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Resumo O Setting: A Criação de um Novo Espaço Setting (comumente traduzido em português por “enquadre”), que pode ser conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o processo psicanalítico. Assim, o setting resulta de uma conjunção de regras, atitudes e combinações, tanto as contidas no “contrato analítico” (conforme descrito no capítulo anterior) como também aquelas que vão se definindo durante a evolução da análise. Estarte, o setting, por si mesmo, funciona como um importante fator terapêutico psicanalítico, pela criação de um novo espaço que possibilita ao paciente reproduzir, no vínculo transferencial, seus aspectos infantis e, a um mesmo tempo, poder usar a sua parte adulta para ajudar o crescimento daquelas partes infantis, possivelmente frágeis e algo desamparadas. Igualmente o enquadre age. Como modelo de um provável novo funcionamento parental, no interior do psiquismo do paciente , que consiste na criação, pelo analista, de uma atmosfera de trabalho, a um mesmo tempo de muita firmeza (é diferente de rigidez) no indispensável cumprimento e na preservação das combinações feitas, juntamente com uma atitude de acolhimento, respeito e empatia. Pelo contrário, hoje é consensual que a estrutura psíquica do terapeuta, sua ideologia psicanalítica, empatia, conteúdo e forma das interpretações, demais atributos de sua personalidade e modo de “ser”, enfim, a sua pessoa real contribuem de forma decisiva nos significados e nos rumos da terapia analítica. FUNÇÕES TERAPÊUTICAS DO SETTING Seguem, enumeradas, algumas das características que me parecem ser sobremodo relevantes na prática clínica: 1. De uma maneira geral, o setting analítico é o mesmo para qualquer tipo de paciente; 2. Com pacientes autistas: uma nova condição de maternagem, que permita, por meio de sua atividade analítica, a suplementação de falhas e vazios originais, assim possibilitando a internalização de uma figura materna suficientemente boa, que sempre lhe faltou. 3. Uma vez instituído, o setting deverá ser preservado ao máximo. 4. A vantagem de preservar ao máximo o enquadre combinado encontra respaldo em argumentos analíticos como o de estabelecer o aporte da realidade exterior. 5. Assim, as regras do setting ajudam a prover uma necessária delimitação entre o “eu” e “os outros”, por meio de desfazer a indiscriminação e indiferenciação e, portanto, facilitando a obtenção das capacidades adultas de diferenciação, separação e individuação. 6. Igualmente, as regras que foram instituídas no enquadre auxiliam a definir a noção de limites, limitações, lugares e diferenças que provavelmente estão algo borradas pela influência da onipotência e onisciência, próprias da parte psicótica da personalidade. 7. Neste contexto, o enquadre auxilia a desfazer as fantasias daquele analisando que, de alguma forma, sempre está em busca de uma ilusória simetria – pela qual ele busca a mesma hierarquia de lugar e de papéis que o analista tem – e de uma similaridade, ou seja, a crença do paciente de que ele tem uma igualdade nos valores, funções e capacidades do seu analista. 8. Da mesma forma como pode haver um desvirtuamento do enquadre em decorrência de uma excessiva rigidez do analista, também não podemos ignorar os inconvenientes, por vezes graves, que decorrem de uma exagerada permissividade na aplicação e na indispensável preservação – da essência – das condições normativas que foram combinadas no contrato, e se essas não foram claramente definidas, torna-se ainda mais sério o erro técnico. 9. Deve ficar claro que, como seres humanos, não deve existir uma distinção entre analista e paciente, porém, na situação analítica, é fundamental que os direitos, deveres, papéis, lugares a serem ocupados, atribuições e funções a serem desempenhadas por cada um. 10. É imperioso estabelecer uma nítida distinção entre o que é ser um analista “bom” (frustra adequadamente, quando necessário) e “bonzinho” (nunca frustra). 11. Assim, no caso do terapeuta “bonzinho”, ele não só não saberá provocar eventuais frustrações a certos pedidos e expectativas do paciente como também não terá condições de colocar limites e definir limitações, nem propiciar a possibilidade de analisar sentimentos difíceis (mergulhar na depressão do paciente ou nas suas partes psicóticas, etc.) e, tampouco, despertará o lado adulto do paciente que deve aprender a enfrentar as dificuldades, no lugar de fugir delas por meio de diferentes táticas de evitação e de fuga, o que perpetua o estado de onipotência, ou, ainda, a de usar o recurso de acionar a que outros enfrentem as dificuldades por ele, o que vai reforçar a condição de criança dependente. 