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UNIVERSIDADE PAULISTA POLO UNIVERSITÁRIO DE CASTANHAL CURSO DE SERVIÇO SOCIAL CAMILA RAÍSSA RIBEIRO MARIANNI NASCIMENTO DO ESPÍRITO SANTO MILLA SANTA BRÍGIDA DE SOUZA WEVERSON DIAS SILVA FEMINICÍDIO: UMA VIOLÊNCIA CONTEMPORÂNEA CASTANHAL – PARÁ 2018 CAMILA RAÍSSA RIBEIRO MARIANNI NASCIMENTO DO ESPÍRITO SANTO MILLA SANTA BRÍGIDA DE SOUZA WEVERSON DIAS SILVA FEMINICÍDIO: UMA VIOLÊNCIA CONTEMPORÂNEA Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social pela Universidade Paulista – Campus Castanhal. Orientadora: Zureide do Socorro Ferreira Alves. CASTANHAL – PARÁ 2018 CAMILA RAÍSSA RIBEIRO MARIANNI NASCIMENTO DO ESPÍRITO SANTO MILLA SANTA BRÍGIDA DE SOUZA WEVERSON DIAS SILVA FEMINICÍDIO: UMA VIOLÊNCIA CONTEMPORÂNEA Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de Bacharel em Serviço Social apresentado à Universidade Paulista – UNIP. Aprovado em: ____/____/_____ BANCA EXAMINADORA _________________________________/_____/_____ Professora/Orientadora: Zureide do Socorro Ferreira Alves Universidade Paulista – UNIP _________________________________/_____/_____ Professor (a) Membro Universidade Paulista – UNIP ________________________________/_____/______ Professor (a) Membro Universidade Paulista – UNIP DEDICATÓRIA Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por ser a minha base em tudo e por dar-me forças de continuar nos momentos em que eu queria desistir e, por ser minha maior fonte de inspiração, força, fé, perseverança e humildade. Aos meus Orixás Xangô e Oxum, por serem as luzes de minha vida. A minha mãe, Herundina Dias Silva, que me ensinou os valores que carrego comigo, levando-me a uma evolução contínua, e me ensinou que o melhor caminho neste mundo é a educação. Por todo amor, carinho a mim dedicados, e pelo seu exemplo de vida e de mulher, meu muito obrigado. A minha querida e amada (mana) irmã Wellenise Dias Silva (in memoriam), que foi um exemplo de filha, irmã, mãe e amiga, que onde quer que esteja continua a olhar e a cuidar de mim. Ao meu sobrinho José Henrique Dias, que é um dos meus maiores amores deste mundo. Ao meu namorado Rasiel Azevedo Castro, que foi e é um exemplo de companheiro, amigo, irmão. Por toda a sua paciência e por toda a sua ajuda nesta fase de minha vida. A minha avó Mariana Dias, pelo amor e cuidado a mim dedicados nestes meus 24 anos de vida. Ao meu pai Manuel Antônio da Silva, que mesmo na sua ausência no meu processo de criação e educação, de alguma forma contribuiu para esta etapa de minha vida. A minha madrinha, Diana Mª. Dias, (D. Onça), que sempre insistiu que eu continuasse a estudar . A todos os meus familiares que de alguma forma contribuíram direta ou indiretamente. A minha Zeladora de Santo Glayci Chaves, que sempre me ajudou fisicamente e espiritualmente. A orientadora Zureide Alves, que proporcionou conhecimentos para a execução com êxito para apresentação e formação desta Monografia. A todos meus Docentes da Universidade Paulista – Polo Castanhal, em especial a Docente Izabel Cristina. A todos (as) meus/minhas Professores (as), desde o Maternal ao Ensino Médio que me instruíram, nesta caminhada contínua que é o conhecimento. As minhas supervisoras Danielle Borges e Ivone Pereira, que me acolheram no campo de estágio e, que me passaram bastante conhecimento, meu muito obrigado. E aos verdadeiros amigos com quem aprendo a cada dia ser uma pessoa melhor. AGRADECIMENTOS Nossos agradecimentos vão primeiramente a Deus, que esteve ao nosso lado e não permitiu que desistíssemos do nosso sonho, que nos deu ânimo e coragem para galgar cada degrau dessa escalada rumo a formação profissional. A Ele nós devemos a nossa eterna gratidão. Agradecemos aos nossos pais, esposos e filhos por suas contribuições e incentivos, os quais foram essenciais para esta conquista acadêmica. Amigos e familiares, a vocês nós deixamos uma palavra gigante de agradecimento. Hoje nós somos pessoas realizadas e felizes, porque não estivemos só nesta longa caminhada, vocês foram o nosso apoio. A está instituição tão imponente nós agradecemos pelo ambiente propício à evolução e crescimento, bem como a todas as pessoas que a tornam assim tão especial para quem a conhece. Ao longo do nosso percurso tivemos o privilégio de trabalhar de perto com os melhores professores, educadores e orientadores. Sem eles não seria possível estarmos aqui hoje com os nossos corações repleto de orgulho. A quem não mencionamos, mas estiveram juntos de nós prometemos reconhecer essa proximidade, ajuda e incentivo todos os dias da minha vida. “Aqui, no entanto nós não olhamos para trás por muito tempo. Nós continuamos seguindo em frente, abrindo novas portas e fazendo coisas novas, porque somos curiosos... E a curiosidade continua nos conduzindo por novos caminhos. Siga em frente”. Walt Disney. LISTA DE SIGLAS CEBELA Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos CEPIA Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação CF Constituição Federal CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria CIDH Conselho Internacional de Direitos Humanos CPMI-VCM Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Violência Contra a Mulher CRAS Centro de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializada de Assistência Social CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher DEAM Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos FLASCO Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais MDS Ministério do Desenvolvimento Social OEA Organizações dos Estados Americanos OMS Organização Mundial da Saúde ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PSB Proteção Social Básica PSE Proteção Social Especial SPM Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres SUAS Sistema Único de Assistência Social UNIP Universidade Paulista RESUMO O presente trabalho aborda o estudo minucioso de uma temática presente na atualidade, qual seja o feminicídio, expressão máxima da violência contra a mulher. Tal violência é uma das questões sociais de maior destaque na mídia nacional, cujas notícias sempre apontam a vitimização de diversas mulheres. Este estudo procurou detalhar as questões da violência desde os primórdios da sociedade. Apresenta-se um recorte da Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, bem como, da Lei do Feminicídio, Lei 13.104/15. Disserta-se ainda sobre as formas de agressões, as causas e os encaminhamentos. Apresenta-se as diretrizes do Serviço Social e suas considerações nas questões do feminicídio, para aplicabilidade do assistente social em sua atuação profissional. Considera-se nas pesquisas um apontamento das constantes indagações que são levantadas no meio jurídico acerca da necessidade de elaboração de Lei específica para o Feminicídio quando já há a Lei Maria da Penha. A pesquisa apresenta ainda os caminhos e possibilidades na garantia de direitos para a mulher, bem como o empoderamento feminino pela dignidade, além dos aspectos legais e o contraponto das referidas leis. Por fim, nas considerações finais a pesquisa apresenta a proposta de redefinição da Lei Maria da Penha. Palavras-Chaves: Feminicídio. Violência. Lei Maria da Penha. Serviço Social.ABSTRACT This work deals with the detailed study of a thematic present at the current days, named feminicide, the maximum expression of violence against women. Such violence is one of the most prominent social issues in the national media, whose news always points to the victimization of several women. This study tried to detail the issues of violence from the earliest days of society. It shows a cut of Law 11.340/06, “Lei Maria da Penha”, as well as of the Law of Feminicide, Law 13.104/15. It also discusses the forms of aggression, its causes and referrals. It presents the guidelines of the Social Service and its considerations about the issues of feminicide, for the applicability of the social worker in their professional performance. In the researches, it is considered an indication of the constant inquiries that are raised in the legal environment about the need to elaborate a specific Law for Feminicide when there is already Maria da Penha Law. The research also shows the ways and possibilities in guaranteeing rights for women, as well as women's empowerment for dignity, as well as legal aspects and the counterpoint of these laws. Finally, in the final considerations the research presents the proposal to redefine Maria da Penha Law. Keywords: Feminicide. Violence. Maria da Penha Law. Social Service. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12 2 CAPÍTULO 1 – EXPRESSÕES DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL E A IMPLANTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA .................................... 14 1.1 Conceitos históricos da violência ...................................................................... 14 1.2 A violência contra a mulher a partir da perspectiva da divisão sexual do trabalho e do patriarcalismo .................................................................................................. 17 1.3 Registros sobre a violência doméstica no Brasil e a criação da lei Maria da Penha ...................................................................................................................... 23 1.3.1 A construção da tensão no relacionamento ................................................... 