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Prévia do material em texto

ALESSANDRA YULI TERAZAKI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 UMA QUESTÃO DE GÊNERO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CANOAS, 2007 
 
 
 
 
1
 
 
 
 
 
 
 
 
ALESSANDRA YULI TERAZAKI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UMA QUESTÃO DE GÊNERO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão apresentado à banca 
examinadora do curso de Relações Internacionais do 
UNILASALLE - Centro Universitário La Salle, como 
exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel 
em Relações Internacionais, sob orientação da Prof. 
Dra. Ana Maria Colling. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CANOAS, 2007 
 
 
 
 
 
2
 
 
 
TERMO DE APROVAÇÃO 
 
 
 
 
ALESSANDRA YULI TERAZAKI 
 
 
 
 
 
UMA QUESTÃO DE GÊNERO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel 
em Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, pela seguinte 
banca examinadora: 
 
 
 
 
 
 
_________________________________________________________ 
Prof. Dr.Alfa Oumar Diallo 
UNILASALLE 
 
 
_________________________________________________________ 
Prof. Dra. Ana Maria Colling 
UNILASALLE 
 
 
_________________________________________________________ 
Prof. Maria Cristina Caminha de Castilhos França 
UNILASALLE 
 
 
 
 
 
 
Canoas, __ de Novembro de 2007. 
 
 
 
 
 
3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
A todas as mulheres que conseguiram libertar-se e para as que estão por conseguir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTO 
 
A todas as mulheres que viveram por nós. Aquelas que romperam o silêncio e 
tornaram-se protagonistas de suas próprias vidas e histórias. Que não tiveram medo de amar. 
Aos meus pais por tudo que sou e pelo amor incondicional que me faz superar a 
saudade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Há quem observa a realidade assim como é, e se pergunta por que; e há quem imagina a 
realidade como nunca foi, e se pergunta por que não.” 
 
George Bernard Shaw 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
A violência contra a mulher está fundamentada na desigualdade de poder entre os sexos, cuja 
causa está vinculada às estruturas políticas, econômicas, culturais, educacionais, religiosas. 
Afeta a vida de milhões de mulheres em todo o mundo, em todos os aspectos físicos e 
psicológicos. Ultrapassa todas as barreiras culturais e religiosas, impedindo o direito das 
mulheres à participação plena na sociedade. Ela engloba uma vasta gama de violações dos 
direitos humanos e deve ser encarada como uma questão de grave preocupação para a 
sociedade internacional. 
Palavras-chaves: gênero, violência, mulheres, relações internacionais. 
 
 
ABSTRACT 
 
Violence against women is based on the inequality of power between sexes, which cause is 
bond to political, economic, cultural, educational and religious structure. It affects the lives of 
millions of women around the world, in all physical and psychological aspects. It exceeds all 
cultural and religious barriers, impeding the right of women to participate fully in society. It 
encompasses a wide range of human rights violations and should be taken as a matter of 
serious concern to the international society. 
Keys words: gender, violence, women, international relations. 
 
 
RESUMEN 
 
La violencia contra la mujer esta fundada en la desigualdad de poder entre los sexos, cuya 
causa esta vinculada en las estructuras políticas, económicas, educacionales, religiosas. 
Afecta la vida de millones de mujeres en todo el mundo, en todos los aspectos físicos y 
psicológicos. Pasando todas las barreras culturales y religiosas, impidiendo el derecho de las 
mujeres a participar plenamente en la sociedad. Esto engloba una vasta gama de violaciones a 
los derechos humanos y debe ser encarada como una cuestión de grave preocupación por la 
sociedad internacional. 
Palabras claves: género, violencia, mujeres, relaciones internacionales. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................09 
2 RELAÇÕES DE GÊNERO ................................................................................................12 
2.1 Gênero ...............................................................................................................................13 
2.2 Sistema de pares binários – dualismo sexual .................................................................15 
2.3 A dominação masculina ...................................................................................................18 
2.4 Sistema patriarcal ............................................................................................................20 
2.5 Feminismo .........................................................................................................................21 
3 VIOLÊNCIA DE GÊNERO ...............................................................................................26 
3.1 Causas da violência ..........................................................................................................29 
3.2 Tipos de violência .............................................................................................................32 
3.2.1 Violência doméstica ........................................................................................................33 
3.2.2 Práticas tradicionais ........................................................................................................34 
3.2.2.1 Mutilação genital feminina ..........................................................................................35 
3.2.2.2 Preferência por filhos homens ......................................................................................35 
3.2.2.3 Crimes relacionados ao dote e os casamentos precoces ..............................................36 
3.2.3. Estupro ...........................................................................................................................37 
3.2.4 Assédio sexual .................................................................................................................38 
3.2.5 Prostituição e tráfico .......................................................................................................38 
3.2.6 Violência contra a mulher migrante ................................................................................40 
3.2.7 Pornografia ......................................................................................................................41 
3.2.8 Violência contra a mulher sob custódia ..........................................................................41 
3.2.9 Violência contra a mulher em situações de conflitos armados .......................................42 
3.2.10 Violência contra a mulher refugiada ou deslocada .......................................................43 
3.3 Conseqüências da violência .............................................................................................44 
4 VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO PROBLEMÁTICA INTERNACION AL ...........47 
4.1 As Organizações das Nações Unidas e as iniciativas para combater a violência de 
gênero ......................................................................................................................................49 
4.2 Normas jurídicas internacionais .....................................................................................54 
4.3 Responsabilidade do Estado ............................................................................................578
 
 
 
5 CONCLUSÃO .....................................................................................................................60 
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................62 
ANEXOS..................................................................................................................................65 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Utiliza-se o termo gênero para designar as relações entre homens e mulheres, pois 
gênero é a construção cultural e social da diferença entre os sexos. Gênero não significa o 
mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica de uma pessoa, 
gênero é um elemento das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos 
e é uma forma primária de dar significado às relações de poder. 
As relações de poder, dominação e exploração instituídas ao logo dos tempos estão 
sob a forma de princípios de divisão que classificam todas as coisas e práticas do mundo 
segundo oposições. A questão dos pares binários como entre masculino e feminino, público e 
privado, noite e dia, etc. é a hierarquização dos pares, onde sempre um é qualificado 
automaticamente desqualificando o outro. Nesta lógica a mulher tem sido colocada no lado 
inferior, negativo e dominado nesse sistema de dualismos. 
Através das práticas rituais praticadas ao longo do tempo, a dominação masculina 
incorporou-se ao coletivo, tornando-se uma construção social naturalizada, excluindo assim 
todo questionamento quanto à legitimidade e continuação desta dominação em todas as 
culturas. 
Esta subordinação internalizada tem-se perpetuado ao longo dos séculos, sendo a 
mulher sempre submetida a uma estrutura que coíbe seus desejos e direitos e a delimita ao 
que foi considerado como sua natureza feminina: sua função de fêmea, mãe, esposa, dona de 
casa, objeto, etc. Em sua vida restrita ao privado a violência é uma constante, pois esta está 
intimamente ligada com sua dominação. 
A violência contra a mulher é a arma primeira do patriarcado, ela reflete e perpetua a 
dominação masculina. Não se restringe a pobreza, ignorância, a determinados países, etc. 
senão que ocorre em todas as sociedades, em todos os âmbitos da vida. Apresenta-se em 
muitas formas, desde a violência no seio da família e comunidade até a perpetrada pelo 
 
 
 
 
10
 
 
 
Estado. Entretanto, em todas suas formas, a violência contra as mulheres acarreta inúmeras 
conseqüências às suas vítimas. 
Esta questão tem ganhado visibilidade ao logo da história, a começar com o 
surgimento das idéias de igualdade e direitos humanos até o atual florescimento dos 
movimentos internacionais de mulheres. 
As relações de gênero são um tema que atinge a todos, pois não possuem fronteiras 
geográficas, econômicas, ideológicas, religiosas e/ou raciais; estando presentes em todas as 
culturas da humanidade. Por este motivo, torna-se imprescindível que a comunidade 
internacional crie normativas para promover a igualdade entre os sexos e a eliminação da 
violência contra a mulher. 
O presente trabalho aborda inicialmente a condição de subordinação da mulher que 
está presente nas relações de gênero. A começar com a explanação do significado de gênero 
baseando-se no sistema binário de oposições, que cria assim uma dominação masculina. Esta 
dominação é internalizada pelas práticas e hábitos humanos perpetrando-se na forma do 
sistema patriarcal. 
Com o surgimento do movimento feminista, este sistema e as concepções existentes 
sobre a natureza da mulher serão contestados. A busca pela igualdade entre os sexos fez com 
que a mulher ganhasse mais espaço nas questões públicas, desta forma a violência contra a 
mulher ganha visibilidade. 
Assim, dando seqüência a este trabalho será abordada tal violência, seu conceito, suas 
causas, tipos e conseqüências. 
Por fim, considerando que a violência contra a mulher é uma questão internacional, 
faz-se fundamental conhecer o desenvolvimento da questão da mulher e da violência 
cometida contra ela nas Organizações das Nações Unidas, bem como as normas jurídicas 
internacionais pertinentes a este tema e a responsabilidade dos Estados. 
Cabe salientar que não serão abordadas as iniciativas das organizações não-
governamentais, por estas formarem um leque muito vasto de atividades. Entretanto, sua 
atuação é de fundamental importância para a comunidade internacional, pois é através destas 
organizações que muitas vezes se colocam em prática as pesquisas no campo da violência 
contra a mulher, bem como são efetivadas as recomendações internacionais e nacionais para o 
combate e eliminação desta violência. 
Ainda é preciso mencionar a existência de instrumentos regionais de proteção à 
mulher, que por tratarem de recomendações já mencionadas nos instrumentos das Nações 
 
