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Livro Texto Unidade III (1)

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112
Unidade III
Unidade III
O MOVIMENTO EXISTENCIALISTA
Veremos agora as características epistêmicas e conceituais da frente existencialista. Para isso, 
introduziremos a teoria pelo viés de Kierkegaard, que nos ensinará sobre a importância da singularidade 
existencial, e finalizaremos com Sartre e sua filosofia-literária, em que se destaca a discussão sobre a 
liberdade do ser.
Segundo Carrasco (2018), o existencialismo é:
Uma vertente filosófica que busca compreender a existência humana em 
seus aspectos concreto, afetivo, histórico e singular, valorizando a liberdade 
de ser e as particularidades de cada indivíduo. A palavra existir vem do 
latim exsistere, que significa ser, estar, manifestar-se, aparecer, emergir. 
Representa o movimento de ser lançado e de estar fora, junto às coisas do 
mundo, expressando seu modo de ser e assumindo como se deseja ser.
Segundo Beaufret (1976), quando ouvimos o termo existencialismo, o que sobressai é a existência, 
com o sufixo “ismo”, que comumente indica uma doutrina e que nos sugere que o existencialismo seria 
por si a filosofia da existência. No século XVII, o movimento escolástico recobrava o sentido aristotélico 
de exsistere (em latim) ao apontar ek-stase ou existência como a saída de um estado para outro, ou 
seja, a mudança. Mas a história do termo e da sua associação à humanidade data de bem antes, ainda 
com Sócrates, quando na peça Antígona, na voz de Creonte, é anunciada a estranheza da existência do 
homem: “O que de estranho há no homem é que ele existe” (BEAUFRET, 1976, p. 59).
Beaufret (1976) localizará nessa existência humana o elemento diferenciado entre o homem e as 
outras coisas e seres viventes, pois estes, como as pedras e as árvores, apenas são e se dispõem no mundo, 
enquanto o homem existe, assim como Søren Kierkegaard (1979) também concordará, afirmando que o 
homem possui uma particularidade existencial, afinal, ele existe.
Além disso, Beaufret (1976) aponta que a diferenciação do homem diante das outras coisas e seres é 
porque somente no homem a individualidade e a singularidade se dão como superiores aos imperativos 
da espécie biológica; nos destacamos da massa bio para nos afirmamos diante nossa individualidade.
O homem existe, e isso também significa existir como pertencer ao tempo, não àquele universal e 
sucessivo, que dita ritmo de mudança e envelhecimento biofísico em outras espécies, mas ao tempo do 
vivencial, o homem sempre se vê enredado pela precipitação do instante, como Beaufret (1976, p. 61) 
nos relata:
113
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Assim, o existente é aquele para quem alguma coisa é instante, e que, por 
isso, sente-se tão pressionado, interpelado, reclamado pela instância. Aquele 
para quem nada é instante, não existe. O homem, porém, existe sempre, 
pois mesmo se se tornar esquecido de si próprio, isto é, daquilo que lhe é 
realmente instante, a instância persiste, num segundo plano, a partir do qual 
ela perturba insidiosamente a segurança do que está em primeiro plano.
O existencialismo foi um movimento eclético de pensamento filosófico, iniciado no século XIX, com 
autores precursores, como Kierkegaard e Nietzsche, e que alcançou mais tardiamente nomes como 
Sartre e Heidegger. Obviamente, há nuances diferenciais entre eles, mas como Abbagnano (2006, p. 20) 
afirma, há um ponto em comum: as questões da filosofia existencialista dizem respeito ao problema do 
ser do homem, mas não de um ser abstrato, mas àquele singular e concreto, que possui a possibilidade 
de escolhas e que se (des)constrói com isso, como podemos vislumbrar, “é o problema que o homem põe 
a si mesmo em torno de si mesmo, é o próprio ser do homem como problema de si mesmo; faz dele o 
ser que busca o ser” (ABBAGNANO, 2006, p. 20).
Para os existencialistas, o existir implica o filosofar como uma ação de enfrentamento do destino e 
da capacidade de colocar para si mesmo questões que se desdobram no caminho vivencial no mundo 
com outros seres humanos. Portanto, para essa frente teórica, a ação vital do ser humano implica 
na possibilidade de escolher, decidir, comprometer-se, responsabilizar-se, apaixonar-se e desesperar-se 
num mundo e em relação com outros homens. São essas ações de implicação existencial, afetiva e 
corporal que fazem do homem um ser que sempre irá buscar e ultrapassar a dimensão biológica da 
sobrevivência. Daí os existencialistas comumente apontarem o homem como ser de ultrapassagem ou 
transcendência, porque estão se fazendo além da condição básica da vida biofísica.
Existir implica, segundo Beaufret (1976), um vocativo, um chamamento para inaugurar algo 
novo, para si e para os outros, ou como Kierkegaard nos ensina, poder realizar um giro em torno de 
si mesmo. Segundo Penha (1998), o existencialismo moderno surgiu na França, principalmente no 
contexto da Segunda Guerra Mundial, em meio a uma crise ética e moral da humanidade. Conforme 
o autor nos relata:
Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, numa Europa mergulhada 
nas sequelas do conflito, sufocada numa crise geral (política, social, 
econômica, moral, financeira etc.), irradia-se do continente europeu, 
espraiando-se por todo o mundo, o movimento filosófico existencialista. 
A experiência traumática da guerra gerou um ambiente de desânimo 
e desespero, sentimentos que atingiram particularmente a juventude, 
descrente dos valores burgueses tradicionais e da capacidade de o homem 
solucionar racionalmente as contradições da sociedade (PENHA, 1998, p. 7).
Segundo Carrasco (2018), o termo existencialista foi usado em 1940 por Gabriel Honoré Marcel 
(1889-1973), um dramaturgo e filósofo francês, para tipificar as teorias existenciais de Jean-Paul Sartre, 
Albert Camus e Simone de Beauvoir, que enalteciam a existência concreta humana em vez de assumirem 
114
Unidade III
visões metafísicas e/ou idealistas do homem. Porém, o autor aponta que a reflexão sobre a existência 
não é mérito apenas do povo francês. Podemos localizar esse tipo de questionamento desde os gregos, 
além de representantes no campo estético artístico, como os escritores Dostoiévsky, Tolstói, Oscar Wilde, 
Fernando Pessoa, Clarice Lispector, entre outros.
Figura 16 – Gabriel Honoré Marcel (à direita) com Carl von Fotograaf (à esquerda) em Rotterdam (1969)
 Saiba mais
Para compreender como literários e poetas contribuíram com a percepção 
dos ditames existencialistas, indicamos a leitura de trechos do livro Memórias 
do subsolo, de Dostoiévski, publicado em 1864, e que você assista ao filme 
Notas do subterrâneo, que também retrata a obra do autor russo.
DOSTOIÉVSKI, F. Memórias do subsolo. Tradução: Boris Schnaiderman. 
São Paulo: Editora 34, 2009.
NOTAS do subterrâneo. Direção: Gary Walkow. 1995. 88 min.
Para Penha (1998), o existencialismo, além de uma doutrina de pensamento filosófico, tornou-se um 
modo de vida cultuado pelos intelectuais e artistas do Pós-guerra, o que constituiu uma mítica própria 
ao movimento, associando ao existencialismo pessoas com aparência alternativa, descuidada, rebeldes 
diante das normas, promíscuas, pessimistas e sombrias.
A França, sem dúvidas, foi um país que agregou muitos pensadores existencialistas. Isso não foi 
ao acaso, deveu-se a um contexto social, histórico e cultural pré Segunda Guerra Mundial, em que os 
pensadores se envolviam ativamente com a vida cultural das cidades francesas, como Paris, e tratavam 
de temas profundos nas suas produções teatrais e literárias.
115
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
 Saiba mais
Para ilustrar o contexto propiciador ao pensamento existencialista, 
assista ao filme que narra o encontro do renomado Jean-Paul Sartre e a 
feminista Simone de Beauvoir, dois nomes importantes do movimento.
CAFÉ de Flore. Direção: Jean-Marc Vallée. Canadá; França: Item 7, 2011. 
120 min.
Figura 17 – Café de Flore, na atualidade, em Paris
Outra marca em comum entre os pensadores existencialistas é que estes comumente criticam a 
hegemonia racionalista do século XIX – em que o homem seriadefinido pela sua capacidade racional 
e lógica – e passam a afirmar o primado da existência por sobre as possíveis essências. O homem não 
possui uma essência que o faz ser algo primeiro que existe, nem mesmo o cogito de Descartes, nem o 
inconsciente freudiano o definem a priori (CARRASCO, 2018).
Uma das afirmações mais conhecidas do existencialismo é que o homem escolhe seu destino e o faz 
porque é livre. Obviamente, isso envolve um contexto complexo, desde a sua própria situação naquele 
momento até o horizonte histórico ao qual pertence, mas, de qualquer modo, para os existencialistas, o 
homem é um ser livre que pode escolher e se responsabilizar por suas escolhas.
116
Unidade III
Abbagnano (2006) afirma que, na visão existencial, a existência implica decisão, mas que esta não se 
dá apenas pela vontade do homem, mas se define como um ato de indeterminação problemático. Assim, 
quando eu decido sobre algo em meu percurso, comprometo todo meu ser nessa escolha, a isso se 
chama ato existencial, que implica uma indeterminação. Afinal, nunca poderei controlar tudo ao meu 
redor, nem as consequências globais do meu ato por sobre o mundo, nem sobre como isso atinge aos 
outros; porém, ao mesmo tempo, sempre sou incumbido a escolher, mesmo quando aparentemente 
não escolho; isso se perfaz em uma decisão ontológica, que se dá antes do meu pensar sobre a 
escolha em si.
Outra característica do ato existencial é que ele tende a ser uma decisão autêntica, ou seja, o 
homem tende a decidir por si mesmo, na busca por si e em autopossuir-se. Como Abbagnano (2006) 
bem descreve, por meio de uma escolha autêntica, o homem assume o seu destino, se reconhece 
como uma unidade fusionada entre o passado e a abertura do futuro que se revela no instante da 
escolha. Mas o autor nos alerta, há sempre a possibilidade do inautêntico, quer dizer, de o homem se 
permitir viver sem escolher, disperso diante da sua própria vida, vivendo a vida de outros ou, então, 
isolado do mundo, sem engajar-se na coexistência vital ao ser autêntico.
