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SERPENTES PEÇONHENTAS CORAL VERDADEIRA, SURUCUCU, URUTU SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 3 2. CORAL VERDADEIRA .............................................................................................................. 4 2.1 PEÇONHA ................................................................................................................................... 8 2.2 SINAIS CLÍNICOS ..................................................................................................................... 8 2.3 DIAGNÓSTICO .............................................................................................................................. 9 2.4 TRATAMENTO .............................................................................................................................. 9 3 SURUCUCU ....................................................................................................................................... 9 3.1 PEÇONHA ................................................................................................................................. 11 3.2 SINAIS CLINICOS ................................................................................................................... 11 3.3 DIAGNÓSTICO ............................................................................................................................ 12 3.4 TRATAMENTO ........................................................................................................................ 12 4 URUTU.............................................................................................................................................. 12 4.1 CLASSIFICAÇÃO CIENTÍFICA ............................................................................................... 12 4.2 ESPÉCIES DO GÊNERO BOTHROPS ..................................................................................... 13 4.3 CARACTERÍSTICAS DA URUTU ............................................................................................ 13 4.4 HABITAT ...................................................................................................................................... 14 4.5 ALIMENTAÇÃO .......................................................................................................................... 14 4.6 REPRODUÇÃO ............................................................................................................................ 14 4.7 PEÇONHA ................................................................................................................................. 14 4.8 QUADRO CLÍNICO..................................................................................................................... 16 4.9 DIAGNÓSTICO ............................................................................................................................ 18 4.10 TRATAMENTO .......................................................................................................................... 19 5. REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 20 1. INTRODUÇÃO De acordo com Meschia e colaboradores (2013). Os acidentes causados por animais peçonhentos em humanos contabilizados em registros hospitalares se enquadram como a segunda causa de notificações epidemiológicas afirmados pelos centros de informações e assistência toxicológicas (CIAT) existentes no Brasil. Já os dados do Sistema Nacional de Informações Toxico-Farmacológicas (SINITOX), informam que no ano de 2009 foram registrados 7076 acidentes por animais peçonhentos somente na região Sul do Brasil, representando cerca de 31,6% das intoxicações registradas. Devido a esse número significativo começou-se os estudos e identificações, onde foram encontradas aproximadamente 3 mil espécies de serpentes em todo o mundo, sendo que apenas 410 são consideradas perigosas para o homem. Ainda as espécies peçonhentas encontradas em nosso país foram subdivididas, aonde 20 pertencem ao gênero Bothrops, 19 ao gênero Micrurus, 01 do gênero Crotalus e 01 do gênero Lachesis, retratado