 
 
11
 
 
 
Unidas e, por vezes, recomendações especificas, não serão citados neste trabalho. Todavia é 
interessante salientar que alguns destes instrumentos regionais trazem considerações e 
recomendações mais abrangentes que as das Nações Unidas. 
Este trabalho traz uma compilação de anexos considerados importantes documentos 
referentes à questão dos direitos humanos da mulher, assim como sobre a violência exercida 
contra esta. Estes são: Declaração da Mulher e Cidadã de Olympe de Gouges; Declaração 
Universal dos Direitos Humanos; Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a 
Mulher; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a 
Mulher; Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher; 
Declaração de Pequim; Protocolo Facultativo à CEDAW. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 RELAÇÕES DE GÊNERO 
 
As organizações humanas moldam-se através dos tempos. Nem sempre foram de 
dominação de um sexo sobre o outro do modo que vivenciamos hoje na organização patriarcal. 
Estudos antropológicos indicam que, no início da história da humanidade, as primeiras 
sociedades humanas eram coletivistas, tribais, nômades e matrilineares. Tais sociedades 
organizavam-se predominantemente em torno da figura da mãe, a partir da descendência 
feminina, uma vez que desconheciam a participação masculina na reprodução. Os papéis 
sexuais e sociais de homens e de mulheres não eram definidos de forma rígida e as relações 
sexuais não eram monogâmicas. Todos os membros envolviam-se com a coleta de frutas e de 
raízes, alimentos dos quais sobreviviam, bem como a todos cabia o cuidado das crianças do 
grupo. 
Pode-se supor que o domínio masculino remete-se ao paleolítico como resultado da 
valorização da caça como atividade fundamental. Com a descoberta da agricultura, as 
comunidades passaram a se fixar em um território. Aos homens cabia a caça, e às mulheres o 
cultivo da terra e o cuidado das crianças. 
Uma vez conhecida a participação do homem na reprodução e, mais tarde, 
estabelecida a propriedade privada, as relações passaram a ser predominantemente 
monogâmicas, a fim de garantir herança aos filhos legítimos. O corpo e a sexualidade das 
mulheres passou a ser controlado, instituindo-se então a família monogâmica, a divisão sexual 
e social do trabalho entre homens e mulheres. Instaura-se, assim, o patriarcado, uma nova 
ordem social centrada na descendência patrilinear e no controle dos homens sobre as mulheres. 
Conforme Muraro e Boff: 
Nas sociedades de caça iniciam-se as relações de força, e o masculino, que passa a 
ser gênero predominante, vem a se tornar hegemônico no período histórico – há oito 
mil anos -, quando destina a si o domínio público e a mulher, o privado. A relação 
homem/mulher passa ser de dominação e a violência,doravante, é a base das 
relações entre os grupos e entre a espécie e a natureza. Então é o principio do 
masculino que governa o mundo sozinho. (2002, p. 13). 
 
 
 
 
 
13
 
 
 
Deste modo, a mulher passa a ocupar, como regra geral, uma posição subordinada ao 
homem, dando início às relações de gênero. O conceito de gênero que em sua formulação 
tinha como princípio a diferença de sexo em uma conotação biológica, dividindo o mundo em 
feminino e masculino, a partir da década de 1960 começou a ser utilizado nas ciências sociais 
com um significado especifico para designar um conjunto de atitudes, comportamentos e 
normas que cada cultura atribui a cada um dos sexos de maneira diferenciada. Daí o sistema 
de gênero passa a ser uma construção sociocultural dos sexos, de forma binária e de exclusão, 
que põe o homem e a mulher em uma relação hierárquica e de poder, especificamente de 
dominação de gênero masculino sobre o feminino, sendo a violência arma de coerção e de 
imposição de tal dominação. 
 
2.1 Gênero 
 
Utiliza-se o termo gênero para designar as relações sociais entre os sexos. “Gênero não 
pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere à identidade biológica 
de uma pessoa, gênero está ligado à sua construção social como sujeito masculino ou 
feminino.” (LOURO, 1996, p. 9). Em sua definição conforme Scott (1995, p. 86), gênero é 
um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os 
sexos e é uma forma primária de dar significado às relações de poder em que suas 
representações são apresentadas como naturais e inequivocaveis. 
Isto implica que a condição de subordinação da mulher não está determinada pela 
natureza, pelo seu sexo, mas é resultante do jogo de poder, da dominação masculina e da 
estrutura social e política onde esta dominação já está internalizada. Nas palavras de Joan 
Scott: 
Por gênero me refiro ao discurso da diferença dos sexos. Ele não se relaciona 
simplesmente às idéias, mas também às instituições, às estruturas, as práticas 
cotidianas, como aos rituais, e tudo o que constitui as relações sociais. O discurso é 
o instrumento de entrada na ordem do mundo, mesmo não sendo anterior à 
organização social, é dela inseparável. Segue-se, então, que o gênero é a organização 
social da diferença sexual. Ele não reflete a realidade biológica primeira, mas ele 
constrói o sentido desta realidade. A diferença sexual não é causa originária da qual 
a organização social poderia derivar: ela é antes, uma estrutura social móvel que 
deve ser analisada nos seus diferentes contextos históricos. (1998, p. 15, tradução 
nossa) 
 
Deste modo, as relações entre gênero podem ser interpretadas como um fato não natural, mas 
uma relação social construída e incessantemente remodelada ao longo dos séculos. 
 
 
 
14
 
 
 
Assim, para Scott (1995, p.75) o termo gênero é uma forma de indicar as construções 
culturais sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres, sendo o gênero assim, uma 
categoria imposta sobre o corpo sexuado à qual concepção é criada pelo próprio gênero, ou 
seja, o gênero não é um determinismo a ser inscrito em corpos anatomicamente diferenciados. 
Neste sentido Butler afirma que: 
O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de 
significado num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar 
também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são 
estabelecidos. Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para a 
natureza; ele também é meio discursivo/cultural pelo qual ‘a natureza sexuada’ ou 
‘um sexo natural’ é produzido e estabelecido como ‘pré-discursivo’, anterior à 
cultura, uma superfície politicamente neutral sobre a qual age a cultura. (2003, p. 25, 
grifo do autor). 
 
É certo que se nasce homem ou mulher, biologicamente falando, mas as 
representações sociais e culturais que se constituem sobre o sexo são elementos de caráter 
ideológico que foram elaborados em um processo histórico de cada cultura e que 
configuraram as identidades de gênero. Portanto, pode-se dizer, e Simone de Beauvoir (1970) 
já o disse: “não se nasce mulher, mas torna-se mulher”. 
Classificados os gêneros (feminino e masculino), lhes são atribuídos um conjunto de 
funções, qualidades, atividades, relações sociais, formas de comportamento, etc. de maneira 
distinta, que os diferenciam entre si e que se encontram estreitamente relacionados com as 
relações de gênero. 
A conseqüência de tais representações sociais dos sexos traz o consenso de que o 
homem é a norma, partindo do pressuposto destas construções simbólicas baseadas no 
dualismo sexual que colocam os sexos como opostos que se definem um ao outro. É dado que 
o que é simbólico avança para o político e passa a ser a realidade objetivada. Assim, a 
idealização objetivada torna-se subjetiva por meio das instituições formadoras de consciência 
que fornecem o nosso modo de viver a realidade, como se esta fosse formada por uma 
unidade de sentindo inquestionável. Desta forma: 
A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas 
relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo. [...] A mulher 
determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a 
fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o 
Outro. (BEAUVOIR, 1970, p.14). 
 
À luz desta questão, Eagleton afirma: 
A mulher é o oposto, o outro do homem: ela é o não-homem, o homem a que falta 
algo, a quem é atribuído um valor sobretudo negativo em relação ao princípio 
primeiro masculino. […] A mulher não é apenas um outro ser, no sentido de alguma 
coisa fora de seu alcance, mas um outro intimamente relacionado com ele, a imagem 
 
 
 
15
 
 
 
daquilo que ele não é e, portanto, uma lembrança essencial daquilo que ele é. (1983, 
p.143). 
 
Deste modo, o conceito de gênero tem a finalidade de deslocar o foco das relações 
entre os homens e mulheres, antes concebidas no âmbito biológico e, por conseguinte tidas 
como naturais, para o âmbito social e culturalmente criado, percebendo-se assim que as 
realidades históricas são construídas, determinando o social, o cultural e as subjetividades que 
definem o que é ser homem e o que é ser mulher. 
Para Sayão (2003, p.122), passamos a ser homens ou mulheres e as construções 
culturais provenientes dessa diferença são a origem de inúmeras desigualdades e hierarquias 
que podem ser presenciadas ao longo da história humana, produzindo significados, 
representações, estruturas e meios para que se perpetuem. 
Scott nesse sentido afirma: 
Gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político foi concebido, 
legitimado e criticado. Ele se refere à oposição homem/mulher e fundamenta ao 
mesmo tempo o seu sentido. Para reivindicar o poder político, a referência tem que 
parecer segura e fixa, fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem 
natural ou divina. Desta forma, a oposição binária e o processo social das relações 
de gênero tornam-se, ambos, partes do sentido do próprio poder. (1995, p.92). 
 
