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Lúria Niemic – MED UNIC 34 O ferro é um elemento essencial na função de todas as células, porém a quantidade de ferro necessária para cada tecido varia durante o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, o organismo precisa se proteger do ferro livre, que é altamente tóxico (participa em reações químicas que geram radicais livres [O2 singlete ou OH–). O principal papel do ferro consiste em transportar o O2 como parte da Hb. Na ausência de ferro, as células perdem sua capacidade de transporte de elétrons e metabolismo energético. Nas células eritroides, ocorre comprometimento da síntese de Hb, resultando em anemia e redução do suprimento de O2 aos tecidos. CICLO DO FERRO O ferro absorvido da dieta ou liberado das reservas, circula no plasma ligado à transferrina. A transferrina que transporta o ferro ocorre em 2 formas – monoférrica (1 átomo de ferro) ou diférrica (2 átomos de ferro). A renovação (meia-vida de eliminação) do ferro ligado à transferrina é muito rápida – de 60 a 90 minutos. Como quase todo o ferro transportado pela transferrina é fornecido à medula óssea eritroide, o tempo de depuração do ferro ligado à transferrina da circulação é afetado principalmente pelo nível plasmático de ferro e pela atividade da medula eritroide. Quando a eritropoiese é muito estimulada, o número de células eritroides que necessitam de ferro aumenta, e o tempo de depuração do ferro da circulação diminui. A meia- vida de eliminação do ferro na presença de deficiência de ferro é curta, de 10-15 minutos. Com a supressão da eritropoiese, os níveis plasmáticos de ferro aumentam e pode ocorrer prolongamento da meia-vida de eliminação em até várias horas. Em condições normais, o ferro ligado à transferrina sofre renovação 6-8x/dia. Se for considerado um nível plasmático normal de ferro de 80-100 µg/dL, a quantidade de ferro que passa pela transferrina é de 20-24 mg/dia. O complexo ferro-transferrina circula no plasma até interagir com receptores de transferrina específicos, presentes na superfície das células eritroides da medula óssea. A transferrina diférrica é a que possui maior afinidade pelos receptores de transferrina, enquanto a apotransferrina (que não transporta ferro) tem pouquíssima afinidade. Embora os receptores de transferrina sejam encontrados nas células de muitos tecidos corporais – e todas as células, em algum período de seu desenvolvimento, irão expressar receptores de transferrina –, a célula que apresenta o maior número de receptores é o eritroblasto em desenvolvimento. Após a interação da transferrina com seu receptor, o complexo é interiorizado por meio de cavidades recobertas por clatrina e transportado até um endossomo ácido, no qual o ferro é liberado em pH baixo. Em seguida, o ferro torna-se disponível para a síntese do heme, enquanto o complexo transferrina- receptor é reciclado para a superfície da célula, em que a maior parte da transferrina é liberada de volta à circulação, e o receptor de transferrina fixa-se novamente à membrana celular. Neste estágio, certa quantidade da proteína receptora de transferrina pode ser liberada na circulação e mensurada como receptor solúvel da transferrina. No interior da célula eritroide, o ferro além da quantidade necessária para síntese da Hb se liga a uma proteína de armazenamento, a apoferritina, formando a ferritina. Esse mecanismo de troca do ferro também ocorre em outras células corporais que expressam receptores de transferrina, em particular as células parenquimatosas hepáticas, em que o ferro pode ser incorporado a enzimas que contenham heme ou armazenado. O ferro incorporado à Hb entra na circulação com a liberação dos novos eritrócitos da medula óssea. Ele constitui, então, parte da massa eritrocitária e só irá tornar-se disponível para reutilização quando houver a morte do eritrócito. No indivíduo normal, o tempo médio de sobrevida do eritrócito é de 120 dias. Portanto, 0,8-1% dos eritrócitos é substituído diariamente. No final de seu tempo de sobrevida, o eritrócito é reconhecido como senescente pelas células do sistema reticuloendotelial (RE) – macrófagos, células de Kupfer, etc – e sofre fagocitose. Uma vez no interior da célula RE, a Hb ingerida é degradada, e a globina e outras proteínas retornam ao reservatório de aminoácidos, enquanto o ferro é transportado de volta à superfície da célula RE, onde é apresentado à transferrina circulante. A reciclagem eficiente e altamente conservadora do