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CCJ0005-WL-AMMA-14-aula_14-Noções sobre Direitos Humanose Globalização

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Tema: O conceito de nação. Os anseios identitários. O conceito de multiculturalismo.  
Compreender categorias e conceitos fundamentais ao fenômeno jurídico-político.
Analisar as estruturas e as articulações do discurso político na pós modernidade pelas categorias e conceitos de nação, multiculturalismo, Direitos Humanos e globalização.
Estimular a utilização de raciocínio jurídico-político, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica, elementos essenciais à construção do perfil do profissional do Direito.
13. As categorias do campo político: nação, multiculturalismo, Direitos Humanos e globalização.
 
13.1. O conceito de nação. 
 
Nação é uma realidade sociológica. Ela significa um grupamento humano que divida os mesmos valores étnicos, linguísticos, religiosos, de consciência social, de costumes etc.
 
13.2. Os anseios identitários.
 
Paulo RANGEL situa as sociedades contemporâneas, principalmente as ocidentais, como fruto da globalização e da medievalização do poder. Esse novo quadro político mundial marca “a nova coisa política (...) pela pluralidade, heterogeneidade e alta diferenciação dos actores políticos, com um nítido e acentuado enfraquecimento — uma relativização — dos poderes estaduais (aquilo a que, por vezes, se tem chamado, tant bien que mal, a ‘medievalização do poder’). Sobre o enfraquecimento do poder estatal: “Essa diferenciação de forças políticas e o tecido resultante da sua imbricação recordam inapelavelmente o mundo político medieval, a sua estrutural diversidade e a sua condição radicalmente interdependente”. RANGEL, Paulo de Castro. Diversidade, Solidariedade e Segurança (notas em redor de um novo programa constitucional). Disponível em www.ao.pt/genericos/detalheArtigo.asp Novembro de 2003.  Acesso em 22 de novembro de 2004.
 
13.3. O conceito de multiculturalismo.
 
“O pluralismo de opiniões, organizações e partidos, na mídia, para a composição de vários órgãos que exercitam a supervisão de funções, desde há muito parecia constituir uma condição tanto necessária quanto suficiente para gerar resultados normativos cuja realização pudesse ser aceita como bem comum. (...) Mas, no contexto de novas demandas de diversidade, não mais direcionadas à síntese de um (todo) universal, e sim, ao invés, à possibilidade de coexistência de uma multiplicidade de particularidades freqüentemente incompatíveis, essas pressuposições não mais obtêm efetividade, ou, no mínimo, esta se encontra profundamente minada.” DENNINGER, Erhard. Segurança, Diversidade e Solidariedade ao invés de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. In Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol.88, dezembro de 2003, p.32.
Caso Concreto
 
Tema: Igualdade e Multiculturalismo
 
Leia o texto a seguir, atentamente, e faça uma dissertação associando os conceitos de igualdade, multiculturalismo e identidades.
 
Tema: Igualdade, multiculturalismo e identidades.
 
Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença?
Profª. Drª. Fernanda Duarte
A pesquisa explora a hipótese de que as desigualdades que marcam a cultura brasileira também se reproduzem no ordenamento jurídico. Tal se evidencia na tentativa de aproximar duas lógicas paradoxais: a que regula a desigualdade social e a que regula a igualdade jurídica. No Brasil, no plano do discurso jurídico, as desigualdades jurídicas não são admitidas, porém se tornam objeto de discursos "naturalizados", quando acompanhadas de justificativas que remetam à idéia de diferença, disputando legitimação no campo jurídico. A pesquisa buscará explicitar o significado das categorias igualdade e diferença, no contexto de decisões do Supremo Tribunal Federal, chamando atenção para dois aspectos: 1) ausência de consenso mínimo sobre o reconhecimento dos elementos justificadores do tratamento diferenciado - o que implica desigualdade " retoricamente atualizada" em diferença; 2) o paradoxo gerado pela lógica do contraditório que controla as decisões judiciais. Utiliza-se o levantamento jurisprudencial das decisões, no sítio do STF, por intermédio de filtros de refinamento de busca, para posterior análise dos casos concretos. Pretende-se oferecer outros elementos que ajudem na compreensão da problemática das relações entre este tribunal maior - guardião da Constituição - e a sociedade brasileira.
 	