Analisar as relações de gênero é um modo de se compreender a dominação masculina 
que por se repetir em quase todas as culturas ao longo da humanidade, encontra-se cristalizada 
e quase acima da questionabilidade, não fosse à resistência dos sujeitos dominados que no 
último século desdobrou-se em marchas, protestos, reivindicações e teorizações a respeito 
desta disposição, até então tida como natural das coisas. 
 
2.2 Sistema de pares binários – dualismo sexual 
 
Nossa percepção do mundo é baseada em dicotomias. Os signos são construídos 
binariamente o que nos leva sempre a pensar em uma realidade formada por pares que se opõe 
entre si. É baseado nesta conexão que a masculinidade é construída em oposição à 
feminilidade. Esta construção se reflete em diferentes comportamentossociais e reforçam as 
desigualdades de gênero. 
A oposição binária afirma, de forma categórica e sem equívoco, o sentido do 
masculino e do feminino, apresentando-os como dualidades naturalmente opostas e 
inconciliáveis. O sistema de oposições binárias é a transposição das diferenças biológicas para 
o plano da cultura estabelecendo-se oposições homólogas ancoradas em dicotomias que 
 
 
 
16
 
 
 
atribuem características positivas ao masculino/homem e negativas ao feminino/mulher, assim, 
são estabelecidos significados ao sexo e à natureza tomando-se o masculino como referência 
paradigmática e o feminino como polaridade estigmatizada. Estes conceitos normativos são 
estabelecidos e expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou 
jurídicas; são internalizados e continuamente reafirmados pelas estruturas que os formam. 
Conforme Bourdieu: 
Se esta divisão parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz algumas vezes para 
falar daquilo que é normal, natural, a ponto de ser inevitável, é porque ela está 
presente, em estado objetivado, no mundo social e também, em estado incorporado, 
nos habitus1, onde ela funciona como um princípio universal de visão e de divisão, 
como um sistema de categorias de percepção, de pensamento e de ação. (1995, p. 
137, grifo do autor). 
 
Deste modo: 
Pelo fato de estar inscrito tanto nas divisões de mundo social ou, mais precisamente, 
nas relações sociais de dominação e de exploração instituídas entre os sexos, como 
nos cérebros, sob a forma de princípios de divisão que levam a classificar todas as 
coisas do mundo e todas as práticas segundo distinções redutíveis à oposição entre o 
masculino e o feminino, o sistema mítico-ritual é continuamente confirmado e 
legitimado pelas próprias práticas que ele determina e legitima. Tendo sido 
colocadas pela taxonomia oficial, no lado do inferior, do úmido, do baixo, do curvo, 
do contínuo, as mulheres vêem atribuir todos os trabalhos domésticos, isto é, os 
trabalhos privados e escondidos e até mesmo invisíveis ou vergonhosos, como a 
criação das crianças e dos animais, e uma boa parte dos trabalhos exteriores, 
principalmente aqueles referente à água, às plantas, ao verde (como a capina e a 
jardinagem), ao leite, à madeira, e muito especialmente os mais sujos (como o 
transporte do estrume), os mais monótonos, os mais penosos e os mais humildes. 
Quanto aos homens, estando situados no lado do exterior, do oficial, do público, do 
direito, do seco, do alto, do descontínuo, eles se arrogam todos os atos ao mesmo 
tempo breves, perigosos e espetaculares que, como a matança do boi, a lavragem ou 
a colheita, sem falar do assassinato ou da guerra, marcam rupturas no curso comum 
da vida, e fazem intervir instrumentos fabricados pelo fogo. (BOURDIEU, 1995, p. 
138). 
 
Outros tipos de associações entre sexo e fenômenos naturais, como luz e sombra, 
reforçam as dualidades. Neste caso o sol está associado ao homem e a lua está associada à 
mulher. Identificando o quente com o homem e o frio com a mulher. O quente também está 
associado com a vida, a luz, o dia, a claridade e a energia. O frio, ao contrário, está associado 
com a morte, a escuridão, a noite, a sombra e a inércia. 
Assim, por mecanismos diretos ou tortuosos as diferenças genitais são associadas com 
todas estas dicotomias. O pênis, órgão sexual externo e bastante visível penetra a vagina, 
órgão sexual interno e quase invisível. Daí existir uma associação da penetração como sendo 
 
1 Surge com o sociólogo Pierre Bourdieu e é considerado como constituindo todas as experiências passadas, 
matriz de percepções, apreciações e ações. É uma percepção interacionista da sociedade. O habitus está inerente 
a cada actor social e de certa forma define-o, tal como aos seus gostos e estilo de vida, estando associado à 
pertença a uma classe social, e tendo de ser ajustado quando existe mobilidade. 
 
 
 
 
17
 
 
 
um ato ativo e o ser penetrado como passivo. Mas ativo é definido como atuante, intenso, 
vivo, ágil e enérgico. Mesmo considerando que no ato sexual existe ação de ambas as partes, 
o sexismo consiste exatamente em identificar o ativo com a ação masculina e o passivo com a 
ação feminina, uma vez que o senso comum associa a ereção do pênis com rigidez, energia, 
ação e potência, que são associadas ao ativo e não ao passivo. Assim: 
Não é o falo (ou sua ausência) que é o princípio gerador dessa visão de mundo, mas 
é essa visão do mundo que, estando organizada [...] segundo a divisão em gêneros 
relacionais, masculino e feminino, pode instituir o falo [...] em princípio da 
diferença entre os sexos (no sentido de gêneros), e basear na objetividade de uma 
diferença natural entre os corpos biológicos a diferença social entre duas essências 
hierarquizadas. (BOURDIEU, 1995, p.149) 
 
Neste sentido, ao se definir a posição superior do ato sexual como naturalmente 
masculina, outras situações sociais passam a ser identificadas ao masculino, pois o superior 
não quer dizer apenas acima, mas também elevado, grau máximo, de qualidade excelente, 
autoridade mais elevada. 
Uma forma comum de se relacionar o biológico com o social é através da identificação 
do mundo público como um território masculino e ativo e o mundo privado e doméstico como 
um território feminino e passivo. Segundo Colling: 
Ao feminino caracterizado como natureza, emoção, amor, intuição é destinado o 
espaço privado; ao masculino, cultura, política, razão, justiça, poder, o espaço 
público. O homem público sempre foi reconhecido pela sua importância, 
participando das decisões de poder. Já a mulher pública, sempre foi vista como uma 
mulher comum que pertence a todos, não célebre, não ilustre, não investida de poder. 
(2004) 
 
 O espaço público, por oposição ao privado, designa o conjunto dos direitos e 
deveres que definem a cidadania e constrói a política como o centro da decisão e do poder. As 
mulheres são excluídas do espaço público, são condenadas aos espaços privados e a uma 
censura implacável de todas as formas de expressão pública, verbal ou mesmo corporal, 
fazendo da sua entrada em um espaço dito masculino uma prova terrível. Assim, a mulher 
incorporou essa espécie de agorafobia2 socialmente imposta que pode sobreviver muito 
tempo à abolição das proibições mais visíveis, e que leva as mulheres a se excluírem a si 
mesmas da ágora3 , perpetuando assim, a concepção do espaço público ser um espaço 
exclusivamente masculino. 
 
2 Fobia a ágora, aos espaços públicos. 
3 Ágora era a praça principal na constituição cidade grega da Antigüidade clássica. Enquanto elemento de 
constituição do espaço urbano, a ágora manifesta-se como a expressão máxima da esfera pública na urbanística 
grega, sendo o espaço público por excelência. É nela que o cidadão grego convive com o outro, onde ocorrem as 
discussóes políticas e os tribunais populares: é, portanto, o espaço da cidadania. 
 
 
 
 
18
 
 
 
A luta das mulheres pela sua inclusão na categoria de cidadãos, tanto na defesa do 
sufrágio universal quanto no ataque à sua menoridade civil, que as transformavam em 
propriedade privada de seus maridos é um exemplo concreto da dicotomia entre o público e o 
privado. 
Os valores femininos são estabelecidos como os avessos dos valores masculinos, estes 
tomados como a regra e padrão. O homem é o verso e a mulher o reverso. Em vários casos, a 
mulher é definida pelo inverso do homem, como algo menos perfeito. Ser homem é não ser 
mulher, diferenciação esta que está vinculada ao dualismo sexual. 
Assim, o sistema de pares binários transforma todos os fenômenos em um dualismo 
sexuado, legitimando as desigualdades de gênero na sociedade, reforçando o poder e a 
dominação masculina e contribuindo para limitar os direitos das mulheres. Deste modo, a 
mudança dos comportamentos dosindivíduos dificilmente ocorrerá sem a alteração deste 
sistema. 
 