27 1.3.2 A explosão da violência – descontrole e a destruição .................................... 27 1.3.3 A lua-de-mel e o arrependimento do (a) agressor (a) .................................... 28 1.4 Especificação da violência doméstica segundo a lei Maria da Penha ............... 28 3 CAPÍTULO 2 – FEMINICÍDIO UMA EXPRESSÃO DE TERROR ANTI-FEMININO .............................................................................................................................. 31 2.1 Conceituando o feminicídio ............................................................................... 31 2.2 Tipos de feminicídio .......................................................................................... 32 2.3 Motivação do feminicídio ................................................................................... 34 2.4 Lei 13.104/90 Lei do feminicídio ........................................................................ 36 4 CAPÍTULO 3 – FEMINICÍDIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO PARA MULHERES ................................................................................................. 42 3.1 O Serviço Social nas questões do feminicídio ................................................... 42 3.2 Violência contra a mulher uma questão de gênero ........................................... 45 3.3 O assistente social e a questão social da violência doméstica ......................... 49 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 58 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 60 12 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa traz um recorte bibliográfico do quadro da violência contra a mulher na atualidade cotidiana tendo um papel de destaque na mídia nacional algumas notícias, tais notícias têm sempre um caráter de vitimar diversas mulheres. Procurou-se detalhar de forma minuciosa as questões da violência desde os primórdios da sociedade, apresenta-se ainda um recorte da Lei 11.340/06. Art. 1 o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8 o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Com o advento da Lei Maria da Penha que trouxe mecanismos revolucionários com o intuito de sanar tal violência. Sobrepõe-se, as medidas preventivas de urgência, instauradas no artigo 22 e seguintes, cuja sua finalidade é cessar a violência doméstica e familiar contra a mulher com os métodos rápidos que venham imobilizar a ação do infrator. É com este foco então, que se justifica a pesquisa, enfatizando as políticas públicas de amparo a esta mulher, compreendendo os elevados índices de violência que transcorre uma grande quantidade e que ainda existem, e que leva a sociedade, a comunidade jurídica e acadêmica a questionarem a eficácia da Lei Maria da Penha, principalmente no que abrange a função desta lei, a ação penal competente e os objetivos a serem ascendidos com ela. Consequentemente, constitui o objetivo geral deste trabalho a análise da serventia da Lei Maria da Penha e sua eficácia, considerando a elaboração da Lei do Feminicídio, em razão que com a inclusão desta lei, por meio da Lei Federal nº 13.104 de 09 de março de 2015, houve uma mudança do art. 121 do Código Penal, inserindo o feminicídio nas circunstâncias qualificadoras do crime de homicídio, mais especificamente no § 2º, inciso I, da Lei Federal nº 8.072 de 25 de julho de 1990. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art226%C2%A78 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art226%C2%A78 13 O presente trabalho explicita a conceituação de gênero e sua relevância para a constitucionalidade da Lei do Feminicídio e da Lei Maria da Penha, no que abrange ao princípio da igualdade de gêneros. A Lei do Feminicídio foi criada devido à grande incidência do aumento da violência contra a mulher, existem pesquisadores que entendem que caso a Lei Maria da Penha fosse mais eficaz, dispensaria a criação desta qualificadora com penas mais inflexíveis devido a isso foi levantado, de forma mais precisa, a disposição das medidas protetivas na Lei, elaboradas para trazer à mulher providência jurisdicional dos direitos que lhe são cabidos, que se encontram divididos entre os que estão dispostos a ela e aqueles que obrigam o agressor. Consideramos ainda nas pesquisas um recorte nas constantes indagações que são levantados no meio jurídico acerca da eficácia da necessidade de elaborar a Lei do Feminicídio, sendo que já há a Lei Maria da Penha. Há muitos juristas que assinalam que se a Lei Maria da Penha fosse aplicada como deveria, não haveria a necessidade da criação da Lei do Feminicídio. A metodologia utilizada na elaboração do presente trabalho foi a de análise bibliográfica, que consiste na explanação do pensamento de vários autores que escreveram sobre o tema definido, foi utilizado como apoio e base contribuições de diversos autores sobre a temática em questão, por meio de consultas a livros, artigos, bem como, as políticas de direitos na qual as mulheres encontram-seinseridas. A cada capítulo a pesquisa, pontuará o marco histórico e as relevâncias das expressões sobre a violência contra mulher no Brasil e a implantação da Lei Maria da Penha. Detalharemos ainda, a extensão da exposição do feminicídio. E por fim, apresentaremos o contraponto do tema para o que de fato deve ser o acompanhamento dentro das diretrizes da lei, bem como, os desafios na contemporaneidade para o exercício profissional do assistente social na problemática feminicídio no Brasil. 14 2 - CAPÍTULO 1 – EXPRESSÕES DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL E A IMPLANTAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. 1.1 – Conceitos históricos da violência. Zaluar, (1999) “Violência vem do latim violentia que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os recursos do corpo para exercer sua força vital). Essa força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. Portanto, a percepção do limite ou da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar o ato como violento, percepção essa que varia cultural e historicamente”. A violência é definida mundialmente como o ato pelo qual se faz uso intencional de força física ou poder, ameaçados ou reais, contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que resultem ou tenham grande probabilidade de resultar em ferimento, morte, dano psicológico, mal desenvolvimento ou privação, em um segmento maior, Minayo define: Via de regra, o ato violento manifesta uma atitude arbitrária contra a liberdade do outro. Quando falamos e nos inquietamos com a violência, a primeira comparação, a comparação mais imediata e sensível, é a que se emite pela agressão. Contudo, a violência é um produto histórico, e não é uma, é múltipla (MINAYO, 2003: p. 25). Logo, em decorrência desse fato, a variação está de acordo com cada fase histórica e organização social, constituindo realidades diversas. Na história mundial podemos destacar fatos de violência que merecem ser referidos, entre eles: a) Período da Santa Inquisição criada pela Igreja Católica, onde a mesma exercia sua hegemonia sobre outras crenças perseguindo-as e destruindo aqueles que eram contra seus dogmas. Quantas pessoas não foram mortas? https://pt.wikipedia.org/wiki/Poder 15 b) O Holocausto, um grande exemplo do uso da violência pela intolerância, que foi o ato nazista de perseguição política, ética, religiosa, sexual, liderada por Adolf Hitler, que na busca de uma raça pura, a “raça ariana” cometeu atrocidades, principalmente contra judeus e povos ciganos, considerados como “raças impuras”, além das pessoas que apresentavam distúrbios mentais, homossexuais, pacifistas, comunistas, eslavos e grupos religiosos, os quais foram isolados nos campos de concentração, e obrigados a execução de trabalhos de cunho industrial, sofrendo torturas, vivendo em condições precárias e ainda serviram de cobaias em experimentos científicos. c) No México, no ano de 1993, houve uma onda de assassinatos brutais contra as mulheres, com exposição de seus corpos pelas ruas da Ciudad Juárez, na maioria das vezes sem os seios e os olhos, tomou conta da cidade no Estado de Chihuahua, no norte do México. d) Nos Estados Unidos, o dia 25 de março de 1911 foi um dia que ficou na História, pois foi nesta data que cerca de 145 trabalhadores (na sua maioria mulheres) morreram queimados num incêndio em uma fábrica de tecidos em Nova Iorque, onde as mortes ocorreram pelas condições precárias de segurança no local. Na história do Brasil, a violência vem desde a época do seu descobrimento. Analisando o período Colonial, destacam-se aqui as mulheres indígenas que sofreram violência e desrespeito devido à vontade de um soberano que afirmava sua como cultura superior. É importante salientar a grande violência cometida contra os negros que foram trazidos forçadamente de suas terras e transportados por navios negreiros de forma desumana a um lugar desconhecido para serem tratados como seres inferiores e obrigados a exercer trabalhos escravos. Outro fator foi a violência cometida na época das ditaduras militares, abafada por uma manifestação de ordem e progresso no qual o verdadeiro intuito era garantir o poder a burguesia, para assegurar os seus interesses materiais e 16 compromissos internacionais e distanciar o risco do contágio com as ideias comunistas. A