1.      A IDÉIA DE IGUALDADE E SEUS IMPASSES POLÍTICO-FILOSÓFICOS
 
A questão da igualdade ou de sua falta  tem atormentado o homem, desde tempos muito antigos. O problema das desigualdades internas, inerentes ao ser humano, bem como o problema das desigualdades externas têm fornecido material para reflexão e investigação, nas mais diversas áreas do conhecimento humano. E, inclusive, gerado visões de mundo da mesma forma diferentes, que repercutem em organização social e sistemas políticos distintos.
Muitas são as questões teóricas e práticas  suscitadas pela temática[1]. À guisa de exemplo, pode-se arrolar: a dificuldade conceitual; a necessidade de um juízo de comparação para a compreensão de seu significado; as relações entre igualdade e diferença; o papel desempenhado pela igualdade no Estado Democrático de Direito, entre outros mais. 
No que toca ao problema conceitual, percebe-se que a igualdade não apresenta uma definição clara de seu conteúdo. Carecendo de uma dimensão substantiva, sua negação não implica necessariamente violação[2], e muitas vezes ela própria é confundida com outros valores, como a justiça e a liberdade, daí resulta a multiplicidade de classificações da igualdade, conforme os valores dos quais se aproxime[3]. 
Essa imprecisão conceitual se potencializa quando a  inteligibilidade da igualdade se veicula em um juízo de comparação[4]. Desta forma, precisar a noção de igualdade pressupõe o enfrentamento de três questionamentos básicos: “igualdade para quem?; igualdade para quê?;  igualdade de quê?”. Essas indagações, ao definir seu conteúdo e  alcance, permitem uma avaliação do quanto de eficácia/concretização se dispensa ao valor. Assim, percebe-se que a questão também é essencialmente relacional já que a igualdade só pode ser compreendida em comparação intersubjetiva - o que lhe acrescenta novos desafios. Nesse sentido Amartya Sem[5] adverte que para se falar sobre a igualdade deve-se de plano definir os critérios (aos quais denomina “variável focal”) que informam a comparação. 
Já a problemática da igualdade e da diferença se traduz, especialmente, no debate multiculturalista[6]. E remete a outras indagações, que partem desde posições radicais antagônicas (nas quais os valores praticamente se excluem, sendo necessária a opção por um deles em detrimento do outro) até posições de conciliação (que pretendem articular  ambos os valores). Boaventura de Souza Santos  bem evidencia essa tensão: “temos direito a reivindicar a igualdade sempre que a diferença nos inferioriza e temos direito de reivindicar a diferença sempre que a igualdade nos descaracteriza”[7].
Por outro lado, a igualdade é considerada como o elemento central do Estado Democrático de Direito, funcionando como um eixo da própria legitimidade do direito e como requisito essencial para uma prática jurídica discursiva[8]. 
Enfim, a transposição da problemática da igualdade para o  universo jurídico também revela esses embates. Porém, pode-se pretender uma sistematização de algumas das questões postas pela comunidade jurídica, a fim de se estabelecer elementos que facilitem uma melhor  compreensão do problema.
 
2.      O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA ESFERA JURÍDICA
 
2.1 Origem histórica
 
É na Revolução Francesa que se formaliza a idéia jurídica de igualdade (também conhecida por isonomia), inserta no art. 1° da Declaração  dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789[9]. Posteriormente, com o movimento constitucionalista que grassou o mundo, modelado pela Constituição Norte-Americana de 1791[10], o ideal de igualdade tomou lugar cativo nas Constituições modernas.
Na visão de Castro, com o ideário francês revolucionário, nascia no plano jurídico-positivopoderoso instrumento de reação contra os privilégios pessoais  e contra a hierarquização das classes sociais, que se manifestava desde a Antiguidade até o Renascimento, ao mesmo tempo, em que nascia também a fonte inesgotável de argumentos para o ideário igualitarista, que após a  2°  metade do século XIX “incendeia a história do pensamento político-econômico, espalhando até os nossos dias suas centelhas cada vez mais acesas”[11].
No que diz respeito à realidade brasileira, é na primeira  Constituição Republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, que se fez introduzir o princípio da isonomia, em nosso ordenamento, como simples vedação formal a privilégios individuais[12]. As demais Constituições repetiram o preceito, sendo que o mesmo passa a ter uma outra envergadura com a Constituição de 1988.
 
