustra a estrutura dos dois ácidos com os ângulos de ligação corretos. Você pode observar que uma das estruturas apresenta os grupos COOH no mesmo lado da ligação dupla, enquanto no outro eles estão em lados opostos. Figura 1. Isômeros geométricos, ácido maleico e ácido fumárico. Fonte: Adaptada de Garcia e Lucas (2016). Como a ligação dupla não permite rotação, em razão da presença da li- gação π, não existe a interconversão espontânea de uma espécie na outra e, portanto, são isômeros cis-trans. Foram discutidas as propriedades físicas dos dois ácidos, mas a isomeria cis-trans pode afetar, também, as propriedades químicas dos isômeros. O ácido maleico apresenta ligação de hidrogênio intramolecular, o que o torna menos ácido que o seu isômero. Além disso, a estabilidade química do ácido maleico é inferior ao do ácido fumárico, comparando os calores de combustão dos dois ácidos (CAREY, 2011). Isomeria espacial: geométrica e óptica2 Sendo assim, fica evidente a importância da isomeria cis-trans em sistemas químicos e biológicos, uma vez que as propriedades podem variar bastante. A isomeria cis-trans não está restrita a alcenos dissubstituídos, sendo que a condição para a sua existência é que os dois carbonos na ligação dupla devem ter grupos diferentes ligados a eles. Se pelo menos um dos carbonos tiver substituintes iguais, como ilustrado na Figura 2, o composto passa a não ter isômeros, uma vez que, mudando um dos substituintes de lado, em relação à ligação dupla, o resultado é o próprio composto. Veja na Figura 2 que se você rotacionar a molécula 1a em torno do eixo da ligação dupla, obterá a molécula 1b. Em contrapartida, em moléculas em que cada carbono da ligação dupla apresenta substituintes diferentes, por exemplo a molécula 2a na Figura 2, a inversão de lado, em relação à dupla,de qualquer um dos substituintes dá origem a um composto diferente. Independentemente de qualquer rotação realizada na molécula 2a, não se chega na molécula 2b. Note que não é necessário que todos os substituintes do alceno sejam diferentes, no caso do ácido butenodioico, que dá origem aos isômeros ácido maleico e ácido fumárico, o alceno apresenta somente dois substituintes (H e COOH), mas eles estão substituídos de forma que cada carbono da dupla apresente substituintes diferentes (McMURRY, 2011). Figura 2. Requisitos para a presença de isomeria cis-trans. Fonte: McMurry (2011, p. 173). Molécula 1a A D DB C C Molécula 1b Molécula 2a Molécula 2b Estes dois compostos são idênticos; eles não são isômeros cis-trans. Estes dois compostos não são idênticos; eles são isômeros cis-trans. B D DA C C A D EB C C B D EA C C Para alcenos dissubstituídos, a nomenclatura empregando os sufixos cis e trans para os compostos que apresentam os substituintes no mesmo lado ou em lados opostos à ligação dupla funciona bem. Porém, para alcenos trissusbstituídos ou tetrassubstituídos, a designação E, Z é empregada para 3Isomeria espacial: geométrica e óptica descrever a geometria da ligação dupla. Nesse caso, analisa-se os substituintes de cada carbono da ligação dupla de forma separada, determinando qual deles tem maior prioridade (as regras de prioridade serão discutidas a seguir). Se os substituintes de maior prioridade estão no mesmo lado da dupla, o alceno é designado como Z, que deriva da palavra alemã zusammen, com significado de “juntos”. Se os substituintes de maior prioridade estão em lados opostos em relação à dupla, o alceno é designado como E, que deriva do alemão entgegen, com significado de “opostos” (CAREY, 2011). As regras que determinam a prioridade dos substituintes são chamadas de regras de Cahn-Ingold-Prelog, em homenagem aos químicos que as propuseram. Regra 1: “Considere separadamente cada um dos carbonos da ligação dupla, olhe para os dois átomos ligados diretamente a eles e atribua prioridade de acordo com os números atômicos” (McMURRY, 2011). O átomo com maior número atômico tem prioridade em relação a outro com menor. Considerando os átomos mais presentes em compostos orgânicos, pode-se definir a ordem de prioridade mais comum: Br35 > Cl17 > O8 > N7 > C6 > H1 Observando o exemplo na Figura 3, como o bromo (Br) tem número atômico maior que o carbono, o substituinte Br tem maior prioridade que o substituinte metila. Analogamente, o grupo etila tem prioridade maior em relação ao hidrogênio. De um modo geral, sempre que existir um hidrogênio, este