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Livro do Professor Volume 8 Sociologia ©Editora Positivo Ltda., 2015 Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP) (Maria Teresa A. Gonzati / CRB 9-1584 / Curitiba, PR, Brasil) O34 Oganauskas, Flávia Regina Marchiori. Sociologia : ensino médio / Flávia Regina Marchiori Oganauskas, Gabriel Cardeal Oganauskas ; ilustrações DKO Estúdio. – Curitiba : Positivo, 2016. v. 8 : il. Sistema Positivo de Ensino ISBN 978-85-467-0420-0 (Livro do aluno) ISBN 978-85-467-0421-7 (Livro do professor) 1. Sociologia. 2. Ensino médio – Currículos. I. Oganasukas, Gabriel Cardeal. II. DKO Estúdio. III. Título. CDD 373.33 Presidente: Ruben Formighieri Diretor-Geral: Emerson Walter dos Santos Diretor Editorial: Joseph Razouk Junior Gerente Editorial: Júlio Röcker Neto Gerente de Arte e Iconografia: Cláudio Espósito Godoy Autoria: Flávia Regina Marchiori Oganauskas e Gabriel Cardeal Oganauskas Supervisão Editorial: Jeferson Freitas Edição de Conteúdo: Lysvania Villela Cordeiro (Coord.), Leonardo Carbonieri Campoy e Wilma Joseane Wünsch Edição de Texto: Paulo Cezar Migliozzi Paiva Revisão: Alessandra Cavalli Esteche, Chisato Watanabe e Mariana Bordignon Supervisão de Arte: Elvira Fogaça Cilka Edição de Arte: Cassiano Darela Projeto Gráfico: YAN Comunicação Ícones: ©Shutterstock/ericlefrancais, ©Shutterstock/style-photography, ©Shutterstock/Myvector, ©Shutterstock/Chalermpol e ©Shutterstock/CoraMax Imagens de abertura: ©iStockphoto.com/julos e ©iStockphoto.com/Chris Schmidt Editoração: Flávia Vianna Ilustrações: DKO Estúdio Pesquisa Iconográfica: Janine Perucci (Supervisão) e Juliana de Cássia Câmara Engenharia de Produto: Solange Szabelski Druszcz Produção Editora Positivo Ltda. Rua Major Heitor Guimarães, 174 – Seminário 80440-120 – Curitiba – PR Tel.: (0xx41) 3312-3500 Site: www.editorapositivo.com.br Impressão e acabamento Gráfica e Editora Posigraf Ltda. Rua Senador Accioly Filho, 431/500 – CIC 81310-000 – Curitiba – PR Tel.: (0xx41) 3212-5451 E-mail: posigraf@positivo.com.br 2018 Contato editora.spe@positivo.com.br Todos os direitos reservados à Editora Positivo Ltda. 15 16 Sumário Capitalismo e relações de trabalho................ 4 O trabalho no sistema capitalista ................................................................... 6 Modelos produtivos ........................................................................................ 10 Direitos trabalhistas: uma construção histórica .............................................. 13 Transformações no mundo do trabalho ...... 19 Trabalho e emprego no contexto da globalização ........................................... 20 Precarização do trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas .................. 24 Acesse o livro digital e conheça os objetos digitais e slides deste volume. Capitalismo e rela ções de trabalho Ponto de partida 1 1. O que é trabalho? 2. Qual é a importância do trabalho para a sociedade capitalista? 3. Será que o trabalho influencia a formação de nossa identidade? 4. O trabalho dignifica ou aliena o ser humano? ©iStockphoto.com/ElaineOdell, ©iStockphoto.com/CAP53 15 4 Objetivos da unidade: analisar a importância do trabalho na sociedade capitalista; compreender as principais caracte- rísticas do taylorismo/fordismo; compreender as principais carac- terísticas do toyotismo; analisar a construção histórica dos direitos trabalhistas. Objetivos da unidade: analisar a importância do trabalho Em nossa sociedade, é comum as pessoas serem inda- gadas, ainda na infância, acerca do que querem ser quando crescerem, ou seja, qual profissão pretendem seguir no fu- turo. Na adolescência, a questão da escolha profissional se impõe com maior força, por meio do vestibular ou da ne- cessidade de adentrar no mercado de trabalho. Já na fase adulta, parece natural as pessoas questionarem umas às outras sobre o que fazem da vida, referindo-se à atividade profissional. Todos nós, em algum momento da vida, passamos por dilemas sobre quais são as nossas aptidões, se temos algum tipo de dom ou vocação e qual será a escolha profissional que nos trará realização pessoal, status, retorno financeiro, etc. Isso demonstra que o trabalho é um elemento essencial na vida das pessoas. Ter uma ocupação está relacionado ao fato de como cada um se define perante os outros. Mas como entender sociologicamente o que é o trabalho? Podemos definir, de maneira abrangente, o trabalho como uma ati- vidade realizada pelos seres humanos no intuito de modificar a natureza para a satisfação de suas necessidades. Ele se traduz no esforço coletivo dos seres humanos para a produção de bens materiais e bens imateriais essenciais à manutenção da vida, como arar a terra, semear, cozinhar, pro- jetar e construir habitações e máquinas, escrever livros, compor músicas, etc. A cultura se faz por meio do trabalho, da intervenção dos seres huma- nos na natureza. Modificando a natureza, o trabalho também transforma o indivíduo e a sociedade. O pensador alemão Karl Marx argumentava que o ser humano, ao agir sobre a natureza externa, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza, ou seja, a sua percepção de mundo e de si próprio. Por essa razão, as invenções científicas e tecnológicas dos últimos séculos foram capazes de alterar drasticamente a vida do ser humano ao longo do tempo. A mecanização da produção no campo promoveu uma profunda transformação nas relações de trabalho rural. Grande parte da mão de obra rural foi substituída por máquinas, que intensificaram a produção agrícola. Com isso, houve a migração em massa dos trabalhadores do campo para a cidade. A mecanização do campo também permitiu a produção em grande escala de produtos agrícolas, a fim de abastecer a crescente população mundial. Bens imateriais ou simbólicos dizem respeito a práticas, representações, conhe- cimentos, expressões culturais e técnicas compartilhadas entre os indivíduos de uma comunidade. © Sh u tt er st oc k/ A n d re D ib 5 Atitude sociológica O trabalho no sistema capitalista Cada sociedade tem uma maneira particular de organi- zar a produção dos bens essenciais à manutenção da vida. Historicamente, existiram diversas formas de organização do trabalho e da produção, como o escravismo na Antiguidade, o feudalismo na Idade Média e o capitalismo nas idades Mo- derna e Contemporânea. Neste volume, vamos nos ater especificamente à forma de trabalho que caracteriza a organização econômica capitalista, a qual se estabeleceu de modo gradual na Europa, entre os séculos XIII e XIX. Ela foi produto de um amplo processo de mudanças sociais, políticas e econômicas. Essas mudanças en- volvem o surgimento das cidades, a acumulação de riquezas decorrentes das atividades mercantis e a transição de uma base econômica agrária para a industrial. O capitalismo se fortaleceu com a expansão comercial dos reinos europeus na Idade Moderna (1453-1789). Porém, o de- senvolvimento do trabalho manufatureiro e, posteriormente, a criação e a incorporação das máquinas é que alteraram de maneira profunda a organização dos processos produtivos. A produção manufatureira deu início à especialização do trabalho, por meio da divisão de tarefas entre os trabalhado- res. Assim, diferentemente da produção artesanal, na qual o artesão detinha o conhecimento integral de seu ofício, nas manufaturas, o trabalhador executava apenas uma parte do processo produtivo. A divisão do trabalho e a cooperação entre os trabalhadores propiciaram o aumento da produtivi- dade e, em consequência, do capital resultante da comerciali- zação dos produtos manufaturados. 2 Sugestão de resposta. 3 Conteúdo complementar. Música de trabalho Sem trabalho eu não sou nada Não tenho dignidade Não sinto o meu valor Não tenho identidade [...] VILLA-LOBOS, Dado; RUSSO, Renato; BONFÁ, Marcelo. Música de trabalho. Intérprete:Legião Urbana. In: LEGIÃO URBANA. A tempestade. Rio de Janeiro: EMI, 1996. • Segundo a letra da música, qual é a importância do trabalho na vida do ser humano? GARZONI, Tommaso. Escultor. 1641. 1 xilogravura, 7,8 cm × 6 cm. Deutsche Fotothek, Dresden. Na Idade Média, surgiram formas de organização do trabalho conhecidas como “corporações de ofício”. Eram carpinteiros, pedreiros, ourives, tecelões, ferreiros, padeiros, entre outros. As corporações forneciam qualificação, regras de produção e organização do trabalho, tais como parâmetros para prestação dos serviços, preços atribuídos aos trabalhos, controles de qualidade e reserva de mercado, etc. Tal ação fortalecia esses grupos profissionais e dava prestígio a seus participantes. Como as produções eram artesanais, elas se diferenciavam de acordo com o talento de cada artesão. D eu ts ch e Fo to th ek u nada Renato; BONFÁ Marcelo Música de trabalho D KO E st úd io . 2 01 5. D ig ita l. 6 Volume 8 BARFOOT, James Richard. Progresso do algodão, n. 6: fiação. 1840. 