2.2 Igualdade formal e Igualdade material
 
O debate clássico sobre esse tema apresenta uma dupla leitura sobre a igualdade: a igualdade formal e a igualdade material - também denominada de igualdade substantiva ou substancial.
A idéia de igualdade formal que hoje se veicula apresenta claros contornos liberais, ainda reproduzindo concepções oitocentistas, recorrentes no direito continental. Em geral associada à dicção igualdade jurídica,   determina que  “todos merecem a mesma proteção da lei”, proibindo que  “se crie tratamento diverso para idênticas ou assemelhadas situações de fato”[13] . Seu escopo é  a esfera normativa que não pode se tornar fonte de privilégios, impondo para tanto tratamento uniforme perante a lei e vedando tratamento desigual aos iguais.
Já a  igualdade material, em termos gerais,  é aquela que assegura o tratamento uniforme  de todos os homens, resultando em igualdade real e efetiva de todos,  perante todos os bens da vida. Denninger, ao discorrer sobre a igualdade material, propondo a superação da clássica tríade liberdade, igualdade e fraternidade,  fala de um  “novo desejo de diversidade” que deverá assegurar o estabelecimento de “iguais condições de fato”, para que se possa “fazer uso de um direito fundamental” e propõe o estabelecimento de uma “igualdade no valor das condições de vida”[14]. Trata-se assim da realização de uma diversidade cultural, religiosa, étnica e ideológica que contemple as “necessidades especiais” das minorias.
Entretanto, apesar da forte carga humanitária e idealista que essa igualdade traz consigo, até hoje, a experiência histórica das sociedades humanas, não logrou sua  realização plena. Muitos são os fatores, aos quais se pode atribuir a inviabilidade prática da igualdade material plena: a natureza física do homem, ora frágil, ora forte; a multiplicidade da estrutura psicológica humana, ora tendente à dominação, ora voltada para a submissão; e as próprias estruturas políticas e sociais adotadas, que muitas das vezes, tendem a consolidar ou mesmo exacerbar as diferenças, ao invés de neutralizá-las ou ainda atenuá-las. 
Porém, tal desafio não alijou o ideal da igualdade material. Numa vertente mais factível, constrói-se o debate a partir da idéia de igualdade de oportunidades - que tem se colocado no centro de um acalorado debate contemporâneo, especialmente nos Estados Unidos da América do Norte, gerando inclusive as chamadas políticas de ação afirmativa[15].
Com essa inspiração, nas democracias ocidentais, com contornos de Estado do Bem Estar Social, o princípio da igualdade material passa a ter assento nas Constituições. É justamente  na disciplina da ordem social, cristalizando aqueles direitos chamados de segunda geração, eis que buscam  assegurar o acesso de todo o povo a determinados bens - como a   educação, a saúde, o trabalho, o lazer,  a previdência e assistência sociais – que vislumbra-se a clara  iniciativa de trazer entre as pessoas maior igualdade material, ainda que a eficácia social  de tais normas seja passível de críticas já que os direitos que consagram estão previstos nas chamadas normas programáticas.
O conflito entre essas duas leituras tem sido tema recorrente na literatura política e reverbera na discussão jurídica do tema, lançando o desafio: “como compatibilizar essas duas dimensões da igualdade?”
 