implantação dos regimes ditatoriais teve como grande peculiaridade a utilização da força para extinguir ideias que fossem contrarias as que estavam instauradas. Estudantes, trabalhadores organizados, artistas, músicos, sindicalistas, foram todos alvos de condutas violentas por parte do regime político ditatorial, que executavam invasões de domicílio, prisões sem mandatos judiciais, sem contar que a incomunicabilidade dos presos nos prazos ilegais resultava em torturas e mortes. Segundo Arendt, (1970) “ninguém que se dedique à meditação sobre a história e a política consegue se manter ignorante do enorme papel que a violência desempenhou sempre nas atividades humanas”. CAVALCANTI, (2007) define que: São várias as formas de violência, a violência social decorrente das desigualdades sociais, principalmente nos países menos desenvolvidos; e também, a violência urbana, que ocorre nas cidades, seja em razão de crimes eventuais ou pelo crime organizado. Focando nessa multiplicidade de formas de violência, sendo indispensável fazermos as devidas contextualizações sócio históricas para não ficarmos nas formulações generalistas: o conjunto de problemas da violência (que não é uma, porém múltipla) surge de relações sociais que se modificaram e modificam ao longo da história. Como explícita MINAYO (2003), as manifestações da violência “são aprovadas ou desaprovadas, licitas ou ilícitas, segundo normas sociais mantidas por aparatos legais da sociedade ou por usos e costumes naturalizados”. Para Marcondes Filho, (2001), quando a violência é justificada em prol de uma causa maior, ela se torna naturalizada. Pois, nem mesmo em situações de grandes atrocidades, como na Revolução Francesa, quando muitos foram sacrificados à guilhotina, a palavra violência foi considerada, ela só passou a ser questionado a partir dos meados do século XIX, nas discussões de Hegel, Marx e Nietzsche (MARCONDES FILHO, 2001). A violência passional, no Brasil, ocorre em grande número, em todas as classes sociais. Deste modo, ela não é crime de pobre ou de rico. (MASCARENHAS, 17 1985). Esse tipo de delito não é praticado por pessoas ditas anormais, mas por “gente igual à gente”. Aqui trataremos especificamente sobre a violência contra a mulher. Sendo assim, é de suma importância o debate e a atuação nos inúmeros setores da sociedade e nas variadas instituições. 1.2 – A violência contra a mulher a partir da perspectiva da divisão sexual do trabalho e do patriarcalismo. Com a modificação da Lei Maria da Penha, o tema a violência contra a mulher passou a ser mais divulgado pela mídia e mais denunciados pelas vítimas, entretanto muitas ainda sofrem caladas com medo da violência que, de certa forma, mantém-se abafada na sociedade. Deste modo, podemos notar que a violência contra a mulher não é um fato que se restringe a classes sociais ou etnias específicas e sequer expressa-se em apenas uma determinada faixa etária. Contudo, pesquisas indicam que este tipo de violência ocorre com maior intensidade no ambiente familiar, na maioria dos casos ocorre pelo companheiro da vítima. Segundo Day: As mulheres têm maior probabilidade de serem vítimas de membros de suas próprias famílias ou de seus parceiros íntimos. Sabe-se que de 40 a 70% dos homicídios femininos, no mundo, são cometidos por parceiros íntimos. (DAY, 2003, p.15)Desta forma, Day ainda, conceitua a violência intrafamiliar da seguinte forma: Toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de sangue. (DAY, 2003, p.10). 18 Para que possamos ter maior entendimento dessas conceituações iremos analisar a violência de gênero, partindo do fato da divisão sexual do trabalho e sua correlação com o patriarcalismo. No Brasil, o campo de estudo de gênero se fortificou no final dos anos 1970, conforme a fortificação dos movimentos feministas no país, que tinha como seu maior propósito resistir as verdades estabelecidas nos vínculos de produção e reprodução das relações sociais entre homens e mulheres, sendo assim, o intuito foi justamente de fazer a dissociação da mulher ao papel da maternidade, beleza, sexo frágil, etc. Neste sentido, as lutas eram para provar que as mulheres podem e devem ocupar outros espaços na sociedade, porque as mesmas possuem capacidade intelectual para tal ocupação, até os dias atuais procura-se descontruir a ideia de que a mulher tenha nascido apenas para maternidade e administração do lar. A violência de gênero é um assunto de uma enorme complexidade. Que vem se revelando universal, que atinge mulheres do mundo inteiro, por ter uma história milenar, pois parte da cultura da desvalorização do feminino, que adquiriu variadas formas ao longo da história, concretizando papéis, status, lugares e poderes desiguais na família, trabalho e política, dentre outros. Gênero é uma categoria que faz parte de um grande processo histórico utilizada para descrever as relações homem e mulher, onde naturalizam-se as atribuições sociais, que converte a heterogeneidade em fontes de desigualdades e submissão, que denominamos como patriarcal. Segundo Minayo (2006): [...] em qualquer época histórica do nosso país, a violência esteve e está presente. Deve, portanto, ser objeto de nossa reflexão, seja quanto à aculturação dos indígenas, quanto à escravização dos negros, as ditaduras políticas, ao comportamento patriarcal e machista que perpetua abusos contra as mulheres e crianças, aos processos de discriminação, racismo, opressão e exploração do trabalho (MINAYO, 2006, p. 27). O poder patriarcal emerge e repercute nas desigualdades entre os gêneros masculino e feminino, e manifesta-se também nas diversas áreas sociais, incidindo sobre o corpo e a sexualidade feminina. É fato histórico que quando as mulheres transpõem os papéis sociais que são estabelecidos, o patriarcalismo é, 19 direta ou indiretamente, impugnado ou acometido. Em resposta é, normal surgirem ocorrências de violência física, moral e/ou psicológica. Todavia, a categoria gênero, não se refere exclusivamente as relações homem-mulher, porém, homem-homem, e mulher-mulher, isto é, à idealização social do masculino e do feminino. Abrangendo, assim, crianças, adolescentes e idosos de ambos os sexos como vítimas. Partindo da consideração de que o sexo feminino é considerado como inferior e submisso, os homens que assumem sua homossexualidade, travestis e transexuais, acabam se tornando vítimas de punição e violência sendo elas físicas e psicológicas. Além disto, são excluídos de determinadas profissões e de postos de tomada de decisão. Sendo assim, uma mulher também pode agir com violência contra seu companheiro e/ou filhos. Segundo Saffioti: Nada impede, embora seja inusitado, que uma mulher pratique violência física contra seu marido/companheiro/namorado. As mulheres como categoria social não têm, contudo, um projeto de dominação-exploração dos homens. E isto faz uma gigantesca diferença. SAFFIOTI (2001, p.116). O patriarcado foi durante anos a principal causa universal da violência contra a mulher devido, ser um sistema antigo que promovia desigualdades abusos de poder e descriminações, devido aos papéis impostos a homens e mulheres, sendo assim, a mulher possuía uma inferioridade natural. Instaurando um sistema de dominação econômico, social e político do masculino sobre o feminino, já dizia Bourdieu (1995), “a dominação masculina está suficientemente assegurada, para precisar de justificação”, ou seja, a construção social do domínio, do poder e do mandado sobre os corpos, a sexualidade e as condutas sexuais dos gêneros não masculinos, sobre os espaços públicos no mercado de trabalho nos postos de tomadas de decisões, direção e política. O poder patriarcal organizava-se, assim, na disparidade entre os gêneros masculino e feminino. Por vários anos foi outorgado às mulheres as atividades relativas à reprodução da força de trabalho, como conceber, alimentar, cuidar e proteger o lar e a família, sociabilizar, quer dizer, a mulher tinha as suas regalias restritas ao nível privado do lar, cuidando de seus filhos e marido, com isso não era 20 permitido a elas que saíssem para trabalhar. E quando essas mulheres conseguiam ocupar o mercado de trabalho, a elas eram destinadas as tarefas ligadas aos “cuidados referentes ao lar”, em condições vulgarmente precárias. Para darmos mais um passo nesta discussão, vale salientar a divisão sexual do trabalho, que exprime uma divisão social do trabalho entre os gêneros masculino e feminino, oriunda do modo capitalista de produção, no qual as mulheres na maioria das vezes ocupam lugares secundarizados ou menos privilegiados. A divisão sexual do trabalho propõe duas características de organização indicadas por Kergoat e Hirata (2007), a primeira aponta a separação, essa ideia que separa o que é trabalho de homens e de mulheres. A segunda à hierarquia, que considera que o trabalho dos homens vale mais do que o das mulheres. O conceito de divisão sexual do trabalho mostrou-se na França nos primórdios dos anos 1970, estimulado pelo movimento feminista que pleiteava a condecoração dos trabalhos domésticos, uma vez que o mesmo era oculto, ainda que exercido por várias mulheres em todo país. Foi com a tomada de consciência de uma “opressão” específica que teve início o movimento das mulheres: torna-se então coletivamente “evidente” que uma enorme massa de trabalho é efetuada gratuitamente