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a abordagem bilingue e o desenvolvimento cognitivo dos surdos uma analise psicogenetica

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1
MARIA EMÍLIA MELO TAMANINI ZANQUETTA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A ABORDAGEM BILÍNGÜE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 
 DOS SURDOS: UMA ANÁLISE PSICOGENÉTICA 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência e o 
Ensino de Matemática da Universidade Estadual de 
Maringá, como requisito parcial para a obtenção do 
título de Mestre em Educação para a Ciência e o 
Ensino de Matemática. 
 
 
Orientadora: Profª Drª Clélia Maria 
 Ignatius Nogueira 
 
Co-orientadora: Profª Drª Regina Maria 
 Pavanello 
 
 
 
 
 
 
 
MARINGÁ 
2006 
 
 
 2
 
MARIA EMÍLIA MELO TAMANINI ZANQUETTA 
 
 
 
 
 
 
 
A ABORDAGEM BILÍNGÜE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 
 DOS SURDOS: UMA ANÁLISE PSICOGENÉTICA 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência e o 
Ensino de Matemática da Universidade Estadual de 
Maringá, como requisito parcial para a obtenção do 
título de Mestre em Educação para a Ciência e o 
Ensino de Matemática. 
 
 
 
 
Aprovado em 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
 
 
 Profª. Drª. Clélia Maria Ignatius Nogueira 
 Universidade Estadual de Maringá - UEM 
 
 
 
Prof. Dr. Adrian Oscar Dongo Montoya 
Universidade Estadual Paulista - UNESP 
 
 
 
Prof. Dr. Luciano Gonsalves Costa 
Universidade Estadual de Maringá - UEM 
 
 3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À mãe-professora-pesquisadora, 
 por acreditar no meu trabalho, 
compartilhando comigo 
 mais esta caminhada na 
educação de surdos. 
 
 
 
Aos meus pais, 
Juliano e Madalena, 
pelo incentivo. 
 
 
 
Aos surdos protagonistas 
desta história. 
 
 4
AGRADECIMENTOS 
 
 
É tão bom poder agradecer às pessoas que comigo compartilharam na construção 
do mestrado, mas considero uma tarefa difícil, pois posso esquecer alguém. 
 
O primeiro agradecimento a Deus, por ter direcionado os passos em toda a minha 
caminhada. 
 
À orientadora, Drª Clélia Maria Ignatius Nogueira, um agradecimento especial, 
primeiramente pela mestra que é, deixando marcas na minha vida pessoal e 
profissional, e pela maneira de conduzir esta orientação, compartilhando comigo de 
um ideal para a educação de surdos. 
 
Aos professores Dr. Adrian Oscar Dongo Montoya e Dr. Luciano Gonsalves Costa, 
pelas contribuições e sugestões valiosas por ocasião do Exame de Qualificação. 
 
Pai e mãe, o meu muito obrigada; vocês souberam mostrar o caminho da força 
interior e da persistência para alcançar meus objetivos. 
 
Ao Luís, companheiro de todas as horas, pois soube ser sempre importante em 
minha vida. 
 
À filhinha Maria Luísa, perdão pela ausência nesses dois primeiros anos da sua 
vida; mas foi também por você que realizei esta caminhada. 
 
Aos irmãos Júlio e Carlos e suas famílias, pelo apoio e solidariedade. 
 
Aos adolescentes surdos, em especial aos participantes desta pesquisa e suas 
famílias, obrigada pela contribuição fundamental na realização desta dissertação. 
 
Às professoras Edna de Lourdes Machado, Marta Belinni e Regine Maria Pavanello, 
pela atenção e boa vontade oferecida. 
 
 5
Aos professores do PCM, que me ajudaram a pensar novas maneiras de olhar a 
Educação. 
 
Aos meus colegas de turma, em especial a Magda, Fábio e Lucilene, que, com seu 
companheirismo, compartilharam comigo os melhores e piores momentos desta 
caminhada. 
 
À Vânia, secretária do programa do PCM, que, com sua grande disposição, sempre 
facilitou nossa vida de aluno. 
 
A todos da ANPACIN, que são tão especiais na minha formação profissional: Yara, 
Ana Dalva, Mari, Alexandra, Luzia, todos os 40 professores, os 5 profissionais 
surdos; os 118 alunos; as 2 fonoaudiólogas, os 2 secretários e os 5 profissionais do 
serviço geral; a vocês meu muito obrigada pela acolhida como pesquisadora e o 
auxilio na realização deste trabalho. 
 
Aos meus amigos, em especial Maria José, Maria das Graças, Deborah, Patrícia, 
Neusa, Sandra, Ana, Elisângela, Alice, Gislaine e Marcos: cada um, a seu modo, 
soube se fazer presentes em horas importantes. 
 
Ao casal de professores Carla e Valdeni, pelo exemplo profissional e incentivo. 
 
Ao meu grupo de estudo de educação matemática, GIEPEM, por ter proporcionado o 
crescimento profissional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 6
RESUMO 
 
 
Com base na teoria piagetiana, este trabalho objetivou investigar o desenvolvimento 
cognitivo dos adolescentes surdos educados numa abordagem bilíngüe e comparar 
os resultados com os de uma outra pesquisa realizada em 1996 com surdos 
educados numa abordagem oralista, cujos os resultados apontaram uma 
defasagem cognitiva de cerca de 2 anos em relação aos ouvintes de mesma faixa 
etária (12 a 14 anos). Para a consecução da pesquisa, foram realizadas seis provas, 
que identificaram o pensamento operatório concreto (a prova de inclusão de classe, 
as provas de conservação: de objetos descontínua, de líquido, de peso, de volume, 
de área), e duas provas para o pensamento formal (flutuação de corpos e 
quantificação de probabilidades), junto a um grupo de 11 adolescentes surdos, com 
idade entre 12 e 14 anos e que há pelo menos sete anos eram educados numa 
abordagem bilíngüe. Os resultados mostraram que os surdos da pesquisa atual 
possuem um vocabulário melhor em relação aos sujeitos da pesquisa anterior e 
também um conhecimento escolar (grau de escolaridade) superior, porém esses 
avanços não se traduziram num desenvolvimento cognitivo maior. Isso nos levou a 
investigar como se processam as trocas simbólicas destes adolescentes, com a 
intenção de fornecer indicativos para uma atuação pedagógica mais eficaz. 
 
 
 
 
Palavras-chave: Surdez. Psicologia Genética. Bilingüismo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 7
ABSTRACT 
 
 
Based on Piaget's theory, this work aimed to investigate the cognitive development of 
deaf teenagers educated in a bilingual approach and to compare the results with 
1996 research where they were educated in an oral approach, which showed a 
cognitive devaluation about two years compared to sound students with the same 
age (12 to 14 years). For this research were made six tests that identify the concrete 
concerning (the inclusion class test, the conservation tests: discontinue objects, 
liquid, weigh, volume, area) and two tests for formal concerning ( bodies flotation and 
probabilities quantification) with a group of 11 deaf teenagers, aged among 12 and 
14 years old and that for up seven years were educated in a bilingual approach. The 
results showed that deaf of the present research have a better vocabulary than ones 
of last research and also a higher academic understanding (school degree), in spite 
of no translation in a bigger cognitive advance. This fact, take us to investigate how is 
the process of symbolic changes of this students, with the intention to provide 
indicatives for a pedagogical performance more efficient. 
 
 
 
Keywords: Deafness. Genetic Psychology. Bilingualism. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 8
LISTA DE QUADROS 
 
Quadro 1 Padrão ANSI (1969).........................................................................
 
52
Quadro 2 Padrão Devis e Silvermann ............................................................ 
 
52
Quadro 3 Descrição dos dados pessoais do adolescente surdo ....................
 
68
Quadro 4 Roteiro realizado para obter dados sobre a escola..........................
 
70
Quadro 5 Roteiro realizado para obter dados iniciais sobre os alunos............
 
70
Quadro 6 Prova da conservação de quantidades descontínua I.....................
 
73
Quadro 7 Prova da conservação de quantidade descontínua II......................
 
74
Quadro 8 Prova da conservação de quantidades contínua com líquido......... 
 
76
Quadro9 Prova da conservação de substância............................................. 
 
77
Quadro 10 Prova de conservação de peso....................................................... 
 
80
Quadro 11 Prova de conservação de volume................................................... 
 
81
Quadro 12 Prova de conservação de área........................................................
 
84
Quadro 13 Prova de inclusão de classe............................................................ 
 
86
Quadro 14 Prova de probabilidade.................................................................... 
 
88
Quadro 15 Roteiro da entrevista com os pais....................................................
 
96
 
 
 9
LISTA DE TABELA 
 
TABELA 1 
 
Níveis de respostas frente às provas de conservação .................... 63 
TABELA 2 
 
Níveis de respostas frente à prova de inclusão de classes............. 63 
TABELA 3 
 
Níveis de respostas frente à prova de flutuação de corpos............. 64 
TABELA 4 Níveis de respostas frente às provas de conservação ................... 
. 
102
TABELA 5 Níveis de respostas frente à prova de inclusão de classes............ 
 
