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Abordagem da dor abdominal na APS: DOR ABDOMINAL – EPIDEMIOLOGIA: Queixa frequente na APS O médico da família deve ser resolutivo em cerca de 80% dos casos de dor abdominal aguda e crônica. 20 % dos casos permanecerão sem diagnóstico específico POSSÍVEIS CAUSA DE DOR ABDOMINAL NA APS: QUADROS AGUDOS São quadros de forte intensidade e de início recente = ABDOME AGUDO, em especial quando secundário a processos inflamatórios ou infecciosos graves. Inflamatórios: apendicite, diverticulite, pancreatite, colangite Obstrutivo: bridas, volvos Perfurativos: ulcera péptica, divertículos, ferimentos Isquêmicos: isquemia mesentérica, colite isquêmica Hemorrágicos: ruptura de vísceras e de aneurismas, ferimentos. QUADROS CRÔNICOS: Podem ser de origem funcional: sendo os mais comuns na APS a dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável. Podem ser de origem orgânica: sendo as mais frequentes diagnosticadas na APS a gastroenterite infecciosa, ITU, constipação, doença diverticular, cólica biliar (colicistite/colelitíase), apendicite, doenças do esôfago (DRGE/esofagite) Os quadros de origem funcional são os mais prevalentes Na avaliação diagnóstica, outro modelo útil de se pensar nas causas comuns é orientar-se pela sua localização no abdome: Tabela 149.2. Causas comuns de dor abdominal segundo a localização da dor Quadrante superior direito Doenças da vesícula biliar, hepatite, hepatomegalia Quadrante superior esquerdo IAM, pneumonia, crise de anemia falciforme, linfoma, esplenomegalia, gastrite Quadrante inferior direito Apendicite, doença de Crohn, doenças ginecológicas (ruptura de cisto ovariano, gravidez ectópica, DIP), causas renais (litíase, pielonefrite) Quadrante inferior esquerdo Diverticulite, obstrução intestinal, colite isquêmica/ulcerativa/infecciosa, sacroileíte, doenças ginecológicas (ruptura de cisto ovariano, gravidez ectópica, DIP), causas renais (litíase, pielonefrite) Mesoepigástrica Dispepsia, DRGE, pancreatite, DUP, apendicite inicial Suprapúbica Cistite, prostatite, retenção urinária, causas ginecológicas Difusa ou generalizada Parede abdominal, doença celíaca, constipação, diarreia crônica, SII, gastrenterite, linfadenite mesentérica, colo perfurado, ruptura de AAA, traumatismo IAM – infarto agudo do miocárdio, DIP – doença inflamatória pélvica, DUP – doença ulcerosa péptica, DRGE – doença do refluxo gastresofágico, AAA – aneurisma de aorta abdominal, SII – síndrome do intestino irritável. ESTIMATIVAS DE UMA AVALIAÇÃO INICIAL 20 % sejam diagnóstico inespecífico 80% sejam diagnósticos de causas funcionais e orgânicas. ABORDAGEM INICIAL DO PACIENTE COM DOR ABDOMINAL NA APS: Primeira decisão: principalmente em casos agudos é diferenciar os quadros de maior gravidade e risco de vida dos que seguirão acompanhamento ambulatorial. Etiologias de causa obstrutivas, irritação peritoneal, insuficiência vascular são as mais perigosas e merecem diagnóstico rápido. Primeiro passo: saber lidar com a incerteza: há grande variedade de causas, além disso 20% não terão diagnóstico específico. Segundo passo: habilidade de comunicação e entrevista clínica associado ao método clínico centrado na pessoa (MCCP) significa explorar não apenas a doença mas também a percepção da pessoa sobre sua saúde e a experiência da doença (sentimentos, ideias, funcionamento e expectativas) Terceiro passo: contextualizar o atendimento com base nos atributos essenciais da APS: ▪ O primeiro contato; ▪ Longitudinalidade ( vínculo e confiança); ▪ Integralidade ( ser resolutiva, serviços abrangentes); ▪ Coordenação do cuidado ( o médico da APS será responsável pelo paciente e irá referencia-lo para outro serviço nos casos de maior complexidade ou urgência da dor abdominal – a APS coordena o paciente na rede). Assim será garantido o exercício de uma pratica preventiva de danos e de iatrogenia. (prevenção quaternária) ANAMNESE HISTORIA GERAL: Identificar se o quadro é agudo ou crônico. Obter o caráter recorrente das queixas, olhando no prontuário ou perguntando a pessoa A partir desses dados, a anamnese, semiologia e exames complementares serão conduzidos – na APS a consulta possui visão geral, mas orientada para o problema, deve ser orientada ao indivíduo em questão. (não precisa fazer história completa, exame físico completo e da rotina laboratorial) Saber quem é a pessoa com dor abdominal – gênero, idade (guiam o raciocínio), avaliar o contexto de vida ( trabalho, ambiente familiar, comportamento sexual, hábitos alimentares) Caracterizar a dor – (início, qualidade, intensidade, frequência, local, irradiação, fatores de alivio e piora) Identificar outros sinais e sintomas (febre, náuseas, vômitos, hematêmese, hematequezia, melena, icterícia, perda de peso, alterações do hábito intestinal, mudanças das fezes e urina) e uso prévio de fármacos ) História pregressa: Revisar comorbidades (risco CV, diabetes), quadros psíquicos prévios (problemas funcionais), passado cirúrgico (bridas/aderências/hérnias), história de litíase, história sexual, hábitos e vícios (álcool, tabaco), perguntar sobre uso de AINEs, AAS, anticoagulantes (risco de sangramento digestivo). Historia familiar (cânceres, DII, história de litíase renal e biliar, quadros dispépticos, aterosclerose e aneurismas - e doenças hereditárias, como anemia falciforme e fibrose cística.) Casos agudos: investigar o que se passou nas últimas 24 horas: história alimentar, atividades físicas, viagens, uso de medicações. Grupos especiais: IDOSOS – pode apresentar e perceber a dor de forma diferente (reduzida), nesse grupo são comuns a diverticulite, isquemia mesentérica, aneurisma abdominal de aorta. MULHERES em idade fértil – possibilidade de gravidez, risco de gravidez ectópica e abortamento espontâneo, a mulher grávida pode apresentar sinais e sintomas de apendicite e colecistite diferentes. SINAIS DE ALERTA: Sinais que predizem patologias orgânicas de maior gravidade e risco de vida: 1. Dor que muda de localização 2. Dor que desperta do sono 3. Dor que persiste por mais de 6 horas ou piora 4. Dor seguida de vômitos 5. Perda de peso EXAME FÍSICO Exame físico é focado a partir dos dados da anamnese e com a probabilidade diagnóstica identificada. Em situações especificas pode ser complementado com o exame pélvico-ginecológico e retal. EXAME GERAL: Ectoscopia: hidratação, anemia, icterícia, estado nutricional, fáceis de dor, posição antálgica ( irritação peritoneal). Sinais vitais (FR, FC, T, PA) De acordo com os sintomas proceder o exame cardiorrespiratório. Exame físico abdominal: inspeção, ausculta, palpação e percussão. Exame ginecológico: na suspeita de patologias do aparelho reprodutor feminino – inspeção, exame especular e toque vaginal ( p. ex: presença de descarga purulenta em orifício externo do colo associado a dor a mobilização do colo é indicativo de DIP) Exame retal: útil nos casos de alterações do habito intestinal, sintomas obstrutivos ou hemorragia digestiva baixa, na identificação de massas, tumorações ou fecalomas. SINAIS E SINTOMAS DOS DISTURBIOS MAIS FREQUENTES EM APS: AGUDOS: Gastroenterites infecciosas: dor abdominal em cólica com diarreia difusa. ITU: quadros baixos causam dor suprapúbica associada com sintomas urinários irritativos, disúria, poliaciúria e urgência miccional. Quadros com acometimento renal causam febre, calafrios, dor lombar e sinal de Giordano positivo. Apendicite: alta probabilidade quando queixa de dor no quadrante inferior direito, que migrou da região periumbilical, associado