ferro dos eritrócitos senescentes é que mantém a eritropoiese no estado de equilíbrio dinâmico (mesmo em um estado levemente acelerado). Como cada mililitro de eritrócitos contém 1 mg de ferro elementar, a quantidade de ferro necessária para repor as células perdidas em consequência da senilidade atinge 20 mg/dia (considerando um adulto com massa eritrocitária de 2 L). Todo o ferro adicional necessário para a produção diária de eritrócitos provém da dieta. Normalmente, um homem adulto precisa absorver pelo menos 1 mg de ferro elementar/dia, para suprir as necessidades, e as mulheres em idade reprodutiva necessitam absorver 1,4 mg/dia. Todavia, para obter uma resposta proliferativa máxima da medula eritroide à anemia, uma quantidade adicional de ferro deve estar disponível. Com a eritropoiese muito estimulada, as demandas de ferro aumentam em até 6-8x. Nas anemias hemolíticas extravasculares, ocorre aumento na velocidade de destruição dos eritrócitos, porém o ferro recuperado das células é reutilizado com eficiência para a síntese da Hb. Diferentemente, na Problema 2 – Anemia Ferropriva METABOLISMO DO FERRO Lúria Niemic – MED UNIC 34 hemólise intravascular ou anemia da perda sanguínea, a velocidade de produção dos eritrócitos é limitada pela quantidade de ferro passível de ser mobilizada das reservas. A taxa de mobilização, nessas circunstâncias, não mantém a produção de eritrócitos em + 2,5x o normal. Se o suprimento de ferro para a medula óssea estimulada for subótimo, a resposta proliferativa medular irá diminuir e ocorrerá comprometimento na síntese da Hb e o resultado será uma medula hipoproliferativa, acompanhada de anemia microcítica hipocrômica. Enquanto a perda de sangue ou a hemólise impõem uma demanda no suprimento de ferro, as condições inflamatórias interferem na liberação do ferro de suas reservas e podem resultar em rápida diminuição do ferro sérico. BALANÇO DO FERRO NUTRICIONAL O equilíbrio do ferro é rigorosamente controlado e destina-se a conservar o ferro para sua reutilização. Não existe qualquer via excretora regulada para o ferro, e os únicos mecanismos por meio dos quais ele é perdido são a perda sanguínea (hemorragia digestiva, menstruação ou outros sangramentos) e a perda de células epiteliais da pele, intestino e trato geniturinário. Normalmente, o único modo pelo qual o ferro penetra no organismo é mediante sua absorção a partir dos alimentos ou do ferro medicinal por VO, além de transfusões de hemácias ou injeção de complexos de ferro. A margem entre a quantidade de ferro disponível para absorção e a necessidade do elemento em lactentes em crescimento e mulheres adultas é estreita; essa margem limitada é responsável pela grande prevalência da carência de ferro no mundo inteiro. A quantidade de ferro necessária na dieta para repor as perdas é de cerca de 10% do conteúdo corporal de ferro por ano nos homens e de 15% nas mulheres em idade reprodutiva. O teor de ferro da dieta está estreitamente relacionado com a ingestão calórica total (6 mg de ferro elementar/1.000 calorias). Sua biodisponibilidade é afetada pela natureza do alimento, sendo o ferro do heme (ex. encontrado na carne vermelha) o mais rapidamente absorvido. O indivíduo com deficiência de ferro pode aumentar a absorção do elementoem 20% do ferro presente em uma dieta que contenha carne, mas apenas 5-10% em uma dieta vegetariana. Os vegetarianos apresentam, ainda, uma desvantagem adicional, visto que certos alimentos, como os fitatos e os fosfatos, reduzem a absorção do ferro em 50%. Quando são administrados sais de ferro ionizáveis com o alimento, há uma redução na quantidade de ferro absorvida. Quando a porcentagem de ferro absorvido de alimentos isolados é comparada com a de uma quantidade equivalente de sal ferroso, a disponibilidade do ferro nos vegetais é de apenas 1/20; a do ferro contido nos ovos, de 1/8, a do ferro do fígado, de 1/2, e a do ferro hêmico, de 1/2 a 2/3. Os lactentes, as crianças e os adolescentes podem ser incapazes de manter um balanço de ferro normal em virtude das demandas do organismo em crescimento e de ingestão de ferro alimentar mais baixa. Durante os últimos 2 trimestres de gravidez, as necessidades diárias de ferro aumentam para 5-6 mg, e recomenda-se o uso de suplementos de ferro em gestantes. A absorção de ferro ocorre, em grande parte, na região proximal do intestino delgado. Para ser absorvido, precisa ser captado pela célula luminal. Esse processo é facilitado pelo conteúdo ácido do estômago, que