por (FEITOSA et. al, 1997). Tokarnia e Peixoto (2006). Em seu relato trazem que as revisões de literatura apresentam os acidentes acorridos entre animais peçonhentos com animais não peçonhentos com irrelevância, ou seja, de menor significado de sua atribuição, tendo como base opiniões pessoais. Divergindo assim das perdas causadas em grandes fazendas de gado, causadas por acidentes com serpentes, os quais trazem diversos prejuízos aos produtores interferindo diretamente em sua rentabilidade. Os registros então são dificultados devido não haver notificação obrigatória vinda dos órgãos responsáveis e fiscalizadores, tendo como consequência a falta de respaldo técnico, de diagnóstico, análise clínica, semiológica, histopatológica e laboratorial. (FARIAS e CHALKIDIS; 2015). Ainda detalhado por Tokarnia e Peixoto (2006). Existem questionáveis variações sobre a susceptibilidade das intoxicações ao veneno ofídico e botrópico de acordo com cada espécie animal, onde apresentam em comum os ruminantes que são animais mais sensíveis e os carnívoros mais resistentes. Dessa forma o objetivo deste trabalho é apresentar as principais características das serpentes conhecidas com seu nome popular de coral verdadeira, surucucu e urutu, buscando embasamento para evitar acidentes deletérios e caso ocorra, ter consciência dos primeiros socorros a serem prestados com os animais acometidos. 2. CORAL VERDADEIRA Existem 32 espécies de corais-verdadeiras registradas para o Brasil (Costa & Bérnils 2014) e temos espécies desta família presentes em todo o país. Apresentam tamanho pequeno a médio (até 1,5 m), conhecidas popularmente como corais ou corais-verdadeiras (outros nomes populares: cobra-coral, boicorá e ibiboboca). As corais possuem a cabeça oval, recoberta por escamas grandes (escudos cefálicos semelhantes aos dos colubrídeos e dipsadídeos), olhos pequenos e pretos, corpo cilíndrico com escamas dorsais lisas, cauda curta e roliça. O acidente elapídico é caracterizado pelo efeito causado por serpentes da família Elapidae gêneros Micrurus e Leptomicrurus. As espécies encontradas no Brasil são: Leptomicrurus collaris, Leptomicrurus narduccii, Leptomicrurus scutiventris, Micrurus albicinctus, Micrurus altirostris, Micrurus annelatus, Micrurus averyi, Micrurus brasiliensis, Micrurus decoratus, Micrurus diana, Micrurus filiformis, Micrurus frontalis (cobra-coral, coral), Micrurus corallinus (cobra-coral, coral-verdadeira, boicorá), Micrurus ibiboboca (coral- venenosa,coral verdadeira), Micrurus hemprichii, Micrurus isozonus, Micrurus langsdorffii, Micrurus lemniscatus, Micrurus nattereri,Micrurus mipartitus, Micrurus ornatissimus, Micrurus pacaraimae, Micrurus paraensis, Micrurus potyguara, Micrurus psyches, Micrurus putumayensis, Micrurus pyrrhocryptus, Micrurus remotus, Micrurus silviae, Micrurus spixii, Micrurus surinamensis, e Micrurus tricolor. Figura 1. Coral verdadeira (Micrurus corallinus) - Mata Atlântica (regiões sul, sudeste e nordeste e também no MS). Note que essa é uma espécie de coral que apresenta mônades (Sequência de um anel preto ao longo do corpo). Figura 2. Coral-verdadeira (Micrurus frontalis) - Cerrado (TO, MT, MS, GO, DF, MG e SP). Note que essa é uma espécie de coral que apresenta tríades (Sequência de três anéis pretos ao longo do corpo). Figura 3. Coral-verdadeira (Micrurus ibiboboca) – Região Nordeste. Figura 4. Coral-verdadeira (Micrurus altirostris) – Sul do Brasil. Figura 5. Coral-verdadeira(Micrurus decoratus) – Mata Atlântica (SC, PR, SP,RJ, MG e ES). Figura 6. Coral-verdadeira (Micrurus surinamensis) – Amazônia e MT. Figura 7. Coral-verdadeira (Micrurus averyi) – Amazônia (AM e PA). Figura 8. Coral-verdadeira (Micrurus albicintus) – Amazônia (AM, RO e MT). Essas serpentes apresentam tamanho mediano, entre 30 cm a 1,5 m, outra particularidade são os anéis corporais com coloração preta, amarelas, branca e vermelha. Os olhos são pequenos e as pupilas arredondadas. Sobre a dentição, são proteróglifas, não apresentam fosseta loreal (Figura 9) e levantam a cauda como comportamento característico da espécie, de forma semienrolada, quando se sentem ameaçadas. A fosseta loreal é um orifício