terá prioridade menor em relação ao outro substituinte. Figura 3. Avaliação da prioridade dos substituintes em alcenos. Fonte: Adaptada de McMurry (2011, p. 173). Isomeria espacial: geométrica e óptica4 Regra 2: “Se não for possível resolver a geometria usando o átomo direta- mente ligado aos carbonos da ligação dupla, use sucessivamente os grupos de átomos mais afastados até encontrar a primeira diferença” (McMURRY, 2011). Esse é o caso de um carbono que tem como substituinte, por exemplo, uma etila (-CH2CH3) e uma metila (-CH3) ou uma hidroxila (-OH) e uma metoxila (-OCH3). Pela regra 1, ambos os pares de substituintes têm a mesma prioridade, pois o átomo ligado é o carbono. Dessa forma, pela regra 2, consideram-se os átomos adjacentes, em que na metila são H, H e H e na etila são H, H e C, o que faz com que a etila tenha prioridade. Pelo mesmo motivo, a metoxila terá prioridade sobre a hidroxila. Além dos casos discutidos, alguns outros exemplos semelhantes estão apresentados a seguir na Figura 4. Figura 4. Comparação da prioridade de substituintes semelhantes. Fonte: Adaptada de McMurry (2011, p. 173). H H Mais baixa HC H H Mais alta HC H H C CH3 H Mais alta CH3C Mais baixa CH3 H H C CH3 H Mais baixa NH2C Mais alta Cl H H C Mais baixa HO H H Mais alta HCO Regra 3: “Os átomos com ligações múltiplas são equivalentes ao mesmo número de átomos com ligações simples” (McMURRY, 2011). Para entender melhor a terceira regra, observe as ilustrações na Figura 5. A ligação dupla no substituinte eteno é como se fossem duas ligações simples, como se cada carbono estivesse ligado a dois carbonos por ligação simples. Sendo assim, tem-se como ordem de prioridade: , bem como . 5Isomeria espacial: geométrica e óptica Figura 5. Exemplificação da regra 3 da ordem de prioridade proposta por Cahn-Ingold-Prelog. Fonte: McMurry (2011). Como discutido nos últimos parágrafos, a existência da isomeria espacial nos alcenos ocorre porque a ligação dupla não permite a livre rotação, fazendo com que moléculas que têm os substituintes em lados diferentes da ligação dupla sejam distintas. Se você parar para pensar nas outras classes de compostos orgânicos, perceberá que os cicloalcanos também apresentam essa restrição à rotação, semelhante aos alcenos. Dessa forma, a isomeria cis-trans e os conceitos de prioridade dos substituintes e nomenclatura também se aplicam a essa classe (VOLLHARDT; SCHORE, 2013). Considera-se o plano formado pelos átomos que compreendem o ciclo para avaliar a posição do substituinte com maior prioridade. Sendo assim, a Figura 6 ilustra as estruturas de um ciclopropano e de um ciclobutano dissubstituídos, em que o primeiro é trans e o segundo é cis. A atribuição é realizada porque as metilas estão em lados opostos no ciclopropano, enquanto estão no mesmo lado do plano no ciclobutano. Adicionalmente, a Figura 6 ilustra a estrutura do trans-1-bromo-3-etilciclopentano, em que os substituintes não são vicinais, se encontram nas posições 1,3 do cicloalcano e, mesmo assim, o composto se enquadra na isomeria cis-trans. Isomeria espacial: geométrica e óptica6 Figura 6. Isomeria cis-trans em cicloalcanos. Fonte: McMurry (2011, p. 173). Isomeria óptica Os isômeros ópticos são moléculas capazes de desviar o plano da luz polari- zada quando um feixe de luz atravessa o meio aos quais essas moléculas estão contidas. Essa atividade óptica está relacionada à quiralidade apresentada por estas (CAREY, 2011). A luz emitida por uma fonte, seja, por exemplo, uma lâmpada ou o sol, compreende um conjunto de ondas eletromagnéticas, que se propagam em todas as direções. Essa radiação que se propaga em diferentes planos é denominada não polarizada. Aplicando um filtro polarizador, que consiste em um material que permite a passagem seletiva da luz, no caminho de propagação dessa onda, o resultado será uma onda que tem apenas um plano de propagação, ou seja, luz plano polarizada. Quando você compra uma lente polarizada, em que o fabricante anuncia que ela reduzir a incidência de luz, tratase de um filtro polarizador que impede determinados planos de propagação da luz, reduzindo a intensidade luminosa que atravessa a lente. A luz polarizada, quando direcionada em um meio contendo moléculas opticamente ativas, sofre um desvio angular que pode ser calculado. Desse desvio surge uma distinção entre os isômeros ópticos referentes ao desvio ser para a direita ou esquerda. As moléculas que rotacionam a luz para a direita são denominadas de dextrogiras, enquanto as moléculas que rotacionam para a esquerda são levogiras. Veja a seguir a Figura 7. 