Percebe-se que meu ato existencial implica sempre um outro ser, como quando Sartre nos relata que, 
quando escolhemos, sempre o fazemos por nós mesmos e pelos outros. Isso também está contemplado 
na obra de Abbagnano (2006), que define a decisão do homem sempre ancorada num dever-ser, numa 
dimensão normativa em que é levado em conta o ser da comunidade coexistente. Além desse outro, 
existe também a temporalidade – que vincula o dever-ser com a consciência diante da finitude humana, 
que o joga ante o risco de findar-se – ou, ainda, a relação com a nulidade, tão bem comentada por 
Sartre na sua obra magistral O ser e o nada.
A problematicidade em seu aspecto temporal é a nulidade possível 
da possibilidade humana, ou seja, a possibilidade – ligada a todas as 
possibilidades que o homem escolhe e assume – de não chegar a se fundar 
no ser e de se perder (ABBAGNANO, 2006, p. 22).
Carrasco (2018) aponta de modo didático os princípios em comum do existencialismo, que podem 
ser agrupados nos seguintes tópicos:
• Não há uma essência que defina o homem, todo homem é livre para fazer escolhas e, ao mesmo 
tempo, ser responsável por elas.
• Entende-se que o homem vive em constante movimento de devir, de transformação, o que nos 
faz seres únicos e singulares.
• Vivemos e nos deparamos com diversos modos de vida existencial, e nossa experiência nessa vida 
coexistencial se dá pela nossa imersão corporal e afetiva.
117
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Para ilustrar de modo histórico e conceitual o movimento existencialista, escolhemos dois 
importantes marcos, primeiramente a obra e o arcabouço de Søren Kierkegaard (1813-1855), um 
pensador dinamarquês considerado como um dos primeiros existencialistas de peso no mundo moderno 
do século XIX. Posteriormente, apresentaremos a obra e o marco conceitual de Jean-Paul Sartre 
(1905-1980), o múltiplo pensador, dramaturgo e literário, o mais famoso existencialista do século XX.
7 O EXISTENCIALISMO (CRISTÃO) DE KIERKEGAARD
A estudiosa francesa Farago (2011) caracteriza Søren Kierkegaard como um dinamarquês intempestivo, 
como um ser existente sensível que soube retratar uma vida autenticamente humana que, em tempos 
de modernidade industrial e das massas emburrecidas, propôs resgatar o mistério da existência por meio 
da fé incondicional na vida e no sagrado.
Num mundo moderno, que investe na industrialização a todo vapor, na hiperprodutividade dos 
tempos novos, a obra de Kierkegaard irá resgatar o valor da interioridade humana, valorizando no 
homem não seu intelecto instrumental, mas sua subjetividade viva e complexa. Apesar de viver num 
país à margem da Europa Central, como fora a França ou mesmo a Inglaterra, o dinamarquês foi um ser 
sensível ao seu tempo e às suas contradições sociais, históricas e religiosas.
 Saiba mais
Para ilustrar o modo de vida moderno e seus dilemas, assista ao filme 
Tempos modernos (1936), ele ilustra o modo de vida moderno, que marca a 
Era da Industrialização nos idos do século XIX.
TEMPOS modernos. Direção: Charlie Chaplin. EUA: Charlie Chaplin 
Productions, 1936. 87 min.
Como apóstolo da existência, Kierkegaard trouxe para a modernidade a existência como aspecto 
central do seu pensamento, enfrentando os ditames racionalistas como poucos. Realizou uma analítica 
existencial da angústia como patamar ontológico, ou seja, aquilo que seria a força criadora da existência 
humana. Sua obra realizou-se embrenhada aos seus terremotos biográficos, como veremos em seguida.
7.1 Notas biográficas e obras de Kierkegaard
Sören Aabye Kierkegaard nasceu em 5 de maio de 1813, na cidade de Copenhague – capital da 
Dinamarca desde o século XV –, que significava “Baía dos mercadores”, retratando sua economia 
portuária e uma história mítica ligada aos vikings.
118
Unidade III
Figura 18 – Mapa da Dinamarca
Kierkegaard foi filho caçula de Michael Pedersen Kierkegaard, de 56 anos, e de uma mulher simplória, 
Anne Srensdatter, de 44 anos. Daí vem uma das notações mais famosas dos diários do pensador, que ele 
fora filho da velhice. Teve uma história familiar conturbada, atravessada pelas mortes precoces dos irmãos, 
depois pelo falecimento da mãe, pela presença ambivalente de um pai severo, mas presente, altamente 
perturbado por um cristianismo tradicional, marcado pela culpa e pelo castigo. Esses fatos constituem uma 
biografia que marcou a obra desse pensador, considerado o pai do existencialismo (FARAGO, 2011).
Figura 19 – Estátua de Kierkegaard localizada em Copenhague
119
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Segundo Chaui (apud KIERKEGAARD, 1979, introdução), Kierkegaard, desde muito cedo, recebeu em 
sua formação a experiência da devoção religiosa. Seu pai, sempre muito rigoroso, lhe imputou o ensino 
de latim e grego, além de instigá-lo a participar de interpretações teatrais, o que lhe desenvolveu uma 
atividade imaginativa criativa. A profundidade diante do sentimento religioso o acompanhou a vida 
toda e o levou a frequentar o curso de Teologia na Universidade de Copenhague por quase dez anos. 
Dessa forma, a filosofia de Kierkegaard não se separa da fé, e esta, por sua vez, está embrenhada na 
experiência existencial humana.
Segundo Farago (2011), a vida do Kierkegaard alimenta sua filosofia e suas obras, do seu diário 
íntimo a um tratado sobre a angústia, entre a elevação do misticismo cristão e a poeticidade de um 
ser sensível, encontramos romances como O diário de um sedutor (1843), Temor e tremor (1843), 
O conceito de angústia (1844), O banquete (1845), As obras do amor (1847) e Diário (1847). Suas críticas 
ao cristianismo estão em Os instantes (1855). Há ainda sermões na obra Discursos edificantes, e tratados 
religiosos em Pureza do coração (1845) e no conhecido Tratado do desespero (1849). Kierkegaard 
também desenvolveu obras de cunho mais filosófico, como Migalhas filosóficas (1845) e As etapas no 
caminho da vida (1845).
Uma notação interessante sobre a biografia e as obrasdesse jovem é o uso recorrente de pseudônimos, 
tais como Victor Eremita, Johannes de Silentio, Constantin Constantio, Johannes Climacus, Nicolaus 
Notabene, Virgilius Haufniensis, entre outros. Farago (2011, p. 61) faz uma interpretação interessante 
sobre porque Kierkegaard utiliza esses pseudônimos com frequência, afirmando que estes são usados para 
figurar as diversas partes da estrutura antropológica triádica – corpo, alma e espírito, varrendo “o espectro 
dos possíveis, do campo humano e das abordagens mais diferenciadas e mais opostas do problema da 
existência”. Por exemplo, na obra O diário de um sedutor (1843), escrita por Johannes Climacus, Kierkegaard 
quer retratar o estilo de vida estético e vulgar, preso às paixões e ao impulso do imediato.
A relação do jovem Kierkegaard com o cristianismo foi marcada por diferentes imagens e sentimentos. 
Inicialmente, quando criança, o pai do pensador o ensinara a visão do cristo crucificado, como o Salvador 
do mundo, que veio à Terra para salvar os homens; uma história marcada por traição, castigo e culpa. 
No seu diário, Kierkegaard comenta que, nesse momento, ele havia assumido para si um novo caminho: 
lutar contra aqueles que injustiçaram o justo perseguido. Porém essa visão mudaria com a juventude de 
Kierkegaard, que percebeu a distorção do pai, pois:
O cristianismo que o pai lhe transmitira não era, como ele havia crido, feito 
de confiança e esperança, mas consistia acima de tudo em se aferrar com 
angústia e desespero a uma fé incapaz de socorrê-lo. Esse cristianismo, com a 
obsessão do pecado, lhe pareceu a mais desumana das crueldades, e toda 
a coragem que ele tinha para enfrentar a vida se levantou para se rebelar 
contra esta religião de sofrimento e castigo (FARAGO, 2011, p. 30).
Ao terminar o estudo secundário, Kierkegaard precisava escolher um caminho universitário, 
dedicou-se inicialmente às humanidades. Realizou o bacharelado em Filosofia e Filologia em 1830. 
Posteriormente, cursou Teologia por quase dez anos, de modo instável, se afastando do curso em 
vários momentos.
120
Unidade III
Apenas em 1834 o jovem dinamarquês inicia sua carreira como escritor, publicando artigos, por 
exemplo, sobre a natureza da mulher. Em seguida inicia-se uma crise pessoal na vida do pensador, que 
abandona o curso de Teologia e passa a viver como um jovem mundano, com uma vida boêmia, repleta 
de dívidas de jogos, mulheres e bebida. Dedica-se a esse tormento existencial, à poesia e às questões 
estéticas. Qualifica-se como um artista da ironia, como o mito de Jano, em que uma de suas faces sorri, 
porém a outra, introspectiva, volta-se para dentro, sofre e chora. Sustentado pela riqueza do pai, critica 
a vida burguesa, denominando-a de inútil e superficial (FARAGO, 2011).
 Saiba mais
Janus ou Jano foi um deus romano marcado pelas transições. Com duas 
faces, demonstrava a força das mudanças e das antinomias da vida. Para 
saber mais, leia:
O MITO de Jano. Mitologia em Português. 2011. Disponível em: https://
www.mitologia.pt/68525.html. Acesso em: 24 jun. 2020.
Figura 20 – Foto de Jano exposta no Museu do Vaticano
Em 1840, ficou noivo de uma jovem chamada Regine Olsen, porém, apesar de nutrir sentimentos 
legítimos, Kierkegaard rompe com a moça meses depois, pois considerava que o amor carnal o afastaria 
da busca pelo eterno. Arrepender-se-ia por toda a vida. Carregando luto e dor, o pensador os assumiu, 
apontando-os como necessários para seu segundo nascimento, a fim de realizar uma vida autêntica. 
Seu tom melancólico e seus tormentos existenciais não souberam lidar com um amor feliz. O modo 
de ser de Olsen, alegre e espontâneo, assustavam-no, levando-o ao desespero. Chegou a justificar a 
separação afirmando que a moça se livrara de uma companhia atormentada e dilacerada.