localizado lateralmente na cabeça entre a narina e o olho, e apresenta função sensorial (termo-orientação). Figura 9. Dentição, proteróglifas e ausência da fosseta loreal. Apesar disso, não é considerado um acidente comum, pelo fato dessas serpentes não apresentarem comportamento agressivo e ser de habitat semissubterrâneo, entretanto, em casos de acidentes são considerados de níveis graves. Seu habitat ocorre em florestas primárias e também em áreas alteradas (lavouras e pastagens), incluindo registros de algumas espécies (ex. Micrurus corallinus, M. lemniscatus e M. surinamensis) em áreas urbanas. A maioria das espécies apresenta hábitos fossoriais e criptozóicos, eventualmente algumas são terrícolas e duas espécies (Micrurus lemniscatus e M. surinamensis) apresentam hábitos aquáticos. 2.1 PEÇONHA A peçonha dessas serpentes pode apresentar variações entre as espécies, em geral, possuem ações neurotóxica, mionecrótica, edematogênica e hemorrágica, além disso, algumas espécies de Micrurus causa efeito anticoagulante. A principal ação da peçonha é neurotóxica, separados em dois grupos: Pré-sinápticas: proteínas de massa molecular entre 12 e 60Kd, possuem atividade fosfolipásica que atuam nas terminações axonais impedindo a liberação da acetilcolina na fenda sináptica da junção neuromuscular de nervos motores. Pós-sinápticas: proteínas de peso molecular entre 6 e 14Kd, desprovidas de ação enzimática, que se fixam competitivamente aos receptores colinérgicos na junção neuromuscular, efeito descrito como similar ao curare. Assim, é bloqueada a deflagração do potencial de ação. A morte ocorre por falência respiratória por paralisia muscular. Como a substancia toxica dispõem de neurotoxinas de baixo peso molecular, os sinais tendem a iniciar de maneira precoce. A ação mionecrose provocada por influxo de Ca++, causando hipercontração dos microfilamentos, danos mitocondriais e ativação de fosfolipases dependentes de Ca++. Nos envenenamentos em humanos com corais, um quadro de mialgia pode se instalar, mas sem um indicativo claro de mionecrose. 2.2 SINAIS CLÍNICOS Os sinais clínicos locais observados são a parestesia e a dor, entretanto, o local exato da picada nem sempre é encontrado. Os sintomas sistêmicos observados, normalmente são vômitos, face miastênica com ptose palpebral bilateral simétrica ou assimétrica, flacidez dos músculos da face, turvação visual, diplopia, oftalmoplegia, anisocoria, dificuldade para deglutição e mastigação, sialorreia, ptose mandibular, mialgia generalizada e dispneia restritiva e obstrutiva. A morte é decorrente da falência respiratória, causada pela paralisia da musculatura torácica intercostal e por acúmulo de secreções, evoluindo para paralisia diafragmática. Em quadro de rabdomiólise, é necessário avaliar o perfil das enzimas musculares por meio de avaliações seriadas da creatina fosfoquinase, aspartato aminotransferase e lactato desidrogenase. 2.3 DIAGNÓSTICO No local da picada podem ocorrer reações teciduais leves a moderadas e dor. A identificação da serpente no local auxilia no diagnóstico. 2.4 TRATAMENTO O tratamento específico é recomendado com a utilização do soro antielapídico, porém, esse soro é de difícil acesso para uso veterinário, dessa forma é usual apenas o tratamento de suporte. A utilização de anticolinesterásicos, como a neostigmina ou a piridostigmina, é indicada para reverter o bloqueio colinérgico na junção neuromuscular promovido pelo veneno de M. frontalis e M. lemnicatus, porem deve ser utilizado após previa atropinização evitando estimulação muscarínica, recomenda-se também o teste prévio com a neostigmina antes da sua utilização, para comprovar sua eficácia. Em caso de morte, é decorrente de parada respiratória, desse modo é possível realizar a ventilação artificial no paciente. Evitar o uso de fármacos analgésicos que deprimem o sistema respiratório. 