110
TABELA 6 Níveis de respostas frente à prova de flutuação de corpos.............
 
111
TABELA 7 Níveis de respostas frente à prova de quantificação das 
probabilidades..................................................................................
113
TABELA 8 Níveis de respostas frente às provas de conservação realizadas 
nas duas pesquisas..........................................................................
131
TABELA 9 Níveis de respostas frente às provas de inclusão de classes 
realizadas nas duas pesquisas........................................................
134
TABELA 10 Níveis de respostas frente às provas de flutuação de corpos 
realizadas nas duas pesquisas........................................................
135
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 10
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS 
 
ANSI American National Standards Institute 
CES Centro de Estudos Supletivos 
DA Deficiência auditiva 
DM Deficiência Mental 
F1 Mãe 1 
F2 Mãe 2 
F3 Mãe 3 
F4 Mãe 4 
F5 Pai 5 
F6 Mãe 6 
F7 Pai 7 
FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos 
LIBRAS Língua Brasileira de Sinais 
L1 Primeira Língua 
LS Língua de Sinais 
P Pesquisadora 
S Sujeito 
S1 Surdo 1 
S2 Surdo 2 
S3 Surdo 3 
S4 Surdo 4 
S5 Surdo 5 
S6 Surdo 6 
S7 Surdo 7 
 
 
 11
S8 Surdo 8 
S9 Surdo 9 
S10 Surdo 10 
S11 Surdo 11 
SEED – PR Secretaria de Estado da Educação do Paraná 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 12
1 SUMÁRIO 
 
 
 
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 15
1 A EDUCAÇÃO DE SURDOS E NOSSO PERCURSO PROFISSIONAL 18
 
2 O APORTE TEÓRICO.............................................................................. 39
2.1 ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA TEORIA DE PIAGET................... 39
2.2 OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO.............................................. 43
2.2.1 O período sensório-motor...................................................................... 45
2.2.2 O nível pré-operatório............................................................................ 46
2.2.3 O período operatório concreto.............................................................. 48
2.2.4 As operações formais............................................................................ 49
2.3 A LINGUAGEM E O PENSAMENTO DOS SURDOS............................. 51
2.3.1 A surdez................................................................................................... 51
2.3.2 As pesquisas........................................................................................... 53
2.3.2.1 As pesquisas no Brasil.............................................................................. 54
 
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................. 66
3.1 TIPO DE PESQUISA................................................................................ 66
3.2 OS SUJEITOS.......................................................................................... 66
3.2.1 Os surdos................................................................................................ 67
3.2.2 Os pais..................................................................................................... 69
3.3 A INVESTIGAÇÃO.................................................................................... 70
3.3.1 Organização escolar............................................................................... 70
3.3.2 As provas................................................................................................. 71
3.3.2.1 Conservação............................................................................................. 72
3.3.2.1.1 Conservação de quantidades descontínuas I........................................... 73
3.3.2.1.2 Conservação de quantidades descontínuas II.......................................... 74
3.3.2.1.3 Conservação de quantidades contínuas com líquido............................... 75
3.3.2.1.4 Conservação substância.......................................................................... 77
3.3.2.1.5 Conservação de peso............................................................................... 79
3.3.2.1.6 Conservação de volume........................................................................... 81
 
 13
3.3.2.1.7 Conservação de área............................................................................... 84
3.3.2.2 Operações lógicas.................................................................................... 85
3.3.2.2.1 Operação lógica: Inclusão de classes...................................................... 85
3.3.2.2.2 Operação formal: Quantificação da probabilidade.................................... 87
3.3.2.2.3 Operação formal: Flutuação de corpos..................................................... 93
3.3.2.3 Sistema de transcrição da libras............................................................... 95
3.3.3 A entrevista com os pais........................................................................ 96
 
4 RESULTADOS DA PESQUISA EXPERIMENTAL.................................. 98
4.1 CARACTERÍSTICA DA ESCOLA ............................................................ 98
4.2 RESULTADOS DAS PROVAS................................................................. 101
4.2.1 Conservação............................................................................................ 102
4.2.1.1 Conservação de quantidades descontínuas............................................. 102
4.2.1.2 Conservação de quantidades contínuas: de líquido................................. 103
4.2.1.3 Conservação de quantidades contínuas: de substância.......................... 105
4.2.1.4 Conservação de peso............................................................................... 106
4.2.1.5 Conservação de volume........................................................................... 107
4.2.1.6 Conservação de área................................................................................ 108
4.2.2 Operação lógica...................................................................................... 109
4.2.2.1 Operação lógica: Inclusão de classes...................................................... 109
4.2.2.2 Operação formal: flutuação de corpos...................................................... 111
4.2.2.3 Operação formal: quantificação da probabilidade.................................... 113
4.3 AS ENTREVISTAS COM OS PAIS.......................................................... 115
4.3.1. Abordagem sobre a surdez....................................................................115
4.3.1.1 O diagnóstico, a etiologia e a reação em relação à surdez...................... 116
4.3.2. A interação: familiar, social e escolar................................................... 119
4.3.2.1 Atividades que meu filho realiza............................................................... 120
4.3.2.2 A comunicação......................................................................................... 121
4.3.2.3 A LIBRAS na vida do meu filho................................................................. 124
4.3.2.4 Os sonhos e o futuro................................................................................. 125
43.2.5 A escola.................................................................................................... 126
 
5 CONFRONTANDO OS DADOS DA PESQUISA..................................... 129
5.1 OS SUJEITOS.......................................................................................... 129
 
 14
5.2 OS PESQUISADORES............................................................................. 130
5.3 AS PROVAS............................................................................................. 131
5.3.1 Conservação............................................................................................ 131
5.3.2 Operação lógica...................................................................................... 133
5.3.2.1 Operação lógica: Inclusão de classe........................................................ 133
5.3.2.2 Operação formal: flutuação de corpos...................................................... 134
 
6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS......... 137
 
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 142
 
APÊNDICES........................................................................................................... 146
APÊNDICE A. ........................................................................................................ 147
APÊNDICE B......................................................................................................... 148
APÊNDICE C........................................................................................................ 149
 
ANEXOS................................................................................................................ 150 
ANEXO A............................................................................................................... 151
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 15
INTRODUÇÃO 
 
Quando o pensamento científico e filosófico 
dominante em uma determinada cultura inicia um 
certo caminho, os pensadores da geração 
seguinte retomam o fio condutor iniciado por 
aqueles, seja para continuá-lo ou para opor-se - 
nesse caso devem demonstrar sua invalidade – 
mas, de qualquer maneira, não podem esquivar-
se dele e da influência que exerce em seu 
próprio pensamento. 
 MARIMÓN 
 
O contato com os surdos é uma experiência no mínimo curiosa. À primeira vista, os 
sentimentos que afloram possuem características pejorativas e de espanto, como 
quando dizemos: “coitado, ele é surdo” ou “ele fala!”. Entretanto, o convívio com o 
surdo ou com um grupo de surdos permite que se lance um novo olhar sobre eles, 
um olhar sobre as semelhanças e diferenças. Percebe-se que, ao mesmo tempo que 
os consideramos tão diferentes, somos, ouvintes e surdos, tão parecidos! 
 
Este contato com o surdo e o estudo sobre a surdez faz-nos despertar algumas 
indagações, como, por exemplo: “Se quando penso, falo comigo mesma, como 
pensa o surdo?” 
 
E foi compartilhando dessa e de outras indagações que realizamos a proposta de 
investigar o desenvolvimento cognitivo dos adolescentes surdos educados numa 
abordagem bilíngüe e comparar os resultados encontrados com os dados de uma 
outra pesquisa realizada com surdos educados numa abordagem oralista; com as 
duas investigações tendo como pressupostos teóricos a teoria piagetiana. 
 
A pesquisa tencionou também: 
 
• Identificar as trocas simbólicas que existem entre os adolescentes e o meio, 
em geral, e com seus pais e familiares, em particular. 
 
O presente estudo partiu dos resultados de duas pesquisas realizadas com crianças 
surdas educadas segundo a abordagem oralista e que objetivavam analisar, sob o 
enfoque da psicologia genética, o desenvolvimento cognitivo dessas crianças. 
 16
 
Na primeira pesquisa de Nogueira e Tito (1989), realizada com crianças surdas de 
idade entre 4 e 6 anos, os resultados não indicaram defasagem significativa no 
desenvolvimento cognitivo, em relação às crianças ouvintes. 
 
Na segunda pesquisa de Nogueira e Machado (1996), realizada com adolescentes 
surdos de idade entre 12 e 14 anos, os resultados apontaram para uma defasagem 
de cerca de 2 anos em relação aos ouvintes de mesma faixa etária. 
 
As pesquisadoras ficaram, na época, impedidas de concluir se a educação na 
abordagem oralista contribuía para esta defasagem, por não existirem sujeitos na 
mesma faixa etária, na cidade de Maringá, educados numa abordagem que 
privilegiasse a LIBRAS. 
 
Passados quase dez anos da última pesquisa, a educação de surdos no Paraná, e 
mais especificamente em Maringá, vive nova realidade, tanto no que se refere à 
concepção que se tem do indivíduo quanto ao seu contexto escolar. 
 
A grande mudança é conseqüência do reconhecimento da LIBRAS, (Língua 
Brasileira de Sinais) como primeira língua dos surdos. Desta forma, hoje existem 
sujeitos que, há pelo menos sete anos, estão sendo educados numa abordagem 
bilíngüe, o que possibilitou verificar a questão levantada. 
 
Este texto está desenvolvido em seis capítulos. 
 
O primeiro capítulo, A educação de surdos e nosso percurso profissional, 
enfoca, em linguagem narrativa, o contexto histórico da educação de surdos 
relacionada com a pesquisa bem como os motivos que nos levaram a desenvolvê-la. 
 
No segundo capítulo, que denominamos de O Aporte Teórico, justificamos a nossa 
opção por Piaget, e discorremos sobre pesquisas com surdos, considerando 
diferentes aspectos da teoria piagetiana, mas que nas suas conclusões apontam 
caminhos convergentes. 
 
 17
No capítulo terceiro, Procedimentos Metodólogicos, especificamos os sujeitos da 
pesquisa e a metodologia adotada. 
 
No quarto capítulo, intitulado Resultados da Pesquisa Experimental, 
apresentamos a análise parcial dos dados coletados, com divisão em três temas: o 
primeiro tema apresenta a escola na qual a pesquisa foi realizada; o segundo trata 
das provas realizadas com os adolescentes surdos educados numa abordagem 
bilíngüe e o terceiro relata a entrevista com os pais desses adolescentes. 
 