com febre, sinal de psoas presente, rigidez abdominal e sinal de Blumberg presente. CRÔNICOS 1. FUNCIONAIS: Dispepsia funcional: pelo menos 12 semanas de dispepsia persistente ou recorrentesem evidências de doença orgânica, não aliviada pela defecação, e não associada com alteração na frequência de defecação ou no formato das fezes. Síndrome do intestino irritável: pelo menos 12 semanas de sintomas contínuos ou recorrentes de dor abdominal ou desconforto associado com algum dos seguintes sintomas: alívio com a defecação, mudança na frequência das defecações e alteração no formato ou no aspecto das fezes. - /Pode apresentar frequência anormal de evacuações (mais de três por dia ou menos de três por semana), formato anormal das fezes (nodulares/duras ou amolecidas/aquosas), eliminação anormal de fezes (esforço, urgência, ou uma sensação de evacuação incompleta), eliminação de muco e sensação de distensão abdominal. Quando todos os critérios estão presentes, o valor preditivo positivo pode chegar a 90%./ 2. ORGÂNICAS: Doença diverticular, diverticulite: (inflamação e infecção do divertículo colônico), ocorre tipicamente em idosos, quadro de dor no quadrante inferior esquerdo, febre e anorexia. É comum ocorrer náuseas, vômitos, diarreia ou constipação. Doenças do esôfago (DRGE/esofagite): o sintoma predominante é a dor em queimação (pirose) retroesternal, associada com disfagia, eructações e epigastralgia; piora com a ingestão de alguns alimentos e bebidas. Doenças da vesícula biliar (colecistite/colelitíase): dor no hipocôndrio direito em cólica, particularmente depois de uma refeição gordurosa. IMPORTANTE Uns dos grandes dilemas do médico da família frente aos quadros de dor abdominal crônica é: distinguir os quadros funcionais das patologias orgânicas. Sintomas relacionados ao estrese possuem forte associação com os distúrbios funcionais. Perda de peso possui forte associação com patologias orgânicas. São sinais preditores mas não são definidores de doença, portanto não se deve descartar um outro problema com esses sintomas presentes. EXAMES COMPLEMENTARES: Irá depender primeiro das hipóteses diagnósticas pensadas no exame clínico e se a pessoa será avaliada na APS ou em nível hospitalar. Médico precisa ser eficiente e custo-efetivo na solicitação e estabelecimento de um diagnóstico acurado, considerando o contexto de atuação e a disponibilidade dos métodos. Exames laboratoriais: hemograma, glicemia, ureia, creatinina, transaminases, eletrólitos, amilase, lípase, gonadotrofina coriônica humana (hCG), proteína C-reativa (PCR), velocidade de hemossedimentação (VSH), sumário de urina e exame de fezes. Dependerá da hipótese principal: • Quadros infecciosos - solicitar hemograma • Quadros com suspeita de alteração metabólica: solicitar glicemia, função renal e eletrólitos. • Dor no quadrante superior: solicitar transaminases • Suspeita de pancreatite: solicitar amilase e lipase ( a amilase é mais sensível e a lipase mais específica. ) • Sintomas urinários, sumário de urina • Mulheres em idade fértil com quadros de dor pélvica, teste gravídico. • Doença inflamatória intestinal, deve-se acrescentar provas de atividade inflamatória como PCR e VSH. • Quadros de alteração do hábito intestinal, solicitar exame parasitológico de fezes e pesquisa de sangue oculto nas fezes Exames de imagem: a anamnese e um exame físico bem realizado apontam consistentemente para o diagnóstico correto, para confirmação das patologias intra-abdominais, mas pode-se solicitar exames de imagem para casos de decisões cirúrgicas e para aumentar a acurácia diagnóstica. Radiografia de abdome Ultrassonografia abdominal e pélvica Tomografia computadorizada abdominal e pélvica com e sem contraste Endoscopia digestiva alta e