1 litografia, color., 35 cm x 48,5 cm. Mabel Brady Garvan Collection, Yale University Art Gallery, Connecticut. Na Idade Média, os conhecimentos referentes ao ofício de tecelão eram transmitidos dos mestres para os aprendizes. Com a industrialização, as máquinas passaram a ditar o ritmo da produção. Dois autores clássicos da Sociologia, Émile Durkheim (1858-1917) e Karl Marx (1818-1883), apontam a divisão do trabalho como uma característica predominante nas relações de produção das sociedades modernas ocidentais. Tais autores perceberam que, nas sociedades tradicionais, o trabalho implicava o domínio de um ofício, no qual o trabalha- dor exercia todas as etapas da produção. Por sua vez, nas sociedades modernas, segundo eles, havia uma complexa divisão do trabalho, em que os trabalhadores executavam tarefas distintas e específicas, porém complementares, na produção. Com a gradual inserção das máquinas nos processos produtivos, ocorreu o estabelecimento de uma nova di- visão do trabalho. Tomemos como exemplo, durante o Período Medieval, o ofício de tecelão, cujas habilidades relacionadas à produção de tecidos e tapetes eram desenvolvidas em um longo período de aprendizagem. Os conhecimentos referentes a esse ofício eram transmitidos dos mestres para os aprendizes. A qualidade e o valor do produto variavam de acordo com o talento individual do artesão. O incremento dos teares na produção manu- fatureira de tecidos e, mais tarde, das máquinas têxteis alterou o ritmo da produção, dispensando a instrução ou qualificação dos trabalhadores. TECER, fiar e pentear. [14--]. MS Fr. 598, f. 70v. Biblioteca Nacional da França, Paris. A incorporação das máquinas na produção, processo iniciado na Inglaterra, em meados do século XVIII, conhecido como Revolução Industrial, possibilitou o aumento substancial da produtividade, a acumulação de capital e a formação da indústria moderna. O maquinário substituiu, em grande medida, o trabalho humano, pois tinha como vantagem a superação da limitação física dos operários. Enquanto estes, mesmo com longas jornadas de trabalho, necessitavam do descanso diário para se recomporem, as máquinas podiam funcionar de modo ininterrupto, dia e noite, intensificando o processo de produção de mercadorias. Na obra O capital (1867), Karl Marx aponta que a introdução do maquinário nas indústrias não tinha por intuito aliviar ou diminuir o trabalho executado pelos operários. As máquinas serviam para baratear o custo das mercado- rias e, por consequência, aumentar o lucro. Para Marx, o lucro do capitalista advém da mais-valia, que é a diferen- ça entre o valor que o trabalhador produz e o valor recebido na forma de salário. Isso significa que o salário não corresponde ao lucro produzido pelo trabalhador, representando tão somente um valor mínimo destinado à sua subsistência e à de sua família. A incorporação das máquinas na produção possibilitou aos proprietários industriais maior exploração da mais-valia, pois passaram a controlar o ritmo de trabalho nas fábricas, acelerando cada vez mais o processo de produção. Bi b lio te ca N ac io n al d a Fr an ça Ya le U n iv er si ty A rt G al le ry Sociologia 7 Ademais, o uso de máquinas propiciou a diminuição da quantidade de pessoas necessárias na produção das mer- cadorias, assim como a desvalorização do próprio trabalho humano. Como as máquinas dispensavam, em grande medida, o uso da força física dos trabalhadores, uma forma de diminuir os custos consistia em incorporar mulheres e crianças ao trabalho fabril. O motivo é que elas eram capazes de operar e alimentar as máquinas e recebiam salários inferiores aos dos homens. Karl Marx aponta que, na organização capitalista, a alienação (ver Conceitos sociológicos) do trabalhador ocorre na medida em que este não se identifica com os frutos do seu trabalho. Ele sabe que esses frutos não são produzidos para a satisfação de suas próprias necessidades, mas para o enriquecimento de outro, no caso, o capitalista. Assim, Karl Marx demonstra que, no capitalismo, o trabalho deixa de ser uma forma de realização pessoal e de satisfação das necessidades humanas. Em vez disso, ele se transforma em um mecanismo de sobrevivência mínima do trabalhador e de obtenção do lucro para os proprietários dos meios de produção. Há outro aspecto específico da alienação do trabalho. Conforme sublinhado por Karl Marx, no capitalismo, os tra- balhadores, além de não serem proprietários de seus instrumentos de trabalho, também deixam de ser os detentores do conhecimento técnico de todo o processo de produção. Assim, o trabalho parcelado e o uso de máquinas fazem com que o trabalhador deixe de ter conhecimento do processo total de produção e de identificar a relação entre o trabalho diário que executa e o produto final que dele resulta. Leitura sociológica Analise os trechos a seguir, extraídos do livro A riqueza das nações (1776), de Adam Smith, e do Manifesto do Partido Comunista (1848), de Karl Marx e Friedrich Engels. Em seguida, responda à questão que segue. Texto I Um operário desenrola o arame, um outro o endireita, um terceiro o corta, um quarto faz as pontas, um quinto o afia nas pontas para a colocação da cabeça do alfinete; para fazer uma cabeça de alfinete requerem-se 3 ou 4 operações diferentes; montar a cabeça já é uma atividade diferente, e alvejar os alfinetes é outra; a própria embalagem dos alfinetes também constitui uma atividade independente. Assim, a importante atividade de fabricar um alfinete está dividida em aproxima- damente 18 operações distintas, as quais, em algumas manufaturas, são executadas por pessoas diferentes, ao passo que, em outras, o mesmo operário às vezes executa 2 ou 3 delas. SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 66. Texto II O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho despojaram a atividade do operário de seu caráter autônomo, tirando-lhe todo o atrativo. O operário torna-se um simples apêndice da máquina e dele só se requer o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de subsistência que lhes são necessários para viver e perpetuar a espécie. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 46. De acordo com os textos, quais são os efeitos da divisão do trabalho no processo produtivo e na condição dos traba- lhadores nas fábricas? 4 Sugestão de resposta. 8 Volume 8 Em suma, Karl Marx faz uma interpretação crítica acerca da divisão do trabalho no capitalismo, ao identificá-la como responsável pela concentração de riquezas da burguesia e pelas condições degradantes de vida dos trabalhadores. Marx entende que a divisão social do trabalho é produto direto da distinção daclasse social dominante (proprietários capita- listas) em oposição a uma classe social dominada (trabalhadores assalariados). Nesse sentido, verifica-se a existência de um conflito latente entre tais classes: enquanto os trabalhadores visam garantir a melhoria de suas condições materiais de existência, os proprietários industriais agem no intuito de assegurar sua posição social privilegiada e de obter lucros incessantes. Para Marx, o conflito de interesses entre as classes sociais antagônicas é denominado luta de classes (ver Conceitos sociológicos). Essa luta seria o “motor da história”, ou seja, o que movimenta a história por ser a causa das gran- des revoluções ou mudanças sociais. A ilustração a seguir apresenta os grandes empresários industriais, com referência crítica à maneira como enrique- ceram: controle de recursos nacionais, pagamento de baixos salários, influências governamentais, estabelecimento de monopólios, entre outras. A charge ao lado, do século XIX, com a legenda “Os protetores de nossas indústrias”, faz uma crítica aos monopólios de mercado e às condições de trabalho nos Estados Uni- dos da época. Com base nessas informações, interpre- te a ilustração e explique qual crítica é apre- sentada na forma como os empresários e os trabalhadores são retratados. Relacione essa crítica à interpretação de Karl Marx acerca das relações de trabalho no capitalismo. EHRHARDT, Samuel. A história se repete – Os barões ladrões da Idade Média e os barões ladrões de hoje. 1 gravura. In: REVISTA PUCK, 11 jun. 1889. Biblioteca da Universidade Estadual da Geórgia, Atlanta. Ilustração do fim do século XIX que retrata os chamados “barões ladrões”, título pejorativo dado aos grandes empresários dos Estados Unidos. A ilustração retrata trabalhadores, comerciários e agricultores que, por meio de seus ganhos, salários e impostos, repassam sua contribuição para manter o monopólio desses barões. Tal atitude se assemelha à de servos que repassavam suas contribuições ao senhor feudal, conforme quadro em destaque no alto da ilustração. Organize as ideias BERNHARD, Gillam. Os protetores de nossas indústrias. 