Em 1841, após essa crise juvenil, Kierkegaard decidiu retomar os estudos teológicos e publicou sua 
tese de doutorado, denominada Sobre o conceito de ironia, na qual recobra um tema que lhe era caro, o 
uso da ironia em Sócrates. A partir disso, Kierkegaard mergulha nas leituras e se autointitula como um 
121
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
pensador solitário, transformando sua vida em um exercício de reflexão absoluto diante da instabilidade 
da vida, e, assim como Nietzsche fizera, também viveu na carne seu projeto filosófico. Kierkegaard 
morreu em 11 de novembro de 1855, tendo sido chamado por muitos de “Sócrates” de um cristianismo 
mais vivo e subjetivo.
7.2 As interlocuções filosóficas e epistêmicas de Kierkegaard
Figura 21 – Desenho baseado no jovem Kierkegaard feito por Christian Kierkegaard
Uma das principais interlocuções de Kierkegaard provém do meio religioso. É participante e crítico 
da Igreja Luterana Dinamarquesa, principalmente na sua institucionalização, que empobreceu a fé e a 
experiência religiosa. Critica a visão moralizante e de conformismo social difundida por essa igrega, e 
recusou-se a receber os sacramentos do famoso luterano Hans Larsen Martensen (1808-1884).
Figura 22 – Hans Larsen, importante teólogo dinamarquês
122
Unidade III
Como muitos de sua época, Kierkegaard foi um estudioso de Hegel. Apesar de certa admiração pela 
obra do alemão, tornou-se seu forte crítico por dois grandes aspectos:
• Era uma filosofia sistemática, o que lhe desagradava, pois, na visão kierkegaardiana, todo 
pensamento que se enclausura num sistema de ideias fechadas empobrece o sujeito que o vive. 
Chaui (apud KIERKEGAARD, 1979, p. X) nos relata que “Kierkegaard combateu a filosofia hegeliana 
como um sistema que esvazia a existência humana de todo caráter concreto, dissolvendo-a em 
puros conceitos racionais”.
• Atribuía grande peso à visão histórica em seu sistema, como um absoluto comandado por uma 
instância idealista chamada razão. Dessa forma, a filosofia hegeliana ficava limitada a esse 
absoluto e perdia-se a pessoa humana sensível.
Enquanto Hegel dedicou-se a uma fenomenologia do espírito universal, destacando a história, o 
dinamarquês escolheu o eterno e o espírito individual, como Farago (2011, p. 70) bem explica:
Por outro lado, e contra Hegel, Kierkegaard lembra que não é a razão que 
dirige o mundo, mesmo sob os véus da paixão sem a qual, certamente, nada 
de grande se poderia realizar. A razão pode ser apenas reguladora, mas a 
matéria que ela deve regular mergulha nas profundezas de um irracional.
A filosofia de Kierkegaard recebe a herança amorosa de Sócrates, apaixonado pela ironia e pelo 
interesse com o mundo político. Kierkegaard vive em um primeiro momento mergulhado na política, 
mas, rapidamente, volta sua preocupação para a religião, que seria para ele a única sabedoria que poderia 
socorrer o homem dos infortúnios próprios da vida. Por meio da fé religiosa, o pensador defendia a ideia 
de que o homem precisava buscar a eternidade como horizonte existencial para salvar-se, essa busca 
faria dele um ser melhor, inclusive socialmente.
Com relação ao uso da ironia socrática, Kierkegaard a compreende como um recurso fundamental para 
que o homem se liberte do apego à realidade e às coisas ao seu redor. A ironia alimentaria o homem de 
uma força interna capaz de desconstruir verdades e a concentrar-se no seu eu, como Farago (2011, p. 41) 
nos conta, a “ironia ensina ser preciso começar aprendendo a se conhecer a si mesmo”. Além disso, o 
uso da ironia como recurso lúdico e desconstrucionista colabora com o antissistematicismo, caro a 
Kierkegaard, e ainda promove um humor ácido que lhe abre os olhos para o que é inexorável na vida, 
como o sofrimento inerente a ela.
 Observação
Segundo Abbagnano (2006), a ironia socrática era o modo como Sócrates 
conscientemente se subestimava em relação aos adversários com quem 
discutia. Assim, o filósofo elevava aqueles que desejava refutar, dizendo o 
contrário do que pensava e empregando, de bom grado, a simulação.
123
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
No universo acadêmico de Copenhague, Kierkegaard assistiu aulas com Nicolai Clausen, um astuto 
leitor de Schleirmacherque foi considerado um dos pais da hermenêutica. Essa vivência na Dinamarca 
impregna a visão kierkegaardiana de um cristianismo experencial, ou seja, vivido por cada um e 
governado por um sentimento espontâneo que o joga para o infinito ou eterno.
Em sua passagem por Berlim, Kierkegaard aproxima-se dos estudos sobre Kant ao indicar a importância 
deste para o cenário filosófico moderno e ocidental, pois operou uma ruptura entre a ontologia e a 
antropologia. Afirma que Kant problematizou a realidade em duas esferas: entre uma dimensão do 
real, que seria inapreensível, “a coisa em si”; e o fenômeno como aquilo que pode ser explicado 
pelo olhar e pela lógica humanos. Kierkegaard realiza uma crítica severa ao projeto deontológico 
kantiano, limitado pelo dever-ser, que, por sua vez, seria controlado pela supremacia da razão. Com isso, 
o dinamarquês acusa parte da teoria kantiana de perder a riqueza subjetiva do eu humano, que inclui a 
fé, que é da instância passional (FARAGO, 2011).
Para Kierkegaard, apesar disso, há uma pergunta kantiana que o interessa, afinal, que é o homem? 
Essa dúvida atravessa toda sua obra, o que o leva a afirmar que o homem não se prende a nenhuma 
essência a priori, pelo contrário, o reafirma como ser livre, capaz de autodeterminar-se, num vir-a-ser 
aberto e perpétuo dado pelo movimento existencial. Outra diferença é que Kierkegaard inclui a fé como 
instância suprema que humaniza e liberta o homem das coisas mundanas e fúteis, em vez do uso da 
razão prática kantiana. Ou seja, em Kierkegaard, o âmbito religioso se coloca como superior ao ético, o 
que para Kant seria impensável.
Portanto, contra Hegel e Kant, Kierkegaard opera a mesma crítica radical, afirmando que:
Não é a razão que dirige o mundo, mesmo sob os véus da paixão sem a qual, 
certamente, nada de grande se poderia realizar. A razão pode ser apenas 
reguladora, mas a matéria que ela deve regular mergulha nas profundezas 
de um irracional (FARAGO, 2011, p. 70).
Desse modo, Kierkegaard afasta-se gradativamente de toda uma tradição filosófica racionalista, 
dedicando-se à compreensão larga, profunda e dolorosa sobre a existência e a subjetividade humana. 
Kierkegaard viveu, ao mesmo tempo, seu próprio pathos existencial, com seus tormentos e descobertas.
7.3 Filosofia existencial de Kierkegaard
A seguir, iremos conhecer melhor o arcabouço teórico desse homem paradoxal.
Filosofia da gênese de si mesmo, o pensamento de Kierkegaard é, por definição, 
eletivamente, uma filosofia da juventude, pode-se dizer até da adolescência, 
da dificuldade de ser jovem, da desgraça e da chance ao mesmo tempo de ser 
inacabado. Ela vale para todas as idades da vida, mas se acha notavelmente 
muito longe do esquecimento dos tormentos juvenis que detêm o saber 
inconsciente do que é ser um homem (FARAGO, 2011, p. 94).
124
Unidade III
A filosofia de Kierkegaard, atento ao movimento subjetivo, vivo e inacabado, rejeita o determinismo de 
qualquer espécie. Para ela, o homem é absolutamente livre e, portanto, plenamente responsável pelas escolhas 
que realiza. Daí a caracterização de existencialista do seu arcabouço de pensamento. Portanto, seu projeto 
filosófico não se aparta do viés antropológico, e ainda defende que devemos receber a vida gratuitamente, como 
uma dádiva divina, nossa responsabilidade em assumir ativamente o destino e a opção de viver. Acredita na 
primazia da existência do indivíduo, que se impõe sobre a do ser biológico, pois é o indivíduo que se desenvolve 
por suas escolhas, constituindo sua personalidade singular diante dos dilemas da salvação humana.
 Lembrete
Iniciado no século XIX, com autores como Kierkegaard e Nietzsche, o 
existencialismo foi um movimento eclético de pensamento filosófico. Mais 
tardiamente, alcançou nomes como Sartre e Heidegger.
A vivência humana não é isenta de sofrimento, pelo contrário, ela só se autentica e se possui à 
medida que o homem assume de modo corajoso seus tormentos internos, indicando sua vitalidade e 
aceitação da liberdade. Ou seja, Kierkegaard critica os imediatismos e o culto ao que é obtido muito 
facilmente, destacando o caráter salvífico da inquietude humana.
O projeto antropológico de Kierkegaard, influenciado pelo cristianismo e pelo helenismo, reafirma 
uma cisão importante no homem, entre sua alma e seu corpo. Para superá-la, existe apenas um caminho: 
o exercício da fé, que, exercida pelo espírito, num processo de criação e transcendência, convoca-o para 
uma possível união e síntese, que seria o que o pensador chama de espírito (FARAGO, 2011).
Além disso, Kierkegaard enaltece a subjetividade humana como a forma que permite que a existência se 
manifeste, portanto, não há uma realidade objetiva única, pois ela sempre parte de um homem subjetivo e 
vivo. “A subjetividade é a verdade, a subjetividade é a realidade” (KIERKEGAARD apud PENHA, 1998, p. 16).
Para explicar o seu projeto antropológico existenciário, Kierkegaard debruça-se sobre grandes categorias, 
como Farago (2011) nos conta, tais como existência, angústia, desespero, liberdade e beatitude (ou graça).
Para o pensador dinamarquês, a existência não é um objeto de estudo, pelo contrário, ela se encontra 
na origem de tudo. A partir dela, o homem vive, pensa, sente e age no mundo. “Para o homem, sua 
existência é uma tarefa, uma exigência: a de ter que devir, edificar-se” (FARAGO, 2011, p. 74).
O homem, então instigado pelo “tornar-se o que se é”, move-se e faz escolhas, ele ek-siste, ou seja, 
mantém-se fora de si, sendo o único ente que pode existir diante do indefinido, na abertura dos possíveis 
que se abrem como fendas a sua frente. Portanto, o homem ,munido da sua condição biológica, tem que 
se realizar e atualizar sua humanidade para além dela. Nesse interim, ele é lançado como corpo no mundo, 
dotado de alma, que tudo sente e vê ao seu redor. Diante, então, dessa tarefa, deve buscar uma síntese 
reflexiva sobre o que se é e se quer ser; somente aí o homem alcança a terceira dimensão existencial: a 
espiritual. Ou seja, percebe que a existência não é dada gratuitamente a ele, ao contrário da vida biológica. 