3 SURUCUCU Acidente causado por serpentes do gênero Lachesis, conhecida popularmente como surucucu, pico-de-jaca, surucuru-pico-de-jaca, surucutinga e malha-de-fogo. Em território brasileiro, a espécie Lachesis conta com duas subespécies: Lachesis muta, presente na floresta amazônica; Lachesis muta rhombeata, encontrada na mata atlântica. Além de outras duas espécies (Lachesis stenophrys e Lachesis melanocephala), descritas na costa da Costa Rica, Panamá e noroeste da América do Sul. Devido a redução do seu habitat natural, Lachesis muta rhombeata encontra-se em risco de extinção. São serpentes ovíparas e de tamanho grande, podendo chegar até 3,5m de comprimento. A morfologia destas serpentes é conhecida por apresentar manchas escuras na cabeça e um padrão de coloração amarelado com figuras romboidais escuras, ventre branco ou marfim e escamas eriçadas na ponta da cauda com coloração pálida escura acabando em forma de espinho (Figura 10 e 11), além de possuírem fosseta loreal (Figura 12). O bote dessa serpente pode ultrapassar 50% do seu comprimento (Figura 13). São serpentes consideradas não agressivas porem quando se sentem ameaçadas podem atacar e gerar acidentes graves, a atividade destas serpentes é crepuscular ou noturna, suas preferências para caça são pequenos roedores e popularmente são encontradas na região da floresta amazônica (L. muta) e na Mata Atlântica (L. Muta rhombeata) matas de clima úmido e de muita sombra. Figura 10: Ponta da cauda. Figura 11. aparência da Lachesis muta (fonte: SiBBr) Figura 12: Cabeça da serpente evidenciando fosseta loreal. Figura 13. Serpente posicionada para realizar o bote. 3.1 PEÇONHA A peçonha apresenta atividades fisiopatológicas semelhantes às do botrópico. Possui atividades coagulantes causando afibrinogenemia e incoagulabilidade sanguínea, hemorrágica com sangramentos locais e sistêmicos causado pela metaloproteinases, inflamatória e necrosante (proteolítica), alterações neurotóxicas, assim como ação inflamatória acompanhada de edema, intensa hiperalgesia e síndrome vagal 3.2 SINAIS CLINICOS Os sinais clínicos desse acidente ainda não estão descritos especificamente para animais domésticos, em humanos, apresentam dor acentuada, eritema, edema equimose (com possibilidade de progressão para todo o membro), aparecimento de bolhas com conteúdo sero- hemorrágico e complicações, como síndrome compartimental, necrose e déficit funcional do membro atingido (Figura 14). Os sinais da neurotoxicidade, resultantes de estimulação vagal e variáveis segundo a gravidade do quadro, são hipotensão, bradicardia, cólicas abdominais, vômitos, diarreia e tontura, outro sintoma comum é a ocorrência de infecção bacteriana no local da picada. Figura 14. Cão picado pela serpente na região do pescoço. 3.3 DIAGNÓSTICO Para a confirmação do diagnostico, teste de imunoensaio foram desenvolvidos, porém, não estão disponíveis para utilização rotineira. As manifestações hemorrágicas, na maioria dos casos, limitam-se apenas no local da picada, entretanto, ocorre em conjunto com o sangramento no local de venopunção, equimoses, epistaxes, gengivorragia e hematúria. 3.4TRATAMENTO O tratamento especifico deve ser iniciado após avaliação da gravidade, decorrente dos sinais locais e da intensidade das manifestações vagais (bradicardia, hipotensão e diarreia). O tratamento é realizado com soro antilaquético ou soro antibotrópico laquético, em quantidade suficiente para neutralizar 250 a 400mg de veneno laquético. Nesse caso, o soro antibotrópico não deve ser utilizado, pois não e eficaz para esse tratamento, principalmente por não reverter a ação coagulante das substancias toxicas dessas serpentes. O tratamento complementar é variado de acordo com o quadro apresentado, em pacientes de bradicardia com instabilidade hemodinâmica, recomenda-se sulfato de atropina. Pacientes com hipotensão e/ou choque devem ser tratados com fluidoterapia, se necessário, drogas vasoativas. Para o tratamento de local, de feridas indica-se antissépticos e deve-se proceder à antibioticoterapia. Também se devem administrar analgésicos opioides e, para redução do edema, anti-inflamatório esteroidal como a dexametasona. Em casos em que o animal apresentar manifestações parassimpaticas mais graves deve se aplicar 0,2mg/kg de Atropina IV. 4 URUTU A urutu, Bothrops alternatus, é uma espécie de serpente peçonhenta da família Viperidae, seu veneno é um dos mais tóxicos entre todas as cobras encontradas em território brasileiro. 