1 gravura. In: REVISTA PUCK, 7 fev. 1883. Biblioteca do Congresso dos EUA, Washington, D.C. 5 Sugestão de resposta. Bi b lio te ca d a U n iv er si d ad e Es ta d u al d a G eó rg ia , A tl an ta Bi b lio te ca d o C on g re ss o d os E U A , W as h in g to n , D .C . Sociologia 9 Modelos produtivos A industrialização alterou profundamente as relações de produção capitalistas. Desde então, ocorreram sucessivas inovações tecnológicas e organizacionais nos processos de produção. A administração científica da produção, de- senvolvida pelo engenheiro estadunidense Frederick Taylor (1856-1915), é um processo de organização do trabalho proposto para as indústrias. Conforme o próprio nome indica, a “administração científica” compreendia o estudo e o planejamento detalhado dos processos industriais, a fim de propiciar o aumento da produção por meio da racionalização do trabalho. O intuito da administração científica ou taylorismo era o de controlar todos os movimentos dos trabalhadores no processo produtivo, minimizando o tempo despendido entre uma atividade e outra. Além disso, a organização do trabalho no taylorismo visava à separação radical entre o trabalho intelectual e o manual. O primeiro era voltado às atividades de planejamento e gerenciamento da produção. O segundo consistia nas atividades executadas pelos operários que atuavam diretamente no “chão de fábrica”. A administração científica de Taylor foi inicialmente incor- porada na produção automobilística e, depois, estendeu-se aos demais ramos industriais. Essa implantação inicial coube ao em- presário estadunidense Henry Ford (1862-1947). O objetivo de Ford era popularizar os preços e agilizar a produção dos automó- veis, até então um item de consumo inacessível para a maior parte das pessoas. Durante as décadas de 1910 e 1920, a Ford Motor Company iniciou a produção em escala industrial de um modelo único de automóvel, conhecido como “Ford Modelo T”. A estratégia adotada por Ford consistia em medidas de racio- nalização e controle da produção, somadas à inserção da esteira ro- lante que integrava a linha de montagem. O modelo de produção fordista tinha o propósito de reduzir o desperdício de tempo, eco- nomizar mão de obra e eliminar comportamentos supérfluos dos trabalhadores durante o processo produtivo. Assim, a organização do trabalho mantinha os operários fixos em frente à esteira rolante, que circulava com as peças e os componentes padronizados para serem manuseados por eles e transformados no produto final. Cada trabalhador executava uma única função, que era re- petida de forma contínua ao longo de toda a jornada de trabalho, tal como a função de apertar um parafuso, por exemplo. A esteira rolante ditava o ritmo da produção, pois obrigava os operários a realizar suas atividades no tempo previsto. Eles eram constantemente monitorados pela gerência, a fim de garantir a rápida conclusão de suas atividades. 6 Orientação didática. O empresário estadunidense Henry Ford, fundador da Ford Motor Company, posa ao lado de seu famoso carro chamado de Ford T. Este era vendido somente na cor preta e podia ser produzido em 2 horas. Esse empresário adaptou os processos de produção idealizados por Taylor na indústria automotiva e foi responsável pela criação de um modelo produtivo denominado fordismo. A implantação da esteira na linha de montagem, no modelo fordista, fixou os operários em cada posto de trabalho, fazendo com que os componentes se deslocassem até eles. Ford alegava que, assim, nenhum operário necessitaria sair de seu local de trabalho, obtendo mais produtividade no exercício de sua função. A execução de atividades tão repetitivas e mecânicas entediava os funcionários, que, por vezes, abandonavam os empregos em busca de funções que desenvolvessem mais suas habilidades. © W ik im ed ia C om m on s G et ty Im ag es /H u lto n C ol le ct io n 10 Atitude sociológica Controle de jornada de trabalho O relógio de ponto é um instrumento de controle do trabalhador ou uma garantia trabalhista ao funcionário? Converse com algum familiar ou conhecido e procure saber como o uso do controle da jornada de trabalho é realizado na prática. 7 Sugestão de resposta. O perfil ideal de trabalhador no modelo fordista era aquele capaz de executar com destreza e obediência o tra- balho simplificado e repetitivo das indústrias. Pode-se dizer que a especialização radical das atividades transformou os trabalhadores em uma “extensão das máquinas”. Além disso, a simplificação das funções reduziu a necessidade de qualificação deles, desvalorizando-os e tornando-os facilmente substituíveis. Organize as ideias Modelos produtivos: taylorismo e fordismo A divisão taylorista havia possibilitado que se distribuíssem os trabalhadores e suas ferramentas efetivamente ao longo de uma linha, ao padronizar o trabalho em atividades cujas operações eram uniformizadas. Pode-se dizer, neste sentido, que o sistema taylorista foi incorporado e desenvolvido pelos dispositivos organizacionais e tecnológicos fordistas, na medida em que, no lugar dos homens responsáveis pelo deslocamento dos materiais e objetos de trabalho, máquinas automáticas passaram a se encarregar por tal, suprindo o trabalho humano numa produção cuja cadência contínua impunha uma concentração de movimentos dos trabalhadores somente dentro do raio de ação que efetivamente transformava as matérias-primas em produtos acabados. PINTO, Geraldo Augusto. Reestruturação produtiva e organização do trabalho na indústria de autopeças no Brasil. 2003. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2003. p. 52. Com base na leitura do textoe em seus conhecimentos sobre o tema, cite as principais características do taylorismo/ fordismo. 8 Sugestão de resposta. O domínio do modelo fordista na produção industrial perdurou até a década de 1970, quando o capitalismo passou por uma forte crise econômica. Essa crise teve origem em 1973, com a posição da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) de elevar o preço dos barris de petróleo. Os países com uma economia dependente da importação desse produto tiveram um aumento do desemprego e uma retração do consumo, precisando reorganizar seus processos produtivos. posta. DKO Estúdio. 2015. Di gital. 9 Conteúdo complementar. Sociologia 11 Nesse contexto de crise, verifica-se a ascensão de um novo modelo produtivo, desenvolvido nas fábricas japonesas da Toyota Motor Company. O modelo toyotista foi proposto pelo engenheiro Taiichi Ohno, na tentativa de adaptar a produ- ção industrial ao Japão. Nesse país não havia grandes espaços para armazenar uma ampla produção (como no fordismo) nem condições econômicas ou matéria-prima para produzir em grande quantidade, pois se recuperava da destruição pro- vocada pela Segunda Guerra Mundial. Com a aplicação do toyotismo, em meio à crise, a produção, até então em massa, foi substituída pela produção voltada à demanda do mercado. Isso significa que ela passou a seguir o ritmo do consumo, evitando excessos de estoques e sendo obrigada a diversificar a produção de acordo com o gosto do cliente. O princípio geral do toyotismo era o de produzir somente o necessário, no melhor tempo, atendendo com maior qualidade às exigências individualizadas do mercado. O modelo de produção da Toyota foi inspirado no sistema dos supermercados, em que a reposi- ção dos produtos das prateleiras ocorria no mesmo ritmo que o seu consumo. Com relação aos produtos, enquanto no fordismo a pro- dução de carros era em massa e padronizada, inclusive nos modelos e nas cores, no toyotismo a produção era personalizada conforme as necessidades dos consumidores. O modelo toyotista foi pautado em um processo produtivo flexí- vel, no qual os trabalhadores deveriam exercer várias funções e lidar com diferentes máquinas durante a jornada de trabalho. Até mesmo a oferta dos produtos era flexível, visto que se fazia necessário produzir uma diversidade de modelos e produtos num curto período de tempo. Por esse motivo, David Harvey (1935- ), geógrafo britânico, aponta a emergência de um modo de acumulação flexível, na medida em que não apenas os processos de produção foram flexibilizados, mas também as relações de trabalho, os direitos trabalhistas, os mercados de consumo e as relações comerciais. No toyotismo, o perfil ideal de trabalhador era aquele com maior qualificação e que fosse polivalente, pois se espe- rava que assumisse múltiplas funções na produção. Outro aspecto comum no modelo produtivo flexível era a realiza- ção do trabalho em equipe, o que rompia com o caráter parcelar, fragmentado, do fordismo. O trabalho simplificado e repetitivo foi substituído por atividades mais complexas, que exigiam maior interação dos membros das equipes para a concretização de metas. No fordismo, as relações de trabalho eram verticalizadas, pelo fato de existir uma forte supervisão hierárquica das atividades dos trabalhadores. No toyotismo, por sua vez, as relações de trabalho eram hori- zontalizadas, tendo em vista que todos os trabalhadores deveriam controlar as atividades desenvolvidas pelas equipes de trabalho, de modo que todos eram responsabilizados pelo processo produtivo. Taiichi Ohno (1912-1990), engenheiro mecânico responsável pelo desenvolvimento do modelo produtivo toyotista Leitura sociológica Toyotismo O engajamento dos trabalhadores e sua importância para o bom desempenho do processo produtivo ca- racteriza, até certo ponto, uma espécie de “subversão” da tradicional tendência do capitalismo moderno de alienar o trabalhador do processo de produção, pela separação hierárquica entre as atividades de execução e concepção. A experiência da Toyota ilustra bem este ponto. Em 1960, iniciou-se naquela empresa um pro- grama de sugestões por parte dos trabalhadores, para melhorar e aperfeiçoar os produtos que produziam e os processos produtivos em que estavam engajados. Segundo dados da própria empresa, no primeiro ano, foram 9 mil sugestões, com uma média anual de uma sugestão por trabalhador, sendo que 39% delas foram implementadas. TAUILE, José Ricardo. Para (re)construir o Brasil contemporâneo: trabalho, tecnologia e acumulação. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. p. 150. © Fl ic kr /T oy ot a M at er ia l H an d lin g E ur op e 12 Volume 8 Outro aspecto característico do modelo toyotista foi o desenvolvimento de tecnologias avançadas para a produção industrial, tais como as telecomunicações, os softwares, a microeletrônica e a robótica. O uso da tecnologia teve como consequência direta a valorização dos profissionais envolvidos em automação. Em contrapartida, houve redução do número de trabalhadores necessários ao processo produtivo, aumentando o desemprego estrutural. Além disso, as atuais relações de produção estão inseridas no contexto de acumulação de capital em nível internacional. Em síntese, embora o toyotismo tenha proposto um modo diferente de organizar o trabalho industrial, em oposição ao fordismo, também tinha por propósito a diminuição dos custos e a otimização dos processos de pro- dução, por meio da aplicação racional de uma gerência científica. Ou seja, ambos os modelos produtivos são pau- tados na organização científica do trabalho como forma de aumentar a produtividade, porém, cada qual com suas particularidades. Organize as ideias Os trabalhadores de restaurantes e lanchonetes que prati- cam o modelo de produção das redes de fast-food, além de precisarem exercer diferentes funções, necessitam fazê-lo com agilidade e trabalhar em jornadas intensas. De que ma- neira o funcionamento dessas redes de alimentação expres- sa a aplicação dos modelos organizacionais elaborados por Henry Ford e Taiichi Ohno? Sugestão de resposta.10 Linha de montagem de lanches de restaurante fast-food Direitos trabalhistas: uma construção histórica Os direitos trabalhistas da atualidade não foram instituídos de forma espontânea. Antes, são fruto de um longo processo de lutas e da ação de trabalhadores, sindicatos e movimentos sociais em inúmeros países ao longo do tempo. Isso demonstra que a mobilização coletiva dos trabalhadores se tornou uma das estratégias mais eficazes para a me- lhoria das condições de trabalho e a conquista de direitos e benefícios trabalhistas. As primeiras manifestações em prol dos direitos da classe trabalhadora ocorreram no início do capitalis- mo industrial, entre os séculos XVIII e XIX, como reação dos trabalhadores às condições degradantes de vida e de trabalho. No século XIX, alguns operários ingleses se rebelaram contra a inclusão de máquinas no processo produ- tivo, principalmente na indústria têxtil. No entendimento deles, as máquinas eram responsáveis pelo desemprego Orientação didática.11 G et ty Im ag es /J oe R ae d le Sociologia 13 ao substituírem o trabalho humano nas fábricas inglesas. A mobilização desses operários contra a inovação técnica nos processos de produção ficou conhecida como ludis- mo. O nome é uma referência a Ned Ludd, pretenso líder operário da destruição de teares utilizados nas indústrias têxteis. Após a violenta repressão aos ludistas, a classe tra- balhadora passou a se organizar em termos de reivindi- cações que pudessem melhorar suas condições de vida. Os trabalhadores pleiteavam regulamentação das jorna- das de trabalho, restrições ao trabalho infantil, obrigato- riedade de descanso remunerado, etc. No livro A situação da classe trabalhadora na Inglater- ra (1845), o filósofo alemão Friedrich Engels relata quais eram as condições dos trabalhadores inglesesno início do século XIX. O autor descreve as condições de inten- sa miséria e sujeira em que viviam homens, mulheres, crianças e idosos, geralmente amontoados em um único cômodo. O ludismo só teve fim com o estabelecimento da pena de morte para os indivíduos que destruíssem equipamentos, o que demonstra a importância dada ao capital e à propriedade privada na sociedade industrial. A ilustração mostra dois ludistas destruindo uma máquina de fiar, em 1812. Atitude sociológica Friedrich Engels: relato das condições de vida dos operários [...] Essa é uma descrição dos di- versos bairros operários de Manches- ter, tais como os observei durante vinte meses. Resumindo o resultado de nosso percurso através deles, diremos que 350 mil operários de Manchester e arredores vivem quase todos em habi- tações miseráveis, úmidas e sujas; que a maioria das ruas pelas quais têm de pas- sar se encontra num estado deplorável; extremamente sujas, essas vias foram abertas sem qualquer cuidado com a ventilação, sendo a única preocupação o máximo lucro para o construtor. [...] Imagem da cidade de Manchester, na Inglaterra, em 1850, onde foram instaladas indústrias têxteis movidas a máquinas a vapor. Nessa cidade, foi construída a primeira linha férrea inglesa, em 1830. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 104-105. Conforme o texto, qual era a condição de vida dos trabalhadores ingleses no século XVIII em meio ao processo de Revolução Industrial? De acordo com seus conhecimentos, pode-se afirmar que a condição descrita no texto é uma realidade para alguns trabalhadores brasileiros atualmente? 12 Sugestão de resposta. © W ik im ed ia C om m on s La tin st oc k/ A kg -i m ag es 14 Volume 8 As primeiras organizações de trabalhadores foram os trade unions, que eram associações de auxílio mútuo. Delas, surgiram os primeiros sindicatos. No início, as organizações sindicais atuavam de forma clandestina e eram fortemente reprimidas, pois as manifestações de trabalhadores eram consideradas caso de polícia. A partir de 1815, essas organi- zações passaram a utilizar a greve como elemento de luta. Ao mobilizar os operários a interromper seus trabalhos nas fábricas, tais organizações demonstravam poder, pois eram capazes de afetar e, por vezes, paralisar a produção indus- trial. Ao se constituírem em organização coletiva, congregavam forças na luta por condições dignas de trabalho, pois os operários trabalhavam em ambientes insalubres, sem iluminação, ventilação e limpeza adequadas nas fábricas e nas minas, além da redução das jornadas de trabalho, aumento salarial e outros direitos trabalhistas. Conforme as manifestações da classe trabalhadora adquiriam maiores proporções, os proprietários industriais senti- ram necessidade de estabelecer negociações com ela. Em 1824, a Inglaterra aprovou uma lei que autorizava a organização sindical dos trabalhadores. A partir de então, o movimento sindical se fortaleceu e lutou pela conquista de diversos direitos sociais, tanto na Inglaterra como em outros países, acompanhando a expansão do capitalismo industrial. Um importante movimento dos operários ingleses foi a Carta do Povo, o cartismo, que, em 1838, passou a atuar no sentido de conquistar a cidadania aos trabalhadores ingleses. Em sua pauta de reivindicações, estavam o sufrágio universal masculino e a remuneração aos parlamentares, o que permitiria que um trabalhador de origem humilde pudesse ser eleito e atuar na política. O cartismo foi sufocado em 1848, diante de grande repressão, mas, em 1865, uma de suas reivindicações foi conquistada, pois foi estabelecido o direito de voto a todos os homens ingleses, independentemente de classe social. O MOTIM anarquista em Chicago. 1866. Biblioteca do Congresso, Washington. Em meio às disputas entre trabalhadores e patrões, um acontecimento gerou a escolha do Dia Internacional do Trabalho, em 1.º de maio. O acontecimento se deu em Chicago, em maio de 1866, quando, durante manifestações de trabalhadores para estabelecer uma jornada de trabalho de 8 horas, diversos conflitos resultaram na morte tanto deles quanto de policiais. Dias depois, os líderes do movimento foram condenados à morte por enforcamento. Essa data foi escolhida como emblemática da luta da classe trabalhadora. Bi b lio te ca d o C on g re ss o Direitos trabalhistas no Brasil As primeiras mobilizações de trabalhadores no Brasil ocorreram no início do século XX, em meio às transfor- mações sociais e econômicas pelas quais o país passava. Entre essas transformações estavam o processo de ur- banização, o surgimento das indústrias, o fortalecimento do trabalho assalariado após séculos de exploração do trabalho escravo e a manutenção de uma economia agrário-exportadora, centrada no café. Além disso, ocorreu a imigração, que trazia trabalhadores europeus que já tinham experiência na luta pela conquista de direitos em seus locais de origem. Muitas vezes, a resposta do ca- pitalista industrial aos movimentos grevistas era a demissão e a contra- tação de novos empregados, selecio- nando operários não sindicalizados para o trabalho em suas fábricas. Nesse contexto, o Estado tomou para si a tarefa de intermediar as relações entre as classes trabalha- dora e patronal, estabelecendo re- gras gerais nos contratos entre elas. Desse modo, algumas reivindicações trabalhistas transformaram-se em direitos regulamentados por leis, em um lento processo histórico, fruto de pressões exercidas pela sociedade e, principalmente, pela luta coletiva dos trabalhadores. Sociologia 15 No Brasil do início do século XX, as manifestações sindicais eram consideradas crime. Nesse período, no entanto, as cidades brasileiras foram tomadas por várias paralisações de trabalhadores da indústria e do comércio, nas quais milhares deles cruzaram os braços e abandonaram seus postos de trabalho, a fim de pressionar seus empregadores. Havia uma insatisfação geral da população com a precariedade das condições de trabalho, os