A existência é gerada numa tensão insuperável e eterna que deve ser enfrentada pelo ser, com coragem 
125
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
e amor; somente então a alma alcançará o estágio religioso da beatitude, em que deve se amar a Deus 
como o eterno, conforme Kierkegaard (1979, p. 118) nos relata em sua obra Temor e tremor (1843), “porque 
aquele que se amou a si próprio foi grande pela sua pessoa; quem amou a outrem foi grande dando-se; 
mas o que amou a Deus foi o maior de todos”.
Diante da premência da escolha para ser, o homem experimenta o nada, que é tonalizado por um 
sentimento agudo de chamamento, que Kierkegaard denomina de angústia, conforme podemos aprender:
Assim, a existência é o indivíduo no sentido mais elevado do termo: não o indivíduo 
biológico que se define pela preocupação vital, mas o indivíduo livre, definido pelo 
cuidado do ser. É o homem que joga seu destino no tempo, no coração da finitude 
e na presença da morte, o homem que, por sua decisão, pode se perder ou se 
ganhar, vir a si ou falhar. Este poder ser ou de não ser ligado a uma decisão que 
ninguém pode tomar por ele, não pode senão abalar profundamente o indivíduo 
que de repente o descobre, para lá do hábito de viver. A angústia é o frêmito da 
liberdade mais personalizada que dá vida à realidade que cada um leva em si, que 
o põe na situação de se escolher (FARAGO, 2011, p. 85).
Kierkegaard (2010, p. 47), na obra O conceito de angústia, a define, como aquilo do qual não podemos 
fugir, que surge da difícil relação entre o corpo, a alma e a possibilidade de síntese espiritual, pois sempre 
haverá luta. O pensador cristão nos bem relata “o espírito não pode desembaraçar-se de si mesmo, 
tampouco pode apreender-se a si mesmo, enquanto ele se mantiver fora de si mesmo”. Ou seja, o homem 
ao se relacionar consigo e com o mundo, não pode fugir da angústia, que lhe atravessae lhe move. A 
Angústia é um patamar ontológico para Kierkegaard, isso nos lança ao seu projeto antropológico.
Penha (1998, p. 17) assim define a visão de homem para o existencialismo kierkegaardiano: “o homem 
é espírito, é a síntese de finito e infinito, de temporal e eterno, de liberdade e necessidade”. Ou seja, o 
homem é relação diante um eterno girar-se sobre si mesmo. Na obra O desespero humano: doença até 
a morte, Kierkegaard assim o define logo na primeira parte:
O homem é espírito, mas o que é o espírito? É o eu. Mas, nesse caso, o eu? O 
eu é uma relação, que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, 
mas consigo próprio. Mais e melhor do que na relação propriamente dita, ele 
consiste no orientar-se dessa relação para a própria interioridade. O eu não é 
a relação em si, mas sim o seu voltar-se sobre si própria, o conhecimento que 
ela tem de si própria depois de estabelecida (KIERKEGAARD, 1979, p. 195).
Para Kierkegaard, é a espiritualidade é que revela a mais elevada especificidade humana: o homem 
espiritual é aquele que se renova, numa continuidade entre sua condição finita, imediata e o eterno. 
A confiança na vida é cultivada pela fé, que é gerada e mantida pela ferida interminável da existência, 
devotada entre dois pólos: poder ser e não poder ser, ou seja, o que se quer ser. “A fé é a ferida da 
finitude, a única feriada capaz de curá-la por sua abertura ao infinito. A fé é a abertura ao ser, um 
poder de fazer ligação com o ser” (FARAGO, 2011, p. 148). Ou seja, a fé não elimina o trágico e a dor da 
existência humana, nem nos joga em outro mundo, como se fosse um exílio sagrado, pelo contrário, 
126
Unidade III
ela nos liga ao mundo, nos possibilita desfrutar da vida, mesmo diante a repetição do mesmo, em que 
reafirmamos nosso ser. A fé nos possibilita conectar com a dimensão do eterno, da abertura ao futuro 
e do tornar-se o que se é, conforme Kierkegaard nos relata em sua obra Temor e tremor (1843), sob o 
pseudônimo de Joahnnes de Silentio:
[...] era então a fé um compromisso aceite para a vida inteira: porque, 
pensava-se a aptidão para crer não se adquire em poucos dias, ou escassas 
semanas. Quando, depois de ter combatido em luta leal e conservado a fé, o 
velho lutador experimentado chegava ao ocaso da vida, o coração mantinha 
suficiente juventude para não esquecer o tremor e a angústia que o tinham 
disciplinado (KIERKEGAARD, 1979, p. 110)
Para o jovem Kierkegaard, a fé se caracteriza como um paradoxo, isso aparecerá em diferentes obras. 
Por exemplo, em Temor e tremor, ele assim a caracteriza como inacessível ao pensar humano, pois 
ela apresenta ao homem o seguinte dilema: como ser individual num mundo moral e geral? Assim o 
pensador nos leva a pensar com ele:
A fé é justamente aquele paradoxo segundo o qual o Indivíduo se encontra 
como tal acima do geral, sobre ele debruçado e sempre de tal maneira que, 
note-se, é o Indivíduo quem depois de ter estado como tal subordinado ao 
geral, alcançar ser agora, graças ao geral o Indivíduo, e como tal superior 
a este; de andeira que o Indivíduo como tal encontra-se numa relação 
absoluta com o absoluto (KIERKEGAARD, 1979, p. 142).
Portanto, para o pensador a fé não é adquirida num exercício racional, pelo contrário, seu movimento 
deve acontecer em virtude do absurdo da vida, seu ocaso e falta de sentido a priori. O homem deve 
acatá-lo, para isso é preciso coragem e elasticidade, aceitando o absoluto e o eterno, tornando-se 
um cavaleiro da fé ou do infinito, como Kierkegaard o nomina. Esses cavaleiros são equiparados com 
os bailarinos que saltam no ar e não se amedrontam de quedar-se, reconhecendo a queda como um 
passatempo divertido, como ele nos descreve este ser, que:
Converte em resignação infinita a profunda melancolia da vida; conhece 
a felicidade do infinito; experimentou a dor da total renúncia aquilo 
que mais ama no mundo, e no entanto, saboreia o finito com tão pleno 
prazer como se nada tivesse conhecido melhor, não mostra indício de 
sofrer inquietação ou temor, diverte-se com uma tal tranquilidade, que, 
parece nada há de mais certo que este mundo finito. E, no entanto, toda 
essa representação do mundo que ele figura é nova criação do absurdo 
(KIERKEGAARD, 1979, p. 132).
Percebe-se que a percepção da eternidade é uma condição chave para a liberdade humana em 
Kierkegaard, não como marca do tempo estática, mas como uma experiência inerente ao tempo interno 
e vivido do/pelo ser. Ou seja, aquilo que apazigua a alma humana e a faz compreender largamente, que 
tudo se esvai, mas o apaixonamento pela vida e por si, prevalecem.
127
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Kierkegaard chama de instante, esse ponto de contato entre o finito e o infinito, que possibilita o salto 
da percepção do tempo imediato para outra instância suprassensível, que é o eterno. Ou seja, o instante é 
a condição intratemporal que sustenta de modo amoroso a vida, lhe dando sentido e orientação.
Compreendemos então, que é o instante que chama o homem a decisão existencial, propondo-lhe 
a possibilidade de ser mais autêntico, para o crescimento do ser e a assumpção da abertura frente a 
eternidade. Porém, se por contingência e fraqueza de si, o homem não se realiza, não se consagra 
existente, surge o desespero, como um pecado, como aquilo que não se realizou. Kierkegaard porém, 
afirma que todos nós somos atravessados pelo desespero, mesmo as vidas mais pacatas e amenas.
O desespero, por mais doloroso que nos seja, é o que nos faz saltar, superando o imediato e 
potencialmente, podendo alçar estágios mais libertários, como o religioso. O desespero é um indício 
vertiginoso de que a existência está sendo emperrada por alguma ausência ou negligência, como um 
grito de alerta.
Esse tema é caro ao pensador dinamarquês, que escreve uma obra para bem descrevê-lo em 1849, 
que resulta num tratado analítico sobre O desespero humano- doença até a morte. Define-o como uma 
categoria espiritual, que surge entre os dilemas que se dão entre as exigências do corpo, da alma e do 
eu, ou o self, que constituirá a dimensão espiritual para Kierkegaard. Ainda, o compreende como uma 
dialética entre ser uma vantagem e uma imperfeição. Nos dá vantagem evolutiva, pois o desespero nos 
coloca em posição superior ao do mundo animal, porque nos arma diante os perigos da existência. E 
ainda, favorece aquele homem religioso, que passou a ter consciência do desespero, tornando-se um ser 
mais preparado para lidar com as inconstâncias da condição humana. Mas há também um lado tenebroso 
do desespero, quando ele se torna uma doença, quando o homem tenta eliminá-lo, negando-o em seu 
cotidiano, torna-se inautêntico, por exemplo, não consegue lidar com finitude, entre outras questões. 
Kierkegaard (1979, p. 199) assim nos relata sobre a forma do desespero doentia, “o ser mortalmente 
doente, é não poder morrer, um suplício contraditório, essa enfermidade do eu, eternamente morrer, 
morrer sem todavia morrer, morrer a morte”.
No livro I desse tratado sobre o desespero, Kierkegaard apresenta três formas de desespero que 
acometem o homem. Primeiramente, aquele que surge quando este se dá conta de que tem um eu a 
construir, isso ocorre na adolescência geralmente; depois há o desespero que luta contra o desejo de 
ser próprio, de ser um eu autêntico e por fim; o desespero que move o homem ao desejo de ser próprio, 
aquilo que quer tornar-se, mas ainda não se tornou.
Para o pensador luterano, a existência se dá em três estágios, que ele denomina de etapas do caminho 
da vida:
• Estágio estético: dominado pelo apego do homem ao imediato.
• Estágio ético: mantido pelas exigências da sociedade, pelas normas e pelo dever-ser.
• Estágio religioso: caracterizado pela aceitação do eterno, em que o eu aceita a vida com as suas 
instabilidades existenciais, ou seja, se assume o transcendente como rotineiro.