7Isomeria espacial: geométrica e óptica Figura 7. Luz emitida por uma fonte. Fonte: Carey (2011, p. 311). Anteriormente foi afirmado que para ter atividade óptica, a molécula deve apresentar quiralidade, sendo assim, o próximo passo é defini-la. A quiralidade é uma propriedade geométrica e define-se um objeto quiral como um objeto que não pode ser sobreposto a sua imagem especular. Inicialmente, todo ob- jeto tem uma imagem especular. Em diversos objetos, você vai observar que a imagem refletida no espelho, irá se sobrepor, de alguma forma, ao objeto. Observe o exemplo do martelo, ilustrado na Figura 8. A imagem especular do martelo não se sobrepõe diretamente ao objeto, porém, rotacionandoa imagem especular em 180°, ela se torna sobreponível. Em um primeiro mo- mento, pode parecer que qualquer imagem especular rotacionada resultará no objeto em questão, mas isso não se aplica a uma série de sistemas. Para verificar isso, observe que a sua mão esquerda é a imagem especular da sua mão direita, e independentemente da rotação que você realize, nunca chegará em uma sobreposição. Se você alinha os dedos, a palma e o verso da mão, ficam invertidos, ao passo que, se você os alinha, são os dedos que ficam fora da sobreposição (VOLLHARDT; SCHORE, 2013). Isomeria espacial: geométrica e óptica8 Figura 8. Identificação de objetos quirais exemplificando pelas mãos e por um martelo. Fonte: Vollhardt e Schore (2013, p. 199). Mas como observamos essa propriedade nas moléculas? A quiralidade está relacionada com a assimetria, sendo assim, compostos que contenham um centro assimétrico apresentarão essa propriedade. Na química orgânica, o centro assimétrico quase sempre é um carbono saturado que tem quatro substituintes diferentes, como é o caso do bromoclorofluormetano (BrClFCH), ilustrado na Figura 9. Nesse exemplo, a molécula só tem um carbono e esse é assimétrico. Em outras moléculas, podem existir diversos centros assimétricos. Comparando o BrClFCH com a sua imagem especular, você conclui que o composto é quiral (McMURRY, 2011). 9Isomeria espacial: geométrica e óptica Figura 9. Moléculas contendo centro assimétrico. Fonte: Carey (2011, p. 306). Uma vez apresentadas a isomeria geométrica e a isomeria espacial, define- -se a classificação dos estereoisômeros em: � Enantiômeros — são estereoisômeros em que as moléculas são imagens especulares umas das outras e não apresentam sobreposição; Isomeria espacial: geométrica e óptica10 � Diastereoisômeros — são estereoisômeros em que as moléculas não são imagens especulares umas das outras. Dessa forma, a molécula A e a molécula B, apresentadas na Figura 8 an- terior, são enantiômeros, pois uma molécula é a imagem especular da outra. Já o ácido fumárico e o ácido maleico, ilustrados na Figura 1 anterior, são diastereoisômeros, uma vez que a imagem especular do ácido fumárico não representa o ácido maleico. De um modo geral, compostos que apresentam isomeria cis-trans são diastereoisômeros. Mais exemplos de enantiômeros serão abordados na próxima seção, correlacionando com suas atividades em sistemas biológicos. Neste capítulo foram discutidos os conceitos de quiralidade, de centro assimétrico e de enantiômeros, que estão correlacionados, mas não são a mesma coisa. A quiralidade é uma propriedade relacionada à simetria da molécula. O centro assimétrico é o res ponsável pela assimetria, visto que um carbono saturado que tem quatro substituintes diferentes não tem nenhum plano de simetria. Atividade biológica dos enantiômeros O nosso organismo recebe estímulos, que, em grande parte dos casos, estão relacionados com a interação entre receptores e moléculas orgânicas. Esses estímulos podem resultar na percepção de um cheiro ou um sabor, podem ativar a produção de secreções, podem ativar ou desativar determinada enzima para tratar uma doença, entre outros processos. Sendo assim, um par de enan- tiômeros tem diferenças espaciais na estrutura que podem fazer com que um interaja com determinado receptor, ao passo que o outro, além de não interagir com esse receptor, pode ter afinidade por outro completamente diferente. Desse fato, são observados na natureza inúmeros enantiômeros com ati- vidade biológica distinta. Nesse momento, vale ressaltar que os enantiômeros não têm propriedades físicas diferentes, como acontece entre os isômeros cis-trans. Enantiômeros não se distinguem por densidade, ponto de fusão, ponto de ebulição, solubilidade ou qualquer outra propriedade física. 