2.3 Dominação masculina 
 
É através do gênero que se constrói e implementa significados para às diferenças 
sexuais, por meio de um sistema de pares binários e relações hierarquizadas, bases da 
dominação masculina. O gênero “produz e é produzido, organiza e é organizado” (MEYER, 
1996, p.49), e é o meio pelo qual os seres humanos aprendem a reconhecer-se e tornar-se 
homens e mulheres. 
As representações sociais do homem e da mulher não regulam apenas as relações 
inter-pessoais entre homens e mulheres, mas também entre homens e homens e mulheres e 
mulheres. Todavia não se restringem ao âmbito inter-pessoal, pois são igualmente marcadas 
pela dominação de gênero as relações no âmbito econômico, político e religioso. Isso porque 
a objetividade da dominação já é objetivação internalizada, pois já está no habitus humano, 
traduzido em estruturas, costumes, tradições e normas, assimilados como certos, normais e 
naturais. 
Deste modo, pode-se dizer que uma vez que o significado do sexo é estabelecido pelo 
gênero, o nosso sexo define se seremos dominados ou dominadores. 
Sendo o produto da inscrição no corpo de uma relação de dominação, as estruturas 
estruturadas e estruturantes do habitus são o princípio de atos de conhecimento e de 
reconhecimento práticos da fronteira mágica que produz a diferença entre os 
dominantes e os dominados, isto é, sua identidade social, inteiramente contida nesta 
relação. Esse conhecimento através do corpo é o que leva aos dominados a construir 
 
 
 
19
 
 
 
para a sua própria dominação ao aceitar tacitamente, fora de qualquer decisão da 
consciência e de qualquer manifestação da vontade, os limites que lhes são impostos, 
ou mesmo produzir ou ao reproduzir por sua prática, limites abolidos na esfera do 
direito. (BOURDIEU, 1995, p. 146, grifo do autor). 
 
A lógica interna da dominação só funciona através da violência simbólica4, onde os 
dominados utilizam categorias do ponto de vista dos dominantes para reconhecer-se, o que faz 
com que o dominado não perceba que aquela é uma relação de forças. Assim: 
A violência simbólica impõe uma coerção que se institui por intermédio do 
reconhecimento extorquido que o dominado não pode deixar de conceder ao 
dominante na medida em que não dispõe, para o pensar e para se pensar, senão de 
instrumentos de conhecimento que tem em comum com ele e que não são senão a 
forma incorporada da relação de dominação. (BOURDIEU, 1995, p. 142). 
 
Uma vez que dominantes e dominados possuem a mesma percepção de suas relações 
de gênero, a dominação masculina é tida como condição verdadeira universal, pois seus 
conceitos formadores acham-se inscritos na subjetividade e no habitus humano. Desta forma, 
o habitus é um conceito fundamental para entender como a prática da dominação adquire um 
caráter natural, dado e quase divino, em outras palavras, é a objetividade das práticas 
subjetivas. Pois segundo Bourdieu: 
É, com efeito, através dos corpos socializados, isto é dos habitus, e das práticas 
rituais parcialmente retiradas do tempo pela estereotipagem e pela repetição 
indefinida, que o passado se perpetua na longa duração da mitologia coletiva, 
relativamente libertada das intermitências da memória individual. Assim, o princípio 
de divisão que organiza esta visão de mundo, não se revela jamais de modo tão 
evidente e tão coerente quanto no caso limite e, por isso mesmo paradigmático, de 
um universo social onde ele recebe o reforço permanente das estruturas objetivas e 
de uma expressão coletiva e pública. (1995, p. 135). 
 
Bourdieu ainda afirma que os agentes específicos, o homem e a mulher, e as 
instituições, escolas, igrejas, Estado, família, etc. são estruturadas e estruturantes no processo 
de naturalização da dominação, ou seja, estes agentes ao mesmo tempo em que têm poder de 
moldar a sociedade são por ela moldados, na medida em que não é possível estabelecer onde 
essa reprodução se inicia. Assim faz com que a dominação masculina esteja “suficientemente 
assegurada para precisar de justificação: ela pode se contentar em ser e em se dizer nas 
práticas e discursos que enunciam o ser como se fosse uma evidência, concorrendo assim para 
fazê-lo ser de acordo com o dizer.” (BOURDIEU, 1995, p. 137). 
Por fim: 
As relações de gênero têm como transversal em sua dinâmica a dominação e o poder. 
O poder necessariamente implica numa relação de dominação, no nosso caso 
 
4 Forma invisível de coação que se apóia, muitas vezes, em crenças e preconceitos coletivos. A violência 
simbólica se funda na fabricação contínua de crenças no processo de socialização, que induzem o indivíduo a se 
enxergar e a avaliar o mundo seguindo critérios e padrões do discurso dominante. 
 
 
 
 
20
 
 
 
específico, de homens sobre mulheres. Entretanto, pensar esta dinâmica como 
unilateral, ou seja, como uma barbárie masculina é incorrer no erro da vitimização. 
A mulher também é sujeito nesta relação, sujeito dominado, heterônomo, não 
autônomo, mas o é. (CHAUÍ, 1985). 
 
 
2.4 Sistema patriarcal 
 
O patriarcado surgiu da tomada de poder pelos homens, na criação da família 
monogâmica. Com o intuito de preservar seus filhos de sangue, apropriaram-se da 
sexualidade e reprodução da mulher, para ter garantia de ter filhos legítimos. A imposição de 
sua autoridade e descendência criou um simbolismo que através dos tempos perpetuou-se 
como a única estrutura possível. Pois, devido à dominação masculina naturalizada e 
incorporada ao coletivo, as estruturas sociais patriarcais vêm sendo constantemente 
legitimadas e perpetuadas ao longo dos séculos. Assim: 
Como categoria de análise, o patriarcado não pode ser entendido apenas como 
dominação binária macho-fêmea, mas como uma complexa estrutura política 
piramidal de dominação e hierarquização, estrutura estratificada por gênero, raça, 
classe, religião e outras formas de dominação de uma parte sobre a outra. Essa 
dominação plurifacetada construiu relações de gênero altamente conflitativas e 
desumanizadoras para o homem e principalmente para a mulher. (MURARO; BOFF, 
2002, p. 55). 
 
É através dos sistemas de oposições já naturalizados, onde o masculino é mais 
valorizado que o feminino, que se da a dominação masculina que perpetua o patriarcado e se 
reafirma através dele. Conforme Bourdieu (2002, p.11) é devido aos instrumentos 
estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos 
que cumprem uma função de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que 
contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra. Pois a base da dominação 
consiste na internalizarão dos significados das diferenças entre os pares binários e uma vez 
naturalizada a dominação, ela passa a estruturar todas as faces da vida humana. Desta forma 
Castells define que: 
O patriarcado é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as sociedades 
contemporâneas. Caracteriza-se pela autoridade, imposta institucionalmente. Do 
homem sobre a mulher e filhos no âmbito familiar. Para que essa autoridade possa 
ser exercida, é necessário que o patriarcalismo permeie toda a organização da 
sociedade, da produção e do consumo à política, à legislação e à cultura. Os 
relacionamentos inter-pessoais e, consequentemente, a personalidade, também são 
marcados pela dominação e violência que têm sua origem na cultura e instituições 
do patriarcalismo. (2002 , p. 169). 
 
Assim, o patriarcado já internalizado nas instituições da sociedade e sua estrutura 
naturalizada impossibilita pensar a mudança, pois cristaliza a dominação masculina, condena 
 
 
 
21
 
 
 
a mulher eternamente a ser o subordinado, o outro. “Ela não é senão o que o homem decide 
que seja”. (BEAUVOIR, 1970, p.14). Todas as mulheres são educadas desde a infância na 
crença de que o idealde seu caráter é absolutamente oposto ao homem, que não podem ter 
iniciativa e guiar-se segundo sua vontade, que sua natureza às restringe a submissão e ao 
consentimento da vontade dos demais. 
Na medida em que a família e as relações entre os sexos mudaram, o patriarcado 
também se modificou, entretanto a idéia de dominação masculina contida no patriarcado já 
cristalizada da dominação masculina perpetua-se, pois a estrutura patriarcal impossibilita 
pensar em uma mudança. Conforme Narvaz e Koller: 
O patriarcado moderno vigente alterou sua configuração, mas manteve as premissas 
do pensamento patriarcal tradicional. O pensamento patriarcal tradicional envolve as 
proposições que tomam o poder do pai na família como origem e modelo de todas as 
relações de poder e autoridade, o que parece ter vigido nas épocas da Idade Média e 
da modernidade até o século XVII. O discurso ideológico e político que anuncia o 
declínio do patriarcado, ao final do século XVII, baseia-se na idéia de que não há 
mais os direitos de um pai sobre as mulheres na sociedade civil. No entanto, uma 
vez mantido o direito natural conjugal dos homens sobre as mulheres, como se cada 
homem tivesse o direito natural de poder sobre a esposa, há um patriarcado moderno. 
(2006). 
 
A despeito das conquistas sociais e legais das mulheres, papéis e relações assentados 
em discriminações e desigualdades de gênero permanecem neste novo século, internalizados 
em nossas vidas, tidos ainda por muitos como natural. Fazendo assim que um dos objetivos 
dos movimentos feministas seja a busca por uma desconstrução das relações de gênero, o 
repensar das estruturas sociais e seus conceitos já tidos como verdades absolutas imutáveis. 
 