No quinto capítulo, Confrontando os Dados das Pesquisas, cotejamos os 
resultados das provas piagetianas realizadas nesta pesquisa com uma outra 
desenvolvida em 1994, onde foram aplicadas as mesmas provas a surdos educados 
numa abordagem oralista. 
 
No sexto e último capítulo, Discussão dos resultados e Considerações Finais, 
discutimos os dados dos resultados encontrados e procuramos apontar 
contribuições do nosso estudo para a educação de surdos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 18
1 A EDUCAÇÃO DE SURDOS E NOSSO PERCURSO PROFISSIONAL 
 
 
Meu discurso é o lugar de encontro de vozes milenares. 
Quantas vozes o povoam? Dezenas, centenas, milhares... 
De que tempo? De todos os tempos. 
De que verdades? 
De todas as verdades e meias-verdades. 
FERNANDES 
 
 
Após muitas reflexões, decidimos apresentar este capítulo em forma de narrativa, 
sempre com a atenção voltada nestes enfoques: a) o contexto histórico da educação 
de surdos relacionada com a pesquisa; b) os motivos que nos levaram a desenvolver 
a pesquisa. 
 
Implicitamente, este capítulo auxiliou nas reflexõesda conclusão da pesquisa, pois, 
apesar de o discurso apresentado ser a história de vida de uma profissional, reflete, 
de certa maneira, a concepção dos profissionais envolvidos com a educação 
especial vigente. 
 
Ao mostrar a trajetória histórica, procuramos apresentar dados levantados na 
pesquisa de campo inicial. 
 
Como ponto de reflexão inicial, considero importante ilustrar com um pouco da 
história da educação de surdos. 
 
Na Europa, existe uma longa história da surdez, muito interessante. 
Com um rápido passar de olhos na história da surdez, percebemos 
que estamos no mesmo ponto em relação ao ano de 1970, na França. 
É como uma história circular: aparece a língua de sinais na escola e é 
proibida; então aparece a língua oral, que fracassa; recomenda-se a 
língua de sinais; pergunta-se se serve ou não; os surdos se reúnem 
entre si, os ouvintes de outras filosofias também e a proposta é que se 
tem que começar com a língua oral, retoma-se e volta-se ao mesmo 
ponto (ALISEDO, 1994, p.12). 
 
Conforme a sociedade foi se transformando, a concepção que os ouvintes tinham do 
indivíduo surdo também se transformou, isto é, foram sendo vistos de diferentes 
modos. Ao acompanhar tais transformações, as terminologias utilizadas para 
designar estes sujeitos também se transformaram. 
 19
No Brasil, mais especificamente no Paraná, nas décadas de 1950 e 1960, os surdos 
eram vistos como “doentes” e, praticamente, inexistiam pesquisas científicas 
desenvolvidas na área educacional. A forma de atendimento estava voltada à 
filantropia e ao assistencialismo; os surdos não eram vistos como cidadãos 
produtivos ou úteis à sociedade e não havia a preocupação com a formação 
acadêmica ou profissional deles (STROBEL, 2000). 
 
Na década de 1970 e 1980, a surdez é vista como “deficiência”. O surdo neste 
contexto histórico é conhecido como deficiente auditivo. Inicia-se uma nova fase, 
onde os surdos recebem atenção dos segmentos institucionais organizados, 
inclusive da educação e, com isso, tem-se a expansão do atendimento 
especializado nos municípios do Estado. A educação de surdos se caracterizou, 
nesse período, pelo predomínio de modelos clínicos, nos quais, em detrimento dos 
objetivos educacionais, imperavam os objetivos de reabilitação – o aluno como 
paciente e o professor como terapeuta. Persistiu a aplicação de inúmeros métodos 
oralistas, geralmente estrangeiros, buscando estratégias de ensino que pudessem 
transformar em realidade o desejo de ver o surdo falando e ouvindo, com auxílio de 
próteses. Eram vistos como deficientes e proibidos de utilizar sinais para se 
comunicar; na escola, eram poupados dos conteúdos escolares mais complexos e, 
quando matriculados no ensino regular, eram empurrados de uma série para outra 
(STROBEL, 2000). 
 
Da década de 1990 até hoje, a surdez é vista muito mais como “diferença” do que 
como “deficiência”. E como autodenominação dada pelos próprios surdos a 
expressão utilizada neste contexto é surdo (STROBEL, 2000). O estágio em que 
nos encontramos hoje é conseqüência de muita luta dos surdos, seus familiares, 
professores e profissionais da área, que resultaram em conquistas fundamentais, 
tais como: o reconhecimento da diferença lingüística do surdo; a oficialização da 
LIBRAS, em nível municipal (Lei nº 512); estadual (Lei nº 12095/98) ambas em 1998 
e a nível federal (Lei nº 10.436) em 2002; a potencialização do pedagógico em 
detrimento do clínico na educação; a possibilidade da educação bilíngüe numa 
dimensão política; o apoio ao fortalecimento e qualificação da comunidade surda; a 
formação e capacitação do professor e instrutor surdo; a formação de intérpretes de 
 20
LIBRAS e Língua Portuguesa e, particularmente, um crescente número de pesquisas 
na área da surdez . 
 
A minha concepção sobre o “indivíduo surdo” durante a trajetória profissional mudou; 
assim, durante a narrativa são utilizadas duas terminologias para se dirigir aos 
mesmo sujeitos. A primeira é a de deficiente auditivo, utilizada na descrição de um 
período que refletia uma concepção do surdo como deficiente e, para torná-lo 
eficiente, a ênfase no trabalho era a de reabilitação1. A segunda expressão utilizada, 
na descrição do período que se inicia em 1996 observada é surdo, que acarreta um 
outro olhar a respeito deste sujeito, compartilhando das palavras de Poker: 
 
[...] a expressão “surdo”, por ser a que melhor permite enfatizar o 
significado da surdez na duplicidade de sua condição orgânica e 
social. Além disso, é a autodenominação escolhida pelos próprios 
surdos, que desejam ser aceitos não como pessoas deficientes, ou 
seja, como “ouvintes” que têm ausência de algo, mas como pessoas 
que teriam muito mais de igual do que de diferente, pessoas 
igualmente capazes e que se diferenciam dos ouvintes por 
desenvolverem sua linguagem através de outros recursos mais 
relacionados à natureza viso-motora (linguagem orofacial, gestual, 
dactilológica, etc. ) (1995, p. 2). 
 
 
Acaso, interesse ou vocação? 
 
E foi assim que tudo começou. 
 
No ano de 1991, ao passar diariamente em frente de uma casa, olhava pelo portão e 
encantava-me com as crianças que brincavam. Comentava que um dia iria trabalhar 
naquele lugar: era uma casa com ar de escola. Nela funcionava uma “espécie” de 
escola para deficientes auditivos2; era um Centro de Reabilitação de Menores para 
Deficientes Auditivos, com 65 alunos e 23 funcionários. Como sua sede não estava 
pronta, a Prefeitura havia alugado aquele espaço. 
 
Trabalhava no ensino público como professora das séries iniciais há dois anos, e 
este meu lado professora ficava inquieto, pois queria saber como aquelas crianças 
 
1 É o trabalho de reabilitar a audição e a fala, na tentativa de minimizar os efeitos provocados pela alteração 
auditiva. 
2 Terminologia usada para os surdos na época. 
 21
aprendiam e se comunicavam. Uma professora de deficientes auditivos do Instituto 
Estadual de Educação achava interessante o meu “encantamento” pelos alunos e, 
no início de 1992, convidou-me para fazer um curso oferecido pela Secretaria de 
Estado da Educação denominado “emergencial para D.A.”; esse curso era um pré-
requisito para o trabalho com os deficientes auditivos. Como a abordagem da época 
era o oralismo, as disciplinas ministradas tinham esse enfoque; os profissionais 
envolvidos eram muito “fiéis” aos pressupostos deste método, dos quais destaco: 
 
A abordagem de enfoque oralista se coloca radicalmente contra o uso 
da Língua de Sinais ou de qualquer código gestual pelo entendimento 
de que, sendo a dimensão gestual-visual a mais cômoda para o surdo, 
esse não irá despender o esforço necessário para aprendizagem de 
uma língua na modalidade oral, que exige um trabalho difícil, diligente, 
intenso e muitos vezes enfadonho (SÁ, 1999, p.82). 
 
[...] de acordo com os oralistas, a educação do surdo deve começar o 
quanto antes e deve aproveitar todos os recursos disponíveis para se 
desenvolver a linguagem interior da mesma forma como acontece aos 
ouvintes. Para isso é preciso um trabalho complexo que tentará, 
através do uso de eventuais resíduos auditivos, da leitura labial, das 
atividades de sensibilização das vibrações vocais, desenvolver no 
surdo uma linguagem interna sem imagens auditivas (POKER, 1995, 
p.87). 
 
 
O Oralismo ou filosofia oralista visa à integração da criança surda na 
comunidade de ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua 
oral (no caso do Brasil, o português). A noção de linguagem, para 
vários profissionais desta filosofia, restringe-se à língua oral, e esta 
deve ser a única forma de comunicação dos surdos. Para que a 
criança surda se comunique bem é necessário que ela possa oralizar. 
O Oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser 
minimizada através da estimulação auditiva (GOLDFELD, 1997, p.31). 
 
O únicocontato que tive com os deficientes auditivos neste curso foi numa peça 
teatral: “A Branca de Neve e os Sete Anões”, apresentada pelos alunos de uma 
escola especial. 
 