baixos salários, os preços elevados dos produtos e o desemprego. Em São Paulo, a Greve Geral de 1917 reuniu cerca de 50 mil trabalhadores, de um total aproximado de 400 mil habitantes. Na pauta de reivindicações estavam a regulamentação do trabalho de menores e mulheres, a redução da jornada de trabalho diária, que muitas vezes era de 12 horas, e o aumento salarial. A greve somente cessou após a concessão de aumento de 20% nos salários e a proibição da demissão dos operários que lideravam as greves nas fábricas. No entanto, a greve geral não garantiu a modificação significativa das condições de trabalho e a concretização dos direitos trabalhistas no Brasil. A Greve Geral de 1917 já indicava o crescimento da classe operária no Brasil, na medida em que apresentava o potencial de paralisar as atividades econômicas do país. Anos depois, o governo de Getúlio Vargas, durante a década de 1930, atuou no sentido de controlar as ativida- des sindicais, que deviam ter o reconhecimento do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Assim, a proposta era a de substituir a noção marxista de luta de classes pela intermediação do Estado nas relações trabalhistas. Essa forma de o Estado intermediar as relações entre trabalhadores e patrões foi chamada de corporativismo sindical. No corporativismo, ao mesmo tempo que o Estado concedia benefícios aos trabalhadores, também limitava sua mobilização. Foi no governo de Getúlio Vargas que houve a consolidação da legislação trabalhista, resultado de décadas de lutas dos trabalhadores brasileiros. Na Constituição de 1934, foram instituídos diversos direitos nessa área, como salário mínimo, descanso semanal, férias anuais remuneradas, jornada de trabalho diária de oito horas, bem como o estabe- lecimento da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos trabalhistas. Em 1943, aindano governo de Vargas, no período do Estado Novo, toda a legislação relativa ao trabalho foi integrada em uma única lei, conhecida como Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Na atualidade, está em vigor a Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã. Ela ressaltou a necessidade ampla de proteção à dignidade humana do trabalhador e tratou o trabalho como direito social. Ademais, garantiu a inclusão de novos direitos trabalhistas, como os dos empregados domésticos e a licença-paternidade, além de manter os já conquistados, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de 1966. Desse modo, pode-se con- cluir que a conquista dos direitos trabalhistas constitui, historicamente, um lento processo que envolve diversos agentes sociais, tais como trabalhadores, movimentos sociais, sindicatos e Estado. Tal processo ainda se encontra em curso, visto que as relações trabalhistas sofrem contínuas modificações na vida cotidiana e a legislação também pode ser alterada, de acordo com as reivindicações dos trabalhadores ou os interesses do Estado. A ce rv o Ic on og ra p h ia Fu n d aç ão B ib lio te ca N ac io n al 16 Volume 8 Atitude sociológica Texto I Em 30 de março de 1980, muitos olhos, esperanças e cassetetes dirigiram-se para a cidade de São Bernardo do Campo, que se tornaria o epicentro da política nacional nos dias seguintes. Nessa data, aproximadamente 300 mil metalúrgicos do ABC paulista e de algumas cidades do interior do estado de São Paulo decidiram en- trar em greve em face do não atendimento pelos patrões de suas reivindicações (aumento salarial de 7% pela produtividade e estabilidade no emprego por 12 meses). [...] MACEDO, Francisco Barbosa de. A Greve de 1980: redes sociais e espaço urbano na mobilização coletiva dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Mundos do Trabalho, v. 3, n. 5, p. 136, jan./jun. 2011. Texto II Os metalúrgicos da General Motors optaram por dar continuidade à greve que teve início na sexta-feira, segundo informou o sindicato de São José dos Campos (SP) e Região, em nota. A paralisação é contra a de- missão de 800 funcionários. O sindicato e a montadora têm reunião marcada para esta terça-feira no Tribunal Regional do Trabalho, em Campinas, para uma audiência de conciliação. Na última reunião, diz a entidade, a GM propôs a suspen- são temporária do contrato de trabalho de 800 funcionários por dois meses, período após o qual eles seriam demitidos. [...] MANTOAN, Victória. Metalúrgicos da GM decidem manter greve. Valor Econômico, 23 fev. 2015. Disponível em: <http://www.valor.com.br/ empresas/3920620/metalurgicos-da-gm-decidem-manter-greve>. Acesso em: 3 jul. 2015. Com base na leitura dos trechos selecionados sobre a luta de trabalhadores da indústria em dois períodos distintos da história, apresente argumentos que justifi- quem a importância desses movimentos sindicais para a garantia e a proteção da classe trabalhadora. Orientação didática.13 Hora de estudo 1. (ENEM) Um trabalhador em tempo flexível controla o local do trabalho, mas não adquire maior controle so- bre o processo em si. A essa altura, vários estudos sugerem que a supervisão do trabalho é muitas vezes maior para os ausentes do escritório do que para os presentes. O trabalho é fisicamente descentralizado e o poder sobre o trabalhador, mais direto. SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999 (adaptado). Gabarito.14 Na atualidade, os trabalhadores das indústrias automotivas tradicionalmente têm forte organização sindical. © Sh u tt er st oc k/ b ib ip h ot o Sociologia 17 3. Examine as afirmativas a seguir, com base no conceito de mais-valia, de Karl Marx, e depois assinale a alter- nativa correta. I. A mais-valia também pode ser entendida como um processo de extração de valor da composição da jornada de trabalho, sendo intitulado de mais-valia absoluta quando o dono dos meios de produção re- duz a jornada pela metade. II. Mais-valia é a produção de um valor excedente em relação à remuneração diária do trabalhador que é apropriada pela burguesia na forma de lucro. III. A extração de riqueza é uma típica forma de explo- ração capitalista que tem como variante a mais- valia relativa, isto é, que estabelece novas formas de produção com base no interesse dos trabalha- dores. a) As afirmativas I e III estão corretas. b) As afirmativas I e II estão corretas. c) Apenas a afirmativa I está correta. X d) Apenas a afirmativa II está correta. e) Todas as afirmativas estão corretas. 4. Sobre os direitos trabalhistas e as relações de trabalho no capitalismo, estão corretas: I. O ludismo foi um movimento de trabalhadores que reivindicava a redução das jornadas de trabalho e a proibição do trabalho infantil. II. O direito de greve é uma concessão dos patrões feita aos trabalhadores, para que pudessem me- lhorar as relações negociais com os empresários. III. As primeiras organizações sindicais surgiram, de forma clandestina, na Inglaterra e reivindicavam a melhoria das condições de trabalho nas indústrias. a) As afirmativas II e III estão corretas. b) As afirmativas I e III estão corretas. c) As afirmativas I e II estão corretas. X d) Apenas a afirmativa III está correta. e) Todas as afirmativas estão corretas. Comparada à organização do trabalho característica do taylorismo e do fordismo, a concepção de tempo anali- sada no texto pressupõe que a) as tecnologias de informação sejam usadas para democratizar as relações laborais. b) as estruturas burocráticas sejam transferidas da empresa para o espaço doméstico. c) os procedimentos de terceirização sejam aprimora- dos pela qualificação profissional. d) as organizações sindicais sejam fortalecidas com a valorização da especialização funcional. X e) os mecanismos de controle sejam deslocados dos processos para os resultados do trabalho. 2. (UNIMONTES – MG) O sociólogo brasileiro Ricardo An- tunes define a “classe-que-vive-do-trabalho” como a classe trabalhadora, que hoje compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho e que são despossuídos dos meios de produção. Essa classe vem presencian- do, nas últimas décadas, um processo multiforme de mudanças, cujas principais tendências indicadas pelo autor são, EXCETO a) Com o declínio do binômio taylorismo/fordismo, vem ocorrendo uma redução do proletariado indus- trial, fabril, tradicional, manual, estável e especiali- zado, herdeiro da era da indústria verticalizada de tipo taylorista e fordista. b) Uma tendência muito significativa e que se carac- teriza pelo aumento do novo proletariado fabril e de serviços, em escala mundial, presente nas di- versas modalidades de trabalho precarizado, são os terceirizados, os subcontratados e outras formas assemelhadas. X c) Há uma tendência expressiva no mundo do trabalho contemporâneo de diminuição significativa da parti- cipação feminina, que atingiu no passado mais de 40% da força de trabalho em diversos países avan- çados, e que tem atingido hoje níveis de diminuição nunca vistos. d) O mundo do trabalho atual tem recusado os traba- lhadores herdeiros da cultura fordista, fortemente especializados, que são substituídos pelo trabalha- dor polivalente e multifuncional da era toyotista. 18 Volume 8 19 Ponto de partida Transformações no mundo do trabalh o 1. Com o passar do tempo, as relações de trabalho sofreram muitas modificações? 2. Quais são os impactos do desenvolvimento tecnológico no mundo do trabalho? 