12. Também devemos considerar o fato de que o analista, que evita ao máximo frustrar o paciente em seus pedidos por mudanças nas combinações do setting, chegando a ponto de fazer alguns sacrifícios pessoais, pode estar encobrindo uma atitude sedutora a serviço de seu narcisismo ou o seu medo diante de uma possível revolta e rejeição por parte do analisando. Além disso, também acresce o inconveniente de um reforço no paciente, de uma falsa concepção de que a frustração é sempre má e que deve ser evitada, assim como também a de que o analista deve ser poupado de suas cargas de avidez; nesses casos, o enquadre corre o risco de ficar estruturado em uma busca única de gratificações recíprocas, o que desvirtua a essencialidade do processo analítico. 13. Em contrapartida, outras vezes pode ocorrer o inverso, isto é, o analista cria exagerados obstáculos para atender certos pedidos dos pacientes, por mais justos e inofensivos que sejam (por exemplo, mudar a hora de uma sessão para uma outra possível, em uma mesma semana, pois aquele horário coincide com um exame que deve prestar...), de sorte a repetir uma provável conduta similar a que o paciente, quando criança pequena, teve com os pais. Trata-se de pacientes que, desde pequeninos, foram condicionados pelos pais a ganhar as coisas com muito choro, luta, promessas, formações reativas e prováveis humilhações, de modo que uma atitude análoga por parte do analista pode incrementar no paciente a crença de que para que ele consiga ganhar algo, deve ser como prêmio pelo sofrimento, ou merecimento pelo seu esforço, ou por um bom comportamento. 14. o controle sádico, inconsciente, por parte do analista (não é a mesma coisa que impor frustrações necessárias) pode levá-lo a utilizar frustrações e privações severas e desnecessárias, podendo ele pensar que está acertadamente obedecendo à regra da abstinência e que Freud se orgulharia dele. 15. É relevante que o analista reconheça que é unicamente sofrendo as inevitáveis frustrações impostas pelo setting, desde que essas não sejam exageradamente excessivas, escassas, incoerentes e injustas, que o analisando (tal como no passado evolutivo da criança com seus educadores) pode desenvolver a, fundamental, capacidade para pensar e simbolizar. 16. Pode-se dizer que a função mais nobre do setting consiste na criação de um novo espaço onde o analisando terá a oportunidade de reexperimentar com o seu analista a vivência de antigas, e decisivamente marcantes, experiências emocionais conflituosas que foram mal compreendidas, atendidas e significadas pelos pais do passado e, por conseguinte, mal solucionadas pela criança de ontem, que habita a mente do paciente adulto de hoje. 17. Agressividade sadia: Por meio de um trabalho analítico de ressignificação dessas experiências emocionais, o paciente foi resgatando a capacidade de fazer um bom uso da agressividade sadia. 18. Esse exemplo também serve para ilustrar que a capacidade de o analista sobreviver a possíveis ataques dos pacientes (agressivos, eróticos, narcisistas, perversos...) constitui-se em um dos fatores mais importantes do clima emocional do setting. 19. Acredito que dificilmente haverá uma experiência mais fascinante do que aquela que ele está revivendo com o seu analista, fortes emoções, os aspectos agressivos destrutivos incluídos, e que os resultadospodem ser bem diferentes daqueles que imaginava e aos quais ele já estava condicionado. 20. A importância disso decorre do fato de que, apesar de todos os sentimentos, atos e verbalizações, significados pelos pacientes como proibidos e perigosos, o setting mantém se inalterado. O analista não está destruído, nem deprimido, tampouco colérico, não revida nem retalia, não apela para a medicação quando essa não está indicada e, muito menos, para uma hospitalização, não o encaminha para outro terapeuta, sequer modificou o seu estado de humor habitual e ainda se mostra compreensivo e o auxilia a dar um novo significado, um nome, proporcionando-lhe, ainda, extrair um aprendizado com a experiência que, de forma tão sofrida, ele reexperimentou no campo analítico, tanto diretamente, na transferência com o analista, ou, simplesmente, por meio da verbalização, carregada de afetos, de experiências antigas, fato que, mais do que uma simples catarse, possibilitará a realização de novos significados, com outros sentimentos em torno daquelas recordações traumáticas. 