Como queria saber mais, por iniciativa própria comecei visitar a escola e conhecer 
como eles aprendiam. Alguns professores se incomodavam com a minha 
curiosidade; vim saber, tempos depois, que diziam: que tanto essa “menina quer 
saber”? Foi assim que, no final daquele ano, no mês de outubro, recebi um convite 
para trabalhar, não como professora e sim como atendente: iria realizar a função 
 22
de auxiliar na educação precoce e cuidar do banho e do almoço de um grupo de 
crianças que permaneciam na escola por tempo integral. Já trabalhava no ensino 
comum um período, porém, como queria muito trabalhar com os deficientes 
auditivos, aceitei o convite imediatamente e iniciei minha trajetória no ensino 
especial. 
 
No ano seguinte, como funcionária municipal, assumi uma turma com seis alunos, 
de idade em torno de seis anos. Nessa turma atuava como reabilitadora, 
terminologia usada pela abordagem oralista. Como o próprio nome diz, a função era 
reabilitar a fala, a audição, a leitura orofacial; essas atividades ainda eram resquícios 
de uma metodologia, a verbotonal3. Sentia-me muitas vezes como uma terapeuta, 
não uma professora; e esse era um dos motivos que justificava o número reduzido 
de alunos por sala. Era um trabalho de repetição e exaustão. No entanto, a 
educação de surdos, desde 1990, já caminhava para uma outra visão do deficiente 
auditivo. Adotava-se a metodologia materno-reflexiva4, ainda voltada para a 
oralização do deficiente auditivo e, como o próprio nome sugere, como ponto de 
partida da relação mãe e filho. 
 
O trabalho que desenvolvia com a minha turma segundo a metodologia materno- 
reflexiva, estava centrado no interesse da criança e nas atividades de vida prática, 
explorando, a princípio, basicamente, o vocabulário familiar. Assim, ao determinar o 
tema a ser explorado, conversávamos primeiramente sobre ele e realizávamos 
visitas, se necessário, aos seus lares dos alunos, ao comércio, a outras escolas. 
Num segundo momento, havia uma montagem de textos acerca do tema escolhido; 
fazíamos leitura receptiva, que é a fase da exploração do vocabulário; por último, 
fazíamos o estudo da estrutura do texto. Contava muito com o apoio dos pais; 
comunicava-lhes o trabalho que estávamos realizando; as crianças eram 
estimuladas a contar o texto aos pais e estes a ajudar na construção do vocabulário 
envolvido. No entanto, no grupo com o qual trabalhava, por ser um grupo de pouca 
oralização e pouco resíduo auditivo, um dos maiores problemas que encontrava era 
 
3 Método estrangeiro, criado por Peter Guberina, na Iuguslávia. Trata-se de um método oral multi-
sensorial, pois visa à habilitação do indivíduo para a fala e a constante reabilitação da audição do 
deficiente. 
4 Outro método estrangeiro, que tem como precursor Van Uden. 
 23
a agressividade das crianças. Apesar de o trabalho ser interessante, tornava-se 
cansativo, pois, por não conseguirem expor o que queriam e também por não 
entenderem o que eu queria, geravam-se conflitos. Iniciaram-se, informalmente, 
naquele ano, duas modalidades de ensino; os alunos tinham um período de 
reabilitação e outro de escolarização. 
 
Enquanto isso, no outro período de trabalho, comecei a trabalhar também com a 
educação especial, numa outra modalidade de atendimento da abordagem oralista: 
a sala especial para D.A. Em muitas cidades, era o período em que se dava o 
reforço escolar do ensino regular comum e a parte de reabilitação. Os alunos, 
porém, naquele ano não freqüentariam o ensino regular. Eram cinco alunos com 
idade entre 13 e 16 anos, com um histórico escolar de total insucesso; eles estavam 
cansados de atividades relacionadas a uma primeira série e da reabilitação da fala 
exaustiva e quase sem resultado. 
 
A sala especial funcionava em uma escola de 1ª a 4ª série, num município vizinho, 
e dividíamos a nossa sala com uma sala de D.M. (alunos com deficiência mental). 
Por apresentarem uma idade superior bem como pela falta de comunicação que 
gerava a agressividade e mesmo pela fala nada inteligível e cheia de grunhidos, os 
meus alunos eram conhecidos como os “doidinhos” e “bobinhos”. Isso me 
perturbava muito, pois até então não tinha vivido com essas situações e esses 
sentimentos; na outra escola, não havia presenciado nada disso, pois era uma 
escola só de deficientes auditivos: “viviam entre os iguais”, as discussões de todos 
os funcionários eram voltadas para eles. 
 
O meu trabalho na sala especial era solitário e de “tartaruguinha”. Contudo, queria 
fazer o melhor para eles, mas por onde começar? E foi na primeira visita da 
coordenadora responsável pela educação especial representante do Núcleo 
Regional de Educação5 à escola - visitas estas costumeiras e que tinham como 
objetivo verificar como o trabalho estava sendo desenvolvido - que eu disse que 
procuraria estabelecer um vínculo de comunicação mais efetivo com os meus 
alunos, por meio de desenhos, de sinais combinados, e que iria centrar o meu 
 
5 Órgão responsável pela Educação (Infantil, Especial, Supletiva, Fundamental e Médio) de uma 
determinada região, subordinado à Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED-PR). 
 24
trabalho na metodologia materno-reflexivo e o treinamento da fala; o treinamento 
auditivo e da leitura labial não seriam privilegiados. Começamos, assim, a explorar 
o contexto, o máximo possível, a partir de temas principalmente relacionados ao 
mercado de trabalho. 
 
A respeito da imagem que a comunidade escolar tinha dos alunos surdos procurei 
minimizá-la, por meio de palestras aos professores e alunos, nas quais explanava 
sobre as diferenças, as dificuldades e, principalmente, das potencialidades de meus 
alunos. 
 
Após dois anos de trabalho, foram percebidos resultados significativos; contudo 
recebi uma proposta de permanência na escola de deficientes auditivos nos dois 
períodos que aceitei. A sala especial foi fechada, apesar da tentativa de deixá-la em 
funcionamento, pois passaram pela sala no período de um mês três professores, 
que não se adaptaram; assim, estes alunos tiveram atendimento somente um ano 
depois no CES6. 
 
Uma das coisas que mais me fascinou na escola de deficientes auditivos, desde o 
começo, foi a abertura para as discussões sobre a educação dos surdos; a escola 
sempre procurou proporcionar cursos, viagens a congressos, a seminários, para 
não ficarmos “isolados” nos próprios muros da escola. 
 
Uma ano após, fui escolhida para assumir a educação precoce7 e continuei com as 
metodologias citadas. Trabalhei com uma turma, por três anos; muitos dos sujeitos 
da pesquisa são esses alunos. Eles vivenciaram pelo menos de dois a três anos 
uma abordagem oralista. Trabalhava com o treinamento auditivo, da fala e da leitura 
orofacial, acreditava tanto no meu trabalho que falava para os pais que as crianças 
iriam falar e os requisitava a participar e ajudar nessa terapia. Uma das atividades 
que envolvia os pais era a notícia. Estes tinham que enviar para a escola algo 
interessante que acontecera com seus filhos. Os pais escreviam o ocorrido e a 
criança ilustrava, pois ela deveria “dar a notícia” para os colegas. 
 
 
6 Centro de Estudos Supletivos. 
7 Atendimento a crianças de 0 a 3 anos. 
 25
Em uma outra atividade, que objetivava o treinamento de vocabulário, pedíamos 
para os pais colarem nos móveis da casa etiquetas com as palavras que os 
denominavam; por exemplo, as cadeiras eram etiquetadas com a palavra “cadeira”. 
Fato interessante é que todos os pais seguiam praticamente à risca as nossas 
orientações.Constatei isso quando o tema a ser trabalhado foi “A nossa casa” e 
fomos fazer as visitas; não havia uma casa que não tivesse papéis espalhados com 
o nome de todos os objetos possíveis. 
 
A ênfase do modelo terapêutico na abordagem educacional oralista 
implica que as famílias sejam sobrecarregadas com diversas tarefas 
como: praticar os treinamentos fonoarticulátorios em casa; passar todo 
o tempo informando disciplinadamente palavras e frases orais, 
chamando a atenção da criança para a leitura labial; usar muito do seu 
tempo diário em terapias de diversos tipos, além do horário escolar; 
usar os familiares como suportes no ensino escolar, etc. Nessa visão, 
a responsabilidade pelo sucesso da abordagem educacional é, 
portanto, dividida entre família, terapeutas e escola (geralmente nessa 
ordem) (SÁ, 1999, p 95). 
 
O que acho interessante no meu discurso é que no trabalho com os surdos adultos 
utilizava muitos sinais, que convencionamos; com a turma de pequenos hesitava um 
pouco, mas se fosse necessário utilizava-os. Estávamos numa época de um 
oralismo menos “radical”. 
 
No ano de 1993, fiz o adicional, que corresponde ao 4º ano do magistério, muito 
semelhante ao emergencial, mas com uma maior profundidade, com a mesma 
filosofia do emergencial. 
 
No final de 1994, ao adquirir sede própria, a escola já contava com alunos 
freqüentando a 3ª série ainda de maneira informal; No Centro de Reabilitação de 
Menores para Deficientes Auditivos montou-se um processo para a criação de uma 
escola de ensino regular. Tal processo foi apresentado ao Departamento de Ensino 
de 1º Grau da SEED-PR para apreciação, com fins de regulamentação da vida 
acadêmica dos alunos. Em decorrência disso, contando com o apoio e incentivo do 
Departamento de Educação Especial da SEED, em janeiro de 1995, através da 
Resolução nº 195, criou-se na escola o ensino de 1º grau8. Os alunos foram 
 
8 Denominação correspondente ao ensino fundamental. 
 26
submetidos a um exame classificatório com provas elaboradas de acordo com os 
conteúdos referentes à série anterior a que o aluno se encontrava. Uma banca, 
composta por professores, coordenação do Núcleo de Educação e coordenação 
pedagógica da escola, aplicou e corrigiu as provas; ficou, assim, regularizada a 
situação dos alunos. 
 