3. Em sua opinião, quais são as principais diferenças presentes nas imagens que formam a montagem? 1 National Archives and Records Administration, ©Shutterstock/Vasily Smirnov 16 Trabalho e emprego no contexto da globalização Na unidade anterior, observamos os impactos causados pelamecanização e pela organização dos processos pro- dutivos nas relações de trabalho. Especificamente, vimos as transformações que ocorreram com a Revolução Industrial até o advento do modelo toyotista de produção. Diante da análise do desenvolvimento histórico do capitalismo, pode- mos nos questionar acerca das transformações mais recentes no mundo do trabalho. Assim, o que existe de novo no capitalismo contemporâneo? Quais são os impactos da globalização nas relações produtivas? Como são estabelecidas as relações de trabalho na atualidade? A segunda metade do século XX foi marcada pelo colapso do sistema de acumulação fordista, que teria gerado uma crise de superprodução, seguido por um período de baixa lucratividade nos setores produtivos. Diante dessa crise, o capitalismo teve que se reinventar, processo esse que ficou conhecido como reestruturação produtiva (ver Conceitos sociológicos). Essa nova fase do capitalismo tem características singulares. As principais são a flexibilidade dos processos de tra- balho e dos padrões de consumo, o surgimento de novos serviços financeiros, o aumento do emprego no setor de serviços, o advento das novas tecnologias da informação e a crise dos movimentos sindicais. Em suma, o processo de reestruturação produtiva tinha por intuito recompor a rentabilidade do capital ao reorganizar a produção por meio da chamada acumulação flexível. Foi nesse contexto que o modelo produtivo toyotista emergiu como alternativa ao esgotamento do modelo de produção em massa. analisar o impacto das recentes transformações econômicas, tecnológicas e organizacionais nas relações de trabalho; compreender o processo de globalização econômica e seus efeitos nas relações de produção; compreender a tendência de desregulamentação dos direitos trabalhistas e as novas formas de contratação do trabalho. ções econômicas, tecnológicas e organizacionais nas Objetivos da unidade: Orientação didática.2 Um dos maiores bancos britânicos anunciou em 2015 uma reestruturação em suas operações globais com fechamento de unidades em países que representavam maiores riscos para sua lucratividade. Com metas de economizar até US$ 5 bilhões com corte de custos, o banco divulgou que encerraria suas atividades no Brasil e na Turquia. Novos investimentos foram feitos no mercado asiático, por apresentar melhores expectativas de lucratividade. Essas medidas sinalizam um reordenamento de investimentos, provocando consequências globais. © Sh u tt er st oc k/ Ki ev .V ic to r Todas essas mudanças tiveram como pano de fundo a globalização da economia. Pode-se dizer que a glo- balização significa o estreitamento das relações econômicas, culturais, sociais e políticas entre os países a tal ponto que acontecimentos gerados em uma região do planeta podem impac- tar diretamente a realidade dos demais países. Isso significa que, no capitalismo globalizado, existe uma interdependên- cia econômica entre eles, conectando as esferas local e global. O processo de globalização tem relação direta com o desenvolvimento de novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Estas não apenas propiciaram a inte- gração entre diferentes partes do mundo, mas ainda estabeleceram novas formas de produção. Nas sociedades industriais, a incorporação da tecnologia na produção permitiu a substituição da força física dos trabalhadores. 20 Volume 8 Por sua vez, no contexto das sociedades pós-industriais (ver Conceitos sociológicos), as tecnologias da informa- ção também substituíram, em parte, a atividade intelectual humana. Desse modo, a informação se tornou um recurso estratégico capaz de acirrar a competitividade econômica estabelecida entre empresas e países. O sociólogo espanhol Manuel Castells (1942- ) afirma que vivenciamos a Era da Informação, gerada pelo advento de uma terceira revolução industrial (ver Conceitos sociológicos). Nesse contexto, o desenvolvimento de tecnologias de informática, telecomunicações e robótica modificou não apenas os modelos de produção industrial, mas também a organização das empresas, as relações de trabalho e até mesmo as políticas governamentais. Segundo o sociólogo Manuel Castells, qual é a diferença entre economia mundial e economia global? Organize as ideias Sugestão de resposta.3 Uma das grandes transformações ocasionadas pela revolução informacional foi a internacionalização da produção. Em outras palavras, as novas tecnologias permitiram a organização, em escala global, da produção, da circulação e do consu- mo de bens e serviços. Com o desenvolvimento da atual rede integrada de computadores, as organizações transnacionais puderam gerenciar o processo de produção em diferentes regiões do mundo. Assim, não constitui um problema o fato de a matéria-prima, o capital, os trabalhadores e a estrutura administra- tiva de uma corporação transnacional estarem localizados cada qual em diferentes locais do globo. Isso porque esses mesmos elementos podem ser combinados e integrados por meio das tecnologias da informação, a fim de garantir o pleno funcionamento produtivo. Leitura sociológica Segundo Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein, a economia mundial, ou seja, uma economia em que a acumulação de capital avança por todo o mundo, existe no Ocidente, no mínimo, desde o século XVI. Uma economia global é algo diferente: é uma economia com capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala planetária. Embora o modo capitalista de produção seja caracterizado por sua expansão contínua, sempre tentando superar limites temporais e espaciais, foi apenas no século XX que a economia mundial conseguiu tornar-se verdadeiramente global com base na nova infraestrutura, propiciada pelas tecnologias da informação e da comunicação, e com a ajuda decisiva de políticas de desregulamentação e da liberalização postas em prática pelos governos e instituições internacionais. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 142. v. 1. A revolução tecnológica da informação surgiu na década de 1970, nos EUA, especificamente na Califórnia (Vale do Silício). Segundo o sociólogo Manuel Castells (1999, p. 100), o Vale do Silício “foi transformado em meio de inovação pela convergência de vários fatores, atuando no mesmo local: novos conhecimentos tecnológicos; um grande grupo de engenheiros e cientistas talentosos das principais universidades da área; fundos generosos vindo de um mercado garantido e do Departamento de Defesa; a formação de uma rede eficiente de empresas de capital de risco e, nos primeiros estágios, liderança institucional da Universidade de Stanford”. Imagem do Vale do Silício, EUA. © iS to ck p h ot o. co m /N an cy N eh rin g Sociologia 21 Atitude sociológica Atitude sociológica Robotização: a substituição dos postos de trabalho [...] A indústria automobilística está entre as mais robotizadas do mundo, mas ainda assim a unidade mais moderna da BMW, com seus mais de 1 000 robôs, é um caso à parte. Os funcionários, todos de colete azul, acompanham tudo a distância pelas telas de computadores. Os seres humanos só supervisionam o trabalho das máqui- nas. A unidade de Leipzig é uma prévia do futuro das fábricas. “Estamos no estágio inicial de uma mudança tão profunda na manufatura como aquela provocada pela Revolução Indus- trial”, afirma Erik Brynjolfsson, professor de tecnologia da in- formação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). [...] Nos países ricos, estima-se que 25% de todas as funções na indústria deverão ser substituídas por tecnologias de auto- mação até 2025. No mundo, a estimativa é que 60 milhões de postos de trabalho em fábricas sejam limados. [...] COSTA, Melina; STEFANO, Fabiane. A era das fábricas inteligentes está começando. Exame, 9 jul. 2014. Disponível em: <http://exame.abril.com. br/revista-exame/edicoes/1068/noticias/a-fabrica-do-futuro>. Acesso em: 18 jun. 2015.Comente o papel do trabalhador em uma indústria como a descrita no texto. Robotização da linha de montagem de carros da BMW, na Alemanha 4 Sugestão de resposta. Nessa nova forma de organização do capitalismo globalizado, as empresas globais ou transnacionais passaram a planejar estrategicamente em quais regiões ou países iriam operar, como maneira de garantir maior produtividade e lucro. Por consequência, os países periféricos criaram mecanismos para incentivar a instalação dessas empresas em seus territórios. Entre esses mecanismos estão o investimento em infraestrutura de transportes e energia, o estabele- cimento de políticas fiscais atraentes aos setores privados e a criação de leis que flexibilizam as relações de trabalho, reduzindo direitos e benefícios trabalhistas. Qual é a relação entre a alegação de Calvin, acerca dos motivos de a fábrica do Papai Noel se localizar no Polo Norte, e os processos de globalização e flexibilização do trabalho no capitalismo contemporâneo? 