mantém o ferro em solução. Na borda em escova da célula absortiva, o ferro férrico é convertido na forma ferrosa por uma ferrirredutase. O transporte por meio da membrana é efetuado pelo transportador de metal divalente tipo 1 (DMT-1). Uma vez no interior da célula intestinal, o ferro pode ser armazenado na forma de ferritina ou através da célula, para ser liberado na superfície basolateral à transferrina plasmática por meio do exportador de ferro incorporado à membrana, a ferroportina. A função da ferroportina é negativamente regulada pela hepcidina, o principal hormônio regulador do ferro. No processo de liberação, o ferro interage com outra ferroxidase, a hefaestina, que oxida o ferro na forma férrica para ligação da transferrina. ➲ Hepcidina: A principal ação dessa proteína é controlar o ferro plasmático, em que uma alta expressão de hepcidina diminui o ferro, enquanto sua baixa expressão aumenta a concentração de ferro circulante. Ela exerce sua função através da sua ligação à ferroportina, impedindo a saída de ferro das células. Após a formação do complexo hepcidina- ferroportina, este é internalizado e posteriormente degradado nos lisossomas. A síntese de hepcidina é mediada por processos fisiológicos e patológicos: Fisiologicamente, é regulada pela concentração plasmática de ferro, onde na condição de suficiência, o ferro se liga ao receptor de transferrina1, deslocando a proteína da hemocromatose. Este complexo se liga ao receptor de transferrina 2, aumentando a transcrição de hepcidina diretamente ou pela ativação do complexo proteína óssea morfogenética 6- hemojuvelin. Por outro lado, pode ser suprimida por sinais endócrinos (testosterona, estrogênio e fatores de crescimento) e pela atividade eritropoiética. A eritroferrone, hormônio produzido pelos eritroblastos em resposta à eritropoetina, parece ser o mediador da supressão da hepcidina durante a eritropoiese. Em condições patológicas, como deficiência de ferro e hipóxia, ocorre a redução da síntese hepática de hepcidina. Já a presença de infecção, inflamação e atividade física induzem o aumento da síntese hepática de hepcidina mediada pela IL-6. Elevadas concentrações de hepcidina têm sido descritas em associação com elevados níveis de marcadores inflamatórios (IL-6 e PCR), de anemia (Hb e eritropoetina endógena) e de parâmetros de ferro (ferritina) que neste último caso pode refletir a inibição da saída de ferro dos estoques. Lúria Niemic – MED UNIC 34 A absorção de ferro é influenciada por diversos estados fisiológicos. A hiperplasia eritroide estimula a absorção, mesmo na presença de reservas normais ou aumentadas do elemento, e os níveis de hepcidina são inapropriadamente baixos. Assim, pacientes com anemias associadas a altos níveis de eritropoiese ineficaz absorvem quantidades excessivas de ferro da dieta. Com o decorrer do tempo, essa situação pode levar à sobrecarga de ferro e à lesão tecidual. Na deficiência de ferro, os níveis de hepcidina estão baixos, e o ferro é absorvido com muito mais eficiência, sendo o contrário verdadeiro nos estados de sobrecarga secundária de ferro. O indivíduo normal pode reduzir a absorção de ferro em situações de ingestão excessiva ou de uso de ferro medicinal; todavia, enquanto a porcentagem de ferro absorvido diminui, a quantidade absoluta aumenta. Esse processo é responsável pela toxicidade aguda do ferro observada quando crianças ingerem grandes quantidades de comprimidos de ferro. Nessas circunstâncias, a quantidade absorvida excede a capacidade de ligação da transferrina no plasma, resultando em ferro livre que afeta órgãos críticos, como as células do miocárdio. Anemia é definida pela OMS como a condição na qual o conteúdo de Hb no sangue está abaixo do normal (inferior a -2DP) como resultado da carência de 1 ou + nutrientes essenciais. As anemias podem ser causadas por deficiência de vários nutrientes como ferro, zinco, vitamina B12 e proteínas. A principal causa de anemia é a deficiência de ferro, estando associada a +60% dos casos em todo o mundo. ESTÁGIOS DA DEFICIÊNCIA DE FERRO A evolução para a deficiência de ferro pode ser dividida em 3 estágios. O primeiro estágio consiste em balanço de ferro negativo, em que as demandas (ou as perdas) de ferro excedem a capacidade do organismo de absorver o ferro da dieta. Ela resulta de diversos mecanismos fisiológicos, como perda de sangue, gravidez (em que as demandas de produção de eritrócitos pelo feto superam a capacidade materna de suprimento do ferro), rápidos