2.3 Igualdade na lei e igualdade perante a lei
 
Superada a distinção que a doutrina faz entre igualdade material e igualdade formal, há uma outra a ser examinada: ao se tratar do tema isonômico, na sua vertente formal, fala-se ainda em igualdade perante a lei e igualdade na lei. 
A igualdade perante a lei tem por destinatário exclusivo o aplicador da lei, isto é, a igualdade há de ser observada mormente pelo juiz e pelo administrador, ao fazer incidir a lei em uniformidade para todos.
Entretanto, o princípio tem uma outra significação, que vincula especialmente o legislador, daí dizer-se igualdade na lei, pois o tratamento a ser erigido pela norma deve também atentar para a fixação de parâmetros igualitários.
Registre-se que a doutrina não é unânime quanto à necessidade e utilidade  dessa distinção. Para José Afonso da Silva, eventualmente, ela até se manifestaria útil no direito estrangeiro, mas absolutamente inútil e desvantajosa no sistema brasileiro, “[...] porque a doutrina como  a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatário tanto o legislador como os aplicadores da lei”[16].
Com efeito, apesar das divergências apontadas, as mesmas se revelam mais como  distinções retóricas, já que em ambas se verificam, de uma forma ou de outra,  como destinatários do princípio da isonomia,  quer aqueles que aplicam a lei, quer  aqueles que as criam, havendo pois uma dupla destinação do comando, que assegura a vedação de  concessão de privilégios a uns em detrimento de outros (isonomia na elaboração da lei), bem como uma aplicação igual para todos.
 
2.4 Igualdade e tratamento diferenciado
 
Discute-se aqui  a possibilidade constitucional de tratamento legal diferenciado. 
Deve-se ressaltar que o princípio igualdade não exige tratamento idêntico, em quaisquer circunstâncias, para todas as pessoas. Ele guarda uma dupla diretriz: a determinação para tratamento igual, se não houver autorização constitucional para tratamento diferenciado; e a exigência de tratamento diferenciado se a situação das pessoas envolvidas for essencialmente distinta. 
Portanto, o princípio constitucional da isonomia pressupõe um dever de igualdade para  o Poder Público, desdobrando-se em tratamento igualitário se as situações consideradas  apresentarem circunstâncias iguais  e autorizando  tratamento diferenciado, se as situações forem diversas. 
Já que as leis, sob o aspecto funcional, nada mais fazem do que  classificar  situações,  discriminado-as,  para submetê-las à disciplina destas ou daquelas regras é preciso  indagar quais as discriminações juridicamente intoleráveis e quais as que têm abrigo no ordenamento jurídico, a fim de apurar a inconstitucionalidade (ou não) da medida perante o princípio.
Isto é, a constitucionalidade do discrímen adotado fica condicionada a um “teste” de razoabilidade, onde a mesma assume feições de parâmetro e não de uma medida em si. Desta forma, o princípio da razoabilidade é utilizado com o intuito de aferir se as distinções de tratamento, considerando o resultado perseguido, são ou não compatíveis com a igualdade. 
Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos pioneiros a abordar o tema da igualdade sobre o prisma do tratamento diferenciado, apresenta uma sistematização[17] exemplificativa  das hipóteses em que há a violação à norma isonômica: 
 
“I - A norma singulariza atual e definitivamente  um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria  de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.
II - A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” - que não descansa no objeto - como critériodiferencial.
III - A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência  lógica com a disparidade  de regimes outorgados.
IV - A norma supõe  relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
v - A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens, desequiparações que não foram  professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda  que por via implícita”[18].
 
Não havendo, portanto, uma justificativa razoável para a adoção de tratamento diferenciado, tem-se configurada uma inconstitucionalidade por violação ao princípio da isonomia.
 
É importante registrar também a relação entre igualdade e discriminações odiosas. Apesar da possibilidade de tratamento diferenciado, há determinados fatores de desigualação que, em princípio, seriam repudiados, padecendo de presunção relativa de inconstitucionalidade. Esses fatores são conhecidos como discriminações odiosas e podem ser associados à vedação contida no inciso IV, art. 3o. da Constituição. E diz a doutrina que uma discriminação odiosa pode ser configurada quando se “[...] adota como critério diferenciativo um dado da natureza independente e indeterminável pela vontade humana, a exemplo de raça, sexo, filiação, nacionalidade, etc., determinado pelo simples fato do nascimento, ou então, quando a discriminação legislativa interfere com direitos considerados fundamentais, e por isso mesmo assegurados de modo explícito ou implícito na Constituição”[19].
 