No ano de 1995, oficializada a escolaridade dos alunos, com uma 1ª turma de 5ª 
série, alguns profissionais de área específica (matemática, português,...) foram 
contratados sem uma formação destinada ao trabalho com deficientes auditivos; 
tinham experiência somente no ensino regular. E por vários anos a falta de 
profissionais especializados foi (ou ainda é?) um dos problemas para a escola, o 
que, por outro lado, contribui para vivenciarmos outras experiências. 
 
Em 1995, um grupo significativo de profissionais da escola resolveu fazer 
especialização na área de deficiência auditiva. Foi quando boa parte dos 
profissionais, inclusive eu, ouviu pela primeira vez outro tipo de conversas sobre a 
educação dos deficientes auditivos, como “a questão da língua dos surdos”. Para 
nós, profissionais insatisfeitos com os resultados de desempenho acadêmico obtido 
e com um nível de comunicação nada efetivo entre professor e aluno, a orientação 
dada no curso veio ao encontro de nossos interesses, refletia um novo modo de agir 
na educação do deficiente auditivo. Este pensamento vinha sendo divulgado em 
todo o estado do Paraná. 
 
No Congresso de Milão, em1880, marcou-se o abandono voluntário da 
língua de sinais nas escolas das crianças surdas. Mas, ela não 
desapareceu. As línguas orais, que sofrem repressão dessa natureza, 
desaparecem. Por que a língua de sinais se mantém? Por que resiste? 
Por que passa de criança para criança. É em conseqüência de algo 
mais universal. É a língua que os surdos se outorgaram a si mesmo. 
Essa me parece ser a razão fundamental pela qual nenhuma maioria 
conseguirá fazer com que ela desapareça. A única maneira da língua 
de sinais desaparecer será quando desaparecer a surdez. Enquanto a 
surdez existir, existirá a língua dos surdos (ALISEDO, 1994, p. 13). 
 
[...] Fica evidente, na última década, a pressão de um novo discurso 
sobre a surdez que se encontra refletida no posicionamento assumido 
pelas professoras, exercidas principalmente pela literatura 
especializada na área e pelos governos em suas políticas oficiais. No 
Paraná, particularmente, desde 1995 a política de capacitação 
 27
docente esteve ligada à implantação de um proposta de educação 
bilíngüe no sistema de ensino (FERNANDES, 2003, p.56). 
 
[...] Em conseqüência desta nova visão e dos investimentos 
realizados, houve uma significativa transformação na educação de 
surdos, no Estado do Paraná, tanto no que se refere às questões 
ideológicas subjacentes à prática, como na qualidade da proposta de 
atendimento educacional aos surdos. Das múltiplas contribuições para 
essa mudança, os aspectos mais relevantes constituem-se na difusão 
dos modelos bilíngüe/multiculturais na educação e o aprofundamento 
nas concepções sócio-antropológicas da surdez (PARANÁ, apud 
FERNANDES, 2003, p.57). 
 
No 2º semestre de 1996, na escola iniciamos as leituras sobre bilingüismo. 
 
O bilingüismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser 
Bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de 
sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como 
segunda língua, a língua oficial de seu país. [...] O conceito mais 
importante que a filosofia Bilíngüe traz é de que os surdos formam 
uma comunidade, com cultura e língua próprias (GOLDFELD , 1997, p. 
39). 
 
Tornar-se letrado numa abordagem bilíngüe pressupõe a utilização de 
língua de sinais para o ensino de todas as disciplinas. Proporcionada 
como primeira língua (L1), o aprendizado da língua de sinais é 
oferecido aos surdos em situações significativas, como jogos, 
brincadeiras e narrativas de estória, mediante a interação com outros 
surdos adultos competentes em língua de sinais. Faz também parte 
do projeto bilíngüe que todo o corpo de funcionários da escola, surdos 
e ouvintes, e os pais, aprendam e utilizem a língua de sinais 
(BOTELHO, 2002, p. 112). 
 
Mas que não se percam os esforços. A inauguração de uma nova 
etapa histórica não significa que todos os problemas estejam 
resolvidos. Em seguida se verá a realidade e funcionamento do 
modelo bilíngüe, se apreciarão seus alcances e sua limitações, e 
novos conhecimentos sustentarão os atuais, mostrando suas 
insuficiências e seus erros. O modelo bilíngüe tende a ser 
aperfeiçoado e, eventualmente, superado. Mas nesse processo que se 
inicia temos os surdos como protagonistas e poderemos dialogar com 
eles num plano de igualdade, unidos por vínculos solidários na 
construção de um futuro melhor para todos. A prepotência, a 
segregação e o desprezo serão coisa do passado, e “não terão uma 
segunda oportunidade sobre a terra” (SÁNCHEZ, apud QUADROS, 
1997, p. 41). 
 
 
 28
Os estudos foram centrados principalmente na LIBRAS9, reconhecendo-a como a 
língua natural do surdo, que deve ser adquirida e usada tanto pelos alunos, quanto 
pelos profissionais. Neste ano, foi contratada a primeira instrutora surda, com a 
função de ensinar a língua de sinais para os funcionários e alguns alunos da escola. 
 
A Língua de Sinais, já reconhecida como língua, cumpre perfeitamente 
o papel de suporte lingüístico, dando acesso à dimensão simbólica à 
subjetividade, de modo semelhante ao papel que exerce a língua na 
modalidade oral no desenvolvimento de uma criança ouvinte (SÁ, 
1999, p. 170). 
 
“Língua de sinais e língua oral apresentam semelhanças e diferenças 
do ponto de vista operacional, mas a comunicação em língua de sinais 
é tão eficaz quanto na língua oral. Os dois tipos de língua apresentam 
uma estrutura hierárquica dos elementos que participam dos 
processos de codificação e decodificação.Em ambas o mecanismo de 
produção é influenciado por fatores, como a quantidade de produção 
possível, a criatividade semântica das mensagens, a estruturação 
sintática das frases. Nas duas línguas o tratamento das mensagens 
exige uma análise interativa tanto quanto paralela (CICCONE, apud, 
ALMEIDA, 2000, p.2). 
 
 
Uma experiência que considerei significativa para a aprendizagem da língua de 
sinais foi nas atividades oferecidas aos alunos no contraturno, das quais 
participavam alunos maiores com menores, proporcionando aos menores uma 
interação comunicativa real em situação cotidiana. Deixou-se o caráter de 
reabilitação e passou-se a um caráter educacional, nos dois turnos. A reabilitação da 
audição e fala passou a ser feita pelo setor de fonoaudiologia, com quatro 
profissionais, que ficaram responsáveis pelo atendimento. 
 
 Os alunos acima de seis anos freqüentavam até então a escola em período integral. 
Percebeu-se que as atividades em período integral levaram os alunos a um 
desgaste físico e mental. Reduziu-se, então, a dois dias de permanência integral dos 
alunos, pois acreditávamos que estávamos “roubando a infância e o convívio 
familiar”, e, ainda, quando esses estavam em casa, tinham que realizar atividades 
relacionadas a orientações dos profissionais da escola. Por isso, ficou estabelecido 
 
9 LIBRAS – língua brasileira de sinais – é o modo como a FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E 
INTEGRAÇÃO DOS SURDOS (FENEIS) resolveu se referir à língua de sinais dos surdos brasileiros. Essa 
denominação foi estabelecida em Assembléia convocada pela FENEIS, em outubro de 1993, tendo sido adotada 
pela World Federation of the Deaf, pelo MEC, por pesquisadores, educadores e especialistas, (SOUZA,1998, 
p.1). 
 
 29
que três tardes por semana seriam livres para que pudessem fazer outras atividades 
e para que a família se responsabilizasse pela educação (não a acadêmica) dos 
filhos. A escola tinha até então um caráter assistencialista em muitos aspectos, tais 
como: fornecia boa parte do material escolar, almoço, banho, entre outras coisas. 
 
Em 1996, recebi um novo convite: assumir a disciplina de matemática na 5ª e 6ª 
série, para trabalhar em uma das etapas do projeto “O ensino de Matemática para 
deficientes auditivos: uma visão psicopedagógica”, que já estava no seu terceiro 
ano de execução. Conhecer e participar do projeto foi importante para mim. Quando 
pensava no desafio, os sentimentos misturavam-se: o do medo e da curiosidade. 
Medo, sim, por ser apenas uma recém-formada em matemática a desenvolver um 
trabalho em companhia de uma professora-pesquisadora de muita competência na 
discussão da matemática na educação especial; e curiosidade, por querer vivenciar 
novos passos. 
 
Das leituras iniciais da pré-fundamentação do projeto acima citado e das conversas 
com a pesquisadora, que denominarei de “mãe-professora-pesquisadora”, conheci o 
porquê do seu desenvolvimento. 
 
A maioria dos pais e profissionais envolvidos com os deficientes auditivos tem como 
principal preocupação o desenvolvimento da linguagem e as possibilidades de 
comunicação da criança deficiente auditiva. A pesquisadora, que não era professora 
de deficientes auditivos, mas mãe de surdas e professora universitária de 
matemática, preocupava-se com a seguinte questão: “Se quando penso, falo comigo 
mesma, como pensa o surdo?” 
 