2.5 Feminismo 
 
No sistema patriarcal a desigualdade entre os membros da sociedade é a norma, pois 
os homens gozam de privilégios negados às mulheres. A ausência de direitos políticos e 
liberdades ainda hoje são presenciados em algumas sociedades. Mesmo nas sociedades 
democráticas, baseadas nos direitos igualitários, a igualdade de fato ainda não foi alcançada 
culturalmente, uma vez que a concepção de uma função social da mulher circunscrita ao 
doméstico, aos serviços da casa, da procriação e cuidados dos filhos e sua subordinação ao 
homem, pai, irmão ou marido ainda existe. 
No século XVIII surge a idéia de igualdade moral e política no mesmo contexto que 
surge a de contrato social e de indivíduo. A igualdade é uma das idéias núcleos da 
Modernidade. 
 
 
 
22
 
 
 
Assim, corria o século XVIII e os revolucionários e iluministas franceses começaram a 
defender as idéias de igualdade, liberdade e fraternidade. Pela primeira vez na história se 
questionavam politicamente os privilégios de berço e aparecia o princípio da igualdade. 
A 4 de julho de 1776, Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência dos 
Estados Unidos, que na realidade consiste na primeira formulação dos direitos do homem: 
vida, liberdade e busca da felicidade. Na França, a Revolução Francesa teve como objetivo 
central a constituição da igualdade jurídica, das liberdades e direitos políticos. Em pleno 
processo revolucionário, em 28 de agosto de 1789, proclama-se a Declaração dos Direitos do 
Homem: reconhecimento da propriedade como inviolável e sagrada; direito de resistência a 
opressão; segurança e igualdade jurídica e liberdade pessoal garantida. Entretanto, todas as 
liberdades e todos os direitos políticos, sociais, econômicos, somente correspondiam aos 
homens. 
Varcárcel afirma que “o feminismo é um filho não desejado do iluminismo” (2001, p. 
8). Uma vez que: 
O nascimento do feminismo foi inevitável porque houvesse sido um milagre que 
ante o desenvolvimento das novas garantias políticas – todos os cidadãos nascem 
livres e iguais perante a lei - e o começo da incipiente democracia, as mulheres não 
se houvessem perguntado por que elas eram excluídas da cidadania e de tudo o que 
esta significava, desde o direito a receber educação até o direito à propriedade. 
(VARELA, 2005, p. 29). 
 
 Deste modo, conceitua-se feminismo como: 
Um movimento social e político que se inicia formalmente no final do século XVIII 
e que supõe a tomada de consciência das mulheres como grupo ou coletivo humano, 
da opressão, dominação, e exploração de que têm sido e são objeto por parte do 
coletivo de homens no seio do patriarcado sob suas distintas fases históricas de 
modelo de produção, a qual as mobiliza a liberação de seu sexo com todas as 
transformações da sociedade que a isto requer (SAU, 2000, p. 121). 
 
O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o 
indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos 
hierarquizados, e onde as qualidades femininas e masculinas sejam atributos do ser 
humano em sua globalização. [...] Que as diferenças entre os sexos não se traduzam 
em relações de poder que permeiam a vida de homens e mulheres em todas as suas 
dimensões: no trabalho, na participação política, na esfera familiar, etc. (ALVES; 
PITANGUY, 1991, p. 09-10). 
 
 Assim, para Varela (2005, p. 14), o feminismo é um discurso político que se baseia na 
justiça, onde as mulheres, depois de analisar a realidade em que vivem, tomam consciência 
das discriminações que sofrem pela única razão de serem mulheres e decidem organizar-se 
para acabar com elas, para mudar a sociedade. 
 
 
 
23
 
 
 
Uma vez que todas as identidades e diferenças sociais foram historicamente 
construídas a partir da existência de relações sociais determinadas, a identidade das mulheres 
foi determinada pelas relações de dominação patriarcais. 
A ideologia patriarcal está tão firmemente internalizada, que seus modos de 
socialização são tão perfeitos que a forte coação estrutural em que se desenvolve a vida das 
mulheres apresenta-se para grande parte delas a imagem do comportamento livremente 
desejado e elegido. Estas razões explicam a crucial importância da desconstrução delas 
mesmas em um sistema baseado em sua inferioridade e subordinação aos homens. A teoria 
feminista tem como objetivo conceituar adequadamente como conflituosos e produto de 
relações de poder determinadas, fatos e relações que se consideram normais ou naturais, em 
todo caso, imutáveis. 
Os dois últimos séculos presenciaram-se numerosas batalhas políticas para conquistar 
a igualdade entre os sexos. Desde os primeiros movimentos de mulheres pós-revoluções 
iluministas até as mais recentes lutas, passando pelo sufragismo, as mulheres reclamaram 
tenaz e persistentemente os mesmos direitos que possuíam os homens. A aparição do 
movimento feminista significou a desconstrução da impugnação da identidade feminina como 
construção social patriarcal e o começo da formação de um conceito de identidade a serviço 
da emancipação. 
É a partir das grandes revoluções que o feminismo incorpora seu cunho reivindicatório 
e ganha força de expressão. Buscando ampliar as idéias liberais as feministas defendiam que 
os direitos conquistados pelas revoluções deveriam ser iguais para ambos os sexos. Segundo 
Olympe de Gouges5 em Os Direitos da Mulher e da Cidadã 6 
A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos que o homem. [...] Esses direitos são 
a liberdade, a propriedade, a seguranca e sobretudo a resistência à opressão. [...] O 
exercício dos direitos naturais da mulher só encontra seus limites na tirania que o 
homem exerce sobre ela; essas limitações devem ser reformadas pelas leis da 
natureza e da razão. (1791). 
 
Como resultado da participação das mulheres na Revolução Francesa, registra-se, por 
exemplo, a instauração do casamento civil e a legislação do divórcio. Entretanto, as idéias 
segundo a condição da mulher não sofreram alteração, sua natureza continua sendo julgada 
 
5 Olympe de Gouges, pseudônimo de Marie Gouze (Montauban, 7 de maio de 1748 — Paris, 3 de novembro de 
1793) foi umafeminista, revolucionária, jornalista, escritora e autora de peças de teatro francesa. Devido aos 
escritos e atitudes pioneiras, foi acusada como contrarevolucionária e guilhotinada na praça da Revolução em 
Paris. 
6 Documento proposto à Assembléia Nacional da França em 1791, durante a Revolução Francesa, com o intuito 
de igualar-se a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão aprovada pela Assembléia Nacional. 
 
 
 
24
 
 
 
como subordinada ao homem. Isso revela-se nas palavras de Rousseau, um dos principais 
ideólogos do Iluminismo e suas revoluções subseqüentes: 
Toda a educação das mulheres deve ser relacionada ao homem. Agradá-los, ser-lhes 
útil, fazer-se amada e honrada por eles, educá-los quando jovens, cuidá-los quando 
adultos, aconselhá-los, consolá-los, tornár-lhes a vida útil e agradável – são esses os 
deveres das mulheres em todos os tempos e o que lhes deve ser ensinado desde a 
infância. (ROUSSEAU apud ALVES; PITANGUY, 1991, p. 35). 
 
No século XIX, no contexto da Revolução Industrial, o número de mulheres 
empregadas aumenta significativamente. Sem com isso diminuir a diferença salarial entre os 
sexos, que tinha como justificativa o pressuposto de que as mulheres teriam quem as 
sustentasse. Nesse período a análise socialista ganha forma. No contexto desta visão, a 
situação da mulher aparece como parte das relações de exploração na sociedade de classes. 
Assim, o movimento feminista se fortifica como um aliado do movimento operário. Como 
movimento organizado, data da primeira convenção dos direitos da mulher em Seneca Falls7, 
Nova Iorque em 1848. 
Nas décadas de 1930 e 1940, as reivindicações do movimento haviam sido 
formalmente conquistadas na maior parte dos países ocidentais (direito ao voto e 
escolarização e acesso ao mercado de trabalho). A possibilidade da mulher trabalhar ganhou 
força principalmente no contexto das duas grandes guerras, com grande parte dos homens 
envolvidos com a guerra as mulheres ocuparam os postos de trabalho vagos. Ao fim de ambas 
as guerras surgiram campanhas para desvalorizar o trabalho feminino, mostrando que os 
avanços conseguidos estavam ainda restritos ao âmbito legislativo. 
Conforme Alves e Pitanguy (1991, p. 48) uma vez atingido o objetivo do sufragismo, 
o direito ao voto, acreditava-se que o feminismo estava fadado a desaparecer, entretanto, o 
questionamento da descriminação feminina prossegue, incorporando outros aspectos que 
configuram a condição social da mulher. 
Na década de 1960, o movimento, influenciado por publicações como O Segundo 
Sexo8 de Simone de Beauvoir9, passa a defender que a hierarquia entre os sexos não é uma 
 
7A Declaração de Sêneca Falls ocorreu de 19 a 20 de julho de 1848 na localidade de Sêneca Falls, no estado de 
Nova Iorque, sendo a primeira convenção sobre os Direitos da Mulher nos Estados Unidos. Resultou desse 
encontro, pois, a publicação da famosa Declaração de Sêneca Falls ou a Declaração de sentimentos, como elas a 
chamaram, que foi um documento baseado na Declaração de Independência dos Estados Unidos e no qual foram 
denunciadas as restrições, sobretudo no campo da política, às quais estavam submetidas as mulheres: Não poder 
votar, não comparecer a eleições, não poder ocupar cargos públicos, não poder afiliar-se a quaisquer 
organizações políticas ou prestar quaisquer assistência em reuniões políticas. 
 