21. Às vezes, por razões distintas, o enquadre instituído sofre algumas transgressões, em grau maior ou menor, porém o importante é que o analista sinta que está com o controle da situação, e que possa voltar à situação original, sempre que julgar necessário. Em situações mais extremas, o setting pode ficar desvirtuado a um tamanho tal que cabe a expressão perversão do setting, em cujo caso formamse diversos tipos de conluios inconscientes e até, por vezes, conscientes, sendo o mais freqüente deles aquele que foi determinado pela recíproca necessidade de sedução, para agradar e ser agradado, um “faz-de-conta” que a análise está evoluindo quando ela pode estar totalmente estagnada, além daqueles casos mais graves do ponto de vista de uma terapia analítica séria, nos quais há uma quebra de ética e uma total perversão analítica, sob a forma de envolvimento erótico, negócios em comum, programas duvidosos fora do enquadre, etc. 22. Uma forma nada rara de perversão do setting é aquela na qual determinados pacientes, mais comumente por parte dos narcisistas de “pele grossa” (ver o capítulo referente aos transtornos do narcisismo), tentam, e muitas vezes conseguem, efetivar uma mudança de lugares e de papéis que, normalmente, o analista e o paciente devem desempenhar. 23. Um ponto importante em relação à preservação do setting é o que diz respeito à inclusão, ou não, de parâmetros por parte do analista. Na atualidade, o critério de “transgressão” do enquadre está bastante flexível de modo que, ao contrário dos primeiros tempos, o analista permite-se responder a certas perguntas que os pacientes fazem, sugerir nomes de médicos especialistas no caso de os pacientes desconhecerem e solicitarem, providenciar o uso de medicação concomitante com o curso da psicanálise, recomendar determinadas leituras ou filmes e demais coisas do gênero. No entanto, é necessário que o analista fique atento à possibilidade de estar cometendo pequenas, mas reiteradas, transgressões, como faltar muito, atrasar-se sistematicamente, ou se, continuadamente, muda os horários, encurta ou prolonga excessivamente o tempo da sessão, faz espúrias combinações relativas ao pagamento, estimula os contatos telefônicos de forma ilimitada, envolve-se exageradamente com as circunstâncias externas da vida do analisando, expõe demais a sua vida íntima para o paciente, usa o analisando para satisfazer a sua curiosidade particular, ou para atraí-lo como aliado contra algum colega desafeto seu, ou rival, detrator, etc. 24. Na época pioneira da psicanálise, o mais comum era a prática de seis sessões semanais; após algumas décadas, o número oficial ficou reduzido para cinco, posteriormente passou a prevalecer um consenso de quatro sessões e, na atualidade, por razões de custo econômico e coisas afins, existe um grande movimento nas sociedades psicanalíticas no sentido de oficializar o número mínimo de sessões para três, medida essa que já vige em algumas instituições, como na França, entre outras. 25. A clara evidência de um certo esvaziamento dos consultórios está obrigando os analistas a repensarem o problema do modelo tradicional de quatro ou cinco sessões semanais, de modo a não se prender rigidamente nesse número mínimo e, em seu lugar, pensar, prioritariamente, em como viabilizar um espaço de análise de acordo com as necessidades de cada paciente em particular. 26. Algo equivalente poderia ser dito quanto à possibilidade de serem feitas mais de uma sessão em um mesmo dia; a obrigatoriedade, ou não, do uso do divã, etc. Penso que, indo muito além desses aspectos exteriores, o fundamental é o fato de que o setting, levado a sério, comporta-se, por si só, com uma importante função de “continente”, em que o paciente sabe que conquistou um espaço sagrado, unicamente seu, que será contido nas suas angústias, entendido (é diferente de “atendido”) em suas necessidades, desejos e demandas, respeitado no ritmo de análise que ele é capaz e respirará uma atmosfera de calor e paz, não obstante a possibilidade de que esteja em plena transferência negativa, caso já tenha se desenvolvido uma “aliança terapêutica” entre o par analítico. 27. O campo analítico deve ser regido por algumas regras técnicas que foram originalmente legadas por Freud e que, embora conservem muito da sua essência, sofreram profundas transformações,
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