 A “mãe-professora-pesquisadora” realizou anos de pesquisa bibliográfica sem achar 
argumentações convincentes que viessem ao encontro de seus anseios, até 
conhecer uma outra professora universitária-pesquisadora que, como ela diz, 
apresentou-a a Piaget; afinal, para este pesquisador, 
 
[...] o argumento decisivo contra a posição de que as estruturas lógico-
matemáticas originam-se unicamente das formas lingüísticas é o de 
que, no decorrer do desenvolvimento intelectual de cada indivíduo, as 
estruturas lógico-matemáticas estão sendo construídas antes do 
 30
aparecimento da linguagem. A linguagem aparece por volta da metade 
do segundo ano, mas antes disso, por volta do primeiro ano ou 
começo do segundo, há uma inteligência prática com sua própria 
lógica de ação. (PIAGET`; INHELDER, apud NOGUEIRA, 1999, p. 83) 
 
Motivadas pelo estudo de Piaget, as duas, a professora-pesquisadora e mãe-
pesquisadora-professora, desenvolveram a pesquisa intitulada “As estruturas lógicas 
elementares e a noção de número em crianças deficientes auditivos: subsídios para 
o ensino de Matemática”, no período de 1987 a 1989. O objetivo foi analisar se a 
deficiência auditiva constituía um fator que comprometesse significativamente o 
desenvolvimento lógico operatório infantil. Os resultados indicaram não haver 
defasagens significativas no desenvolvimento cognitivo dessas crianças em relação 
aos períodos determinados pela Psicologia Genética (NOGUEIRA; TITO, 1989). 
 
Os trabalhos na área, pelas duas pesquisadoras, ficaram interrompidos por quatro 
anos, justificados pela “mãe-professora-pesquisadora” “de que não bastava preparar 
os filhos para a sociedade, era preciso também transformá-la para recebê-los”. Foi 
assim que ela assumiu diversos cargos políticos importantes para a educação 
especial; seu objetivo específico era resgatar a questão da escolaridade. 
 
Em 1994, as pesquisadoras retomaram os trabalhos na área. É quando começa a 
ser desenvolvida, como conseqüência da primeira pesquisa, a que foi denominada 
“O ensino de Matemática para deficientes auditivos: uma visão psicopedagógica”, da 
qual participei e segundo as pesquisadoras, o maior desafio do trabalho consistia 
em buscar compreender o processo do desenvolvimento cognitivo da criança surda. 
 
A compreensão do desenvolvimento cognitivo da criança surda e de 
como processam-se as estruturas lógico-matemáticas foram realmente 
o grande desafio do presente projeto, uma vez, que o estudo da 
relação: comunicação verbal e pensamento matemático deve ser 
subjacente à qualquer proposta metodológica que objetive não apenas 
o ensino da matemática em si, mas que principalmente, contribua para 
a educação e independência do surdo. (NOGUEIRA; MACHADO, 
1996, p.60) 
 
O projeto esteve centrado em três etapas distintas e complementares: um período 
inicial de estudos, o período de avaliação cognitiva e o período de aplicação de 
atividades em sala de aula. 
 31
 
Durante o período de estudo, com seminários semanais, fez-se o levantamento de 
informações acerca do deficiente auditivo e da proposta teórica da psicologia 
genética acerca do pensamento lógico-matemático. Esse estudo bibliográfico foi 
desenvolvido durante todo o trabalho, atendendo às necessidades específicas. 
Participaram desse estudo a “mãe-professora-pesquisadora”, a equipe pedagógica 
da escola, representada pela supervisora e psicóloga, uma professora do ensino 
regular e a professora que iria desenvolver as atividades em sala de aula com os 
alunos (no caso, eu). 
 
Foi nesses encontros que “eu” fui apresentada a Piaget. Achava dificílimas as 
leituras e as nossas conversas, mas me fascinava pelos estudos sobre cada fase do 
desenvolvimento cognitivo, que vinham ao encontro do que queria saber. 
 
[...] É evidente que a pesquisa psicogenética pode fornecer 
conhecimentos científicos precisos e necessários sobre os quais a 
pedagogia pode se apoiar. Esse foi o ponto de vista de Piaget sobre a 
relação entre a pesquisa psicológica e a pedagogia. Assim, para ele, 
todo educador deveria conhecer não apenas as matérias a ensinar, 
mas igualmente os mecanismos subjacentes às operações da 
inteligência e, por isso mesmo, as diferentes noções a ensinar. 
(MONTOYA, 2004, p.65) 
 
O período da avaliação cognitiva foi realizado em 1994. Buscou-se a compreensão 
do desenvolvimento cognitivo da criança surda e, em especial, a análise de como se 
processam as estruturas lógico- matemáticas. 
 
Concomitantementeao período de avaliação cognitiva, foram aplicados 
questionários aos professores de 1º grau do ensino regular e especial e aos 
professores de Departamento de Matemática. Os questionários tinham como 
finalidade a definição de conteúdos essenciais a serem abordados nos materiais 
instrucionais na sala de aula da 5ª série. Uma vez estabelecido o perfil do aluno e os 
conteúdos a serem trabalhados, buscou-se identificar formas de trabalho e materiais 
adequados que contribuíssem para a consecução dos objetivos. 
 
No ano de 1996, desenvolvi o trabalho juntamente com a ”mãe-professora- 
pesquisadora”. Foi uma experiência e tanto. Por motivos de aprimoramento de sua 
 32
formação acadêmica, ela deixou o projeto, continuando, porém, a contribuir como 
orientadora. Nos dois anos que se seguiram, levei o trabalho sempre sob sua 
orientação, sendo o mesmo encerrado em 1998. 
 
A metodologia adotada foi o ensino dirigido, com fichas escritas, que permitiam um 
mínimo de material escolar, evitando assim fatores desviantes da atenção. Outro 
fator importante a se destacar é a questão do respeito aos tempos individuais: como 
existia sempre uma quantidade razoável de material preparado, à medida que um 
aluno vencia um conteúdo, recebia imediatamente outro. 
 
Nogueira e Machado (1996), ao analisar os resultados encontrados na segunda 
pesquisa frente à questão do atraso dos dois anos no desenvolvimento cognitivo, 
que não apareceu na primeira pesquisa realizada, indagaram se a abordagem 
oralista não teria sido determinante nos resultados encontrados e se ressentiam da 
falta de condições para responder a essa indagação, por não existirem, naquele 
momento, surdos educados em abordagem diferente da oralista. E esta foi uma 
indagação de que, por anos, compartilhei. 
 
Em 1997, deu-se continuidade ao trabalho escolar numa proposta bilíngüe. Eu, 
como professora, iniciei com meus alunos, a aprendizagem da língua de sinais. A 
aquisição por parte deles foi muito rápida; primeiro, pela necessidade de 
comunicação; segundo, pelas trocas entre eles e os surdos mais velhos. 
 
 A sensação na sala de aula, em muitos momentos, era de “quem ensinava o quê”, 
“quem ensina para quem”; eles ensinavam a língua de sinais que também estavam 
aprendendo, e eu ensinava o “conteúdo”. No entanto, como não temos muitos sinais 
para os conceitos matemáticos, como potenciação, álgebra, muitas vezes 
convencionávamos os sinais. 
 
Uma postura característica minha na sala de aula nesse período e que persiste 
algumas vezes atualmente apesar da recomendação contrária, é o uso simultâneo 
da linguagem de sinais e da oralidade. Considero que é porque em todas as minhas 
salas há surdos com uma boa linguagem emissiva; assim, necessito falar. E é muito 
 33
interessante que, quando esses alunos se reportam a minha pessoa, falam, e, 
quando vão conversar com os amigos de sala, usam os sinais. 
 
[...] Tipicamente há uma sedução de um compromisso – que um 
sistema “combinado”, usando os sinais e a fala, permita aos surdos se 
tornarem eficientes nos dois. Há uma sugestão de compromisso, 
contendo uma profunda confusão: uma linguagem intermediária entre 
o inglês e Sinal (ou seja, inglês sinalizado). Essa categoria de 
confusão vem de longa data – remonta aos “Sinais Metódicos” de De 
l’Epée, que foram uma tentativa de expressão intermediária entre o 
francês e Sinal. Mas as verdadeiras linguagens de sinais são na 
verdade completas por si mesmas: uma sintaxe, gramática e 
semântica são completas, mas possuem um caráter diferente de 
qualquer linguagem falada ou escrita. Assim, não é possível efetuar a 
transliteração de uma língua falada em Sinal palavra por palavra ou 
frase por frase – as estruturas são essencialmente diferentes. Imagina-
se com freqüência, vagamente, que a linguagem de sinais é inglês ou 
francês: não é nada disso; é ela própria, Sinal (SACKS, 1990, p.46). 
. 
No ano de 1997, voltei a trabalhar no ensino regular com ouvintes. Vivíamos um 
momento na escola em que os nossos alunos surdos consideravam que a “escola 
era fraca”, pois comparavam os “conteúdos” que eram ensinados para eles com os 
dos amigos deles ouvintes. 
 
Procurei trabalhar no ensino regular com as mesmas séries em que atuava na 
escola de surdos. O convívio com outros profissionais da mesma área foi 
interessante. Não conseguia acompanhá-los: eles “voavam” com o “conteúdo”, eu 
estava sempre atrasada, não conseguia simplesmente “passar o conteúdo” no 
quadro, dar lista de exercícios e ir adiante; a minha prática não condizia com essa 
forma de conduzir o ensino. Considero para isso dois pontos relevantes: ter iniciado 
o meu trabalho como professora nas séries iniciais e trabalhar com a educação 
especial. Você, como professora dessas duas modalidades do ensino, adquire um 
outro olhar para o seu aluno, procurando acompanhar as individualidades da 
aprendizagem de cada educando. A forma como conduzia as minhas aulas - com 
jogos, situações-problemas, pesquisa de campo - era considerado pelos demais 
professores como “loucura” e “perda de tempo” e ainda indagavam como eu iria 
fazer para vencer todo aquele conteúdo do livro. 
 