 
 
 
 
 
25
 
 
 
fatalidade biológica e sim uma construção social. Assim, além da luta pela igualdade de 
direitos, incorpora o questionamento das raízes culturais das desigualdades. 
Desta forma, o feminismo afirma que os limites e insuficiências da cidadania feminina 
estão estreitamente vinculados a sua própria gênesis. O fato de que o cidadão, na constituição 
da democracia moderna, fosse homem, marcou poderosamente a noção de cidadania. Assim 
são numerosos os limites, e muitas vezes invisíveis, que restringem esse direito político para 
as mulheres, não somente o gênero, também as classes sociais, a sexualidade, as etnias e as 
culturas. 
A teoria feminista indaga as fontes religiosas, filosóficas, cientificas, históricas, 
antropológicas para desarticular as falsidades, preconceitos e contradições que legitimam a 
dominação sexual. Pode-se dizer que “o feminismo questiona à ordem estabelecida. E a 
ordem estabelecida está muito bem estabelecida para quem a estabeleceu, isto é, para quem se 
beneficia dela.” (VARELA, 2005, p. 13). 
A medida que a sociedade aceita os princípios feministas, o que antes parecia absurdo 
se torna convencional e inquestionável. O feminismo é assim “uma teoria da justiça que está 
mudando o mundo e trabalha dia a dia para conseguir que os seres humanos sejam o que 
querem ser e que vivam como querem viver, sem um destino marcado pelo sexo com que 
nasceram.” (VARELA, 2005, p. 20). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 O Segundo Sexo (francês: Le Deuxième Sexe, 1949) é uma das mais conhecidas obras da francesa Simone de 
Beauvoir. Beauvoir escreveu o livro após a tentativa de escrever sobre si mesma. A primeira coisa que ela 
escreveu era que ela era uma mulher, mas ela percebeu que era necessário definir o que era uma mulher, que se 
tornou a intenção do livro. Trata - se de um trabalho sobre o tratamento das mulheres ao longo da história e 
muitas vezes considerado como um importante trabalho feminista. Nele ela argumenta que as mulheres ao longo 
da história têm sido definidas como o "outro" sexo, uma aberração do "normal" sexo masculino. 
9 Simone de Beauvoir (9 de janeiro de 1908 - 14 de abril de 1986) foi uma filósofa e escritora francesa. Escreveu 
romances, monografias sobre filosofia, política e questões sociais, ensaios, biografias, e uma autobiografia. Mais 
conhecida por seu livro O Segundo Sexo, uma análise detalhada da opressão da mulher e um marco fundacional 
do feminismo contemporâneo. 
 
 
 
 
26
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 VIOLÊNCIA DE GÊNERO 
 
A predisposição inata do homem à violência é facilmente explicável pela necessidade 
dessa característica durante a evolução da nossa espécie. Somos todos descendentes de 
indivíduos que souberam caçar efetivamente, que venceram a competição sexual, que 
sobreviveram a guerras tribais e a todos os aspectos da violência. Considera-se que a violência 
é um artifício efetivo da humanidade. 
De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de contenda. 
Primeira, competição; segunda, difidência; terceira, glória. A primeira leva os 
homens a invadir pelo ganho; a segunda, pela insegurança; a terceira, pela reputação. 
Os primeiros usam da violência para assenhorar-se da pessoa, da esposa, dos filhos e 
do gado de outros homens; os segundos, para defendê-los; os terceiros, por bagatelas, 
como uma palavra, um sorriso, uma opinião diferente e qualquer outro sinal de 
menosprezo, seja direto em suas pessoas ou, por reflexo, em seus parentes, amigos, 
nação, profissão ou nome. (HOBBES, 2007) 
 
 Domenach (1981) chama a atenção para o fato de a violência só recentemente ter se 
tornado um problema central para a humanidade, apesar de presente em toda a história. 
Conforme este autor, tornar certas práticas sociais uma questão de violência, associa-se à 
própria modernidade com seus valores de liberdade e felicidade, consolidados na criação da 
cidadania e dos direitos humanos para todos. A partir deste momento, ações que eram 
percebidas como inevitáveis na ordem do mundo e mesmo desejáveis são combatidas. Assim, 
criação humana, a violência, como as demais práticas sociais, pode e deve ser controlada, 
senão erradicada. 
 Já a “violência contra a mulher” foi expressão cunhada pelo movimento feminista há 
pouco mais de vinte anos. A expressão refere-se a situações tão diversas como violênciafísica, 
sexual e psicológica, o estupro, o abuso sexual de meninas, o assédio sexual no local de 
trabalho, a violência étnica e racial, a violência cometida pelo Estado, por ação ou omissão, a 
mutilação genital feminina, a violência e os assassinatos ligados ao dote, o estupro em massa 
nas guerras e conflitos armados. 
 
 
 
 
27
 
 
 
 A violência contra a mulher diz respeito ao sofrimento e agressões dirigidos 
especificamente às mulheres pelo fato de serem mulheres. E também quer significar a 
diferença de estatuto social da condição feminina, diferença esta que cria as situações de 
violência experimentadas pelas mulheres. 
As raízes da violência baseada no gênero encontram-se nos difusos sistemas de 
desigualdade que perpetuam a dominação dos homens e a subordinação das mulheres. 
Conforme reconhecida pela Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência 
contra a Mulher10: 
Violência contra a mulher se entende todo ato de violência baseado no fato da 
pessoa pertencer ao sexo feminino, que tenha ou possa ter como resultado um dano 
ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, inclusive as ameaças, a 
coerção ou privação arbitrária da liberdade, tanto as que se reproduzem na vida 
pública ou privada. (DA GUERRA, 1997, p. 117). 
 
A violência contra as mulheres é uma manifestação do poder, historicamente desigual, 
das relações entre homens e mulheres, e é um dos mecanismos sociais fundamentais pelos 
quais as mulheres são forçadas a uma posição subordinada em relação ao homem. 
A violência é a arma por excelência do patriarcado. Nem a religião, nem a educação, 
nem as leis, nem os costumes, nem nenhum outro mecanismo havia conseguido a 
submissão histórica das mulheres se tudo isso não houvesse sido reforçado com a 
violência. A violência exercida contra as mulheres pelo fato de o serem é uma 
violência instrumental, que tem por objetivo seu controle. Não é uma violência 
passional, nem sentimental, nem genética, nem natural. A violência de gênero é a 
máxima expressão do poder que os homens têm ou pretendem manter sobre as 
mulheres. (VARELA, 2005, p. 251). 
 
A subordinação da mulher, colocada como ser inferior, segundo a teoria dos dualismos 
hierarquizados é a raiz da violência de gênero. Na medida em que se buscam desconstruir os 
papéis estabelecidos, encontrando resistência dos que querem manter o “statu quo” 11, “a 
violência de gênero não é mais do que o resultado das relações de dominação masculina e de 
subordinação feminina, em que o homem pretende evitar que a mulher lhe escape, pois não 
deseja separar-se da mulher, mantendo-a sujeita a uma submissão sem escapatória”. 
(CASIQUE; FUREGATO, 2006). Pode-se concluir que a violência de gênero concentra-se em 
ações que transcendem o nível social refletindo, sem dúvida, a dominação de um grupo e a 
subordinação do outro. 
 
10 Aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993, a Declaração sobre a Eliminação da Violência 
contra as Mulheres é o primeiro instrumento internacional de direitos humanos que explicitamente 
exclusivamente trata a questão da violência contra as mulheres. Ele afirma que o fenômeno viola, afeta ou 
impede a mulher de exercer os seus direitos humanos e liberdades fundamentais. 
11 O conceito de "statu quo" origina-se do termo diplomático "statu quo ante bellum", que significa "estado 
actual antes da guerra". Emprega-se esta expressão, geralmente, para definir o estado atual das coisas ou 
situações. 
 
 
 
28
 
 
 
O patriarcado está formado por uma série de características que definem a dicotomia 
de inferioridade e superioridade entre os sexos. A crença de “ter direito” a utilizar a violência 
contra as mulheres é uma característica patriarcal com uma larga história onde o fato do 
direito à violência foi considerado legítimo por parte dos homens, especialmente para os que 
tiveram papel de maridos ou pais. 
 A lógica patriarcal gerou uma grande quantidade de mitos que dão legitimidade a 
violência contra a mulher, desde a violência cultural ou simbólica até a violência física que 
leva a morte da mulher. Assim, por internalizarem a dominação masculina e o patriarcado, 
muitas mulheres vítimas da violência assumem a responsabilidade desta, culpando-se e 
consideram-se as responsáveis por sofrerem tais atos, por não terem sido capazes de evitá-los 
ou sair da situação que os originou. 
A violência é um mecanismo de controle, vingança e poder. Não se restringe a pobreza, 
ignorância, países subdesenvolvidos, etc. senão que se dá em todos os âmbitos sociais, 
educativos e em todos os países já que sua base sustenta-se no patriarcado. A violência contra 
a mulher está fundamentada na desigualdade de poder entre os sexos, cuja causa está 
vinculada às estruturas políticas, econômicas, culturais, educacionais, religiosas etc. Afeta a 
vida de milhões de mulheres em todo o mundo, em todos os aspectos físicos e psicológicos. 
Ela ultrapassa todas as barreiras culturais e religiosas, impedindo o direito das mulheres à 
participação plena na sociedade. 
 Na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres12, realizada em Pequim em 
Setembro de 1995, o “Secretário - Geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali, disse que 
“a violência contra as mulheres é um problema que continua a crescer e tem de ser 
universalmente condenado.” (ONU13, 1996). 
 Na Plataforma de Ação de Pequim14, Governos declararam que a violência contra as 
mulheres representa uma violação dos direitos humanos fundamentais e é um obstáculo à 
realização dos objetivos de igualdade, desenvolvimento e paz. 
 