Em síntese, os critérios que norteiam a adoção de tratamento legal diferenciado devem observar três diretrizes básicas: a) determinação constitucional para tratamento igual, se não houver autorização constitucional para a adoção de  tratamento diferenciado ; b) a exigência de tratamento diferenciado pressupõe a existência de situações essencialmente diferentes; c) o discrímen adotado deve se revelar em harmonia com a totalidade da ordem constitucional, isto é, o princípio da isonomia traz a autorização para  que o Estado erija  tratamento desigual desde que o faça justificadamente, considerada a ordem de valores constitucionais vigentes.
Entretanto, a questão não se resolve facilmente, pois há um paradoxo a ser equacionado. Se a falta de determinação semântica do valor de igualdade o sujeita a várias críticas que acabam por  obscurecer e questionar a legitimidade do esforço de racionalização da atividade jurisidicional exercida nos casos envolvendo o princípio da igualdade;  percebe-se também que a caracterização da violação ao princípio deverá ser criteriosamente examinada à luz do caso concreto apresentado. 
 
Assim, critérios apriorísiticos se limitam a tracejar os indícios de potencial agressão, que se evidenciará ou não, após a efetiva avaliação do tratamento legal escolhido e suas conseqüências perante o ordenamento constitucional, ressaltando-se, a relevância da sensibilidade constitucional e atividade a ser desempenhada pelo intérprete e aplicador da norma questionada, bem como a importância  dos argumentos apresentados para o  processo de decisão judicial.
 
2.5 A Igualdade na Constituição Brasileira de 1988
 
Ao se falar do princípio  da igualdade, buscando lhe dar uma maior concreção e densidade, é importante estabelecer uma relação direta com  uma determina ordem constitucional. No particular, nos interessa a ordem constitucional inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Levando-se em conta as considerações traçadas anteriormente sobre a distinção entre igualdade material e igualdade formal (esta como igualdade na lei e perante a lei), pode-se afirmar que desde suas primeiras manifestações a doutrina brasileira,  de uma forma geral, tem  entendido que o princípio constitucional da isonomia estabelece tão só a exigência de igualdade formal , já que nem sempre a igualdade material se mostra acessível e viável.
Entretanto, se é verdade que essa concepção jurídica e limitada da igualdade constitucional como sinônimo de igualdade formal impregnou todo o mundo liberal da época moderna e contemporânea, imprimindo marcas,   até nossos dias,  na mentalidade constitucionalista no Ocidente, o princípio constitucional  da igualdade não se exaure na fórmula liberal.  Sua própria inserção,  no corpo dos documentos constitucionais, evidencia  outra dimensão possível do princípio da igualdade.
A nossa Carta vigente, acompanhando diversas Constituições do Pós-45[20], com expressões formuladas variadas, consagra a preocupação de garantir as condições de uma efetiva igualdade. Daí é possível  se apontar esquemas normativos, jurisprudenciais  e doutrinários que se rebelam contra a visão meramente formal da igualdade constitucional, desenvolvendo esforços para ampliar o seu sentido, de modo a utilizar o princípio da isonomia como instrumento jurídico de promoção da justiça social[21].
De fato, uma leitura  esparsa e assistemática da redação do caput do art. 5°, que estabelece de plano que todos são iguais perante a lei, poderia levar à conclusão de que este fosse o único dispositivo constitucional a tratar do tema, exaurindo-o, na expressão da igualdade formal. 
Entretanto, o princípio da isonomia tem assento em outros dispositivos – inclusive qualificados pelo Constituinte de 1988, como princípios fundamentais do Estado brasileiro – que encarnam a magnitude do preceito, em sua dimensão real.
Tratam-se, mais amiúde, dos incisos,  I,  III e IV do art. 3° que compromissam o Estado Brasileiro com  a  redução das desigualdades sociais e a promoção  do bem de todos. 
Com a redação dos dispositivos mencionados de nossa Carta de 88, sendo a igualdade considerada como norma principiológica, abrem-se assim novas luzes para o tema, vez que além da clássica visão da igualdade constitucional como igualdade jurídica (no sentido de igualdade formal), há a dimensão da igualdade material que impõe reconhecimento.
Por outro lado, para além das cláusulas gerais de igualdade, há ainda uma série de normas constitucionais que derivam diretamente do princípio da igualdade e que imprimem as diretrizes de determinadas relações jurídicas. 
A título  ilustrativo, em ordem cronológica,  pode-se indicar: a vedação de distinção em razão de origem, raça, sexo, cor , idade, credo e quaisquer outras formas de discriminação (art.3°, IV);  a igualdade de gênero  ( art. 5º, I ); entre o cidadão e a lei penal (art. 5°, caput) a igualdade jurisdicional (art. 5°, XXXVII,  LIII, LIV, LXXIV) a igualdade nas relações trabalhistas (art. 7°, XXX e XXXIV) ; a igualdade entre brasileiros natos e naturalizados (art.12, § 2°);  idêntico valor do voto (art.14, caput); a igualdade de acesso ao serviço público (art. 37, I ,II e VIII); isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do serviço público (art. 39); entre o Fisco e o contribuinte (arts. 145, §1° e 150,II);  a justiça social como diretriz para a ordem econômica e para  ordem social  (art, 170, VII e art. 193, respectivamente); a universalidade da prestação dos serviços da seguridade social (art. 194 e art. 196); a igualdade na educação (art. 205 e 206, I e III); igual valor e proteção às manifestações culturais (art.215,  §1°);e  a igualdade nas relações familiares (art. 226, §§2° e 5° e art. 227, § 6°).
 