128
Unidade III
Kierkegaard descreverá essas fases na obra de 1845, As etapas no caminho da vida. Essas fases 
podem ser compreendidascomo modos de vida. Farago (2011, p. 120) bem nos explica essa necessidade 
kierkegaardiana de apresentá-las:
Todas as concepções da existência se classificam segundo graus de 
interiorização do indivíduo porque se a vida é uma caminhada, ascensão 
rumo a si mesmo, isso exige etapas. Elas se escalonam, sem dúvida, no 
tempo, mas nem por isso se abolem umas após as outras, em um esquema 
simplista. Em termos mais precisos, a noção de etapa designa um estilo de 
vida, um tipo de aliança do temporal e do eterno na existência.
Chaui (apud KIERKEGAARD, 1979) comenta-as, aponta que a opção estética é impulsiva, tenta se apegar 
e resolver todas as questões ao seu redor, num atropelo existencial, que leva o sujeito ao efêmero e a ânsia por 
novidades, o que caracterizaria o modo de vida do consumo excessivo na atualidade. Já no modo de vida ético, 
apresentado na obra Temor e tremor, com versões bíblicas comentadas da história de Abraão e Isaac, explora-se 
a vive-se na intensidade do dever, o que gera ainda uma dependência das regras e normas da sociedade em que 
se vive. E somente no terceiro estágio, o religioso é que se alça a serenidade e a fé integrada ao espírito.
Então para o pensador dinamarquês, apenas quando se alcança o modo de vida religioso, se supera 
os paradoxos e sofrimentos inerentes aos outros dois modos de vida, conforme podemos aprender 
com Chaui (apud KIERKEGAARD, 1979, p. XII) em seus comentários, pois “a conduta estética levada às 
últimas consequências culmina no desespero, a etapa ética, atingindo seus limites supremos, faz surgir a 
contradição”. Portanto, a passagem do ético ao religioso tornar-se então necessária, o que exige enorme 
coragem e poder de resignação, ao aceitar o absurdo da vida, a priori sem sentido e repleto de dilemas, 
um caminho repleto de fé e desespero. Pois o homem é:
[...] um ser em situação, mas trata-se de uma situação de um ser dilacerado 
entre o tempo e a eternidade. Esta dupla referência é que faz o homem, que 
é o homem, o peregrino do absoluto. Negar um ou outra significa ocultar 
a condição humana. A beatitude não consiste em esquecer a existência, 
mas em estar presente a ela, e a beatitude eterna consiste em saborear a 
eternidade do tempo (FARAGO, 2011, p. 152)
Segundo Penha (1998), o pensamento kierkegaardiano assumiu maior importância apenas no século XX, 
alçando outras fronteiras, além da Dinamarca, chegando até a Alemanha, com Heidegger e na França 
com Sartre. Obteve maior divulgação pelas traduções dos russos Berdiàev (1874-1948) e Leon Chestov 
(1863-1938).
Farago (2011) afirma que a obra de Kierkegaard nunca se fez tão atual, pois o homem contemporâneo 
perdeu a capacidade de se relacionar com o sagrado e o mistério ontológico, aquilo que o fundaria como 
ser autêntico. Vive-se hoje, portanto, preso ao modo de vida esteta, numa dinâmica de auto-referência e 
modismos passageiros. Portanto, o projeto antropológico kierkegaardiano relembra a esse homem, que é 
preciso se auto escolher, auto possuir-se, não num individualismo dilacerante, mas num horizonte mais 
autêntico e compassivo, acatando as forças do inesperado e do absurdo da vida.
129
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Agora que já conhecemos alguns conceitos e o modo de pensar kierkegaardiano, que é considerado 
pioneiro do existencialismo, faz-se necessário conhecer um outro projeto, considerado como o ápice do 
movimento contemporâneo, a filosofia existencial de Sartre.
8 O EXISTENCIALISMO SARTREANO
O movimento existencialista possuiu diferentes pensadores e perspectivas, mas sem dúvida, é a 
filosofia existencial de Jean-Paul Sartre (1905-1980) que mais desperta o interesse, seja pela diversidade 
de suas obras, ou mesmo suas posturas estéticas e políticas, que muitas vezes soavam controversas, 
como Penha nos relata:
Nenhum filósofo desfrutou neste século de maior popularidade quanto 
Jean-Paul Sartre. Tampouco, algum outro despertou tanta polêmica. 
Em parte, porque- como bem salientou uma prestigiosa intérprete de 
seu pensamento, Colette Audry – Sartre nunca deixou de desconcertar 
seu público. Por isso mesmo – ainda é a citada crítica que o afirma- Sartre 
reúne todas as condições para ser mal compreendido; mais ainda do que 
incompreendido, violentamente atacado. Mas também apaixonadamente 
incompreendido (PENHA, 1998, p. 37).
Considerado como um “papa do existencialismo” e chamado de intelectual total, faz-se necessário 
conhecer melhor as passagens biográficas e epistêmicas que justificam sua ampla repercussão no 
campo da filosofia e da literatura, em que Sartre deixou suas marcas, em inúmeras obras. Como poucos, 
o pensador francês soube mesclar gêneros, afinal, era ele um filósofo que se arriscava escritor, ou então 
um escritor, que filosofava sob a roupagem dos personagens que inventara sob a escrita literária? Ou 
ainda, o teatrólogo ou cineasta, como roteirista? Afinal, quem era Sartre?
Henri-Lévy (2001), admirador sartreano, atualmente considerado uma personalidade destacável 
do mundo francês, no teatro e no cinema, além de escritor, escreveu uma obra sobre Sartre, nominada, 
O século de Sartre: inquérito filosófico, nela aponta que o francês inventou além de obras, um novo estilo de 
vida. Além disso, Sartre mostrou ao mundo um espetáculo do pensamento vivo em movimento, como Lévy 
(2001, p. 29) aponta, “ uma espécie de Partido do eu-sozinho, um Estado-espetáculo permanente do qual ele 
seria o ator, o autor, o diretor, o cenógrafo, do qual o planeta inteiro é o campo do exercício, o teatro”. Afirma 
que Sartre chama a atenção também pela sua capacidade de ocupar o espaço literário e cultural do seu 
tempo, atravessando diferentes gêneros, misturando filosofia e literatura com talento e provocação. Assume 
diferentes perspectivas e vozes, de posicionamentos políticos às atividades de percepção e imaginação do 
homem, um operador de ideias, como Lévy (2001, p. 65) nos destaca:
É a primeira grande originalidade de Sartre, entre todos os seus 
contemporâneos: ter sabido fazer da filosofia conforme aliás, uma de 
suas vocações mais antigas, porém das mais esquecidas, e desde muito 
antigamente- uma ferramenta ótica, um olho íntimo, um operador de olhar 
e, na linha desse olhar, um operador de ideias e de verdade.
130
Unidade III
Cohen-Solal (2005) afirmará que Sartre é um dos pensadores mais originais do seu tempo, englobando 
diferentes habilidades do campo psicológico ao filosófico, do teatro ao literário, a força desse homem é:
[…] ter um projeto estético muito forte que instrumentaliza todo o resto. 
Para ele, a filosofia é ao mesmo tempo uma ferramenta de compreensão 
de si e uma ferramenta de produção literária, o que ele próprio confirmará 
anos mais tarde, “A partir do momento em que soube o que era a filosofia, 
pareceu-me normal exigi-la do escritor” (COHEN-SOLAL, 2005, p. 47).
 Saiba mais
Segundo Oricchio (2006), em 1958, John Huston encomendou a 
Sartre o roteiro do filme que queria fazer sobre a vida de Freud. Huston 
admirava Sartre e havia montado sua peça “Entre quatro paredes”. Para 
mais informações sobre essa relação, leia o artigo a seguir:
ORICCHIO, L. Z. Huston e Sartre em um roteiro do inconsciente (filme 
Freud Além da Alma). O Estado de S. Paulo, 7 maio 2006.
A partir desses inúmeros elogios, faz-se necessário conhecer melhor a biografia desse 
pensador-escritor e múltiplo homem de seu tempo, um filósofo artista como poucos.
8.1 Notas biográficas e obras de Sartre
Figura 23 – Jean-Paul Sartre na capa do Jornal La Cause du Peuple
131
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Jean-Paul Sartre nasce em Paris, no dia 21 de junho de 1905, provindo da família materna dos 
Schweitzer, sua mãe Anne-Marie Schweitzer Sartre; e da família paterna dos Thiviers, de Jean Baptiste 
Marie Eymard Sartre, que era oficial da Marinha Francesa. Tornou-se órfão de pai muito cedo, com 
apenas 2 anos de idade, o que marcou a vida do pensador, que fora educado principalmente pelo seu 
avô materno na cidade de Meudon, próximo a capitalfrancesa.
Marilena Chaui (apud SARTRE, 1987), na introdução biográfica do volume sobre Sartre da coleção 
Os pensadores, afirma que a falta do pai fez de Sartre um homem livre, que acreditava que quem 
determinaria a vida seria o próprio sujeito, mesmo que situado num mundo social complexo. Além 
disso, foi um jovem que leu muito, o que lhe proveu uma imaginação criativa. Também a leitura fez o 
pequeno desvelar o mundo através da linguagem, que se tornou seu ofício, pois aos 10 anos ganhou 
uma máquina de escrever e desde então não parou de revelar o mundo através das palavras.
Foi um jovem envolto em dilemas familiares, perto de 1916, por exemplo, ao ver sua mãe se casar 
novamente, sentiu-se solitário e traído. Estudou no Liceu La Rochelle, ao se mudarem para a cidade 
que levava o mesmo nome. Essa experiência lhe preparou para seu ingresso em 1924, na Escola Normal 
Superior de Paris no curso de filosofia.
Figura 24 – Jean-Paul Sartre
Colen-Sohal (2005), uma das suas mais notáveis biógrafas, caracterizou a tradição das famílias de 
Sartre envolvidas em conflitos histórico-culturais, tipicamente franceses. Um mundo dividido entre o estilo 
de vida francês urbano e o rural; e ainda, entre uma visão católica e outra protestante, o que marcou a 
vida de Sartre, constituindo em si uma postura ética acostumada com a ruptura. O pensador, inclusive, 
afirmará que, em uma de suas últimas obras, As palavras, de 1963, ele constrói uma narrativa que retrata 
três histórias de amor fracassadas, o que seria o correlato do que vira em sua própria história familiar.
132
Unidade III
De certo modo, Sartre passa sua vida lutando contra o arcaísmo dessa tradição rural que recebera, 
Colen-Sohal (2005, p. 44) afirma que:
[…] nas inúmeras tentativas sartrianas de pensar o moderno, de escapar 
aos quadros demasiado tradicionais da universidade, de buscar nas culturas 
estrangeiras um recurso e uma fecundação, de denunciar as covardias e os 
tabus da história coletiva francesa.