12 A Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher (FWCW/QCMM ou Conferência de 
Pequim), realizada em Pequim, China, de 4 a 15 de setembro de 1995, foi a maior e a mais influente de todas as 
conferências mundiais sobre a mulher. Cerca de 180 delegações governamentais e 2.500 organizações não-
governamentais reuniram-se para discutir uma ampla série de questões relacionadas com a mulher. Em Pequim, 
pela primeira vez na história declarou-se que os direitos da mulher são direitos humanos. 
13 ONU, abreviação para Organizações das Nações Unidas. 
14 O Plano de Ação que resultou ao final da Convenção de Pequim afirma os direitos básicos das mulheres de 
todo o mundo a controlar sua própria sexualidade e o processo reprodutivo, e considera delitivos a mutilação 
genital e os maus tratos infligidos às mulheres no âmbito público ou privado. 
 
 
 
29
 
 
 
 A questão da promoção dos direitos das mulheres tem preocupado as Nações Unidas 
desde a fundação da Organização. No entanto, as alarmantes dimensões globais da violência 
feminina não foram expressamente reconhecidas pela comunidade internacional até dezembro 
de 1993, quando a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre a 
Eliminação da Violência contra as Mulheres. Até então, a maioria dos governos tendiam a 
considerar que a violência contra as mulheres em grande parte como um assunto privado entre 
indivíduos, e não como uma questão de direitos humanos que exigem a intervenção do Estado. 
 
3.1 Causas da violência contra a mulher 
 
A violência entre os seres humanos foi um dos principais fatores para a violação dos 
direitos humanos no século XX. A guerra, a repressão e a insensibilização da vida pública e 
privada eliminaram toda a possibilidade de dar um caráter universal ao desfrute dos direitos 
humanos. Em particular, a violência de que as mulheres são vítimas, as impediu como grupo 
desfrutar plenamente de seus direitos humanos. 
Como se afirma no preâmbulo da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a 
Mulher da ONU (DA GUERRA, 1997, p. 116), este fenômeno constitui uma manifestação de 
relações de poder historicamente desiguais entre o homem e a mulher. A violência forma 
parte de um processohistórico que não é natural e nem nasce do determinismo biológico. O 
sistema de domínio masculino tem raízes históricas e suas funções e manifestações variam 
com o tempo. Conseqüentemente, a opressão da mulher é uma questão política e é necessário 
analisar as instituições do Estado e a sociedade, o condicionamento e a socialização dos 
indivíduos e o caráter de exploração econômica e social. O uso da força contra a mulher é 
somente um dos aspectos deste fenômeno, que a submete pela intimidação e medo. 
 Segundo conclusões do Relatório Especial da ONU15 (1994), a mulher é vítima de 
algumas formas universais de abuso, como o estupro e a violência do lar. Como também de 
algumas formas culturais específicas de determinados países e regiões. Deste modo, toda 
tentativa de universalizar a violência contra a mulher servirá somente para esconder outras 
 
15 Em vista do alarmante crescimento no número de casos de violência contra as mulheres em todo o mundo, a 
Comissão de Direitos Humanos aprovou resolução 1994/45, de 4 de Março de 1994, na qual se decidiu nomear 
um Relatório Especial sobre a violência contra as mulheres, incluindo a sua causas e conseqüências. O Relatório 
Especial tem um mandato para recolher e analisar dados completos e de recomendar medidas destinadas a 
eliminar a violência ao nível internacional, nacional e regional. 
 
 
 
 
 
30
 
 
 
formas de opressão, como as baseadas na raça, classe, nacionalidade. Entretanto, algumas 
modalidades de domínio patriarcal são universais, ainda que dito domínio adote diferentes 
formas. 
 As raízes da subordinação feminina encontram-se nas relações de poder históricas no 
seio da sociedade e nas estruturas do Estado e da sociedade civil. O Estado tem por princípio 
a responsabilidade não somente de abster-se de alentar todo ato de violência contra a mulher 
senão também de intervir ativamente para impedir tais atos. A passividade do Estado neste 
tipo de situação é um dos fatos mais importantes que fazem possível sua continuidade. 
 Entre as relações de poder históricas responsáveis pela violência cabe mencionar as 
forças econômicas e sociais que exploram a mão-de-obra e o corpo feminino. As mulheres em 
situação de desvantagem econômica estão mais expostas às difamações, ao abuso sexual e a 
escravidão sexual. Também são vítimas da servidão e do trabalho mal remunerado em muitas 
partes do mundo. 
Quando se nega à mulher poder e independência econômica se gera uma das causas 
mais importantes da violência porque se prolonga sua vulnerabilidade e dependência. A 
menos que as relações econômicas da sociedade sejam mais eqüitativas para a mulher, seguirá 
existindo o problema da violência de que ela é vítima. 
 A instituição da família também é cenário em que com freqüência se observam relações 
históricas de poder. Por uma parte, a família pode ser fonte de valores positivos e afeto porque 
as pessoas estão unidas pelo respeito e o amor mútuo. Por outra, pode ser uma instituição 
social em que se explora o trabalho feminino, o poder sexual masculino se expressa com 
violência e gera um tipo de relação que nega o poder à mulher. Por conseguinte, ainda que a 
família seja fonte de valores humanos positivos, em alguns casos é um lugar onde se exerce a 
violência contra a mulher e se produz um processo de socialização que pode acabar 
justificando a violência. 
 De especial importância para o problema da violência contra a mulher no contexto 
histórico é a questão doa avanços na reprodução. Esta tecnologia deu a mulher mais liberdade 
e maiores opções a respeito da importante função da maternidade, mas também, por outro 
lado, a tecnologia na área da reprodução permite saber de antemão o sexo da criança, 
propiciando a prática de abortos seletivos. 
 O Relatório Especial (ONU, 1994) também reconhece que no contexto das relações 
históricas de poder entre homens e mulheres, as mulheres também devem enfrentar o 
problema de que os homens dominam os sistemas de conhecimento do mundo. O homem é 
 
 
 
31
 
 
 
quem domina os princípios que regem a ciência, a cultura, a religião, a linguagem e excluiu a 
mulher após criar sistemas simbólicos ou interpretar experiências históricas baseadas na sua 
dominação. Por falta de influência sobre os sistemas de conhecimento, a mulher, não só é 
vítima da violência, senão também é parte de um ciclo que freqüentemente à legitima. A 
capacidade de minimizar a experiência contra a violência da mulher impede que o Estado ou a 
sociedade civil adotem medidas corretivas. 
Além das relações históricas de poder, a questão da sexualidade feminina é outra causa 
da violência contra a mulher, utiliza-se a violência geralmente como instrumento para regular 
sua conduta sexual e por essa razão, não é raro que essa violência se expresse sexualmente. A 
violação, a difamação, o abuso sexual, a mutilação genital feminina são todas formas de 
violência que representam uma agressão à sexualidade feminina. 
A regulação da conduta sexual feminina tem por fim assegurar a castidade da mulher, 
para que somente tenha filhos de seu conjugue, e evitar alem disso que os bens sejam 
herdados por quem não pertença à mesma linha de parentesco. Esse desejo de garantir a 
castidade pode adotar distintas formas, das quais a mutilação genital feminina é a 
manifestação mais extrema, pois esta forma de violência contra a mulher reduz sua expressão 
sexual para que siga sendo casta e fiel ao esposo. Em muitas tradições, os conceitos sobre a 
honra vinculam-se com a sexualidade feminina, assim, a violência contra a mulher se justifica 
freqüentemente pelo argumento de que sua conduta sexual atentou contra a honra. 
 Sendo a sexualidade feminina, freqüentemente, a causa da violência contra a mulher, é 
importante que a sociedade “proteja” a suas mulheres da violência “dos outros”. Esta proteção 
com freqüência acarreta restrições para a mulher, seja em forma de código social sobre sua 
conduta ou indumentária ou sua liberdade de circulação. Também implica que a mulher que 
respeita estas normas esteja protegida, enquanto que a que defende a igualdade e a 
independência está mais exposta à violência. A mulher que questiona estes códigos é com 
freqüência alvo da violência masculina. 
No Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), afirma-se que o medo à violência e a 
agressão sexual masculina segue sendo o aspecto mais importante da vida da mulher em todas 
as sociedades. Considera-se que as atitudes com respeito à sexualidade feminina são os 
principais fatores responsáveis de violência contra a mulher. Estas atitudes não somente 
condicionam a conduta de homens e mulheres na sociedade, senão que terminam justificando 
a violência. Temas como a reivindicação da honra, os conceitos de vingança familiar e a 
necessidade de “proteger” mulheres “decentes” ao tempo que se castiga às outras, são alguns 
 