pelas mulheres, que esse trabalho é invisível, que é realizado não para elas mesmas, mas para outros, e sempre em nome da natureza, do amor e do dever materno (HIRATA; KERGOAT, 2007.p.597). Mesmo a mulher dispondo de suas tarefas voltadas para o campo privado do lar, as imposições do capital obrigaram as mulheres da classe operária, no período da Revolução Industrial, a abranger os espaços da produtividade mercantil, de forma mais inferior que o homem. Desta forma, se submeteram pelo mundo do capital, alienando sua força de trabalho a um valor irrisório e trabalhando por longas jornadas nas fábricas. Na relação entre o trabalho assalariado e o capital, o produtor é alijado dos meios de produção necessários à sua reprodução, e precisa vender sua força de trabalho a fim de se reproduzir. “Todo o sistema de produção capitalista repousa no fato de que o trabalhador vende a sua força de trabalho como mercadoria”. (MARX, 1985c, p.48) Com o início da I e II Guerra Mundiais, 1914-1918 e 1939-1945, nesta ordem, a inclusão da mulher nos interiores das fábricas se exacerbou, e com os 21 homens indo para as batalhas muitas mulheres se viram na obrigação de assumir a subsistência da família, ocupando as funções dos homens nas atividades familiares e fabris. Ao longo da Primeira Guerra Mundial, as fábricas foram fechadas por um tempo indefinível devido à supressão de mão de obra, em razão que os homens abandonaramseus trabalhos para lutarem na guerra. Todavia, no ano posterior ao início dos combates se tornou indispensável à reabertura das fábricas, uma vez que era fundamental a produção de roupas, alimentos e armas para munir o défice da guerrilha. Nesta ocasião, contudo, faltava a mão de obra e a única saída acessível foi a convocatória de mulheres jovens para compor as lacunas inoperantes nas indústrias. Devido a guerra, a mulher abrangeu o mercado de trabalho de forma mais rápida, sem abrir mão de suas funções domésticas, e explicitou, também, em circunstâncias adversas, sua idoneidade para atuar no âmbito público, cumprindo com eficácia todas as funções que lhes fossem dirigidas. Cessando a guerra, várias mulheres foram desoneradas de seus empregos, sendo obrigadas a retornarem ao domínio privado do lar. Porém, poucas mulheres se contrapuseram, indeferindo-se à abnegação exclusiva dos antigos trabalhos domésticos, e aos poucos foram reingressando ao mercado de trabalho. O capitalismo se expandiu com princípios no patriarcalismo, possibilitando a distinção entre os sexos no universo do trabalho, isto é, essa história de assimetria imposta ao gênero feminino transpôs a organização produtiva e beneficiou a naturalização de funções inferiores atribuídas a responsabilidade feminina. É indispensável salientar que, deste modo, a sociedade do capital, a situação da mulher nesta organização é igualmente separada, quer dizer que a inclusão da mulher acontece de diferentes maneiras dificultando imensamente a inclusão da mulher no mercado de trabalho formal, e em posições de trabalho bem remunerados. Portanto, há inúmeras formas de ser mulher nesta sociedade. Isso acontece porque apesar de uma quantidade de mulheres sofrerem com a pobreza e a insuficiência do trabalho, há uma fração de mulheres que, mesmo ludibriadas e chefiadas pelo modo de produção capitalista, gozam do crescimento do desenvolvimento do capital econômico, cultural e social; essas perscrutam à força de trabalho de mulheres em condições vulneráveis para desempenhar as suas 22 atividades domésticas em suas casas. Diante disso, transcorre, cada vez mais, o comprometimento de mulheres com carreiras profissionais concretas, constantemente demandadas pelas inúmeras formas de gestão do capital. Firmadas em Toledo (2010), podemos considerar que o gênero as une, no entanto, a classe as separam. Deste modo o cenário revela heterogeneidade do mercado de trabalho para as mulheres, multiplicidade nas relações de trabalho e prováveis discordâncias entre patrões e empregados, incorporando o trabalho doméstico remunerado. Pode-se dizer que as desigualdades de salários, de condições de trabalho e de saúde não diminuíram, e que a divisão do trabalho doméstico não se modificou substancialmente, a despeito de um maior envolvimento nas responsabilidades profissionais por parte das mulheres. (HIRATA, 2001. p.144) Portanto, é possível perceber a origem dessa desigualdade no início dos convívios capitalista de produção. As mulheres começaram a encarar algumas dificuldades para executarem o trabalho, porque as fábricas existentes impossibilitavam suas entradas com o pretexto de que o trabalho era árduo demais para sua “delicada” estrutura. Já, quando aceitavam, eram submetidas a condições subalternas, com salários baixos e situações precárias de trabalho. Nos dias atuais, ainda se evidencia o discurso cotidiano da incapacidade da mulher para exercer determinadas funções devido a sua fragilidade, uma vez que a mulher é vista como um ser frágil e mais suscetível e, consequentemente menos produtivo. Os períodos gestacional e pós-gestacional, por exemplo, são vistos como de baixa produção e instabilidade nos lucros para o capital, correspondente a ruptura do exercício profissional. Desta forma, é utilizado a expressão de uma “ordem natural” para fundamentar a “ordem social”, isto é, o fato explicitado da gestação se torna motivação para a subalternização da introdução das mulheres no mercado de trabalho. Nos últimos anos, a atuação do trabalho feminino no mundo lucrativo tem aumentado imensamente com a globalização econômica. Todavia, de acordo com Hirata que nos mostra essa introdução que foi seguida por duas vertentes, (1) a bipolarização do trabalho assalariado feminino, ao lado de uma maior diversificação de tarefas e funções e de um crescimento da 23 minoria significativa de mulheres pertencentes à categoria estatística “profissões executivas e intelectuais”; (2) o desenvolvimento do setor de serviços e o impacto de novas profissões também polarizadas em termos de relações de gênero, classe e raça/etnia. (HIRATA, 2001. p.147). As atividades femininas continuam centralizadas em setores como serviços pessoais, educação e saúde. Todavia, a predisposição a uma diversificação das funcionalidades que mostra um quadro de bipolarização: de um lado, profissionais altamente qualificadas, com salários moderadamente bons, considerando o conjunto da mão-de-obra feminina (professoras, arquitetas, engenheiras, médicas, advogadas, juízas, etc.), e, do outro lado, trabalhadoras com “baixas qualificações”, com salários bem baixos e funções sem reconhecimento e sem valorização social. O patriarcado, porém, está presente na sociedade contemporânea, ratificando a submissão das mulheres em todas as classes sociais. No que se refere a produção, essa condição leva a empregos escassos, baixos salários, com pouco ou nenhum reconhecimento no local de trabalho. No campo privado, reflete sobre a sexualidade e a vocação reprodutiva da mulher, isto é, a mulher é compreendida apenas enquanto objeto de satisfação sexual. Via de regra, a violência emerge, quando o poder patriarcal constituído é contrariado e se vê lesado. A violência cometida pela sociedade patriarcal se executa de várias formas: física, sexual, psicológica, institucional e sexual. Quando articuladas, se organizam em um arsenal que o gênero masculino possui para manter seu poder sobre o outro. Desta forma, para que novos paradigmas de relacionamentos entre homens e mulheres existam é extremamente importante o rompimento das atribuições e significações tradicionais dos papéis de homens e mulheres na sociedade. Provocando, assim, novos sentidos para os vínculos de gênero que discorram o respeito próprio, o respeito ao outro e principalmente as diferenças. 1.3 – Registros sobre a violência doméstica no Brasil e a criação da Lei Maria da Penha 24 Anualmente, inúmeras mulheres morrem em decorrência da violência pelo mundo. Entretanto, essas evidências não se traduzem apenas em abusos físicos, porém em sexuais, psicológicos, morais e patrimoniais. A violência contra a mulher no âmbito doméstico era assimilada como uma forma de abuso no qual o marido e a mulher deveriam resolver sozinhos. Contudo, com o advento da Lei Maria da Penha, a União toma para si a incumbência de proteger as mulheres desses abusos, deixando então de ser um problema meramente no campo privado. Esta Lei, portanto, firma um grande avanço no processo da luta contra erradicação, prevenção e punição da violência. Em razão da preocupação com essa realidade que é sofrida por mulheres no mundo inteiro, instrumentos internacionais foram instituídos. São estes: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979, que foi sancionada em 3 de setembro de 1981; o Plano de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995); a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994); o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, dentre outros instrumentos de Direitos Humanos. Acrescidoa esses significativos instrumentos, surgiu a denúncia do caso da farmacêutica Maria da Penha Fernandes, que ficou paraplégica após sofrer duas tentativas de homicídio pelo marido, que além de sair como impune, estava prestes a conquistar a prescrição do crime. Esta denúncia foi realizada por organizações de defesa de direitos