4.1 CLASSIFICAÇÃO CIENTÍFICA Reino: Animalia Filo: Chordata Classe: Reptilia Ordem: Squamata Subordem: Serpentes Família: Viperidae Gênero: Bothrops Espécie: B. alternus 4.2 ESPÉCIES DO GÊNERO BOTHROPS As serpentes do gênero Bothrops compreendem cerca de 30 espécies, distribuídas por todo o território nacional. As espécies do gênero Bothrops com maior importância no Brasil são: Bothrops alternatus – urutu, urutu-cruzeiro, cruzeira; Bothrops atrox – jararaca, jararaca-do-norte, jararaca-do-Amazonas; Bothrops cotiara – cotiara; Bothrops erythromelas – jararaca-da-seca, jararaca-do-sertão; Bothrops jararaca – jararaca, jararaca-preguiçosa; Bothrops jararacussu – jararacuçu; Bothrops leucurus – jararaca; Bothrops moojeni – caiçara; Bothrops neuwiedi – jararaca-pintada, jararaca-de-rabo-branco. 4.3 CARACTERÍSTICAS DA URUTU A cobra urutu cruzeiro vive, em média, vinte anos, na fase adulta possui de 1,10 a 1,60 metros de comprimento. Possui a pele com a presença de três cores: castanho-escuro, castanho-claro e bege. O castanho-claro é a cor de fundo da pele, possuindo desenhos em castanho-escuro em formato de letra “U”, e, na cabeça, apresentam um desenho branco em forma de cruz (Figura 15). Possui cauda lisa, fosseta loreal e não tem presença de chocalho. É uma cobra agressiva quando se sente ameaçada. Possui o bote muito rápido, dificultando assim a fuga de sua presa. Figura 15. Cabeça da cobra, fosseta loreal. 4.4 HABITAT As serpentes do gênero Bothrops habitam zonas rurais e periferias de grandes cidades, preferindo ambientes úmidos como matas e áreas cultivadas e locais onde haja facilidade para proliferação de roedores (paióis, celeiros, depósitos de lenha). Tem hábitos predominantemente noturnos ou crepusculares. A cobra urutu cruzeiro vive em áreas de matas, campos e brejos nas regiões sul, centro- oeste e sudeste do Brasil. É encontrada também em regiões de campos da Argentina e Paraguai. 4.5 ALIMENTAÇÃO O urutu cruzeiro se alimenta basicamente de lagartos, aves, ratos, preás, camundongos e outros mamíferos de pequeno porte. 4.6 REPRODUÇÃO A reprodução da urutu é vivípara, não põe ovos, os filhotes já nascem prontos. A fêmea dá à luz de 10 a 15 filhotes, geralmente na época do verão. 4.7 PEÇONHA Sua peçonha possui importantes atividades fisiopatológicas, com lesões locais e destruição tecidual (ação proteolítica), ativa a cascata da coagulação podendo induzir incoagulabilidade sanguínea por consumo de fibrinogênio (ação coagulante), promove liberação de substâncias hipotensoras e provoca lesões na membrana basal dos capilares por ação das hemorraginas (ação hemorrágica), que associada à plaquetopenia e alterações da coagulação, promovem as manifestações hemorrágicas, frequentes neste tipo de acidente. A peçonha botrópico conta com mais de 20 componentes distintos e mais de 90% são constituídos por proteínas, incluindo enzimas, toxinas não enzimáticas e proteínas não tóxicas. Os outros componentes são carboidratos, lipídeos, metais, aminas biogênicas, nucleotídeos e aminoácidos livres. No caso de serpente do gênero botrópico, há uma diferença entre o veneno do filhote, que é predominantemente coagulante, e do adulto, com maior ação proteolítica e menor ação coagulante. Os animais mais sensíveis são os equinos, ovinos, bovinos, caprinos, caninos, suínos e felinos. Por outro lado, a peçonha desta serpente possui quatro grupos relacionado a atividade fisiopatológicas: Proteolítica: também conhecida como necrótica ou inflamatória aguda, é causada por diversos componentes, incluindo aminas biogênicas pré-formadas do tipo histamina, pequenos peptídeos ou proteínas, como fosfolipase, esterases, proteases, enzimas liberadoras de cininas e lectinas. Conta com elevadas concentrações de enzimas proteolíticas, mas muitas vezes a ação ocorre indiretamente pela indução ou liberação de autacoides (bradicinina, prostaglandinas, leucotrie nos prostaciclinas), produção óxido nítrico e de citocinas (IL-1, IL6, IL-8, IFN-γ, TNF-α) e ativação do sistema complemento (C5a, C3 e C4). Coagulante/anticoagulante: o processo inflamatório local agudo é potencializado pela atividade coagulante, ocorre devido a formação