 
 
32
 
 
 
dos fatores que condicionaram as atitudes masculinas com respeito à sexualidade feminina e o 
uso da violência contra a mulher. 
Aparte da história e da sexualidade, a existência de ideologias que justificam a posição 
subordinada da mulher é outra causa da violência da qual ela é objeto. Em muitas ideologias 
tradicionalmente, autoriza-se o uso da violência contra a mulher. Estas ideologias baseiam 
seus argumentos em uma interpretação especial da identidade sexual. A interpretação da 
masculinidade exige a capacidade de exercer poder sobre terceiros, especialmente mediante o 
uso da força, a masculinidade dá ao homem o poder de dirigir as vidas de quem o rodeia, em 
especial as mulheres. A interpretação da feminilidade nessas ideologias impõe a mulher uma 
atitude passiva e submissa que deve aceitar a violência como parte de sua condição de mulher. 
 Conforme o artigo 4 da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher 
(DA GUERRA, 1997, p. 118)“os Estados devem condenar a violência contra a mulher e não 
invocar nenhum costume, tradição ou consideração religiosa para evitar sua obrigação de 
procurar eliminar-la.” Lamentavelmente, a experiência internacional sinala uma realidade 
diferente. Freqüentemente invocam-se os costumes, a tradição e a religião para justificar o uso 
da violência. 
 Algumas práticas tradicionais e aspectos da tradição são freqüentemente causa dessa 
violência. Uma adesão cega a estas práticas e a passividade do Estado com respeito a estes 
costumes e tradições há possibilitado uma violência contra a mulher em grande escala. Apesar 
de que os Estados estão promulgando novas leis e disposições, a esfera dos direitos das 
mulheres demora em aceitar a mudança, pois, por mais que as leis sejam fundamentais para a 
punição da violência, esta não é apenas uma questão jurídica, trata-se de um problema amplo 
que envolve todas as esferas da vida humana, culturais, educacionais, econômicas, políticas, 
etc. 
 
3.2 Tipos de violência contra as mulheres 
 
A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres é o primeiro 
instrumento internacional de direitos humanos que explicitamente e exclusivamente trata a 
questão da violência contra as mulheres. 
 A definição de violência de gênero é ampliada no artigo 2 da Declaração (DA 
GUERRA, 1997, p. 117-8), que identifica três domínios em que a violência normalmente 
ocorre: 
 
 
 
33
 
 
 
1) Violência física, sexual e psicológica que ocorre dentro da família, incluindo os 
ataques; abuso sexual de crianças do sexo feminino no lar; violência relacionada ao 
dote da mulher; estupro conjugal; mutilação genital feminina e outras práticas 
tradicionais nocivas para as mulheres; violência extraconjugal; e violência relacionada 
com a exploração; 
2) Violência física, sexual e psicológica que ocorre dentro da comunidade geral, 
incluindo estupro; abuso sexual; intimidação e assédio sexual no local de trabalho, nas 
instituições educativas e em outras partes; tráfico de mulheres; e prostituição forçada; 
3) Violência perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra. 
 
3.2.1 A violência doméstica 
 
Para muitas mulheres e crianças, o lar é uma local de violência. A violência doméstica 
constitui a forma mais comum de violência contra as mulheres em todo o mundo, sem 
exceção de região. Outras formas de violência na família incluem o abuso sexual de mulheres 
e crianças, violência relacionada ao dote das noivas, violência física e sexual que comumente 
são acompanhadas de abuso emocional, humilhação, intimidação e controle sobre a vítima. 
Segundo Vlachovd e Biason (2005) entre 16 a 41% das mulheres foram agredidas 
fisicamente por um parceiro masculino em uma relação intima, de acordo com estudos 
realizados entre 1986-1997, no Camboja, Índia, Correia, Tailândia, Egito, Israel, Quênia, 
Canadá, Nova Zelândia, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Uganda. E 40 a 70% das 
mulheres vítimas de assassinato são mortas pelos maridos ou namorados, frequentemente no 
contexto de uma relação abusiva. 
 A violência contra as mulheres no seio da família ocorre em países desenvolvidos e 
em desenvolvimento também. Ela tem sido há muito tempo considerada um assunto privado 
por observadores, incluindo vizinhos, a comunidade e o governo. Mas esses assuntos privados 
têm uma tendência de se tornar tragédias públicas. 
Os ordenamentos jurídicos tradicionais sancionavam a violência na família ao 
reconhecer ao marido o “direito ao castigo”. Este direito era reconhecido pelos tribunais de 
muitos países, além de, muitos ordenamentos jurídicos permitirem que os homens 
recorressem à força para exigir o cumprimento dos “deveres conjugais”. Portanto, nos 
ordenamentos jurídicos fazia-se a omissão dos casos das mulheres maltratadas a menos que 
 
 
 
34
 
 
 
existisse lesão grave ou escândalo público. Em alguns países a defesa da “honra” permitia a 
fácil absolvição dos homens que matavam suas esposas. 
De acordo com o Relatório Especial da ONU (ONU, 1994), muitos governos já 
reconhecem a importância de proteger as vítimas de abuso doméstico e tomar medidas para 
punir os culpados. A criação de estruturas que permitam funcionários para lidar com casos de 
violência doméstica e suas conseqüências é um passo significativo no sentido da eliminação 
da violência contra as mulheres no seio da família. 
O Relatório (op. cit.) ainda sublinha a importância da adoção de legislação que prevê a 
punição do agressor. Sublinha também a importância de um treinamento especializado de 
autoridades policiais, bem como médicos e profissionais forenses, e a instauração de uma 
comunidade de serviços de apoio às vítimas, inclusive o acesso à informação e abrigos. 
 
 3.2.2 Práticas tradicionais 
 
Em muitos países, as mulheres são vítimas de práticas tradicionais que violam os seus 
direitos humanos. A persistência do problema tem muito a ver com o fato de a maioria destes 
costumes estarem profundamente enraizados na tradição e na cultura da sociedade. 
Segundo o Relatório Especial (op. cit.), o delicado de por em foco o julgamento da 
existência destas práticas, profundamente enraizadas na tradição, na cultura e nas 
desigualdades de poder das sociedades, é que frequentemente elas servem de ritos de 
iniciação para a integração e a aceitação das jovens em uma comunidade, assim como a falta 
de informação e educação em muitas regiões em que existem estas praticas, são todos fatores 
que contribuem para a sua perpetuação. 
Vários países ainda se praticam crimes para “limpar a honra”. Segundo Vlachovd e 
Biason (2005), na Índia e Paquistão, milhares de mulheres são mortas porque seu dote é 
considerado insuficiente pela família do noivo; em um estudo no Egito, 47% das mulheres 
foram assassinadas por um parente após terem sido vítimas de um estupro por terceiros; os 
ataques são, na maioria das vezes, realizados com fogo ou ácido, se deixam a mulher viva, ela 
fica desfigurada ou cega. 
Estes crimes não são punidos, nem sequer julgados, uma vez que não são entendidos 
pelas autoridades locais como um crime e sim como o direito do homem de ter sua honra 
limpa e restaurada. 
 
 
 
 
35
 
 
 
 3.2.2.1 Mutilação genital feminina 
 
A mutilação feminina não está restrita a uma religião ou classe social. Sua prática está 
ligada à restrição da sexualidade feminina e ritos de passagem da puberdade e casamento. Em 
algumas comunidades, meninas que não foram submetidas à mutilação são consideradas 
impuras ou incapazes de casar. 
Segundo o Relatório Especial (ONU, 1994), a mutilação feminina possui diversas 
modalidades que vão desde remoção parcial do clitóris e a excisão total do clitóris e lábios 
menores que constituem aproximadamente 85% das mutilações genitais femininas, até a sua 
forma mais extrema, a remoção total do clitóris e dos lábios menores, assim como a da 
superfície interior dos lábios maiores e ao final a saturação a vulva, mantendo apenas uma 
pequena abertura para a urina e o fluxo menstrual. 
 Ainda conforme o Relatório da ONU (op. cit.), tais operações são realizadas por 
parteiras tradicionais ou anciãs designadas para esta tarefa; usam-se facas especiais, tesouras, 
navalhas, pedaços de vidro ou laminas de barbear. Em geral não se utilizam anestésicos, nem 
anti-sépticos, a utilização de materiais rudimentares e a falta de higiene causam uma grande 
incidência de infecções e complicações à saúde da mulher. 
A mutilação genital causa duradouros traumas psicológicos, dor extrema, infecções 
crônicas, sangramento, tumores, infecções do trato urinário, infertilidade e pode até levar a 
morte da mulher. Em alguns casos, a mulher não pode dar a luz sem ter sua vulva cortada 
novamente. 
 Conforme Vlachovd e Biason (2005) programas de erradicação da mutilação genital 
feminina precisam ser estreitamente ligados às comunidades

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