humanos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que é um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo o reconhecimento da omissão da União brasileira determinou não apenas o julgamento do agressor e, também a criação de uma lei especifica que protegesse as mulheres da violência doméstica acometida contra elas. Posteriormente, em 2002, Organizações Não-Governamentais Feministas Advocacy, Agende, Themis, Cladem/Ipê, CEPIA e CFEMEA, reuniram-se para criar um anteprojeto da lei para combater à violência doméstica e familiar contra a mulher. No ano de 2004, foi exposto o anteprojeto à Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – (SPM), que engendrou um grupo de trabalho para 25 elaborar um Projeto de Lei que objetivasse criar métodos de combate e prevenção a violência doméstica contra as mulheres (Decreto 5.030, de 31 de março de 2004). Depois de indagar representantes da sociedade civil, operadores do direito e servidores da segurança pública e demais representantes de entidades envolvidas com essa temática, através de seminários e debates, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei sob o nº 4.559/2004. Na Câmara dos Deputados, tal projeto fora modificado após ser debatido em audiências públicas que foram realizadas em todo o país. O projeto modificado foi aprovado pelo Congresso Nacional e pela Câmara dos Deputados, cumprido na Lei 11.340, sancionada pelo Presidente da República e publicada em 7 de agosto de 2006. Esta lei foi intitulada “Maria da Penha”, e gerou avanços significativos no combate à violência contra a mulher, dentre eles: A criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, com competência cível e criminal para abranger todas as questões. Neste caso, foi retirada dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95) a competência para julgar crimes de violência doméstica e familiar. Altera ainda a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), que possibilita que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação. A inovação na rede de medidas protetivas para as vítimas de violência, como a criação das Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), que visam um atendimento mais qualificado para as mulheres vítimas de violência. Assim como a constante capacitação dos profissionais que atuam com esse público alvo. Tais medidas podem ser pedidas pela própria vítima junto às delegacias especializadas ou em delegacias comuns. A definição de diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as 26 mulheres. Ministério Público e a Defensoria Pública em conjunto com as áreas de segurança pública, habitação, saúde, educação e assistência social. Ademais, visa a promoção e realização de campanhas educativas direcionadas ao público escolar e a sociedade como um todo, que possam prevenir a violência doméstica e familiar. Desta forma, a União reconhece a precisão de proteger a mulher contra todo e quaisquer tipo de agressão, estabelecendo estratégias que fixem a prevenção, punição e erradicação da violência, por meio de legislações, contudo de amplas campanhas educativas, assim como estudos contínuos sobre esse tema. Portanto, é importante salientar que esse fenômeno da violência doméstica não atinge apenas as mulheres adultas, porém crianças e idosas, em decorrência da demanda contínua da discriminação de gênero. Em consequência dos papéis que são impostos a homens e mulheres na sociedade a violência que ocorre no convívio doméstico foi e ainda é inúmeras vezes silenciada. Isso não se dá apenas pelo medo do abuso, porém diversas vezes pelo próprio vínculo de afeto que existe entre o agressor e a vítima, vale ressaltar que não é apenas o companheiro da mulher que pode cometer a violência, porém pai, irmão e outras pessoas que façam parte do ambiente doméstico. É um episódio que gera vergonha, insegurança, medo, isolamento e culpa. Rigorosamente, a relação violenta se constitui em verdadeira prisão. Neste sentido, o próprio gênero acaba por se revelar uma camisa de força: o homem deve agredir, porque macho deve dominar a qualquer custo; e mulher deve suportar agressões de toda ordem, porque seu "destino" assim determina. (SAFFIOTI, 1999). Dando ênfase nesta premissa que fora enumerada por Saffioti, faz-se importante um vasto trabalho de desconstrução da inferioridade da mulher na sociedade, fazendo-se assim imprescindível a expansão de estudos e pesquisas que venham possibilitar o mapeamento deste tipo de violência no Brasil. A violência doméstica é fato complexo, suas motivações são variadas e de difícil descrição. Podendo ser caracterizada como um ciclo como se exemplifica 27 na cartilha Enfrentando a Violência contra a mulher – Orientação Práticas para Profissionais e Voluntários (as), criada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres no ano de 2005. A violência doméstica segue, muitas vezes, um ciclo que é composto por três fases: 1.3.1 – A construção da tensão no relacionamento Nessa fase podem ocorrer incidentes menores, como agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruição de objetos etc. Nesse período de duração indefinida, a mulher geralmente tenta acalmar seu agressor, mostrando-se dócil, prestativa, capaz de antecipar cada um de seus caprichos ou buscando sair do seu caminho. Ela acredita que pode fazer algo para impedir que a raiva dele se torne cada vez maior. Sente-se responsável pelos atos do marido ou companheiro e pensa que se fizer as coisas corretamente os incidentes podem terminar. Se ele explode, ela assume a culpa. Ela nega sua própria raiva e tenta se convencer de que “... talvez ele esteja mesmo cansado ou bebendo demais”. 1.3.2 – A explosão da violência descontrole e a destruição A segunda fase é marcada por agressões agudas, quando a tensão atinge seu ponto máximo e acontecem os ataques mais graves. A relação se torna administrável e tudo se transforma em descontrole e destruição. Algumas vezes a mulher percebe a aproximação da segunda fase e acaba provocando os incidentes violentos, por não suportar mais o medo, a raiva e a ansiedade. A experiência já lhe ensinou, por outro lado, que essa é a fase mais curta e que será seguida pela fase 3, da lua-de-mel. 28 1.3.3 – A lua-de-mel e o arrependimento do (a) agressor (a) Terminado o período da violência física, o agressor demonstra remorso e medo de perder a companheira. Ele pode prometer qualquer coisa, implorar perdão, comprar presentes para a parceira e demonstrar efusivamente sua culpa e sua paixão. Jura que jamais voltará a agir de forma violenta. Ele será novamente o homem por quem um dia ela se apaixonou. Pode se entender melhor esse ciclo de violência na figura abaixo por. 1.4 – Especificação da violência doméstica segundo a Lei Maria da Penha. A Lei Maria da Penha estabelece cinco tipos de violência doméstica contra a mulher relacionadas no Art. 7º da Lei 11.340/2006: A lei específica que a violência física é toda e qualquer ação do agressor contra a integridade ou saúde corporal da vítima, faz saber como: empurrar, sacudir, esbofetear, chutar, queima-la e outros. Determina em seis tramites legais que a violência psicológica se trata da ação do agressor contra a mulher que causa danos de ordem emocional. Deixa como exemplos: os insultos, as chantagens, asformas de ridicularização, que terminam em humilhação, constrangimento e a manipulação que causa o súbito 29 desejo de isolamento, sendo pior que isso a vigilância constante, perseguição, limitação do direito de ir e vir. Esse tipo de violência normalmente acompanha a violência física, até mesmo como forma de coibir a vítima a não denunciar a agressão sofrida. Pode ser confundida como excesso de cuidado por parte do agressor e não ser assim identificada como violência pela vítima. Traz ainda um recorte sobre a violência sexual como ação do agressor que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, diante de ameaças, coações ou do uso direto da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade. Está incluído neste tipo de violência o impedimento da mulher usar método contraceptivo e a obrigação da mulher abortar mediante força ou ameaça. É um tipo de violência que gera medo, culpa e vergonha, o que dificulta muitas mulheres de denunciá-la. Na maior parte das vezes essa agressão só é denunciada quando praticada por um estranho, fator que contribui para o escamoteamento da violência gerida no interior da família. O que é comum neste tipo vem a ser a violência patrimonial, que se entende como qualquer ação que possa causar dano aos bens da mulher como documentos pessoais e instrumentos de trabalho. Esse tipo de violência é utilizado, muitas vezes, para que a mulher passe a não ter controle dos próprios bens, ficando cada vez mais dependente do parceiro. Alguns companheiros podem se apossar dos bens materiais de suas companheiras, além de atrapalhar seu trabalho ou impedi-las de trabalhar. Este tipo de conduta evidencia a possessividade e o controle que o homem pretende exercer sobre a mulher. Todos estes tipos de violência tornam-se reflexos a integridade moral da mulher entendida como um tipo de ofensa a conduta por parte do agressor que possa caluniar ou difamar a imagem da mulher. As mulheres são comumente vítimas da violência moral dentro do ambiente de trabalho, em muitos casos isso ocorre em virtude do assédio sexual a qual são submetidas. Sua capacidade profissional e atuação são postas em xeque, podem ser também desmerecidas publicamente, gerando maus resultados na avaliação do desempenho do trabalho, assim como a perda da vontade de trabalhar. 