colonoscopia: quadros suspeitos de patologia gastresofágica com sinais de alarme, e de patologia colônica inflamatória ou neoplásica, respectivamente. Radiografia de tórax e eletrocardiograma: estão recomendados nos pacientes com suspeita de quadros pleuropulmonares e cardiológicos. CONDUTA PROPOSTA O tratamento deve ser direcionado para a causa de base da dor abdominal. Se tratando de dor, quadros agudos e de maior intensidade, o alívio desse sintoma é importante para o conforto da pessoa. Realizar o registro em prontuário adequado, colocando as informações objetivas do exame físico úteis para a consulta posterior de seguimento. Ter uma atenção especial no atendimento a crianças, idosos e imunodeprimidos pela apresentação atípica dos casos, evitando possíveis erros diagnósticos. Reavaliar o diagnóstico no surgimento de sinais de alarme, de piora dos sintomas ou de modificação dos mesmos. Pensar em patologias orgânicas, mesmo em pessoas com diagnóstico prévio de SII, em idade maior que 45 anos, com dor que desperta, febrícula e perda de peso. QUANDO ENCAMINHAR Referenciar para serviços de urgência os indivíduos com quadros de dor abdominal aguda que necessitem de elucidação diagnóstica por exames ou que requeiram uma segunda opinião diagnóstica especializada. Referenciar para serviços de urgência os casos de dor abdominal aguda emergencial que possam requerer cirurgia (apendicite, obstrução intestinal, gravidez ectópica) ou tratamento clínico hospitalar (DIP, crise de anemia falciforme). Referenciar para especialista focal casos que necessitem elucidação diagnóstica de quadros crônicos (quando o MFC permanecer na dúvida) e tratamento específico. ( destacam-se gastrenterologistas, ginecologistas, urologistas, proctologistas e psiquiatras, de acordo com o caso em questão.) PROGNÓSTICO E MANEJO: Quadros agudos: 75% são manejados pelo MFC sem necessidade de internação. 20% ficarão com diagnóstico de dor abdominal inespecífica Dor abdominal crônica: apresenta uma taxa de encaminhamento de cerca de 9%, os demais casos manejados exclusivamente na APS. Maioria dos quadros abdominais tem sua resolutividade na própria APS. ATIVIDADES PREVENTIVAS E DE EDUCAÇÃO: Prevenção primária: prevenção das parasitoses intestinais através de orientações educativas de higiene ao indivíduo e sua família, e na comunidade com saneamento ambiental adequado; da diarreia do viajante com orientações de evitar certos alimentos e bebidas; e mesmo no reforço de realização da imunização contra o rotavírus em crianças. Prevenção secundária: única orientação baseada em evidências que se pode fazer para diagnóstico precoce e de rastreamento seletivo, a avaliação em homens entre 65 a 75 anos com história de tabagismo para pesquisa de AAA e rastreamento de câncer de colón. Prevenção terciária: uma medida importante neste caso é diminuir o risco de recidiva de sintomas em pessoas submetidas à intervenção cirúrgica, com destaque para pós-colecistectomia, através do reforço à manutenção dos cuidados alimentares. Outra questão é a orientação para prevenção de hérnias incisionais nos pós-operatórios, especialmente em pessoas com obesidade, diabetes e tabagistas. Prevenção quaternária: devem-se evitar indicações desnecessárias de exames, especialmente os que envolvem maior risco de efeitos colaterais (radiações, contrastes) e falso-positivos (identificação de achados benignos em pessoas assintomáticas); além disso, é importante discutir os riscos e benefícios de certas cirurgias, como colecistectomia em pessoas assintomáticas, e reforçar o cuidado contra o uso inapropriado de medicações ou abuso das mesmas, em especial laxantes e bloqueadores de bomba de próton. Abordagem da dor abdominal na APS:
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