Sartre cursou filosofia de 1924 até 1928, como aluno mediano, lá conheceu sua esposa e interlocutora 
Simone de Beauvoir (1908-1986), que tornou-se uma companheira libertária e revolucionária, expondo 
ao mundo, com aprovação do próprio Sartre, detalhes da vida privada e pública dos dois, em suas 
viagens e dilemas emocionais em obras como A força da idade e A força das coisas.
Sartre declarava recorrentemente seu amor à Simone, afirmando: “não posso me separar da senhora, 
que é como a consistência da minha pessoa” (SARTRE apud LÉVY, 2001, p. 18). Simone era conhecida 
sob o codinome de Castor, assim era chamada carinhosamente pelo esposo-amante, pois o castor seria 
um animal privilegiado do mundo animal, pois era o arquiteto eficiente e insistente. Isso era o que 
significava Beauvoir para Sartre: sua casa afetiva e sua leitora mais privilegiada.
O casal impactará o mundo sob a égide de uma relação afetivo-sexual aberta, porém sempre leal 
ao princípio da liberdade e do amor. Não é segredo que existiram outros relacionamentos na vida de 
Sartre, assim como na da esposa, que teve vários pares amorosos até a velhice, contudo, o casal sempre 
se reencontrava para fortalecer os laços afetivos, e, ao fim, Beauvoir e Sartre foram enterrados juntos.
Figura 25 – Simone de Beauvoir
133
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Na conclusão do curso de Filosofia, Sartre enfrenta outro desafio, pois terá uma reprovação do seu 
exame de fechamento, a banca não legitimou seu escrito sobre a história da filosofia. Essas reprovações 
serão comuns na biografia sartreana, pois muitos de seus livros serão reprovados por editores renomados 
na França. Apenas após um ano, obteve êxito e formou-se filósofo, porém sem acreditar na filosofia 
francesa, assim como muitos do seu tempo, a considerava fraca e vazia, o que talvez explique sua ida 
ao Instituto Francês em Berlim, onde estudará obras de Husserl, Heidegger, Jaspers e Scheller, o que o 
levará até o existencialismo cristão de Kierkegaard (COHEN-SOLAL, 2005).
Em 1928, depois de finalizado o curso de filosofia, Sartre prestou serviço militar, como meteorologista, 
na cidade de Tours. Após essa experiência rápida, o pensador conseguiu ocupar uma cadeira de filosofia 
numa escola secundarista na cidade de Hauvre. Na Segunda Guerra Mundial, Sartre será convocado 
novamente como meteorologista, o que marcará sua vida, alimentando sua fase de resistência frente 
ao fascismo. Seus biógrafos comentarão que o fato de ocupar o serviço de meteorologia foi importante 
para o amadurecimento do pensar sartreano, pois ele tinha tempo para contemplar e realizar algumas 
leituras filosóficas importantes, como Que é a metafísica?, de Heidegger.
Um dos seus primeiros romances foi A lenda da verdade, escrito em sua juventude, fora também 
reprovado, mas lhe ajudou a escrever uma de suas maiores obras literárias, A náusea, em 1936. 
Segundo Cohen-Solal(2005), nesse texto Sartre marca sua filosofia do indivíduo, que se opõe ao 
pensamento da massa.
Ainda escreve inúmeras outras obras, como a peça de teatro “Entre quatro paredes”, em 1945, “A 
idade da razão”, “Sursis” e “Com a morte na alma”. Há de se destacar a publicação do livro Os caminhos 
da liberdade, em que o autor problematiza um dos seus maiores emblemas: a liberdade e a ação humana 
(CHAUI apud SARTRE, 1987).
A passagem pela Alemanha será importante no horizonte bibliográfico do autor, ali começará a 
escrever a obra Melancolia, que depois será denominada de A náusea, em 1936, já na França. Na mesma 
época, também começou a escrever algumas das suas primeiras obras de cunho filosófico, A imaginação 
e A transcendência do ego, ambos influenciados pela fenomenologia alemã. Em meados de 1938, Sartre 
reune contos sob o título O muro, e dois anos depois o texto Esboço de uma teoria das emoções, em 1940.
Segundo Chaui (apud SARTRE, 1987), percebe-se uma produtividade significativa sartreana na 
década de 1940, por causa da mobilização afetiva e política que a Segunda Guerra Mundial provocará 
no pensador, que inclusive ficará por meses num campo de concentração. Sartre fundará um grupo de 
resistência, chamado Socialismo e Liberdade, produzindo panfletos e ações pontuais contra o domínio 
alemão, que só será finalizado com o fim da guerra. De certo modo, substitui esse movimento com a 
revista Os tempos modernos, que funda juntamente com Merleau-Ponty (1908-1961).
Sartre ainda mobilizará as atenções ao publicar o polêmico texto O existencialismo é um humanismo, 
em 1946, para reforçar as teses da sua obra O ser e o nada, que recebera muitas críticas por ser uma obra 
hermética. Essa conferência provocará uma resposta de Heidegger, que em Carta sobre o humanismo, 
grifará as diferenças entre sua proposta fenomenológica existencial e o pensamento sartreano.
134
Unidade III
O Sartre teatrólogo continuará ativo, no mesmo ano em 1946, produzirá ainda peças como “Mortos 
em sepultura” e “A prostituta respeitosa”; em 1948, “As mãos sujas”; e “O Diabo e o Bom Deus”, em 1951. 
Peças que ainda no século XXI são reencenadas.
Em 1952, segundo Chaui (apud SARTRE, 1987), existe um fato importante na biografia do pensador 
francês, ele se aproximará do Partido Comunista francês, mostrando uma fase sartreana próxima aos 
excluídos, miseráveis e o terceiro mundo. Seria o momento mais engajado politicamente de Sartre, onde 
ele associa ação e pensamento, tornando-se forte crítico dos movimentos colonialistas, como o que 
ocorre da própria França na Argélia. Ainda viajará pelo Terceiro Mundo, em países como Cuba e Brasil na 
década de 1960, além de marcar sua indignação frente a Guerra do Vietnã.
Essa marca política levará Sartre a negar o Prêmio Nobel de literatura pela obra As palavras, num gesto 
de resistência frente a tradição dos poderes europeus. Ainda produzirá na década de 1970, uma obra larga 
sobre Flaubert, O idiota da família, que reuniu mais de duas mil páginas e que permaneceu inacabado.
Em 1973, num momento mais solitário, já cego, com dificuldadesde saúde, ele ainda colaborou 
com a fundação do jornal francês Libération. Em 1980, Sartre faleceu em Paris, com 74 anos, de edema 
pulmonar. Seu enterro reuniu mais de cinquenta mil franceses, que acompanharam o enterro de uma 
das personalidades mais impactantes de seu tempo.
8.2 O itinerário filosófico, epistêmico e estético de Sartre
O movimento existencialista tem múltiplas nuances e pensadores, porém, é com Sartre que esse 
pensamento assume popularidade e povoa o imaginário de uma geração. Iremos acompanhar o 
caminho da obra sartreana, que se mostrou viva, selvagem e apaixonante, como Lévy (2001, p. 117) 
nos ajuda a compreender:
Sartre é esse grande vivo. Ele é esse selvagem, esse guerreiro, esse ladrão de 
palavras, que talha no morto-vivo da arte e do pensamento do outro para 
forjar seus próprios pensamentos e arte. As vezes o guerreiro vai tão longe, 
afirma com tanta arrogância os direitos da sua leitura e sua onipotência, 
que absorve, aniquila nadifica o pensamento daquele que ele pensa ler.
Mapear o itinerário filosófico e epistêmico da obra sartreana é realmente um desafio, pois como 
Lévy nos ajudou a pensar, o pensador francês bebe de muitas fontes, nem sempre as explicita, ou ainda, 
as critica e depois as reafirma, mantendo uma relação paradoxal, como a que ocorre com a obra de 
Bergson, um referencial francês importante.
De qualquer modo, podemos citar algumas fontes importantes para a constituição dessa máquina 
de guerra que o pensamento e ação de Sartre tornou-se no século XX, em meio às guerras mundiais.
Começamos com a sua relação conflitiva com a obra de Henri Bergson, Sartre, que conjuntamente 
com Merleau-Ponty o acusavam de constituir mais uma exibição filosófica do que um sistema sério de 
pensamento filosófico, demonstrando sua fraqueza no campo conceitual, apontam que um dos seus 
135
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
principais conceitos – o elã vital – beirava o irracionalismo e incentivara ideologias como o nazismo e 
o espiritualismo. Afinal de onde viria essa força vital que moveria o homem numa evolução criadora? 
Será que alguns povos teriam um acesso facilitado a essa energia vital, lhe fazendo superiores? Porém, 
como Lévy (2001) nos ajuda a pensar, Sartre se aproxima do bergsonismo na sua visão da vida como 
duração, afirmando que o homem é matéria vital cindido entre os desejos e as resistências sufocantes de 
uma natureza opaca e fragmentária. Afinal, quando Bergson afirma que a matéria e a liberdade podem 
conviver em oposição, e mais quando afirma que a vida encontrará um modo de favorecer a potência 
da liberdade, não é o mesmo que Sartre afirmará em O ser e o nada, enaltecendo-a como aquilo que 
nos faz humanos e vivos?
Henri Bergson (1859-1941) foi um filósofo francês, diplomata, que marcou sua época, ao estudar o 
tempo e a memória como fluxos sob uma filosofia especulativa, intuicionista mas rigorosa. Apresentava 
a filosofia como arte e não como ciência, como havia correntes positivistas tentando realizar na França. 
Uma das suas ideias mais cultuadas dizia respeito ao entendimento da consciência como duração 
temporal e aliada ao campo do vivido, principalmente descolada da materialidade objetiva do empirismo, 
em voga na época. Foi conselheiro de príncipes, ganhador do Nobel em literatura em 1927, além de seus 
cursos sempre cheios no Collège de France, num clima de quase devoção. Publicou importantes obras, 
tais como Matéria e memória, A evolução criadora e As duas fontes da moral e da religião (LÉVY, 2001).
Figura 26 – Henri Bergson
Outro interlocutor importante no horizonte sartreano é Husserl, quando o pensador passa por 
Berlim, se encanta com a obra husserliana, sob diferentes perspectivas. Sartre ficou maravilhado, 
por exemplo, com o “voltar às coisas mesmas” do alemão, que inspirou Jean-Paul a dizer em alto som 
nos cafés e bares em Paris que poderia agora debruçar-se sobre seu coquetel de damasco e descrevê-lo 
em sua essência por uma noite toda e que isso seria filosofia.