surtos de crescimento no adolescente ou ingestão inadequada de ferro alimentar. A ocorrência de uma perda de sangue de + 10-20 mL de eritrócitos/dia é superior à quantidade de ferro absorvível pelo intestino a partir de uma dieta normal. Em tais circunstâncias, o déficit de ferro deve ser compensado pela mobilização do ferro dos locais de armazenamento no RE. Durante esse período, as reservas de ferro – refletidas pelo nível sérico de ferritina ou pelo aparecimento de ferro corável em aspirados de medula óssea – diminuem. Enquanto houver reservas passíveis de mobilização, o ferro sérico, a capacidade total de ligação ao ferro (TIBC) e os níveis de protoporfirina eritrocitária irão permanecer dentro dos limites normais. Nesse estágio, a morfologia do eritrócito e os índices eritrocitários são normais. ➲ As determinações das reservas de ferro medular, da ferritina sérica e TIBC são sensíveis à depleção das reservas de ferro em seu estágio inicial. A eritropoiese com deficiência de ferro é reconhecida por anormalidades adicionais observadas no ferro sérico (FS), na porcentagem de saturação da transferrina, no padrão dos sideroblasto medulares e nos níveis de protoporfirina eritrocitária. Os pacientes com anemia ferropriva demonstram todas essas anormalidades, mais anemia microcítica hipocrômica. Quando ocorre depleção das reservas de ferro, o nível sérico de ferro começa a diminuir. Gradualmente, a TIBC aumenta, assim como os níveis de protoporfirina eritrocitária. Por definição, as reservas de ferro medular estão ausentes quando o nível sérico de ferritina é < 15 µg/L. Contanto que o ferro sérico permaneça dentro da faixa normal, a síntese da Hb não é afetada, em relação a redução das reservas de ferro. Quando a saturação da transferrina cai para 15-20%, a síntese de Hb é afetada, constituindo o período de eritropoiese deficiente em ferro. A cuidadosa avaliação do esfregaço de sangue periférico revela o primeiro aparecimento de células microcíticas, e reticulócitoshipocrômicos na circulação. Gradualmente, a Hb e o hematócrito começam a diminuir, refletindo a anemia por deficiência de ferro. A saturação da transferrina nesse momento é de 10-15%. Quando ocorre anemia moderada (Hb 10-13 g/dL), a medula óssea permanece hipoproliferativa. Na anemia mais grave (Hb de 7-8 g/dL), a hipocromia e a microcitose tornam-se mais proeminentes, aparecem células em alvo e eritrócitos deformados (poiquilócitos) no esfregaço sanguíneo, com formas em charuto ou lápis, e a medula eritroide torna-se cada vez mais ineficaz. Em consequência, na anemia ferropriva prolongada e grave, ocorre hiperplasia eritroide da medula óssea, mais do que hipoproliferação. CAUSAS DA DEFICIÊNCIA DE FERRO As condições que aumentam a demanda de ferro ou sua perda ou que diminuem o aporte e a absorção do elemento podem provocar deficiência de ferro. ANEMIA FERROPRIVA Lúria Niemic – MED UNIC 34 Aumento da demanda por ferro: • Crescimento rápido na infância ou adolescência • Gestação • Terapia com eritropoetina Aumento da perda de ferro: • Perda crônica de sangue • Menstruação • Perda aguda de sangue • Doação de sangue • Flebotomia como tratamento para Policitemia vera Redução da ingestão ou absorção de ferro: • Dieta inadequada • Má absorção devido à doença (espru, doença de Crohn) • Má absorção em consequência de cirurgia (gastrectomia e algumas formas de bariátrica) • Inflamação aguda ou crônica MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Podem ser utilizados em conjunto com parâmetros bioquímicos e laboratoriais, como: redução da acidez gástrica, gastrite atrófica, sangramento da mucosa intestinal, irritabilidade, distúrbios de conduta e percepção, distúrbio psicomotor, inibição da capacidade bactericida dos neutrófilos e diminuição de linfócitos T. Os sintomas usuais incluem fraqueza, cefaleia, irritabilidade, síndrome das pernas inquietas e vários graus de fadiga e intolerância aos exercícios ou pica. Pode ainda ocorrer pica por gelo, que é considerada bastante específica para DF. No entanto, muitos pacientes são assintomáticos, e só reconhecem os sintomas após o tratamento. Pacientes com ferritina baixa e sem anemia podem ter os mesmos sintomas. Idosos costumam apresentar início insidioso com sintomas relacionados à exacerbação de suas comorbidades subjacentes (piora da angina, aumento da confusão mental, dispneia). Alguns pacientes com DF, com ou sem anemia, podem se queixar de dor na língua, diminuição do fluxo salivar com boca seca e atrofia das papilas linguais e alopecia. A ADF pós-parto se caracteriza por sintomas não específicos, como astenia, fadiga, dispneia, palpitações ou infecções e dificuldades físicas, cognitivas e depressão, que dificultam a relação mãe-filho e a nutrição do RN. A queilose (fissuras nos ângulos da boca) e a coiloniquia (unhas dos dedos das mãos em forma de colher) constituem sinais de deficiência avançada de ferro tecidual. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Na suspeita de ADF, deve-se solicitar um hemograma completo (com os índices hematimétricos e avaliação de esfregaço periférico) e dosagem de ferritina. Outras medidas, como ferro sérico, transferrina e a saturação da transferrina não são obrigatórios. Pacientes com ADF têm ferro sérico baixo, transferrina alta e uma saturação da transferrina baixa. De acordo com os padrões diagnósticos da OMS, a ADF é leve a moderada, se a Hb fica entre 7-12 g/ dL, e grave, se a Hb < 7 g/dL, com pequenas variações de acordo com a idade, gênero ou presença de gestação. VALORES DE REFERÊNCIA PARA ANEMIA – ➞ Crianças: entre 6-59 meses, Hb < 11 g/dL, entre 5-11 anos Hb < 11,5 g/dL e entre 12-14 anos Hb <12 g/dL. Considera-se anemia Hb <11,5 g/dL para > 2 anos. ➞ Mulheres adultas: Hb < 12 g/dL e para homens Hb < 13 g/dL. ➞ Gestantes: Hb < 11 g/dL. Classifica-se a anemia na gestação em leve, moderada ou grave, conforme taxas entre 9-11 g/dL, 7-9 g/dL e < 7 g/dL, respectivamente. ➞ Puérpera: taxa de Hb < 10 g/dL nas primeiras 48 horas ou < 12 g/dL nas primeiras semanas após o parto. ➞ Idosos: Hb < 13,2 g/dL para homens e 12,2 g/dL para mulheres brancas. Para os idosos negros, estes valores são um pouco menores, com o corte na Hb < 12,7 g/dL para os homens e de 11,5 g/dL para as mulheres. Embora a Hb seja amplamente utilizada para a avaliação de ADF, ela tem baixas especificidade e sensibilidade, e um biomarcador do status do ferro, como a ferritina sérica, deve ser solicitado em conjunto. A depleção de ferro, primeiro estágio, é caracterizada por diminuição dos depósitos de ferro no fígado, baço e medula óssea e pode ser diagnosticada a partir da ferritina sérica, principal parâmetro utilizado para avaliar as reservas de ferro, por apresentar forte correlação com o ferro armazenado nos tecidos. Entretanto, a concentração de ferritina é influenciada pela presença de doenças hepáticas e processos infecciosos e inflamatórios, devendo ser interpretada com cautela. Valores < 12μg/L são fortes indicadores de depleção das reservas corporais de ferro em crianças < de 5 anos, e < 15μg/L para crianças entre 5-12 anos. No segundo estágio (deficiência de ferro), são utilizados para diagnóstico a própria redução do ferro sérico, aumento da capacidade total de ligação da transferrina (>250-390μg/dl) e a diminuição da saturação da transferrina (<16%). Outros exames podem ser necessários como a transferrina, zincoprotoporfirina eritrocitária e capacidade total de ligação do ferro. O ferro sérico é relevante no diagnóstico quando seus valores se encontram < 30mg/dl. A anemia ferropriva (diminuição sanguínea da Hb e Ht e alterações hematimétricas) é o estágio final da deficiência de ferro. Lúria Niemic – MED UNIC 34 A leucopenia e plaquetose também podem ser indicativos do quadro de anemia e devem ser considerados. A contagem dos reticulócitos se relaciona à eritropoiese, uma vez que o volume de Hb presente nos reticulócitos representa o volume de ferro disponível para a eritropoiese e é um indicador precoce da anemia ferropriva e déficit de hemoglobinização. A referência para crianças do seu valor relativo é de 0,5% a 2%, e do valor absoluto de 25000-85000/mm3, devendo este último ser utilizado por ser mais fidedigno. ➲ Inicialmente aparece anemia normocítica (VCM – normal), com valor absoluto de reticulócitos normais e com marcadores do status do ferro baixos, como ferritina < 30 mcg/L, ferro < 330 mcg/L, capacidade ferropéxica sérica > 4 mg/L, aumento de transferrina e diminuição da saturação da mesma (< 20%). Com a continuação da perda sanguínea, aparecerá anemia hipocrômica clássica (com CHCM baixa) e microcitose (com VCM baixo). Com a piora da anemia e da DF, surgem a anisocitose (células de tamanhos variados) e a poiquilocitose (células de formas variadas). Ferro sérico e capacidade total de ligação ao ferro – O nível representa a quantidade de ferro circulante ligado à transferrina. A TIBC é uma medida indireta da transferrina circulante. A faixa normal do ferro sérico é de 50-150 µg/dL; a faixa