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DISSERTAÇÃO ACERCA DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL APÓS A DITADURA MILITAR

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DISSERTAÇÃO ACERCA DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL APÓS A DITADURA MILITAR
Efetivada a partir de 1979, a Justiça de Transição pode ser definida como um conjunto de estratégias a serem adotadas pelos Estados que vivenciaram períodos conturbados de repressão, assim como conflitos armados que acabaram por ocasionar em diversas violações dos direitos humanos de maneira sistêmica. Possuindo como princípios ideológicos a consumação da memória, a reforma das instituições, a execução de reparações financeiras e de punições aos crimes cometidos, a Justiça de Transição brasileira buscou reconciliar, desde o seu período inicial, o país com passado sombrio que o assola, visando, assim, evitar que acontecimentos bárbaros, como os ocorridos durante a Ditadura Militar, venham a se repetir, amenizando, dessa forma, a dor de indivíduos direta ou indiretamente atingidos. Nesse contexto, nota-se que a transição brasileira se deu de maneira lenta e pouco eficaz, sendo, por muitos anos, deturpada pelos agentes do Governo. Dito isto, faz-se necessário compreender quais fatores contribuíram para esse panorama tão vergonhoso na sociedade brasileira.
Em um primeiro momento, é importante pontuar que a Lei de Anistia, bem como a Constituição Federal de 1988, foram elaboradas com a participação de indivíduos que compuseram a ala que apoiou e fortaleceu juridicamente o golpe civil militar de 1964. Nesse sentido, a lei foi desenvolvida pelos “vitoriosos” do golpe e para eles, pois tinha como principal objetivo uma autoanistia. A estratégia estava firmada na ideia de promover o perdão parcial, ocultar e sufocar a memória e produzir um silêncio acerca do que havia acontecido no período repressivo. Como consequência disso, as vítimas da ditadura não tiveram voz alguma no processo transitório, foram caladas e injustiçadas com respaldo na própria lei, em ferramentas legais e constitucionais que foram utilizadas para contemplar com um perdão incondicional os integrantes envolvidos na tortura e nos crimes políticos.
De mesmo modo, o sistema de justiça que garantia a legalidade do autoritarismo foi o mesmo que elaborou e aplicou a Constituição Federal. Tal fato demonstra, novamente, que a justiça de transição no Brasil ocorreu banhada por um corporativismo que envolveu, predominantemente, as elites políticas e o corpo militar. Isto posto, as articulações foram tantas que o próprio presidente João Figueiredo, com o respaldo do Supremo Tribunal Federal, editou um decreto impedindo o deslocamento de pessoas ao Congresso para acompanhar a votação, alegando que a presença destes aos arredores da casa legislativa era uma forma de coagir os membros votantes. Entretanto, essa coação já vinha acontecendo internamente, visto que o governo tinha um amplo controle sobre os congressistas.
Nesse sentido, o surgimento da demanda por uma Constituinte exclusiva, com a convocação de um órgão diverso do Congresso para produzir a nova Constituição, passou a se tornar um problema na medida em que a população foi aderindo a tal concepção. Diante disso, mais uma vez, as forças políticas e militares se organizaram para eliminar tal obstáculo, produzindo narrativas que afirmavam que o Congresso teria autoridade suficiente para representar o povo, conseguindo, assim, derrubar a tese da Constituinte exclusiva. Nota-se, com isso, que a estratégia foi muito bem executada, ao garantir a não interferência externa e que o processo de redemocratização não se afastasse da ordem constitucional anterior.
Nessa conjuntura, foi somente na década de 1990 e início dos anos 2000, que algumas medidas importantes foram colocadas em prática, como a criação da Lei dos Mortos e Desaparecidos em 1995, a criação da Comissão de Anistia em 2001 e a Comissão Nacional da Verdade, em 2011. Contudo, percebe-se que as atitudes tomadas no passado refletiram e refletem até os dias contemporâneos, uma vez que a justiça de transição brasileira ainda se encontra bastante atrofiada, existindo instituições e indivíduos que tentam suplantar e mascarar esse triste legado do Brasil. Nesse diapasão, no ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal negou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, que requeria a revisão na Lei de Anistia (Lei nº 6683/79), questionando sua constitucionalidade.
Nesse contexto, a OAB desejava que o Supremo acatasse seu entendimento e anulasse o perdão conferido aos representantes do Estado acusados de praticar atos de tortura durante o regime civil militar. Entretanto, o caso foi julgado improcedente pela Suprema Corte, considerando que a anistia foi bilateral, ou seja, teve caráter amplo, geral e irrestrito. Porém, sabe-se que as pessoas condenadas pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal não foram contempladas pelo benefício. Ademais, a Corte, em sua decisão, não aceitou a imprescritibilidade dos crimes cometidos na época da repressão, beneficiando principalmente, os agentes de repressão do governo que sequer foram submetidos a um processo judicial legal. Isso revela, com base na comparação feita pelo cientista político norte-americano Anthony Pereira entre os regimes da Argentina, Chile e Brasil, que o sistema judiciário brasileiro, por ter uma relação profunda com as elites políticas do período ditatorial, procurou fragilizar o processo de transição do país.
REFERÊNCIA
CÂMARA DOS DEPUTADOS. História Constitucional Brasileira: Mudança constitucional, autoritarismo e democracia no Brasil pós-1964. Biblioteca Digital - Câmara, 2012.

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