136
Unidade III
Beauvoir (2017, p. 148), em A força da idade, descreverá o encontro de Sartre com a fenomenologia 
husserliana do seguinte modo: “Sartre empalideceu de emoção ou quase, era examente que ambicionava 
há anos: falar das coisas tal como as tocava, e que fosse filosofia”. Descreve ainda que Husserl lhes ensinou 
a ultrapassar as dicotomias apresentadas pelo idealismo ou materialismo, considerando a primazia da 
consciência junto ao mundo. Afirma que Sartre ficou muito entusiasmado e enquanto devorava as obras 
do pensador alemão, escrevera sua obra A transcendência do ego, em 1936.
Cohen-Solal (2005) apresenta a aproximação de Sartre a Husserl entre os anos de 1933 e 1934, 
concebendo a fenomenologia como uma filosofia refinada, técnica e complexa, afirmando que:
Husserl reinstalou o horror e o encanto nas coisas, restitui-nos o mundo dos 
artistas e dos profetas: assustador, hostil, perigoso, com enseadas de graça 
e de amor. Não é não retiro, seja lá qual for, que nos descobriremos: é na 
estrada, na cidade, no meio da cidade, coisa entre as coisas, homem entre os 
homens (SARTRE apud COHEN-SOLAL, 2005, p. 65). 
Há versões ainda que dizem que Sartre alcançou a fenomenologia também por indicação de Lévinas, 
que lhe indicou a leitura da Teoria da intuição de Husserl, o que teria ocorrido antes da ida a Berlim, mas 
deixando de lado essas versões dissonantes, o que é inquestionável é o impacto que a obra husserliana 
teve em Sartre sob quatro aspectos que Lévy (2001) nos aponta:
• Voltar à coisa mesma: possibilitou à Sartre superar a visão de Bergson, que afirmara que a 
percepção humana se dá como mero efeito de consciências, que funcionam como duração 
temporal em contato com o mundo ao seu redor. Voltar as coisas mesmas implicava para Sartre 
em alcançar uma materialidade imanente do mundo em consciência, sem separar consciência do 
objeto, seja da folha branca em cima da mesa à humilhação do povo judeu. Portanto, buscar o eidos 
(essência) como Husserl lhe ensinara, o incentivará a constituir uma descrição fenomenológica da 
imaginação, na obra A imaginação.
• Subjetividade: Husserl lhe ensinará que a subjetividade é esvaziada de interioridade e de 
unidade, diferente do conceito comum às filosofias do sujeito da era moderna, fundadas a partir 
de Descartes. Sartre aprenderá que a subjetividade é aquilo que resiste às coisas, como parte da 
consciência pré-reflexiva, que independe dos estímulos externos, ou seja, ligada a uma visão 
de consciência vazia e frágil, porém irredutível as coisas do mundo, como Sartre adotará também 
em sua filosofia.
• A consciência e as coisas: Husserl na visão de Sartre supera as dicotomias entre as coisas e a 
consciência, entre o sujeito e objeto, comuns as visões idealistas e realistas, pois a consciência é 
sempre consciência de algo, o que a tornava intencional.
• Intersubjetividade: Husserl em uma fase tardia ensinará Sartre sobre a existência de um espaço 
do mundo percebido em comum, que constituirá o espaço da intersubjetividade, que se dá num 
movimento de transcendência entre o humano e o além-humano, ou seja, o outro também 
implicado na relação com o mundo. Esse mundo da vida em que estamos todos envoltos e em 
137
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
comunhão ultrapassaria a filosofia que explicava o homem como um ser de ego, uns separados 
dos outros de forma atomística. Esse mundo do não eu e dos outros favorecerá Sartre a afirmar 
que o homem se encontra já sempre engajado, ou mesmo que ao escolher, escolhe-se por si mas 
principalmente pelos outros.
Inspirado por Husserl, Sartre (1987, p. 22) afirmará que a filosofia deve “expulsar as coisas 
da consciência e restabelecer a verdadeira relação entre esta e o mundo, a saber, a consciência como 
consciência posicional do mundo”. Portanto, a consciência não é um lugar ou coisa interna, mas é 
intencional, movimento de explosão entre o homem e o mundo.
O outro maravilhamento de Sartre se deu junto a obra de Heidegger, queno pós-guerra, foi um 
expoente filosófico importante pois assumiu a missão filosófica como originária, retomando a questão 
do Ser como poucos, o que incentivou o francês a escrever seu grande tratado, O ser e o nada, que é uma 
releitura da obra heideggeriana, retomando temas como existência, o ser, a morte, o nada, o originário.
Sartre demorou a entrar em contato com a tradução de Ser e tempo, apenas nos anos 1940-1941, 
afirmando que Heidegger “era ele, porque era o si mesmo, tudo, em mim, esperava por ele, tudo nele, 
anunciava a mim” (SARTRE apud LÉVY, 2001, p. 137).
Lévy (2001) afirmou que a visão de Sartre sobre alguns conceitos heideggerianos foram distorcidos, 
por exemplo, na noção de Dasein; o francês traduzirá como realidade humana, subjetivando o Ser-aí, 
ignorando a dimensão pré-ontológica que envolve problematizá-lo, como aquele lugar que o homem 
se sustentaria como ser-no-mundo. Sartre, por sua vez, irá inscrevê-lo numa visão humanista, quando o 
que Heidegger (2012a) irá sustentar é o oposto, retirando o problema do Ser do escopo do humanismo, 
pois para este último a filosofia não deveria tratar dos entes, mas sim da ontologia (ser).
Aliás aí mora uma grande ruptura entre os dois, pois Heidegger operará uma crítica radical a todo e 
qualquer projeto humanista, sempre grifando que seu projeto não deveria ser de cunho antropológico, mas 
ontológico fundamental. Sartre por sua vez elaborará uma conferência que ficará famosa, O existencialismo 
é um humanismo, que afirmará que o que existe é apenas o mundo dos homens e apenas homens, 
defendendo uma re-significação do que que seja o humanismo. Isso afetará a relação dos dois, que 
ensaiaram inclusive encontros presenciais, que nunca ocorreram, porém Heidegger se pronunciará sobre 
o texto de Sartre, construindo uma resposta denominada Carta sobre o humanismo (1946), em que 
explicita sua discórdia radical com relação ao projeto sartreano.
Apesar das diferenças, Sartre (1987, p. 59) cita Heidegger na sua obra magistral O ser e o nada, quando 
por exemplo, problematiza a concepção fenomenológica do Nada, ao afirmar que o ser da realidade 
humana se dá como ser-no-mundo, e “o mundo é o complexo sintético das realidades-utensílios da 
medida em que o homem, a partir deste complexo, faz-se anunciar o que é”. Investido de Heidegger 
e negando Hegel, Sartre afirmará que o Ser existe antes do nada, e o Dasein é o que possibilita que 
nadifiquemos o mundo e realizemos tentativas de compreender o nada, não como uma condição 
primeira do ser, mas como condição do ser em movimento, que entra inevitavelmente em contato com 
o vazio da indeterminação, que o joga a escolher, como ele mesmo nos ensina:
138
Unidade III
O nada não sustentado pelo ser, dissipa-se enquanto nada, e recaímos 
no ser. O nada não pode nadificar-se a não ser sobre um fundo de ser: se 
um nada pode existir, não é antes ou depois do ser, nem de modo geral, 
fora do ser, mas no bojo do ser, em seu coração como um verme (SARTRE, 
1987, p. 64).
 Saiba mais
Com a leitura do artigo a seguir você pode comparar o conceito de 
humanismo de Sartre e o de Heidegger, ressaltando as suas diferenças.
ONATE, N. R. Sobre o sentido do humanismo em Martin Heidegger. 
Revista Intuitio, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 87-100, 2018. Disponível 
em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/
view/24420/17474. Acesso em: 24 jun. 2020.
Apesar dessas diferenças abissais, Beauvoir (2017) num relato autobiográfico, narra que Sartre 
apreciava em demasia a filosofia de Heidegger, porque, antes de qualquer coisa, era um dos poucos do 
seu tempo, que salvaria a realidade do mundo, reconciliando o que é objetivo e subjetivo.
Um outro pressuposto epistêmico ao qual Sartre refere-se, sempre de um ponto de vista 
crítico, mas com uma certa simpatia principalmente pela proposta política que fora aliada a esse 
paradigma, foi o materialismo histórico dialético, vulgo marxismo. Beauvoir (2009) relata que sob 
seu ponto de vista Sartre estaria distante de compreender a fecundidade e potência do paradigma, 
ele estava ainda muito envolvido e seduzido pela fenomenologia. Mesmo quando publica um 
artigo na Revista Os Tempos Modernos, chamado “Materialismo e revolução”, colocará em cheque 
o marxismo mais ortodoxo, enfocando uma crítica a dialética da natureza, que ainda estaria presa 
aos gregos, e ainda, apontava que o materialismo histórico dialético teria se tornado um mito 
revolucionário esvaziado de sentido.
Para Sartre existiam entraves complexos sob seu entendimento de uma postura favorável ao sistema 
dialético; primeiramente, porque assim como o idealismo ou o realismo, separava-se de modo dicotômico, 
sujeito e objeto de conhecimento, perdendo-se de vista uma discussão mais integradora e ontológica. 
De outro lado, o pensador francês também se incomoda com o apagamento da subjetividade a dialética 
marxista ocasionava, pois como Beauvoir (2009, p. 18) nos relata: “A dialética tal como a concebia 
na época o abolia enquanto indivíduo; ele acreditava na intuição fenomenológica, que apresenta 
imediatamente a coisa em carne e osso”.
Sartre ainda acusava o marxismo de perder a dimensão humana ontológica, massificando 
problemáticas existenciais, que independeriam do tempo e da cultura, tal como a angústia diante a 
escolha, a finitude e a morte entre outros, como podemos ler no texto Questão de método:
139
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
O existencialismo pode renascer e se manter porque reafirma a realidade dos 
homens. Então, existencialismo e marxismo visam ao mesmo objeto, mas o 
segundo reabsorveu o homem na ideia e o primeiro procurou-o por toda parte 
onde ele está, no seu trabalho, em sua casa, na rua (SARTRE, 1987, p. 123).