de trombos na micro vasculatura, responsáveis por hipóxia, agravamento do edema e necrose tecidual. As hemorragias também devem contribuir para a inflamação aguda por meio da ação sobre o fator de necrose tumoral pré-formado, liberando a citosina ativa. No local da picada, há formação de necrose tecidual de aspecto gelatinoso pela ação de enzimas proteolíticas, principalmente as fosfolipases. Estas enzimas liberam substâncias vasoativas, provocando dor intensa, edema, eritema e hemorragias, que precedem a necrose. Além disso, apresenta enzima hialuronidase, responsável pela rápida absorção e dispersão da substancia entre os tecidos animais. A atividade coagulante é produzida por diversos compostos, como botrojararacina, botrombina e jararagina C. Conhecida como tipo “trombina”, a ação coagulante se dá pela ativação de fatores de coagulação sanguínea (fibrinogênio, protrombina e fator X), isoladamente ou simultaneamente, convertendo fibrinogênio em fibrina. Mas deve ser ressaltado que a fibrina formada é instável (não ocorre a formação dos dímeros de fibrina) e rapidamente degradada, além do veneno inativar o fator XIII, resultando no aumento do tempo de coagulação ou tornando-o incoagulável. Vasculotóxica: é promovida pelas hemorraginas, um grupo de enzimas que contêm zinco em sua estrutura (metaloproteinases). Elas rompem a integridade vascular por degradação de vários componentes da matriz extracelular, como o colágeno (fibronectina e a laminina), além de inibirem a agregação plaquetária. Causa insuficiência renal aguda, possui mecanismos de ação direta sobre os túbulos renais e o endotélio vascular. Também pode ocorrer em consequência de hipotensão/hipovolemia, ou por isquemia causada por obstrução da microcirculação renal pelos micro coágulos. Nefrotóxica: é promovida por miotoxinas que apresentam estrutura química de fosfolipase e afetam a integridade da membrana das fibras musculares. Alguns fatores podem interferir na composição da substancia toxica da peçonha, como: Idade (serpentes jovens possuem maior atividade pró-coagulante e menos atividade inflamatória aguda), distribuição geográfica (podendo apresentar variações nas substancias toxicas da peçonha, principalmentepor conta da dieta), variações de espécie (idade e procedência). 4.8 QUADRO CLÍNICO O quadro clínico caracteriza-se por manifestações locais importantes como dor e edema de caráter precoce e progressivo. Frequentemente, surgem equimoses, lesões bolhosas e sangramentos no local da picada (Figura 16). Nos casos mais graves, pode ocorrer necrose de tecidos moles com formação de abscessos e desenvolvimento de síndrome compartimental, podendo deixar como sequelas a perda funcional ou mesmo anatômica do membro acometido. Os sinais clínicos locais podem ser observados em pouco tempo após a picada, caracterizados por dor intensa, edema e hemorragia (Figura 17). Entre 6 a 12 horas da picada, são evidenciadas equimoses, bolhas e necrose. É comum os animais picados em algum membro o manter flexionado, procuram não apoiar no solo (Figura 18). Quando a picada ocorre na cabeça, principalmente na região do focinho, o edema intenso formado na região da picada pode causar dispneia e insuficiência respiratória (Figura 19). As manifestações sistêmicas incluem, além de sangramentos em ferimentos cutâneos preexistentes, hemorragias à distância como gengivorragias, epistaxes, hematêmese e hematúria. Podem ocorrer náuseas, vômitos, sudorese, hipotensão arterial e, mais raramente, choque As complicações sistêmicas mais comuns são o choque, a insuficiência renal aguda, a septicemia e a coagulação intravascular disseminada, tendo patogênese multifatorial e sendo causas frequentes de óbitos A recuperação, normalmente é lenta, em caso de morte do paciente, é devido o choque hipovolêmico, hemorragias extensas ou insuficiência renal, como sequela, pode haver extensa necrose da pele e musculatura, principalmente na região da picada, é comum a contaminação bacteriana no local da picada, com formação de abscessos. As bactérias geralmente são provenientes da microbiota bucal das serpentes, mas podem ser introduzidas pelo contato da ferida com material contaminado. A gravidade do quadro vai variar de acordo com: Espécie da serpente, volume da peçonha inoculado, tamanho do animal acidentado, tempo decorrido entre o acidente e o tratamento, além do local da picada. Figura 11. Necrose na pele de cão. Figura 17. Hemorragia subcutânea na região torácica ventral e no membro anterior esquerdo do cachorro. Figura 18. Edema em bovino causado pelo acidente botrópico. Figura 19. Edema em cachorro causado pelo acidente botrópico, dificultando a respiração. 