30 A violência tende apenas a recrudescer, alimentada pelos códigos masculinos de sobrevivência na selva humana e pelo fortalecimento dos símbolos da virilidade violenta. Não há como supor que a estada em uma penitenciária possa transformar um homem que controla, humilha e espanca sua mulher em um marido respeitador e cooperativo. (SOARES, 2004, p. 08). Nesse sentido, acreditamos que quando se aborda violência de gênero não é possível ignorar sua característica relacional, não sendo viáveis grandes transformações sem que se trabalhe com ambas as partes. Busca-se, enfim, que essas reflexões possam trazer um novo olhar sobre a violência de gênero e os caminhos para combatê-las e erradica-las. 31 3 – CAPÍTULO 2 – FEMINICÍDIO UMA EXPRESSÃO DE TERROR ANTI-FEMININO. 2.1 – Conceituando femicídio. Femicídio ou feminicídio é um termo de crime de ódio baseado no gênero, amplamente definido como o assassinato de mulheres, mas as definições variam dependendo do contexto cultural. A autora Diana Russell foi uma das primeiras a usar o termo e atualmente define a palavra com a matança de mulheres por homens, porque elas são mulheres, Russell. Femicídio está no ponto mais extreme do contínuo de terror anti-feminino que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual infantil incestuoso e extrafamiliar, espancamento físico e emocional, assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (cliterodectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (ao criminalizar a contracepção e o aborto), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas se tornam femicídios (Russell e Caputti, 1992, p. 2). Segundo Garcia (2013), A expressão máxima da violência contra a mulher é o óbito. As mortes de mulheres decorrentes de conflitos de gênero, ou seja, pelo fato de serem mulheres, são denominados feminicídios ou femicídios. Estes crimes são geralmente cometidos por homens, principalmente parceiros ou ex parceiros, e decorrem de situações de abuso no domicílio, ameaças ou intimidação, violência sexual, ou situações nas quais as mulheres têm menos poder ou menos recursos do que o homem. “O feminicídio é a ponta do iceberg. Não podemos achar que a criminalização do feminicídio vai dar conta da complexidade do tema. Temos que trabalhar para evitar que se chegue ao feminicídio, olhar para baixo do iceberg e entender que ali há uma série de violência (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013). 32 Dito isto percebe-se que as mulheres como um todo ainda necessitam ser melhor orientadas pois assim, acredita-se que os índices de violência possam ser diminuídos, uma vez que tivermos mulheres orientadas de forma clara sobre os perigos que as cercam advindos da violência chamada femicídio. 2. 2 – Tipos de feminicídio. Para se descrever os tipos de feminicídio é interessante ressaltar o que vem a ser Feminicídio, que em um sentido mais amplo aparece como a perseguição que leva a morte intencional de pessoas do sexo feminino, assim classificado no Brasil. O feminicídio se configura quando é comprovada as causas do assassinato, devendo este ser exclusivamente por questões de gênero, ou seja, quando uma mulher é morta simplesmente pelo fato de ser mulher. Estudos científicos comprovam que na contemporaneidade o tema alega que o termo feminicídio se originou a partir da expressão genocídio, que significa o assassinato massivo de um determinado tipo de gênero sexual. Em linhas gerais, o feminicídio pode ser considerado como uma forma extrema de violência, ou seja, ódio e repulsa às mulheres ou contra tudo o que seja ligado ao feminino. Em uma maior compreensão, as agressões físicas e psicológicas, como abuso ou assédio sexual, estupro, escravidão sexual, tortura, mutilação genital, negação de alimentos e maternidade, espancamentos, entre outras formas de violência que gera a morte da mulher, configurando o feminicídio. O feminicídio pode ser classificado em três situações: feminicídio íntimo: quando há uma relação de afeto ou de parentesco entre a vítima e o agressor; feminicídio não íntimo: quando não há uma relação de afeto ou de parentesco entre a vítima e o agressor, mas o crime é caracterizado por haver violência ou abuso sexual; feminicídio por conexão: quando uma mulher, na tentativa de intervir, é morta por um homem que desejava assassinar outra mulher. Segundo PRADO (2017), íntimo – morte de uma mulher cometida por uma pessoa com quem a vítima tinha, ou tenha tido, uma relação ou vínculo íntimo: 33 marido, ex-marido, companheiro, namorado e ex-namorado ou amante, pessoa com quem tem filho (a) s. Inclui-se a hipótese do amigo que assassinou uma mulher – amiga ou conhecida – que se negou a ter uma relação íntima com ele (sentimento ou sexual). Explica ainda PRADO (2017), “Quer dizer que, em vida, aquela mulher estava sendo assassinada aos pouquinhos por alguém da sua intimidade, até que um dia ela foi morta definitivamente. Não íntimo Morte de uma mulher cometida por um homem desconhecido, com que a vítima não tinha nenhumtipo de relação, como uma agressão sexual que culmina no assassinato de uma mulher por um estranho. Considera-se também, o caso do vizinho que mata a sua vizinha sem que existisse, entre ambos, algum tipo de relação ou vínculo. (PRADO, et al, 2017, p.21). . A autora faz ainda uma ressalva ao feminicídio em vertentes que estão além do âmbito familiar, quando a mesma, refere-se ao feminicídio de menores: PRADO (2017), ” Infantil Morte de uma menina com menos de 14 anos de idade cometida por um homem no âmbito de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder conferido por sua condição de adulto sobre a menoridade da menina”. Familiar Morte de uma mulher no âmbito de uma relação de parentesco entre a vítima e agressor. O parentesco pode ser por consanguinidade afinidade ou adoção. Grifa a Autora (2017), “Por conexão Morte de uma mulher que está „na linha de fogo‟, no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. Pode se tratar de uma amiga ou parente da vítima, ou também de uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima”. Sexual sistêmico Morte de mulheres que são previamente sequestradas, torturadas e/ou estupradas. Há duas modalidades segundo PRADO e SANEMATSU: Sexual sistêmico desorganizado, quando a morte das mulheres está acompanhada de sequestro, tortura e/ou estupro. Presume-se que os sujeitos ativos matam a vítima num período de tempo determinado; sexual sistêmico organizado, quando se presume que os sujeitos ativos atuam como uma rede organizada de feminicidas sexuais, com um método consciente e planejado por um longo e indeterminado período de tempo. (PRADO e SANEMATSU, 2017, p. 21 e 22). 34 Compreende-se que a autora faz uma referência as torturas seguidas de crime, a grosso modo, esse é um dos crimes aparentemente sem explicação. Ainda segundo a autora a prostituição ou ocupações estigmatizadas está relacionada a morte de uma mulher que exerce prostituição e/ou outra ocupação strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas cometida por um ou vários homens. Existindo ainda os homicídios coletivos, aqueles nos quais a mulher é instigada ao ódio, como isso incentiva o agressor a cometer o ato. Para tanto, algumas mortes de mulheres são cometidas em situação de tráfico de pessoas. Por tráfico, entende-se o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, valendo-se de ameaças ou uso da força ou outras formas de coação, quer seja rapto, fraude, engano, abuso de poder, ou concessão ou recepção de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento da pessoa e exploração. Esta exploração inclui, sobretudo a prostituição alheia ou outras formas de exploração sexual, os trabalhos ou serviços forçados, a escravidão ou práticas análogas à escravidão, a servidão ou a extração de órgãos. A autora ressalta ainda as mortes por contrabando (2017), “contrabando, entende-se a facilitação da entrada ilegal de uma pessoa em um Estado do qual a mesma não seja cidadã ou residente permanente, no intuito de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício de ordem material”. O recorte da autora do seguimento a outras formas de feminicídio pouco percebida pela sociedade, elencado da seguinte forma: transfóbico, lesbofóbico, racista, ou ainda por mutilação genital feminina. 2.3 – Motivação do feminicídio. A violência contra a mulher apresenta-se como sistêmica e de diversas formas, desde a violência simbólica através da desumanização/objetificação do gênero feminino e a violência psicológica até o estupro e o feminicídio. E se faz presente em diversos espaços: na rua, em casa, no parto e até no ambiente virtual. 