11Isomeria espacial: geométrica e óptica A alanina e o ácido lático são exemplos de enantiômeros que são encontrados ou isoladamente ou misturados (Figura 10). Enquanto a alanina é um amino ácido utilizado na construção de diversas proteínas, o seu enantiômero não é utilizado pelo organismo para as mesmas funções. O ácido lático, por sua vez, está presente no sangue e em outros fluidos de forma isolada. Há casos, como leite, frutas e plantas, em que podemos observar os dois enantiômeros em proporções variadas (VOLLHARDT; SCHORE, 2013). Figura 10. Enantiômeros do ácido 2aminopropanoico. Fonte: Vollhardt e Schore (2013, p. 201). A carvona, o limoneno e o aspartame são exemplos de compostos quirais em que cada enantiômero tem atividade biológica distinta. A carvona tem um centro assimétrico e os dois isômeros tem odores bem característicos. Um deles tem o odor do cominho, enquanto o outro tem o aroma da hortelã. Outro composto que é responsável pelo aroma de frutas e ervas é o limoneno. Embora a diferença entre os isômeros seja o arranjo espacial dos substituintes no centro assimétrico, é difícil confundir o aroma ou o paladar de cada um deles. Um dos enantiômeros é responsável pelo aroma suave da laranja, en- quanto o outro é responsável pelo aroma forte do limão. Cada enantiômero é reconhecido por um receptor diferente e gera estímulos também diferentes. Se os enantiômeros da carvona e do limoneno têm aromas que lembram os dos respectivos isômeros, o aspartame é um composto em que os isômeros têm atividade contrária. O aspartame surgiu como um substituto do açúcar, sendo utilizado na indústria alimentícia para adoçar os alimentos. Porém, se alguma indústria inverter o enantiômero utilizado, o sabor resultante será um alimento amargo, com sabor intenso (VOLLHARDT; SCHORE, 2013). Veja a seguir a Figura 11. Isomeria espacial: geométrica e óptica12 Figura 11. Ilustração dos isômeros do limoneno e do aspartame. Fonte: Adaptada de McMurry (2011) e Vollhardt e Schore (2013, p. 201). A relevância da atividade biológica dos enantiômeros não se restringe aos compostos naturais. A cada década, centenas de compostos contendo centros assimétricos são sintetizados em laboratório com o objetivo de tratar doenças. Durante o desenvolvimento desses fármacos, é fundamental que se prepare os dois isômeros e seja realizado o estudo de atividade de cada um dos isômeros. Em determinados casos, pode ser que um deles tenha a atividade desejada, ao passo que o outro não tenha atividade nenhuma. Em casos mais problemáticos, um dos isômeros atinge os objetivos, porém, o outro tem atividade prejudicial ao nosso organismo. A seguir, na Figura 12, está a estrutura da cetamina. O composto da esquerda atua como analgésico, enquanto o composto da direita é um alucinógeno que aumenta a intensidade das dores de cabeça (VOLLHARDT; SCHORE, 2013). 13Isomeria espacial: geométrica e óptica Figura 12. Ilustração dos isômeros da cetamina. Pelos exemplos apresentados nessa seção, pode-se ter dimensão da im- portância dos enantiômeros em sistemas biológicos. Apenas alguns casos foram abordados, sendo que, na literatura, uma série de outros casos são reportados. Uma pequena variação estrutural origina moléculas que, apesar de propriedades físico-química idênticas, podem apresentar atividades biológicas bastante distintas. CAREY, F. A. Química orgânica. 7. ed. Porto Alegre: Penso, 2011. v. 1. GARCIA, C. F.; LUCAS, E. M. F. Química orgânica: estrutura e propriedades. Porto Alegre: Bookman, 2016. McMURRY, J. Química orgânica. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2011. VOLLHARDT, P.; SCHORE, N. Química orgânica: estrutura e função. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. Isomeria espacial: geométrica e óptica14 Conteúdo: DICA DO PROFESSOR Da mesma maneira que existe uma nomenclatura para definir os isômeros geométricos, que podem ser cis e trans no caso de alcenos dissubstituidos, e E e Z para os alcenos trissubstituídos e tetrassubstituídos, existe, também, uma nomenclatura para definir os enantiômeros. Acompanhe o vídeo a seguir e aprenda como atribuir a nomenclatura a ambos pares de enantiômeros. Conteúdointerativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Alguns compostos orgânicos apresentam atividade óptica, sendo capazes de desviar o plano da luz polarizada. Para que essa propriedade seja observada, deve existir de um centro de assimetria na molécula que lhe confira quiralidade. A mesma configuração de assimetria é observada nos enantiômeros. Nesse sentido, qual dos compostos indicados abaixo pode existir sob a forma de dois enantiômeros? A) 1,1-dibromopropano. B) 1,2-dibromopropano. C) 1,3-dibromopropano. D) 1,1-dibromoetano. E) 1,2-dibromoetano. 2) As regras de Cahn-Ingold-Prelog são utilizadas para determinar a prioridade dos substituintes para atribuição da geometria de ligação dupla. A geometria é designada como cis-trans para alcenos dissubstituídos, mas a designação E e Z é mais conveniente para alcenos trissusbtituídos e tetrassubstituídos. Analise a geometria dos alcenos A, B e C e assinale a alternativa que apresenta, respectivamente, a sua geometria. A) E, E, E. B) Z, Z, E. C) E, Z, Z. D) E, Z, E. E) Z, E, Z. A cortisona é um esteróide hormonal produzido naturalmente pela glândula adrenal que 3) possui efeito anti-inflamatório e imunossupressor. É produzido sinteticamente e pode ser encontrado na forma de pomada ou comprimido. Analisando sua estrutura, percebe-se que a molécula é quiral. Essa atribuição se dá pela percepção da presença de centros assimétricos. Sabendo da importância de identificar centros assimétricos em moléculas para estimar a sua atividade óptica, assinale a alternativa que apresenta o número de centros assimétricos presentes na cortisona. A) 4. B) 5. C) 6. D) 7. E) 8. 4) Por definição, enantiômeros são estereoisômeros cujas moléculas são imagens especulares umas das outras e não apresentam sobreposição; diastereoisômeros, por sua vez, são estereoisômeros cujas moléculas não são imagens especulares umas das outras. Utilizando esses conceitos, identifique quais dos pares de moléculas apresentados abaixo são pares de enantiômeros. A) B) C) D) E) Das isomerias espaciais existentes, a isomeria geométrica é observada em alcenos di, tri, tetrassubstituídos e também em alcanos cíclicos, ao passo que a isomeria espacial é observada em compostos com centros de assimetria. A molécula ilustrada abaixo apresenta isomeria espacial. Analisando sua estrutura, assinale a alternativa que contém uma sentença verdadeira. 5) A) A molécula apresenta uma ligação dupla com geometria Z. B) A molécula apresenta três centros assimétricos. C) A molécula apresenta um centro assimétrico. D) A molécula apresenta uma ligação dupla com geometria Z e dois centros assimétricos. E) A molécula apresenta uma ligação dupla com geometria E e dois centros assimétricos. NA PRÁTICA A aplicação na indústria farmacêutica de substâncias que contêm pelo menos um centro assimétrico é expressiva. Esse fato está relacionado ao número de compostos presentes na natureza que compartilham essa característica estrutural. Dessa forma, enantiômeros são alvo de diversas pesquisas na área farmacológica, e muito da atividade biológica deles já foi descoberta. Veja, na imagem a seguir, de que maneira os enantiômeros estão presentes nas farmácias que você frequenta. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Os fármacos e a quiralidade: uma breve abordagem Veja, com a leitura deste artigo, a aplicação dos conceitos de estereoisomeria na atividade de fármacos. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Moléculas aquirais com dois centros de quiralidade Na seção 7.11 deste livro, é possível ver que nem sempre a presença de um centro assimétrico confere quiralidade à molécula. Além disso, reforça-se a ideia de que, para ter quiralidade, deve haver centro assimétrico, mas a presença de centro assimétrico não garante a quiralidade. Desenhando isômeros ópticos Aprenda como desenhar os isômeros de forma a auxiliar na identificação de enantiômeros ou isômeros geométricos. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! O que é uma gordura trans? Aprofunde seus conhecimentos com este artigo: veja a descrição dos principais ácidos graxos em alguns alimentos e aprenda sobre a produção de ácidos graxos. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Princípios de bioquímica de Lehninger Aprofunde seus conhecimentos sobre estruturas do ácido graxo na seção 10.1 (p. 357-362) deste livro.
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