normal da TIBC é de 300-360 µg/dL. A saturação da transferrina, normalmente de 25- 50%, é obtida pela seguinte fórmula: ferro sérico × 100 ÷ TIBC. Os estados de deficiência de ferro estão associados a níveis de saturação < 20%. Existe uma variação diurna no nível de ferro sérico. Uma saturação de transferrina > 50% indica o suprimento de uma quantidade desproporcional de ferro ligado à transferrina em tecidos não eritroides. Se isso persistir por um período longo, poderá ocorrer sobrecarga de ferro tecidual. Ferritina sérica – O ferro livre é tóxico para as células, e o organismo estabeleceu um conjunto de mecanismos protetores para a ligação do ferro em vários compartimentos teciduais. No interior das células, o ferro é armazenado ligadoa proteínas, como a ferritina e a hemossiderina. A apoferritina liga-se ao ferro ferroso livre e o armazena no estado férrico. À medida que ela se acumula no interior das células do sistema RE, formam- se agregados de proteína na forma de hemossiderina. O ferro na ferritina ou hemossiderina pode ser extraído para liberação pelas células RE, embora a hemossiderina seja menos disponível. Em condições de equilíbrio dinâmico, o nível sérico de ferritina correlaciona-se com as reservas corporais totais de ferro; logo, o nível sérico de ferritina é o teste laboratorial mais conveniente para estimar as reservas de ferro. O valor normal da ferritina varia: homens adultos apresentam níveis séricos de ferritina de 100 µg/L enquanto mulheres adultas apresentam de 30 µg/L. Quando ocorre depleção das reservas de ferro, a ferritina sérica cai para < 15 µg/L. Esses níveis são diagnósticos de ausência de reservas corporais de ferro. Avaliação das reservas de ferro da medula óssea – Embora as reservas de ferro do sistema RE possam ser estimadas a partir da coloração de uma amostra de aspirado ou biópsia de medula óssea para ferro, a determinação do nível sérico de ferritina suplantou esses procedimentos. Todavia, além da reserva de ferro, a coloração do ferro medular fornece informações sobre o suprimento efetivo de ferro aos eritroblastos em desenvolvimento. Normalmente, quando o esfregaço de medula óssea é corado para ferro, 20-40% sideroblastos exibem grânulos visíveis de ferritina no citoplasma. Esses grânulos representam o ferro além da quantidade necessária para a síntese da Hb. Nos estados em que a liberação do ferro dos locais de armazenamento é bloqueada, o ferro do RE torna-se detectável e haverá poucos ou nenhum sideroblasto. Nas síndromes mielodisplásicas, pode ocorrer disfunção mitocondrial, e o acúmulo de ferro nas mitocôndrias aparece como um colar ao redor do núcleo do eritroblasto. Níveis de protoporfirina eritrocitária – A protoporfirina é um intermediário na via de síntese do heme. Em condições de comprometimento dessa síntese, a protoporfirina acumula-se no interior do eritrócito. Essa situação reflete um suprimento inadequado de ferro aos precursores eritroides para manter a síntese da Hb. Os valores normais são < 30 µg/dL de eritrócitos. Na deficiência de ferro, são observados valores > 100 µg/dL. As causas mais comuns de aumento desses níveis são a deficiência absoluta ou relativa de ferro e a intoxicação por chumbo. Níveis séricos da proteína receptora de transferrina – Como as células eritroides são as que apresentam, entre todas as outras células do corpo, o maior número de receptores de transferrina, e, como a proteína receptora de transferrina (TRP) é liberada pelas células na circulação, os níveis séricos de TRP refletem a massa medular eritroide total. Outro estado em que os níveis de TRP estão elevados é a deficiência absoluta de ferro. Os valores normais são de 4-9 µg/L, determinados por imunoensaio. Esse exame laboratorial está se tornando cada vez mais disponível e, em conjunto com a ferritina sérica, tem sido proposto para distinguir entre deficiência de ferro e anemia da inflamação. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Além da deficiência de ferro, apenas 3 condições precisam ser consideradas no diagnóstico diferencial da anemia microcítica hipocrômica. O primeiro distúrbio é um defeito hereditário na síntese das cadeias de globina: as talassemias, que são mais facilmente diferenciadas da deficiência de ferro pelos níveis séricos de ferro; elas se caracterizam por valores normais ou elevados do ferro sérico e de saturação da transferrina. Além disso, o RDW costuma ser normal, enquanto está elevado na deficiência de ferro. O segundo distúrbio é a anemia da inflamação (ou anemia da doença crônica), com suprimento inadequado de ferro para a medula eritroide. Em geral, ela é normocítica e normocrômica. Os valores do ferro costumam tornar o diagnóstico diferencial evidente, visto que o nível de ferritina se apresenta normal ou elevado, e a porcentagem de saturação da transferrina e a TIBC estão abaixo do normal. Lúria Niemic – MED UNIC 34 O terceiro são as síndromes mielodisplásicas. Em certas ocasiões, os pacientes com mielodisplasia apresentam síntese reduzida da Hb com disfunção mitocondrial, resultando em comprometimento da incorporação do ferro no heme. Os valores do ferro revelam reservas normais e suprimento mais do que adequado para a medula óssea, a despeito da microcitose e hipocromia. TRATAMENTO O tratamento consiste da orientação nutricional, administração por VO ou parenteral de compostos com ferro e, eventualmente, transfusão de hemácias. A identificação e correção, quando possível, da causa que levou à anemia, associadas à reposição do ferro, na dose correta e por tempo adequado, resultam, na maioria das vezes, na sua correção e, consequentemente, confirmam o diagnóstico. Tratar a anemia ferropriva sem identificar sua causa pode significar a perda da oportunidade de se diagnosticar uma doença subjacente maligna em fase ainda potencialmente curável. Não medicamentoso – Os alimentos fontes de ferro devem ser recomendados, principalmente as carnes vermelhas, vísceras (fígado e miúdos), carnes de aves, peixes e hortaliças verde-escuras, etc. Para melhorar a absorção do ferro, recomenda-se a ingestão de alimentos ricos em vitamina C, disponível nas frutas cítricas, como laranja, acerola e limão, evitando-se excessos de chá ou café, que dificultam a absorção. Transfusão de hemácias – A terapia transfusional é reservada para os que apresentam sintomas de anemia, instabilidade cardiovascular e perda contínua e excessiva de sangue de qualquer origem e para os que necessitam de intervenção imediata. O tratamento desses pacientes está menos relacionado com a deficiência de ferro do que com as consequências da anemia grave. As transfusões não apenas corrigem agudamente a anemia, mas também as hemácias transfundidas proporcionam uma fonte de ferro para reutilização, desde que não sejam perdidas por meio de sangramento contínuo. Essa terapia estabiliza o paciente enquanto se consideram outras opções. Terapia com ferro oral – Costuma ser adequado para o paciente assintomático com anemia ferropriva estabelecida. Os principais suplementos de ferro disponíveis são: sais ferrosos, sais férricos, ferro aminoquelado, complexo de ferro polimaltosado (ferripolimaltose) e ferro carbonila. Dose de ferro elementar recomendada: 3-5 mg/kg/dia por um período suficiente para normalizar os valores da Hb – de 1-2 meses, e restaurar os estoques normais de ferro do organismo – de 2-6 meses, ou até obter-se valor de ferritina sérica de, pelo menos, 15 ng/mL para crianças e 30 ng/mL para adultos. Sais ferrosos – São rapidamente absorvidos e bastante eficazes. Entretanto, podem interagir com substâncias como fitatos e polifenóis na luz intestinal, formando complexos insolúveis que impedem a sua absorção. Com isso, recomenda-se que seja ingerido com o estômago vazio, 1h antes das refeições, entre as refeições ou antes de dormir. A absorção do ferro na sua forma ferrosa (Fe2+) dá-se por absorção ativa através da proteína DMT1 e por difusão passiva na membrana apical do enterócito e intercelular ou paracelular. Uma vez no enterócito, o ferro (Fe2+) pode ali ser utilizado pela célula, permanecer sob a forma de ferritina ou dirigir-se à membrana baso-lateral onde, após passar pela ferroportina e ser oxidado à Fe3+ (forma férrica), será levado para locais de utilização ou armazenamento pela transferrina. Apesar da eficácia dos compostos com sal ferroso, estes apresentam elevada frequência de efeitos adversos, que pode chegar a 40%, e tem relação direta com a quantidade de ferro solúvel presente no TGI superior.Os efeitos adversos mais relatados são: pirose, epigastralgia, náusea, vômito, gosto metálico, escurecimento do esmalte dentário, dispepsia, plenitude ou desconforto abdominal, diarreia e obstipação. O ferro ferroso pode ser oxidado à Fe3+ na luz intestinal, e esse processo de oxidação na porção apical da membrana enterocítica gera radicais livres capazes de ocasionar a peroxidação lipídica de proteínas da membrana do enterócito e, por conseguinte, provocar dano celular, favorecendo o aparecimento