5 Sugestão de resposta. © iS to ck p h ot o. co m /g er en m e C al vi n & H ob b es , B ill W at te rs on © 19 92 W at te rs on /D is t. b y U n iv er sa l U cl ic k 22 Volume 8 A globalização da economia tem gerado um cenário de competitividade acirrada, em que as indústrias nacionais dificilmente conseguem enfrentar a concorrência das corporações transnacionais. Desse modo, a expansão dessas corporações por meio da aquisição de empresas locais acabou se tornando um fenômeno bastante comum em deter- minados países. Por outro lado, quando ocorre o fenômeno inverso, no qual uma empresa transnacional se retira de um país, verifica-se uma grave desarticulação da coletividade de trabalho, causada pelo aumento do desemprego e pela drástica redução da circulação de capital. Mesmo com as mudanças nas relações de produção, os processos de globalização econômica mantiveram as desigualdades estruturais entre os países. Afinal, o capitalismo globalizado se estruturou por meio da integração hierarquizada entre nações centrais e periféricas. Enquanto as primeiras detêm amplo acesso a bens e produtos resultantes da ciência e da tecnologia, as segundas estão submetidas à precariedade das condições de trabalho e escassez de bens e produtos. Atitude sociológica 6 Sugestões de respostas. 1. De acordo com o texto e seus conhecimentos sobre o tema, qual é a finalidade da obsolescência planejada para a economia capitalista? 2. Pesquise exemplos de produtos que incorporam a lógica da obsolescência planejada. [...] Na sociedade de consumo, as estratégias publicitárias e a obsolescência planejada mantêm os consu- midores presos em uma espécie de armadilha silenciosa, num modelo de crescimento econômico pautado na aceleração do ciclo de acumulação do capital (produção-consumo-mais produção). Mészáros (1989, p. 88) diz que vivemos na sociedade descartável que se baseia na “taxa de uso decrescente dos bens e serviços produzi- dos”, ou seja, o capitalismo não quer a produção de bens duráveis e reutilizáveis. [...] Planejar quando um produto vai falhar ou se tornar velho, programando seu fim antes mesmo da ação da natureza e do tempo de uso é a obsolescência planejada. Trata-se da estratégia de estabelecer uma data de morte de um produto, seja por meio de mau funcionamento ou envelhecimento perante as tecnologias mais recentes. Essa estratégia foi discutida como solução para a crise de 1929. [...] PADILHA, Valquíria; BONIFÁCIO, Renata Cristina A. Obsolescência planejada: armadilha silenciosa na sociedade de consumo. Le Monde Diplomatique Brasil, 2 set. 2013. Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1489>. Acesso em: 20 jun. 2015. © iS to ck p h ot o. co m /B et _ N oi re © Sh u tt er st oc k/ G eo -g ra fik a Sociologia 23 Precarização do trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas As mudanças das últimas décadas nos modelos de produção e consumo caminham rumo a um novo padrão de acumulação do capital, conhecido como capitalismo flexível. Vivemos um momento de substituição de um modelo de exploração do trabalho disciplinado e hierarquizado, próprio do fordismo, por um modelo mais flexível e dinâmi- co, conhecido como toyotismo. Embora a transição entre tais modelos produtivos pareça indicar maior autonomia e participação do trabalhador no processo produtivo, também foi acompanhada pela precarização do trabalho e pela flexibilização dos direitos trabalhistas. 7 Orientação didática. O estabelecimento de políticas neoliberais acarreta grandes transformações sociais, tais como: a crise econômica de 2008 provocada por formas de investimento agressivas e muito especulativas nos Estados Unidos; a baixa regulamentação do trabalho em determinados países, provocando a transferência de grandes indústrias para essas localidades, em busca de baixo custo de produção; a privatização de empresas estatais, como a de telefonia no Brasil, expandindo os serviços, mas enfrentando grandes dificuldades de regulamentação e qualidade do setor. As novas dinâmicas flexíveis de trabalho têm relação dire- ta com a adoção do Estado neoliberal como alternativa po- lítico-econômica condizente com a nova fase do capitalismo globalizado. A lógica do neoliberalismo visa criar as condições institucionais para a manutenção da acumulação capitalista por meio da adoção de determinadas práticas. Entre estas, podem ser citadas a liberalização do comércio e dos fluxos de capital, a contenção de gastos estatais com políticas sociais, a adoção de políticas que desregulamentam as relações de trabalho, a privatização de empresas estatais, entre outras. A flexibilização das relações de trabalho no Estado neoli- beral implica a possibilidade de modificação das leis trabalhis- tas. Isso significa eliminar ou diminuir determinados direitos e benefícios trabalhistas já estabelecidos. Desse modo, surgiram novos vínculos entre os trabalhadores e as empresas, em subs- tituição ao trabalho assalariado, tais como os trabalhos tempo- rários, parciais, informais e terceirizados. Assim, uma empresa não mais necessita contratar um conjunto de empregados re- gulares para a execução das atividades produtivas. Ela pode es- colher a modalidade de trabalho a ser contratada que melhor se enquadra na execução das atividades, com os menores cus- tos. Como consequência, percebe-se a diminuição significativa do núcleo estável da mão de obra. Com isso, cria-se uma frag- mentação da classe trabalhadora em dois grandes grupos: por um lado, a existência de um núcleo de trabalhadores centrais, altamente qualificados e polivalentes; por outro, trabalhadores periféricos, que sofrem com a precarização das condições de trabalho e a instabilidade de seus empregos. G et ty Im ag es /J oe R ae d le La tin st oc k/ C or b is /I n P ic tu re s/ Q ila i S h en © Fl ic kr /A n at el In fo rm a 24 Volume 8 Atitude sociológica O sociólogo brasileiro Ricardo Antunes (1953- ) explica que o desenvolvimento de novas tecnologias da informa- ção tornou os sistemas produtivos cada vez mais complexos. Tal fato exigiu a demanda por trabalhadores altamente qualificados, em especial para os cargos relacionados à supervisão dos processos de produção, como analistas e enge- nheiros. No entanto, tal tendência não se aplica às atividades consideradas menos produtivas, que são exercidas por trabalhadores temporários, terceirizados e informais. Os empregos terceirizados correspondem a uma estratégia comum ao modelo de produção flexível (toyotismo), que se distingue dos contratos de trabalho tradicionais do modelo de produção em massa (fordismo). No Brasil, a ter- ceirização se transformou em um recurso estratégico de gestão e redução dos custos com mão de obra. O processo de terceirização de uma empresa consiste na transferência das atividades, que antes eram realizadas por trabalhadores diretamentecontratados, para outras empresas que se responsabilizam pelos contratos de trabalho. Logo, existe uma empresa intermediária na relação de trabalho estabelecida entre o empregado terceirizado e a em- presa na qual executa seus serviços. Os empregados terceirizados não estão vinculados de forma direta à empresa em que prestam serviço, motivo pelo qual não têm expectativa de construir uma carreira nela. Trabalho escravo A pulverização da cadeia produtiva do setor têxtil em São Paulo leva à disseminação de condições de tra- balho análoga a de escravo neste ramo. A análise é do auditor fiscal do trabalho Roberto Bignami, [...] “É um sistema que fraciona a produção e joga para o domicílio toda a célula produtiva”, declarou à Agência Brasil. De acordo com ele, as fiscalizações mostram que, nesses ambientes, o pagamento é feito com base na produção, o que leva a jornadas excessivas, sem que sejam oferecidas condições de segurança e saúde. [...] MACIEL, Camila. Produção segmentada favorece trabalho escravo no setor têxtil, diz auditor. EBC, 28 jan. 2015. Cidadania. Disponível em: <http:// www.ebc.com.br/cidadania/2015/01/producao-segmentada-favorece-trabalho-escravo-no-setor-textil-diz-auditor>. Acesso em: 21 jun. 2015. Milhares de bolivianos estariam trabalhando em condições de escravidão em fábricas têxteis no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo [...]. O embaixador boliviano também informou que há dados de que cada operário boliviano ganha “15 cen- tavos de dólar (nr: cerca de R$ 0,28) por cada peça de vestuário que confecciona e que esta peça se vende em até 100 reais”, cerca de 52 dólares. [...] AFP. Brasil empregaria como escravos até 100 mil bolivianos. Exame, 8 mar. 2013. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/la- paz-brasil-empregaria-como-escravos-de-50-00-a-100-000-bolivianos>. Acesso em: 21 jun. 2015. No Brasil, em pleno século XXI, ainda existe trabalho análogo ao de escravo em algumas pequenas indústrias têxteis que prestam serviços para grifes de roupas e lojas especializadas em moda. Leia os textos e interpre- te de que maneira o capitalismo flexível colabora para a disseminação de novas formas de abuso e exploração dos trabalhadores. an Trabalhadores imigrantes que prestam serviço para a indústria têxtil em São Paulo 8 Orientação didática. A p u G om es /F ol h ap re ss , M er ca d o Sociologia 25 Podemos resumir o trabalho terceirizado num exemplo. Imagine uma indústria automobilística que resolve con- tratar os serviços de uma empresa de limpeza. Essa última ficará diretamente responsável pela seleção, contratação, pagamento e gestão dos empregados que executarão os serviços de manutenção e limpeza nos espaços da indústria. Embora os trabalhadores terceirizados realizem a limpeza e a manutenção da indústria automobilística, não pode- rão desfrutar dos mesmos salários, benefícios e perspectivas de crescimento profissional que os outros trabalhadores regulares. Diante de tal situação, é comum haver discriminação entre os próprios trabalhadores, na medida em que alguns se identificam com a empresa, por serem efetivos, enquanto outros têm uma atuação limitada na empresa, pela condição de subcontratados. Atitude sociológica RELAÇÃO ENTRE CONDIÇÕES DE TRABALHO E TERCEIRIZAÇÃO – BRASIL, 2013 Condições de trabalho Empregados regulares Empregados terceirizados Diferença percentual regulares/terceirizados Remuneração R$ 2.361,15 R$ 1.776,78 –24,7% Jornada semanal 40 horas 43 horas 7,5% Tempo de emprego 5,8 anos 2,7 anos –53,5% Fonte: RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), 2013. Elaboração: DIEESE/CUT Nacional, 2014. Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha. 2014. Disponível em: <http://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/Dossie- Terceirizacao-e-Desenvolvimento.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2015. Sobre a relação entre terceirização e condições de trabalho no Brasil atual, com base nos dados apresentados na tabe- la, interprete sociologicamente o texto da charge. 9 Sugestão de resposta. A distinção entre trabalhadores regulares e aqueles que têm contratos terceirizados, temporários ou mesmo em regime de tempo parcial gera na estrutura organizacional das empresas uma hierarquização, na qual se observam em- pregados de “primeira e segunda categorias”. Tal hierarquização desestrutura a identidade coletiva de classe e a capaci- dade de mobilização política dos trabalhadores, por causa das múltiplas particularidades de cada contrato de trabalho. Nesse contexto, verifica-se a dificuldade dos movimentos sindicais em representar os interesses da classe trabalhadora. Diante de tal circunstância, notam-se, nas últimas décadas, os baixos índices de sindicalização dos trabalhadores, assim como a redução do poder de articulação de greves e manifestações por parte dos movimentos sindicais. Além disso, há o aumento do desemprego, o acirramento da concorrência no mercado de trabalho e a redução do emprego regular ou mesmo a sua substituição por formas de trabalho precarizado. Tudo isso tem como consequência a constante sensação de insegurança e instabilidade dos indivíduos em relação à vida profissional. M ig u el A b re u F al cã o 26 Volume 8 Conceitos sociológicos Atitude sociológica Alienação: na concepção de Karl Marx, a alienação cor- responde à separação entre o trabalhador, o conjunto do processo produtivo e o produto de seu trabalho. No capitalismo, o trabalho deixa de ser um instrumento de realização do ser humano e se transforma em mecanismo de exploração. Luta de classes: Karl Marx se refere a ela como a contradi- ção fundamental entre categorias sociais, como o proleta- riado e a burguesia, no sistema capitalista. Marx aponta essa luta como força motriz da história, tendo impulsionado as principais revoluções e mudanças ao longo do tempo. Reestruturação produtiva: corresponde às transforma- ções em curso desde a década de 1970 nos processos produtivos. Essa reestruturação se sustenta nas tecnolo- gias da informação, na hegemonia de políticas neolibe- rais, na desregulamentação do mercado de trabalho, no processo de globalização do capital e na reorganização das relações de produção com base no modelo toyotista. Sociedades pós-industriais: expressão utilizada por Alain Touraine para descrever algumas das característi- cas peculiares das sociedades industriais no século XX. Entre elas, a transição de uma economia produtora de bens para uma economia de serviços, a emergência da classe de profissionais liberais e técnicos, além da difusão da tecnologia informacional. Para Touraine, a sociedade pós-industrial está diretamente relacionada aos conheci- mentos imateriais e teóricos. Terceira revolução industrial: processo de transforma- ção dos sistemas produtivos por meio do desenvolvimen- to das novas tecnologias da informação e comunicação. Também é denominada “revolução técnico-científica” ou “revolução informacional”. 10 Sugestão de resposta. © iS to ck p h ot o. co m /j u lo s À luz do impacto da economia global e da demanda de uma força de trabalho “flexível”, alguns sociólogos e economistas sustentam que, no futuro, será cada vez maior o número de trabalhadores de portfólio. Eles terão um “portfólio de habilidades” – diversas experiências de emprego e qualificações – que utilizarão para se deslocarem entre vários empregos e tipos de emprego ao longo de sua vida produtiva. Apenas uma proporção relativamente pequena de trabalhadores terá “carreiras” contínuas, como hoje a definimos. Na verdade, afirmam os proponentes, a ideia de um “emprego para a vida inteira” tem se tornado uma coisa do passado. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 337. Mais do que apenas oferecer diversidade de habilidades e experiências em seu currículo, o trabalhador precisa se parecer cada vez mais com um camaleão para se adequar ao mercado de trabalhono capitalismo flexível. De acordo com o texto, explique de que maneira o trabalhador de portfólio é também um trabalhador camaleão. Sociologia 27 Hora de estudo Volume 8 11 Gabarito. 1. (FUVEST – SP) O local e o global determinam-se reciproca- mente, umas vezes de modo congruente e conse- quente, outras de modo desigual e desencontra- do. Mesclam-se e tencionam-se singularidades, particularidades e universalidades. Conforme Anthony Giddens, “A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos lo- cais são modelados por eventos ocorrendo a mui- tas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção inversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é, assim, uma parte da glo- balização”. Octávio Ianni, Estudos Avançados. USP. São Paulo, 1994. Adaptado. Neste texto, escrito no final do século XX, o autor refere- -se a um processo que persiste no século atual. A partir desse texto, pode-se inferir que esse processo leva à X a) padronização da vida cotidiana. b) melhor distribuição de renda no planeta. c) intensificação do convívio e das relações afetivas presenciais. d) maior troca de saberes entre gerações. e) retração do ambientalismo como reação à sociedade de consumo. 2. A respeito das novas transformações no mundo do tra- balho, analise as proposições. I. O neoliberalismo implica o fortalecimento das leis trabalhistas, garantindo a extensão dos direitos e dos benefícios aos trabalhadores. II. A terceirização consiste na transferência das ativi- dades, que antes eram realizadas por trabalhadores diretamente contratados, para outras empresas que se responsabilizam pelos contratos de trabalho. III. A terceirização é adotada pelas empresas como prática de redução de custos com a força de traba- lho e tem como consequência a hierarquização das relações entre trabalhadores e a desarticulação das categorias profissionais. Assinale a alternativa correta. a) As afirmativas I e II estão corretas. b) As afirmativas I e III estão corretas. X c) As afirmativas II e III estão corretas. d) Apenas a afirmativa III está correta. e) Todas as afirmativas estão corretas. 3. Leia o texto abaixo e analise as afirmativas sobre o pro- cesso de organização da produção no capitalismo. [...] De fato, trata-se de um processo de or- ganização do trabalho cuja finalidade essencial, real, é a da intensificação das condições de explo- ração da força de trabalho, reduzindo ou elimi- nando em muito tanto o trabalho improdutivo, que não cria valor, ou suas formas assemelhadas, especialmente nas atividades de manutenção, acompanhamento, inspeção de qualidade, fun- ções que passaram a ser diretamente incorpora- das ao trabalhador produtivo. [...] ANTUNES, Ricardo. As novas formas de acumulação de capital e as formas contemporâneas do estranhamento (alienação). Caderno CRH, Salvador, 2006. Disponível em: <http://www.cadernocrh.ufba. br/viewarticle.php?id=128>. Acesso em: 10 jun. 2015. I. O padrão de acumulação flexível articula um conjunto de elementos organizacionais e tecnológicos, próprios da era informacional. Estes diversificam a estrutura produtiva com o intuito de aumentar a eficiência e a participação do trabalhador, reduzindo o desperdício. II. O modelo de produção toyotista é a aplicação de princípios que configuram uma nova força de traba- lho marcada pela perda das habilidades genéricas manuais e pelo aumento do controle da produção exercido por outro funcionário. III. A acumulação flexível se evidencia pela implantação dos modelos de produção em massa. Eles se carac- terizam pela utilização das linhas contínuas de mon- tagem que estabelecem tempos produtivos ditados pelas máquinas, isolando o trabalhador no exercício de uma única função. Marque a alternativa correta: a) As afirmativas II e III estão corretas. b) As afirmativas I e II estão corretas. X c) Apenas a afirmativa I está correta. d) Apenas a afirmativa III está correta. e) Todas as afirmativas estão corretas. 12 Sugestão de atividade. 28
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