35 E o que elas têm em comum? Machismo, misoginia e a naturalização de tais opressões em comportamentos e discursos. A naturalização da violência contra a mulher coloca as agressões dentro de um relacionamento como um descontrole, um mero desentendimento, um problema privado e até mesmo como algo motivado pela própria vítima e essa culpabilização faz com que o silêncio e a vergonha façam parte do cotidiano de muitas mulheres. Muitas falas que achamos inofensivas, muitas vezes, contribuem para a violência misógina ser tão naturalizada e acabam por legitimar, socialmente, as agressões. É necessário refletir sobre elas e deixar de usá-las. O feminicídio está ligado diretamente a condição de ser do sexo feminino, levando os mais habituais motivos como, por exemplo, sentimentos como o ódio, intolerância e desprezo. São variados os tipos de sentimento negativo que motivam a prática do feminicídio, a perda de controle quando o agressor começa a tratar a mulher como sua propriedade também está ligada diretamente à motivação da prática desse crime. É recorrente o fato do homem achar que a mulher é sua propriedade, em muitos países ainda ocorre isto, sendo recorrente também no Brasil. Os indicativos da violência contra as mulheres que usufruem da trajetória feminina, os eventos apontam para a desigualdade de gênero como sendo o fator determinante para a agressão suportada pelas mulheres. No entanto, inicialmente a violência acontecia de forma mais intensa devido a submissão e dependência financeira da mulher para com seu “protetor”. CIDH (2009), definido pela Conselho Internacional de Direitos Humanos como “um homicídio da mulher por razões de gênero”, as referências para a criação do termo são Jane Caputi e Diana Russell, que, em seu clássico texto intitulado “Feminicídio “, o define como a forma mais extrema de terrorismo sexista, motivada pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade sobre as mulheres. No entanto, Velho (2000), enfatiza que este não é o desejo de todos os jovens pobres. Portanto, é relevante entender o contexto e as motivações que influenciam os jovens. Nas comunidades pobres, a relação com os traficantes é de 36 tensão e conflito, onde há alguma lealdade por meio de denunciá-los e sofrerem as consequências ou até mesmo perder a vida. As Diretrizes Nacionais detalham as motivações baseadas em gênero que podem estar por trás de episódios violentos: sentimento de posse a mulher; controle sobre seu corpo, desejo e autonomia; limitação da sua emancipação profissional, economia, social ou intelectual; tratamento da mulher como objeto sexual; as manifestações de desprezo e ódio pela mulher e por sua condição de gênero. Em relação a esse tipo de crime, temos a conclusão que é um crime motivado por ódio, até mesmo por uma questão essas vítimas são consideradas propriedades de outrem e não donas de seus próprios corpos. Apesar de ser um crime que vem sendo questionado desde os anos 90, no Brasil, foi tipificado através da Lei 13.104 apenas no ano de 2015, sendo incluído como uma qualificadora do homicídio, previsto no código Penal vigente. 2.4 – Lei 13. 104/15 Lei do feminicídio. A violência contra a mulher no Brasil é bastante acentuada e, esses dados nos referenciam a um expressivo aumento, se considerarmos a parcela da população que não denunciam o abuso. O crescimento do aparato legal relacionado à proteção da mulher ocasionou uma nova perspectiva para o Sistema Jurídico Criminal brasileiro, que sempre se mostrou a favor dos mecanismos de dominação e reprodução das desigualdades de gênero e legitimação da ordem patriarcal. A Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, exibiu-se como um dos maiores avanços no aparato legal brasileiro, onde se criam condições para reduzir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei 13.104/15 do Feminicídiofoi recentemente sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, no dia 09 de março de 2015, apresentando por intenção punir o delituoso que empreende o agravante crime hediondo contra a mulher, seja por sua categoria de mulher, no sentido de menosprezo, descriminação como ainda da oportuna violência doméstica e familiar. 37 Considera-se ainda na presente Lei que ofereceu nova escrita ao artigo 121 do Código Penal, pois, considerou o feminicídio por causa da categoria do sexo feminino, nomeando uma pena mais dura, que resultou na reclusão, de doze a trinta anos e classificando os condicionantes para a espécie de crimes: quando envolve o crime de violência doméstica e familiar bem como menosprezo ou descriminação à condição de mulher. A pena pode ser aumentada se a vítima estiver em outras circunstancias de vulnerabilidade, entre estas, a gestante ou ser menor de idade. O delito de feminicídio se assenta nessas situações, entendendo que nestes espaços as mulheres estão em vulnerabilidade, por ter na maioria das vezes algum tipo de vínculo afetivo ou familiar com o seu agressor. Para que a violência contra as mulheres possa ser compreendida no contexto das relações desiguais de gênero, é imprescindível visualizarmo-la sobre os primórdios da reprodução do controle do corpo feminino e das mulheres numa sociedade sexista, machista e patriarcal. As desigualdades de gênero têm, na violência contra as mulheres, sua expressão máxima que, por sua vez, deve ser entendida como uma violação aos direitos humanos das mulheres. Conforme preconizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo I; Art. I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Art. IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Art. V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. (DUDH, 1948, p.03). Dito isto, compreende-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos – (DUDH), surge com a ideia de atingir a todos os povos e todas as nações, tem o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tenham sempre em mente esta Declaração e, se esforce, através do ensino e da educação, buscando promover o respeito a esses direitos e liberdades. A violência de quaisquer tipos, praticada a qualquer um, viola esta Declaração e agride seu ideal. Desta forma, o conceito de violência contra as mulheres, que tem por apoio a questão de gênero, demanda um fenômeno multifacetado, com raízes histórico-culturais profundas, que é permeado por questões étnico-raciais, de classe e de geração, entre outras. 38 Ao referirmos a gênero, subentende-se que isto requer, do Estado e dos demais setores envolvidos, uma abordagem Inter setorial e multidimensional na qual as extensões acima mencionadas sejam reconhecidas e enfrentadas. Além do mais, uma política na área de violência contra as mulheres exige uma ação conjunta para o enfrentamento do problema. Onde os diversos setores como: a saúde, a educação, a assistência social, a segurança pública, a cultura, a justiça, entre outros; sejam envolvidos no objetivo de dar conta da complexidade da violência contra as mulheres e de garantir a integralidade do atendimento àquelas que vivenciam tal situação. Fazendo uma breve contextualização da concepção da mulher na sociedade brasileira, observamos a naturalização dos distintos papeis do homem e da mulher, que é incentivada pelas necessidades inerentes a sociedade, supondo a diferença dos papeis que cada grupo de sexo deve assumir dentro da sociedade. E neste sistema relacional ao homem e instituído o poder decisório sobre a família. Seu papel é claramente definido através do poder que a ele é outorgado pela sociedade e a mulher cabe-lhe a obediência. O cuidado com os filhos é tradicionalmente trabalho feminino e continua sendo, mesmo quando a mulher realiza atividade remunerada, fora do lar. O mais longe que se alcança é a função dessa atividade a outra mulher expressamente assalariado para esta finalidade. Segundo Saffioti (1987, p. 8) “esta „permissão‟ só se legitima verdadeiramente quando a mulher precisa ganhar seu próprio sustento e dos filhos ou ainda complementar o salário do marido”. É notório o papel atribuído a mulher de ser a responsável pela execução das tarefas domésticas. Este fator é resultado da capacidade da mulher de ser mãe e aflui para a afirmação do pensamento natural de que a mulher deve somente se consagrar as atividades domésticas. Legitimando-se na compreensão de um fenômeno natural, ordenado e organizado de várias formas por sociedades distintas que institui dimensões socioculturais de determinado elemento. Saffioti (1987, p. 10) ainda explica: Rigorosamente, os seres humanos nascem machos ou fêmeas. E através da educação que recebem que se tornam homens e mulheres. A identidade social é, portanto, socialmente construída. Se, diferentemente das mulheres de certas tribos indígenas brasileiras, a mulher moderna 39 tem seus filhos geralmente em hospitais, e observa determinadas proibições, é porque a sociedade brasileira de hoje construiu desta forma a maternidade. Assim, esta função natural sofreu uma elaboração social, como alias, ocorre com todos os fenômenos naturais. É próprio da espécie humana elaborar socialmente fenômenos naturais. (SAFFIOTI, 1987, p. 10) A identidade social do homem e da mulher é determinada historicamente e erguida a partir do processo histórico-social do modo de produção pertencente a sociedade. Os papeis sociais divididos, são os que suscitam as relações de desigualdade entre as partes, afirmando que a relação que homens e mulheres exercem uma única finalidade a de alimentar a reprodução do modo de produção fincado na divisão sexual do trabalho fundamental a sua perpetuação. Para tanto, no Brasil, os mecanismos legais procuram diminuir as disparidades e resguardar o segmento da população marginalizada. A desigualdade atual na sociedade levou a constituição de um aparelho jurídico que investisse minimização das injustiças sociais. As leis precisariam ser iguais para todos, entretanto, como