Vê-se, pois, que o princípio da igualdade se estende por toda a ordem constitucional, revelando-se a trama sobre a qual deve ser tecida uma cidadania efetiva, ajustada aos ditames do Estado Democrático de Direito.
 
2.6  A Igualdade e o Supremo Tribunal Federal
 
Observando-se  a  jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de igualdade, dois aspectos chamam   atenção: a adoção do teste da razoabilidade e problemática do legislador positivo.
Sem muita sofisticação, o STF tem dado mostras de sufragar a  razoabilidade como parâmetro de aferição da igualdade e apenas  admitindo a adoção normativade tratamento diferenciado quando houver  uma justificativa constitucionalmente adequada que autorize sua adoção, como se depreende de uma série de julgamentos da Corte, em especial, RExt. 161.243-6/DF, Adin 598-DF e Adin 978-PB.  
No particular, o verbete da súmula 683 é bastante significativo: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
Quanto à problemática do legislador positivo, o entendimento adotado pelo STF é clássico. Para nossa Corte, em matéria de violações à igualdade,  por inserção indevida de destinatários da norma , o Judiciário deve funcionar como legislador negativo, retirando a eficácia da norma viciada e, portanto,  corrigindo o rol seus destinatários. Porém, quando de tratar de situação inversa, isto é, quando houver exclusão indevida de pessoas daquela tutela normativa, nada lhe compete fazer, sendo-lhe vedado, num movimento de  inclusão, estender o âmbito de proteção legal àqueles que foram indevidamente deixados de lado[22]. O STF não admite nessa hipótese, uma atuação de correção/supressão das omissões legislativas que acabam por repercutir em violação ao princípio da igualdade . Nesta hipótese, se admitida a intervenção do juiz , este atuaria  como se legislador fosse (daí se falar em legislador positivo), o que violaria o princípio basilar da separação de poderes. O verbete da súmula  339 é taxativo a esse respeito: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”. 
Embora consagrado em sede pretoriana, o referido entendimento se coloca como um verdadeiro óbice para a implementação do princípio constitucional da igualdade, em sua vertente material, implicando inclusive na fragilização da atividade de concretização judicial da norma constitucional. De certa feita,  abdica da grandeza do papel do Judiciário como guardião dos direitos fundamentais. E, sob o manto de que é indevida a inserção judicial no âmbito legislativo, para suprir omissões,  o Judiciário deixa de atuar como órgão de inclusão social.
2.7  A igualdade e a Suprema Corte-Norte Americana
A questão da igualdade é tratada pela Suprema Corte em termos de categorizações prévias, e no particular, duas são as figuras que se sobressaem: o sistema de classe e as classificações suspeitas.
Foi em no famoso caso United States v. Carolene Products, de 1938, que se inaugurou  o sistema de classes   e que, ao longo do tempo, vem sendo construído pela Suprema Corte, como um esquema racional  de categorias apriorísticas que se prestam a caracterizar as violações ao princípio da igualdade. 
 