Realmente, não era um trabalho fácil, mas gratificante; refletia nos comentários de 
outros profissionais: “como seus alunos gostam da aula”; “não acredito que este 
 34
menino está estudando”. O meu trabalho era reconhecido e muitas vezes fui 
convidada para apresentá-lo em cursos ou em reuniões. Quanto aos conteúdos, 
justificava que não adiantava nada eles trabalharem com o simples cumprimento 
destes; no ano seguinte não iriam saber nada, pois a questão da cobrança em 
relação aos “conteúdos“ estava relacionada aos pré-requisitos para o ano 
subseqüente. Estava consciente nas minhas convicções de que a prática docente 
adotada estava possibilitando um ensino-aprendizagem mais ideal, no que tange à 
qualidade das aulas. 
 
De 1997 a 2003, trabalhei no ensino regular e na educação especial como 
professora de matemática. 
 
Parei com as atividades do projeto em 1998, por três motivos: o primeiro, por estar 
com uma sobrecarga de trabalho (quantidade de horas-aula): não conseguia 
elaborar os materiais, “as fichas escritas”, precisava de muito tempo para preparar; o 
segundo é que a forma do trabalho do projeto tinha refletido de 1ª a 4ª série, 
observamos um maior envolvimento dos professores com a matemática; e o terceiro 
motivo foi que os meus alunos argumentavam que gostavam das aulas, mas 
queriam aprender “igual aos amigos ouvintes”, pois ao comparar os seus cadernos 
com amigos ouvintes falavam que estava diferente, os dos amigos ouvintes tinham 
muito mais conteúdo que os deles. 
 
E dizia-lhes que estava trabalhando no ensino regular com as mesmas coisas, 
mostrava até as “provas”; e muitas vezes eles tinham ido até melhor. Num primeiro 
momento ficavam felizes, contudo diziam que eu era diferente dos outros 
professores de matemática, tinha mais paciência, explicava de muitas maneiras. 
Nesta época, realizamos uma atividade na qual eles foram assistir a algumas aulas 
junto com os ouvintes na escola em que eu trabalhava, para comprovar que o 
programa era o mesmo. 
 
O currículo escolar deve envolver os conteúdos desenvolvidos nas 
escolas comuns. Estes conteúdos são trabalhados na língua nativa 
das crianças, ou seja, na LIBRAS. A Língua Portuguesa deverá ser 
ensinada em momentos específicos das aulas e os alunos deverão 
saber que estão trabalhando com o objetivo de desenvolver esta 
língua. Em sala de aula será trabalhada a leitura e a escrita da Língua 
 35
Portuguesa. A oralização deverá ser feita por pessoas especializadas, 
caso a escola inclua este aspecto no ensino da Língua Portuguesa. 
Tendo em vista o tempo desprendido para a oralização, esta deverá 
ser feita fora do horário escolar para não prejudicar e limitar o acesso 
aos conteúdos curriculares pelos alunos surdos(QUADROS, 1994, 
p.21). 
 
A nossa primeira turma de ensino fundamental se formou no ano de 1998 e em 
2000 a escola começou a oferecer o ensino médio. A escola, nesse período, pela 
especificidade de atendimento, contratou muitos profissionais que inicialmente só 
tinham formação na área específica (química, biologia...) e não para atuar na 
educação especial. Este fato resultou em muitas alterações no quadro docente, pois 
muito não se adaptaram à educação especial. 
 
Nessa mesma época, o livro didático e as apostilas ganharam maior influência na 
escola, desde os anos iniciais até o ensino médio. Pelo que analiso, a necessidade 
de “igualar” o nosso ensino ao do ensino regular, o livro didático parecia transmitir 
uma “sensação de segurança”, apesar de perceber que os professores continuavam 
com suas “velhas” estratégias. Particularmente, percebi uma pequena alteração na 
forma de conduzir minhas aulas. 
 
Sempre gostei de trabalhar de 5ª a 8ª série, mas, por querer continuar com as 
primeiras turmas de 5ª série, conforme os alunos iam passando de uma série para 
outra, eu também os acompanhava, acabando por me fixar como professora do 
ensino médio. Considero que os anos de experiência como professora me fizeram 
lidar com as situações de comportamento e aprendizagem com mais “naturalidade” e 
“tranqüilidade”. No entanto, percebo que, ao me fixar no ensino médio, obtive um 
ganho na questão de uma melhor fundamentação matemática, perdendo, porém, em 
outros aspectos. Como exemplo, pelos muitos anos de convivência com as mesmas 
turmas, houve uma acomodação natural, pois os problemas comportamentais foram 
amenizados, eles acabaram entrando no meu ritmo de trabalho (ou fui eu que 
“entrei no ritmo deles”?); quanto à aprendizagem, você também já se acostuma com 
as particularidades de cada um. 
 
A respeito da matemática, houve uma formalização maior dos “conteúdos”. Este se 
tornou mais técnico, com uma linguagem própria. Após alguns anos só no ensino 
 36
médio, apesar de todo aquele suposto vinculo afetivo criado, meu envolvimento com 
os alunos aos poucos se tornou mais acadêmico, mesmo considerando a 
necessidade de trocas referentes a assuntos da vida particular; pois, em função do 
número restrito de pessoas com as quais os alunos surdos em geral podem se 
comunicar, eles sabiam muito da nossa vida e nós da deles. Nas turmas atuais, 
percebo que há um distanciamento dessa intimidade, apesar de, se comparado com 
o ensino regular, neste último a distância ser bem maior. Considero que um dos 
motivos é de estarmos recebendo um maior número de alunos da 5ª série em 
diante, pois muitos alunos até esta série estão estudando nos seus municípios, em 
salas inclusivas; constroem, assim, um outro tipo de vínculo afetivo. 
 
A primeira e a segunda turma da escola, que iniciaram em 1995 e 1996, terminaram 
o ensino médio no ano de 2002. Hoje, alguns desses alunos já estão no ensino 
superior, em diferentes cursos: Artes Visuais, Odontologia, Pedagogia, Letras. O 
envolvimento dessas famílias com a escola, apesar de um pequeno distanciamento 
nos últimos anos, sempre foi efetivo. 
 
Percebo que o envolvimento dos pais com a escola, nestes últimos anos, está 
distante, assemelhando-se ao do ensino regular. Considero isso prejudicial ao 
trabalho, pois: 
 
Cada vez mais os estudos na área da Educação Especial apontam 
relevância da parceria família-profissional, não só do ponto de vista da 
promoção do desenvolvimento da pessoa com necessidades 
especiais, mas também como suporte social para todos os envolvidos, 
tendo em vista as estratégias de enfrentamento dos problemas 
decorrentes da condição de deficiência (TUMBULL & TUMBULL, 1997; 
MATSUKURA, 2001; ARAÚJO, 2001 apud ARAUJO, 2004, p. 175) 
 
Atualmente o quadro de funcionários da escola conta com seis profissionais surdos, 
que atuam como professores de língua de sinais, monitores, bibliotecária e zeladora. 
Como temos regularmente cursos, reuniões e palestras, é interessante que 
participem e opinem, para uma melhor educação escolar. Referente à formação 
acadêmica, os surdos procuram melhor aprimoramento: dos seis profissionais, 
temos uma formada e três cursando Pedagogia e uma cursando Letras. 
 
 37
Durante toda minha vida profissional procurei estar sempre envolvida em discussões 
sobre a educação, com participação em projetos, cursos, seminários, grupos de 
estudos, tudo que era possível. 
 
No ano de 2001, queria aperfeiçoar o meu conhecimento acadêmico e iniciei a 
busca pelo mestrado. Não pretendia fazer na área da “matemática pura”, queria na 
área de educação matemática; como este programa só era oferecido na cidade de 
Londrina, tentei e não fui selecionada na 1ª vez. Fiz algumas disciplinas como aluna 
especial. Mas no ano de 2003, a UEM implantou um programa de mestrado na área 
e tive a oportunidade de participar da seleção do mestrado em Educação para a 
Ciência e o Ensino de Matemática; muito mais preparada, consegui ser selecionada 
e iniciei a realização dessa pesquisa. 
 
A respeito do meu projeto de pesquisa, duas sempre foram as minhas paixões: a 
educação de surdos e a matemática; centrada nisso, realizei este trabalho 
privilegiando pelo menos uma das minhas paixões. 
 
Fui alertada de que muitos anos de convivência na escola poderiam atrapalhar no 
desenvolvimento da pesquisa. Ninguém, contudo, me convencia a desenvolver uma 
outra pesquisa; e queria fazê-la no meu próprio local de trabalho. Alegava acreditar 
na continuidade do meu trabalho com a educação de surdos, não somente por 
entender os “ganhos” mas também pela possibilidade de uma maior reflexão 
pessoal. 
 
Realmente, em determinados momentos da pesquisa abalei-me psicologicamente, 
principalmente por não encontrar o resultado que supostamente esperava, pois 
sabia que o meu trabalho também estava sendo analisado e não é fácil apontar as 
nossas falhas ou mesmo percebê-las, quando está em jogo todo um sistema de 
ideologia educacional. 
 
No segundo capítulo, apresento a minha opção pela teoria piagetiana, e a 
fundamentação teórica que serviu de suporte para a compreensão dos resultados 
encontrados na pesquisa. 
 
 38
Como esta pesquisa objetiva cotejar seus dados com uma pesquisa anterior 
realizada, que tem como referencial teórico adotado a teoria piagetiana, essa mesma 
opção nesse trabalho é decorrência natural. Além disso, a teoria piagetiana é a que 
melhor dá respostas às minhas indagações acerca do desenvolvimento cognitivo. 
 