4.9 DIAGNÓSTICO O diagnóstico pode ser realizado pela observação da serpente no local, relatos de acidentes anteriores no ambiente. A confirmação laboratorial do acidente pode ser feita através de antígenos do veneno botrópico que podem ser detectados no sangue ou outros líquidos corporais do paciente, através da técnica de ELISA. A avaliação laboratorial é realizada através do tempo de coagulação (TC), que geralmente está aumentado, bem como o tempo parcial de tromboplastina (PTT). São exames importantes para diagnóstico, conduta e evolução clínica. O hemograma geralmente revela leucocitose com neutrofilia e plaquetopenia de intensidade variável. O exame de urina pode apresentar proteinúria, hematúria e leucocitúria. Outros exames complementares importantes incluem dosagem de eletrólitos, uréia e creatinina, com a finalidade de detectar precocemente distúrbios hidroeletrolíticos e insuficiência renal aguda. Baseado nas alterações clínicas e laboratoriais e visando orientar a terapêutica a ser empregada, os acidentes botrópicos são classificados em casos leves, moderados e graves. 4.10 TRATAMENTO O tratamento específico consiste na administração o mais precocemente possível, por via endovenosa do soro antibotrópico (SAB) em quantidade suficiente para neutralizar pelo menos 100mg do veneno e, na falta deste, das associações antibotrópico-crotálico (SABC) ou antibotrópico-laquético (SABL), em ambiente hospitalarSe o TC permanecer alterado 24 horas após a soroterapia, está indicada dose adicional de antiveneno, onde a quantidade do soro pode ser aumentada para o suficiente para neutralizar 200mg ou mesmo 300mg de veneno. A administração do soro por outra via é menos efetiva que a via intravenosa, devido à demora para que ocorra a circulação sanguínea. Apesar de ser mais eficiente se for instituída o mais precocemente possível, também é indicada para casos com evolução de mais de 24 horas. Se após quatro a seis horas da administração do soro antibotrópico, o sangue permanecer incoagulável, é indicada nova administração do soro na metade da dose inicial. As medidas gerais incluem procedimentos indicados para tratamento das alterações locais. O local de inoculação do veneno deve ser limpo com água e sabão. A elevação do membro acometido pouco acima do resto do corpo pode facilitar a diminuição do edema. Analgésicos são comumente necessários nos casos mais graves. Os tecidos necrosados devem ser cuidadosamente debridados e os abscessos drenados. A fasciotomia deve ser realizada se ocorrer síndrome compartimental. Adequada hidratação e profilaxia contra o tétano são medidas complementares importantes. A antibioticoterapia é reservada para casos onde sejam verificados sinais clínicos e laboratoriais de infecção. Considerar a necessidade de cirurgia reparadora nas perdas extensas de tecidos, e preservar o segmento acometido até que se tenha certeza de que nada poderá ser feito para recuperá-lo ou se está em risco a vida do paciente. O paciente deve permanecer, pelo menos por 72 horas após a picada, sob observação. 5. REFERÊNCIAS Animais peçonhentos, Caderno técnico de veterinária e zootecnia, N°75. Conselho regional de medicina veterinária do estado de minas gerais CRMV-MG, 2014. Disponível em: < https://vet.ufmg.br/ARQUIVOS/FCK/file/editora/caderno%20tecnico%2075%20anim ais%20peconhentos.pdf >. Acesso 13/09/2021. COSTA, H. C.; BÉRNILS, R.S. Répteis brasileiros: lista de espécies 2015. Herpetologia Brasileira, nº 3, v.4, p.75-93. 2015. FEITOSA, R.F.G.; MELO, I.M.L.A.; MONTEIRO, H.S.A. Epidemiologia dos acidentes por serpentes peçonhentas no estado do ceará – brasil. 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