Ainda assim, esse dilema atravessará os diferentes momentos de sua obra, em 1960 por exemplo, 
ele escreverá um texto que avança na crítica e se abre a uma nova possibilidade de diálogo entre o 
existencialismo e o marxismo, chamado Questão de método e crítica da razão dialética, que resultará 
numa máxima famosa, em que ele afirmará que o marxismo é a filosofia insuperável do século XX. 
Em sua visão, o existencialismo poderia vir a ajudar a vencer os desafios do seu tempo, ao clarear a 
possibilidade da liberdade, ou seja, ao fazer existir para todos as escolhas possíveis além dos grilhões 
deterministas pelo modo de produção capitalista. Sartre afirmava ainda, o saber pode ser explicado 
pelas ideias marxistas, mas a linguagem é existencialista, um cravado no outro.
O que agradava o pensador francês era que o marxismo concebia o homem como seres-em-situação 
(contingência), o que lhe ajudou a pensar uma das ideias centrais, que antes mesmo de operarmos uma 
ação intencional de engajamento político por exemplo, já estamos todos engajados na situação da vida. 
Visão que também se encontra no marxismo, de que o homem é um homem multideterminados por 
suas condições sociais, históricas e culturais. O que permanece um ponto em fuga na comparação dos 
dois paradigmas é, a que ponto existe a liberdade num modelo determinista, como o de Marx? Esse era 
o incomodo de Sartre: é possível ser livre se só se pensa o homem agrilhoado aos modos de produção? 
(SARTRE, 1987).
Aliás, é nesse texto que Sartre esclarece as contribuições de outro nome importante, Kierkegaard. 
Beauvoir (2017) relata que por muitas vezes, Sartre deixou de lado as traduções das obras kierkegaardianas 
para ler Heidegger e Husserl, porém em algum momento, elas fizeram mais sentido.
Sartre (1987) apresentará a potência de Kierkegaard, pois como ele, esse é um pensador que não quer 
ser encerrado em nenhum sistema filosófico, pois combate o intelectualismo com força. Além disso, é 
um pensador que defende a dimensão do vivido (traduzido pela força da fé), como algo do irredutível, 
ou seja, não pode ser explicado pela razão, apenas vivido por cada sujeito que assume a angústia por si 
mesmo. Como Sartre (1987, p. 116) relata em Questão de método:
O homem existente nãopode ser assimilado por um sistema de ideias; por 
mais que se possa dizer e pensar sobre o sofrimento, ele escapa ao saber, na 
medida em que é sofrido em si mesmo, para si mesmo, onde o saber permanece 
incapaz de transformá-lo.
Kierkegaard ensina a Sartre que a existência passa pela valorização da interioridade, como vida 
subjetiva, que se afirma por toda a vida, profundamente, traduzindo-se em uma aventura pessoal e 
sofrida, como podemos ler com Sartre (1987, p. 116): “Kierkegaard tem razão: a dor, a necessidade, a 
paixão, o sofrimento dos homens, são realidades brutas que não podem ser superadas nem modificados 
pelo saber”.
140
Unidade III
Exemplo de aplicação
Para melhor compreender as relações possíveis entre o existencialismo e Marxismo, indica-se a 
leitura do texto Questão de método, de Sartre (1987). Indica-se ao aluno que grife os trechos mais 
importantes, atentando-se aos seguintes aspectos e questões problematizadoras:
Como Sartre define a missão da filosofia diante o mundo em ebulição, em meio as guerras mundiais?
Sartre aponta três projetos paradigmáticos no campo filosófico na modernidade, quais são eles?
Sartre afirma em determinado ponto do texto, que o existencialismo é um sistema parasitário, 
explique essa afirmativa.
Sartre apresenta as contribuições de Kierkegaard ao existencialismo nesse texto, quais seriam elas?
Quais são as críticas que Sartre tece sobre o marxismo em seu texto?
Qual a missão do existencialismo no século XX diante o marxismo: uma aliança ou uma crítica radical?
Após a leitura atenta do texto, o aluno deve voltar ao roteiro de estudo aqui exposto e elaborar 
comentários por escrito, para refletir e melhor fixar o conteúdo apresentado.
Sartre inicia seu texto com uma questão essencial: é possível, em nossos tempos, em meio às 
guerras mundiais e tamanho mal-estar civilizatório construir uma única filosofia que se constitua 
como uma larga antropologia estrutural e histórica? Para responder a isso, Sartre arrisca-se a dizer 
que se o existencialismo e o marxismo avançarem em suas posições epistêmicas e conceituais isso 
poderia vir a acontecer. Ou seja, fica claro que Sartre apontará que a Filosofia deveria unificar os saberes, 
orientando-os de acordo com alguns esquemas vinculados as realidades, principalmente daqueles que 
são marginalizados. Senão correria o risco, de se perder em esquemas totalizantes e abstratos, sem 
nenhuma relação com a realidade o ser que a vive.
A partir daí o texto desenvolve-se, inicialmente num itinerário filosófico minucioso, buscando as 
raízes do marxismo em Hegel por exemplo, na visão do Ser e do conhecimento nesse filósofo marcante. 
Nesse momento, encontramos um Sartre crítico, que desconstrói alguns pilares do pensar moderno, 
mesmo reconhecendo-o sob três patamares, como são os criados por Descartes e Locke, depois por Kant 
e Hegel e, por fim, o do marxismo.
Arraigado nessas críticas, que ofuscaram a dimensão ontológica do Ser, que se tornaram leituras 
abstratas do real, Sartre propõe que o Existencialismo esteja junto ao terceiro paradigma revolucionário 
moderno, do marxismo. Qualifica o existencialismo como parasitário, no sentido que como ideologia, 
vive e se nutri de um determinado saber, mas que tem potência, pois se opôs a tudo e poderia vir a se 
integrar como máquina de guerra, propondo novos modos de ser e estar no mundo, redimensionando 
o humano dentro do marxismo.
141
FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO
Há, ainda, outros maravilhamentos muitos comentados por Sartre que pertencem ao universo 
literário, prática que ele elege como essencial a qualquer pensador, como a esposa-amante nos narra, 
“Sartre vivia para escrever: tinha por missão testemunhar as coisas e retomá-las por sua conta e a luz 
da necessidade” (BEAUVOIR, 2017, p. 18).
O desapego a qualquer pertencimento, seja de classe social, a profissão ou a geração, marcaram 
a vida de Sartre e isso abria o futuro com uma força que fazia desse pensador-artista uma máquina 
disponível para imaginar. Além de criar, inspirava-se em muitos literários, que suscintamente vamos 
citar, para ilustrar a pluralidade de influências que marcaram a trajetória desse projeto libertário de faces 
filosóficas e estéticas. Porque afinal, Sartre dirá: Todos os filósofos são escritores!
Sartre escreve um livro paradigmático sobre a literatura, Que é a literatura?, no qual afirma que 
todo escritor e sua literatura devem se engajar, numa missão existencial, não como um ato político, mas 
como filosófico, como Lévy nos (2001, p. 73-74) ajuda a compreender melhor:
A conceito de engajamento não é um conceito político que insiste nos 
deveres sociais do escritor, é um conceito filosófico que designa os poderes 
metafísicos da linguagem. Falar de engajamento não é requisitar os homens 
de letras; é lembrar-lhes de cada um sabe ou deveria saber que cada ato de 
nomeação integra-se no espírito objetivo; que com isso, ele dá à palavra ou 
à coisa uma dimensão nova; que cada palavra pronunciada contribui para 
desvelar o mundo e que o desvendar será sempre, e desde já, mudá-lo.
Lévy (2001, p. 95) nos relata que um dos primeiros balaústres literários admirados por Sartre, será 
o grande André Gide (1869-1951), escritor francês, que marcou uma geração por tratar de temas 
disruptivos, como a homossexualidade, sem nenhuma restrição moral. Um experimentalista em seus 
romances, “seu gosto pelos jogos de espelhos e por construções a beira do abismo, a arte da variação dos 
pontos de vistas e das múltiplo as focalizações, toda uma nova técnica”. Gide ainda marcará o cenário 
francês e a vida de Sartre, porque tornou-se no meio editorial importante ícone, ao assumir a editora 
Gallimard e fundar a revista Nouvelle Revue Française. Será essa editora que aprovará e publicará a 
maior parte das obras de Sartre.
O escritor-filósofo francês lerá outros literários de peso, como James Joyce (1882-1941), escritor 
irlandês, que apesar de ser incompreendido por muitos, agradou a Jean-Paul, porque reencontrou ali o 
eco de um complexo afetivo significativo para ele, que apesar de perdido em sua biografia, ainda lhe 
ressoava de forma decisiva, a falta do pai. Esse tema apareceria como uma obsessão nos personagens 
joycianos, o que atraía a atenção do francês, que se via envolto com o tema da paternidade. Além disso, 
aprendeu com Joyce, o recurso literário do uso dos monólogos, como ele reutilizou em suas próprios 
livros, como A náusea e A idade da razão.
Ainda cita-se Louis-Ferdinand Céline (1894-1961), um escritor e médico francês, polêmico, por conta 
de menções as suas teses que foram usados no nazismo, mas que segundo Beauvoir (2017), com a obra 
Viagem ao fundo da noite, emudeceu o espírito de Sartre. Afirmou ainda, que Céline seria o único que 
permaneceria através dos tempos. Apesar do incômodo de Sartre com a posição aparentemente nazista 
142
Unidade III
do autor, e seu desprezo pela simplicidade, Beauvoir nos narra que nessa obra específica, o autor revela 
uma atmosfera anarquista, crítica e um desprezo pelos lugares comuns, o que agradou muito ao casal 
Sartre-Beauvoir.
Lévy (2001) nos conta que inclusive Sartre usará trechos das obras de Céline em suas, como na 
epígrafe de A náusea, que se inicia assim “é um rapaz sem importância coletiva, não passa de um 
indivíduo” (LÉVY, 2001, p. 104).
Outro chamariz para Sartre será o campo literário norte americano, que para Lévy (2001), o 
livrará parcialmente da feitiçaria gidiana, jogando-o diante outros autores de peso. Sartre mantém 
uma relação complexa com o território norte americano pois recusará o estilo de vida democrático 
do homem produtivo e feliz aparentado pelos EUA. Cohen-Solal (2005) nos conta que a América para 
Sartre significava acessar alguns fenômenos culturais desconhecidos, como o jazz moderno, o cinema, 
e uma certa literatura como Hemingway, Dos Passos e Faulkner.
Portanto, serão principalmente os romances americanos que produzirão para Sartre uma revolução 
técnica, propondo novas

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