Mas o argumento decisivo para a nossa opção pela teoria piagetina é que o 
pensamento é produto da ação interiorizada e que a sua origem não é diretamente 
atribuível à aquisição da linguagem, embora ela seja fundamental para o seu 
desenvolvimento qualitativo posterior. 
 
A partir de um rigoroso conjunto de experiências, Piaget infere que o 
pensamento é o produto da ação interiorizada. Segundo ele, a gênese 
da inteligência na criança não é diretamente atribuível à aquisição da 
linguagem, embora ela forneça ao pensamento os quadros categoriais 
que lhe permitem organizar melhor a experiência, coordenar as ações 
interiorizadas em sistemas de conjuntos e disto abstrair princípios da 
ação independente do eu (FERENCZI, 1974, apud FERNANDES, 
1990, p. 41). 
 
 
 Assim, por esta teoria demonstrar que a linguagem é necessária, porém não 
suficiente para o desenvolvimento cognitivo, entendo ser o referencial teórico mais 
adequado para uma pesquisa em que os sujeitos investigados são surdos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 39
2 O APORTE TEÓRICO 
 
[...] eu não sou nem empirista e nem um inatista. 
Eu sou um construtivista, isto é, eu penso que o 
conhecimento é um processo de construção de 
novas estruturas, decorrente da interação do 
sujeito com o real; ele não é pré-formado; há 
criatividade contínua. 
PIAGET 
 
Desenvolvemos este capítulo em três tópicos:no primeiro tópico, descrevemos 
alguns conceitos básicos da psicogenética que servem de suporte para a 
compreensão da pesquisa; no segundo, apresentamos os estágios de 
desenvolvimento cognitivo, utilizando a linguagem como fio condutor; no terceiro e 
último tópico, discorremos sobre a linguagem e o pensamento dos surdos, à luz da 
teoria piagetiana, a partir dos resultados de pesquisas realizadas no Brasil. 
 
 
2.1 ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA TEORIA DE PIAGET 
 
O postulado básico de Jean Piaget é que o conhecimento do sujeito provém de uma 
lógica, a lógica da ação. 
 
Diferentemente do empirismo clássico, que via o conhecimento como cópia do real, 
e do inatismo, que o concebia como produto de uma razão a “priori”, Piaget 
elaborou, no século XX, uma epistemologia afirmando o papel da interação sujeito e 
objeto na construção do conhecimento. Essa construção desempenhada pelo sujeito 
significa que este elabora o conhecimento. Para Piaget, “a palavra não tem o 
significado que o senso comum lhe empresta. Para ele, o termo ‘conhecer’ tem 
sentido claro: organizar, estruturar explicar, porém, a partir do vivido (do 
experimentado)” (CHIAROTTINO, 1988, p.3). 
 
Foi a partir da observação no desenvolvimento dos seus próprios filhos e de muitas 
outras crianças, que Piaget chegou à conclusão de que estas não pensam como os 
adultos. Alegou que, além de lhes faltarem certas habilidades, a maneira de pensar 
é diferente. 
 
 40
Os estudos de Piaget partiram da biologia, para entender os processos de 
pensamento. Foi o exame de diferentes espécies vivas que o levou à conclusão de 
que existem, em todas as formas de vida (animal ou vegetal), algumas funções que 
se mantêm invariantes e que são inerentes ao próprio conceito e funcionamento da 
vida. 
 
Essa funções são a adaptação e a organização. Todo ser vivo, desde o mais 
simples, como, por exemplo, uma ameba, até os mais complexos, como o ser 
humano, incluindo nesta relação os vegetais, possuem uma atividade interna que 
organiza seus processos e os regula com o meio. Cada órgão possui estruturas que 
funcionam de modo ordenado e definido, que o diferenciam dos demais e permitem 
sua integração no organismo total. Toda essa lógica, própria ao funcionamento 
biológico, revela a organização que está presente em todos os seres vivos. Da 
mesma maneira, todos os organismos adaptam-se às condições ambientais, 
modificando-se para melhor sobreviver em cada realidade. Podemos dizer que a 
organização e a adaptação são funções invariantes em todas as espécies vivas e, 
também, em todos os estágios do desenvolvimento cognitivo. 
 
[...] Do ponto de vista biológico, a organização é inseparável da 
adaptação: são dois processos complementares de um mecanismo 
único, sendo o primeiro o aspecto interno do ciclo, do qual a 
adaptação constitui o aspecto exterior. [...] A “concordância do 
pensamento com as coisas” e a “concordância do pensamento 
consigo mesmo” exprimem essa dupla invariante funcional da 
adaptação e da organização. Ora, esses dois aspectos do 
pensamento são indissociáveis: é adaptando-se às coisas que o 
pensamento se organiza e é organizado-se que as estruturas as coisa 
(PIAGET, 1987, p. 18-19). 
 
O processo de adaptação no ser humano realiza-se por meio da ação. A ação é um 
elemento nuclear na teoria piagetiana. É a partir da ação reflexa que a criança vai 
construir os esquemas motores. Exemplificando, temos: o esquema de pegar deriva 
do reflexo de preensão. Quem pega, pega algo, seja a chupeta, a mamadeira, o 
chocalho, etc. Para Piaget, não interessa o que a criança pega, mas sim como pega. 
As modificações introduzidas através de cada objeto (textura, tamanho, espessura, 
etc) fazem com que o esquema de pegar vá se modificando, diferenciando alguns 
elementos de outros. À medida que as experiências vão se tornando mais ricas, a 
 41
criança tem maiores e melhores oportunidades de inserir o objeto do conhecimento 
num sistema de realizações, construindo desse modo as estruturas mentais. 
 
Segundo Piaget (apud Chiarottino, 1988), há três tipos de estruturas no organismo 
humano: 
 
• as estruturas totalmente programadas: como as do aparelho reprodutor, que 
nos capacitam a prever determinados comportamentos em determinadas 
épocas (ex.: maturação sexual); 
 
• as estruturas parcialmente programadas: como as do sistema nervoso, cujo 
desenvolvimento e construção dependem em grande parte do meio; 
 
• as estruturas nada programadas: que são as estruturas mentais, específicas 
para o ato de conhecer. 
 
Esta última estrutura é trazida pela teoria de Piaget: 
 
[...] saber supõe estruturas subjacentes que denunciam o 
funcionamento das estruturas mentais com sua lógica, que é a mesma 
para toda a espécie humana. As “diferenças” se explicam em termos 
da interação organismo-x-meio. As possibilidades orgânicas dos assim 
chamados indivíduos sadios são as mesmas, mas as construções, 
tanto endógenas quando exógenas, vão depender da solicitação do 
meio. O importante é que a lógica das ações é a mesma em qualquer 
parte do planeta. Os conteúdos é que variam. Não tem sentido, por 
exemplo, dizer que a lógica dos índios é diferente da nossa 
(CHIAROTTINO, 1988, p. 22). 
 
Piaget considera como estrutura mental a estrutura que contém elementos e as 
relações que os ligam, sem ser possível caracterizar ou definir estes elementos 
independentes das relações em jogo. 
 
Piaget acredita, portanto, que existem estruturas específicas para o 
ato de conhecer – as estruturas mentais - que sendo orgânicas, não 
estão programadas no genoma; sua ‘’construção” vai depender das 
solicitações do meio. Essa posição supera a dicotomia meio-x-
organismo. De fato, as estruturas mentais, sendo orgânicas, aparecem 
como fruto da interação entre os dois – colocando, assim, uma terceira 
possibilidade que sobrepuja a “contradição” presente na idéia de 
 42
organismo, pois no que se refere às estruturas mentais, o orgânico já 
pressupõe o meio (CHIAROTTINO, 1988, p.9). 
 
 
Em cada estágio, a criança constrói estruturas diferentes (sistema de relações) para 
explicar o mundo que a cerca. Assim, as estruturas são variáveis e construídas no 
sentido de uma equilibração progressiva, servindo cada estágio de suporte para 
novas construções. 
 
[...] numa perspectiva de equilibração, uma das fontes do progresso 
no desenvolvimento dos conhecimentos deve ser procurada nos 
desequilíbrios como tais, que por si só obrigam um sujeito a 
ultrapassar seu estado atual e a procurar o que quer que seja em 
direções novas (PIAGET, 1976, p.18). 
 
Piaget descreve que são quatro os fatores explicativos do desenvolvimento humano. 
 A maturação é o primeiro fator que influencia o desenvolvimento: 
É evidente, de início, que não se poderia interpretá-los em função 
apenas do amadurecimento do sistema nervoso, pois que, se a ordem 
de sucessão das fases permanece constante, a idade cronológica 
média que caracteriza cada uma delas pode variar de um ambiente 
para outro um função das influências sociais e da experiência 
adquirida (cf. os resultados de Elkind em Boston e de Laurendeau-
Pinard em Montreal, a cerca de 250 milhas de distância) (PIAGET, 
1975, p. 29) 
O segundo fator é o relacionado com a experiência ou contato com objetos. 
A experiência adquirida e as aprendizagens que ela provoca 
desempenham naturalmente um papel essencial e constituem uma 
condição necessária para o desenvolvimento operatório. Mas ela não 
é mais suficiente, pois uma conservação como a de substância não se 
pode apoiar sobre nenhum dado perceptivo direto (PIAGET, 1975, 
p.29) 
 
 
A transmissão social é o terceiro fator que influencia no desenvolvimento. Como 
exemplo, podemos destacar o papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo, 
pois, a partir de uma certa idade, a transmissão do conhecimento é marcado pela 
possibilidade de trocas verbais. Na adolescência, é inquestionável

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