de lesões inflamatórias (esofagite, gastrite, duodenite, úlcera). A quantidade de ferro elementar varia de acordo com o sal ferroso. O sulfato ferroso, fumarato ferroso e gluconato ferroso contêm 20%, 33% e apenas 12% de ferro elementar, respectivamente. Independentemente do tipo de sal ferroso administrado, a quantidade de ferro absorvida varia entre < 5% a, no máximo, 50%. O sulfato ferroso é o composto disponível para o tratamento e prevenção da deficiência de ferro no SUS. Ferro aminoquelato – Resultam da união covalente do ferro em sua forma ferrosa ou férrica a um ligante orgânico. A molécula resultante é um metal quelado, que tem como finalidade apresentar uniões de quelação para resistir à ação de enzimas e proteínas da digestão, e de substâncias naturais presentes nos alimentos, como fitato, folato, ácido tânico. Além disso, protege os átomos de ferro, reduzindo a exposição direta das células da mucosa GI a este metal, o que poderia reduzir a toxicidade local. Os mais comuns são o bisglicinato (contém 20% de ferro elementar), trisglicinato férrico e a glicina-sulfato ferroso. Os compostos aminoquelados têm menor incidência de efeitos secundários descritos em relação às apresentações ferrosas não queladas; entretanto, são menos eficientes. Complexo de ferro polimaltosado (Fe3+) – É um complexo hidrossolúvel, constituído de hidróxido de ferro férrico polinuclear e dextrina parcialmente hidrolizada (polimaltose). A biodisponibilidade do ferro nas formulações de sulfato ferroso ou ferripolimaltose são semelhantes. Lúria Niemic – MED UNIC 34 Acredita-se que a ferripolimaltose liga-se às moléculas de DMT1 na superfície apical dos enterócitos, e que haja um intercâmbio competitivo de ligantes – denominada absorção fisioativa ou fisiologicamente controlada, ou seja, o ferro férrico desliga-se da polimaltose e, após ser reduzido a Fe2+ na membrana apical, liga-se a receptores da proteína DMT1 através da qual o ferro Fe2+ chega ao citoplasma e poderá permanecer sob a forma de ferritina ou dirigir-se à membrana baso-lateral onde, após passar pela ferroportina e ser oxidado à Fe3+, será levado para locais de utilização ou armazenamento pela transferrina. A ferripolimaltose é uma molécula grande, o que explica o fato de que sua difusão passiva através da membrana da mucosa intestinal é de 40x < que a observada com o ferro ferroso não quelado. Isto justifica o incremento mais lento da Hb no início do tratamento quando comparado ao incremento obtido com o sal ferroso; entretanto, o risco de toxicidade aguda com a ferripolimaltose é de 10x menor. Outra vantagem da ferripolimaltose em relação aos sais ferrosos é a de que este complexo pode ser administrado durante ou após a refeição, pois sua absorção não sofre influência dos alimentos. Suas propriedades conferem à ferripolimaltose menor incidência de efeitos adversos, proporcionando maior adesão ao tratamento e melhores resultados. Ferroterapia parenteral – O ferro IV pode ser administrado a pacientes que não toleram o ferro oral, àquelas cujas necessidades são relativamente agudas ou aos indivíduos que necessitam de ferro de modo contínuo em geral devido a perda GI persistente. A taxa de reações adversas graves ao ferro-dextrana de alto peso molecular IV é de 0,7%. Há complexos de ferro mais recentes, como ferrumoxitol, gliconato férrico de sódio, ferro sacarose e carboximaltose férrica, que apresentam taxas muito menores de efeitos adversos. O ferrumoxitol fornece 510 mg de ferro/injeção, o gluconato férrico, 125 mg/injeção, a carboximaltose férrica, 750 mg/injeção, e o ferro sacarose, 200 mg/injeção. O ferro parenteral é utilizado de 2 maneiras: uma delas consiste em administrar a dose total de ferro necessária para corrigir o déficit de Hb e fornecer ao paciente uma reserva de pelo menos 500 mg de ferro; a segunda consiste em administrar baixas doses repetidas de ferro parenteral durante um período prolongado. Esta última abordagem é comum nos centros de diálise, onde não é raro administrar 100 mg de ferro elementar/semana, durante 10 semanas, a fim de aumentar a resposta à terapia com EPO. A quantidade de ferro necessária para um paciente é calculada pela seguinte fórmula: Os sintomas generalizados que aparecem vários dias após a infusão de uma dose alta de ferro podem incluir artralgias, exantema e febre baixa. Podem estar relacionados com a dose, mas não impedem o uso posterior de ferro parenteral pelo paciente.
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