a sociedade é dividida em classes e, estas não apresentam as mesmas oportunidades, o dispositivo jurídico brasileiro não seria justo se apresentasse os mesmos retornos para todas as classes sociais. Como ressalta aqui Saffioti: Tome-se, por exemplo, a questão da violência masculina contra a mulher. Dada sua formação de macho, o homem julga-se no direito de espancar sua mulher. Esta, educada que foi para submeter-se aos desejos masculinos, toma este „destino‟ como natural. A criação das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher resultou desta ideia de que pessoas consideradas desiguais pela sociedade não devem ser tratadas pelas mesmas leis. As delegacias especializadas no atendimento de mulheres vítimas de violência criaram condições para que estas vítimas denunciem seus algozes. Diferentemente de uma delegacia de polícia tradicional, as delegacias especializadas não admitem funcionários homens. Todas, desde as investigadoras, passando pelas escrivas, até a delegada titular, são mulheres. Só este fato já promove serias mudanças, que estimulam as vítimas de violência a denunciar os que, de uma maneira ou outra, lhes infligem sofrimentos físicos. Numa delegacia especializada, onde só trabalham mulheres, o ambiente é de solidariedade para com as vítimas, ao contrário do que ocorre nas delegacias comuns. Nestas, as vítimas, já grandemente fragilizadas pela violência sofrida, são objeto de chacotas com base na crença de que „mulher gosta de apanhar‟ ou „mulher que apanha agiu incorretamente‟. O dito popular „em briga de maridoe mulher não se mete a colher‟ mostra eloquentemente a atitude machista de não tocar na sagrada supremacia do macho. (SAFFIOTI, 1987, p. 79-80). 40 O famoso dito popular, citado pela autora “em briga de marido e mulher não se mete a colher” gera condições para os homicídios. Pois, permite a continuação dos abusos. Mas, com a criação das delegacias especializadas, essa realidade passa a ser questionada, mudada e ganha uma nova abordagem no Brasil. E muitas dessas mudanças promovidas pelas próprias mulheres. Segundo Silva (2015), mediante a implantação da Lei do Feminicídio, a ótica do legislador é oferecer maior abrangência e caracterização dos instrumentos que tutelam a violência pela desigualdade de gênero. Com efeito, a norma instituída, distingui o feminicídio dos demais homicídios cometidos na seara criminal, avançando o entendimento que medidas punitivas mais rigorosas, inibem o comportamento criminoso do agressor. “O congressista brasileiro, não poupou esforços no sentido de endurecer, isto é, de conferir maior severidade, no tratamento Penal dos agressores no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher. O que se agravou com a publicação da Lei 13.104/2015, intitulada de lei do feminicídio. (FRANÇA COLAVOLPE, 2015, s.p). A violência perpetrada contra o feminicídio nem sempre é ostensiva, exteriorizando-se através da agressão ao corpo. A violência masculina muitas vezes é imperceptível, manifestando-se simbolicamente e reproduzida, circunstancialmente, pelas próprias mulheres que incorporam a visão masculina (androcêntrica) de mundo. [...] do ponto de vista jurídico, a lei do feminicídio não traz nenhuma novidade. Os homicídios práticos dos em razão do gênero cabem nas circunstâncias qualificadoras que já existem no Código Penal, e todo homicídio qualificado é crime hediondo. Penso que o problema é histórico-político, ou ainda, a depender do referencial de análise, o problema se encontra no campo simbólico. Se, de um lado, a lei do feminicídio não traz novidade jurídica, de outro, ela serve para reafirmar a resposta penal dos nossos problemas éticos, históricos, culturais, como o machismo. Ao fazer isso, Lei mobiliza punições que são distribuídas seletivamente, porque o direito penal é seletivo. (BOURDIEU, 2010, p. 61). Ao ingressar no ordenamento jurídico, a Lei do Feminicídio enfatiza o homicídio de mulheres vítimas de violência, qualificando o crime nessa esfera como hediondo, medida reparadora para ineficácia estatal, direcionando a política criminal 41 como forma de atenuar o progressivo indicador de homicídios praticados contra as mulheres. Toda é certo que o direito tem como função diminuir conflitos socais para que exista uma sociedade minimamente segura, estável e ordenada. No entanto, precisamos considerar que o Direito Penal deve ser para controle da desigualdade social. BIANCHINI (2015) O feminicídio constitui a manifestação mais extrema da violência machista fruto das relações desiguais de poder entre os gêneros. Ao longo da história, nos mais distintos contextos socioculturais, mulheres e meninas são assassinadas pelo tão – só fato de serem mulheres. O fenômeno forma parte de um contínuo de violência de gênero expressada em estupros, torturas, mutilações genitais, infanticídios, violência sexual nos conflitos armados, exploração e escravidão sexual, incesto e abuso sexual dentro e fora da família. 42 4 – CAPÍTULO 3 – SERVIÇO SOCIAL: FEMINICÍDIO E AS POLÌTCAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO PARA A MULHERES. 3.1 – Serviço Social nas questões do feminicídio. Não é possível que a morte violenta das mulheres seja civilizada e naturalizada, ou seja, precisamos considerar a violência e o feminicídio incomuns, como expressões de práticas cruéis e a coibir com toda a força da lei. É preciso construir novos paradigmas para o trabalho diário do operador do direito. O conceito da Lei Maria da Penha deverá ser utilizado em nossa opinião no ambiente acadêmico com impacto na luta contra a impunidade, cada poder seja Legislativo, Executivo e Judiciário, possuem responsabilidades especificas para garantir que as mulheres tenham acesso à justiça. E se já houve o homicídio dessa mulher que seja ouvida pela última vez, tendo pelo Ministério Público voz a fim de que garantam os direitos que elas possuem, e que em vida não fora cumprida, fazendo a justiça plena, aplicando uma norma mais severa e justa de acordo com o crime cometido, sendo então qualificado como feminicídio. O terror anti-feminino inclui uma ampla variedade de abusos verbais, físicos, sexuais, psicológicos a Lei Maria da Penha fala de todos esses tipos de abusos, quando esses abusos se transformam em morte serão chamados de feminicídio. Não é a mesma coisa, que falar sobre homicídio de mulheres, e de feminicídio ainda que as vítimas sejam as mesmas, o feminicídio também não é simplesmente uma palavra para assimilar o sexo das pessoas mortas. A figura do feminicídio dá um outro sentido, ou seja, de que as mortes das mulheres não se circunscreveram as histórias particulares na qual elas vivenciaram. Na aplicação da Lei Maria da Penha, é feita uma análise sociocultural daquelas pessoas em que fazem parte do meio social e familiar o feminicídio é uma categoria segunda a qual as mortes, elas resultariam de um sistema de uma lógica ideológica, na qual poder e 43 a masculinidade são sinônimos da misoginia que é o ódio, desprezo, repulsa pelo corpo feminino e as características a ele associadas. As autoras Diana Russell e Jane Caputi, nomeiam os abusos praticados contra as mulheres como terrorismo sexual, esse terrorismo que elas utilizam é para que as mulheres permaneçam no lugar assinalado para o gênero feminino é uma categoria que permite dar um sentido comum, aos assassinatos de mulheres que ocorrem em todos os países do mundo. Partindo desse contexto, podemos analisar o feminicídio como um crime de ódio equivalente ao racismo e a homofobia, o impulso de ódio contra mulheres é uma consequência da infração feminina, as duas leis do patriarcado que é a superioridade masculina. Essa reação de ódio exerce autonomia do seu corpo infringido as regras de fidelidade, de celibato ou quanto ela tem acesso a posições de autoridade do poder econômico, político, desafiando a permanência das relações assimétricas. Os crimes de honra na Turquia, muitos autores fazem uma análise, histórica e pessoal de mulheres, temos os crimes por dotes na Índia, a impunidade dos assassinatos de mulheres na África. Esses assassinatos das mulheres nas guerras antigas, em Ruanda e Eslováquia, e todas essas situações elas encontram explicação na violência estrutural pela lógica patriarcal que está no mundo contemporâneo. Quando se fala em patriarcados culturais evidentemente não estamos se referindo aquela noção antiga de patriarcado da antiga Roma ou até mesmo do final do século XIX. Mas esse patriarcado é o chamado, patriarcado contemporâneo, em que ele se reconfigurou se amolda, mas a lógica de uma relação de dominação e essa relação de dominação, que é evidentemente uma relação doméstica em uma dominação e essa relação de dominação, que é evidentemente uma relação assimétrica em um polo os homens e no outro as mulheres. A substituição da figura do patriarcado, de relações de gêneros que são expressões em “decorrência da estrutura patriarcal”, utilizou a expressão desigualdade de gênero que são expressões que possuem pontos em comum, mas elas também têm diferenças no caso das relações de gêneros essas expressões ela dá conta da própria reconfiguração da estrutura patriarcal. Segundo o livro Primavera já partiu, tem um artigo de Lia Zanotta Machado, relata: 44 Na violência entre homens e mulheres o núcleo de significação, parece
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