A Corte desenvolveu duas abordagens complementares que se implicam e determinam mutuamente:  a) uma relacionada ao grau de rigor do escrutínio, da análise, do exame, do controle da constitucionalidade (scrutiny), ao qual deverá ser submetido o critério classificatório, isto é, o discrímen; b) outra diz respeito ao tipo de classificação, categoria, discrímen; (classification) utilizado pela norma. 
 
O scrutiny pode desenvolver-se em três graus: strict scrutiny; intermediate (heightend ou semisuspect) scrutiny; e minimum (ordinary) scrutiny. E sempre considera a relação entre a pertinência do critério e o peso do interesse público em jogo. É a finalidade do ato normativo, e não seus efeitos, que deve ser examinada. Desse modo, o sistema do escrutínio funciona como um teste que tem de ser vencido pela legislação a título de se aferir sua adequabilidade à Constituição.  
 
O strict scrutiny é a mais severa das três formas. Exige uma relação de pertinência incisiva, rigorosa, estreita (closely) com o interesse público a ser considerado, que, a seu turno, autorizaria a adoção do discrímen suspeito, se for considerado como cogente (compelling), isto é, inafastável. O strict scrutiny se aplica nos casos de raça e nos esforços estatais para regular estrangeiros, assim como nos casos que colidem com os direitos fundamentais constitucionais. Em geral, a experiência tem indicado que a prova da strict scrutiny dificilmente é vencida pela legislação, configurando-se, portanto, a violação ao princípio da isonomia.
 
O intermediate scrutiny demanda uma relação de pertinência substancial (substantially), com um interesse público importante (important) a ser realizado. Tanto as formulações doutrinárias sobre o intermediate scrutiny, como os casos aos quais se aplica têm variado. Mas o caso protótipo são as classificações que envolvem gênero, embora a Corte algumas vezes já o tenha aplicado em casos envolvendo imigrantes e crianças.
 
Por fim, o minimum scrutiny aplica-se, na maior parte das vezes, quando o Estado classifica as pessoas e as suas atividades, por exemplo, com base em considerações de natureza econômica ou social, tais como a riqueza (ou sua ausência). Este teste simplesmente exige que o Poder Público evidencie que o esquema classificatório escolhido razoavelmente (reasonably) se relaciona com um interesse público legítimo (legitimate).
 
Da mesma forma que raramente o discrímen é reprovado no teste mais relaxado (relaxed), no teste mais rígido (strict) ele é reprovado[23]. Ao contrário do minimum scrutiny, no qual as Cortes presumem que a legislação ou a atividade estatal desafiada são constitucionais e o requerente tem o ônus de demonstrar a violação constitucional, nos casos do strict e intermediate scrutiny, o ônus da prova é invertido, restando ao Poder Público evidenciar que o discrímen adotado guarda a pertinência exigida no caso, estreita ou substancialmente, com o interesse público envolvido cogente ou importante, respectivamente. 
 
Por outro lado, na teoria constitucional norte-americana, as discriminações odiosas também são conhecidas como suspect classification  e devem ser compreendidas dentro do sistema de classes suspeitas,  desenvolvido pela Suprema Corte e acima apreciado.  
 
Tais classificações são assim consideradas quando estabelecem critérios diferenciadores que indicam uma possível violação ao princípio da igualdade, ficando sujeita, ao alvedrio da  Suprema Corte, a apreciação da ocorrência efetiva da violação e a conseqüente caracterização da inconstitucionalidade.  Por exemplo, em alguns casos, a Corte já decidiu que as classificações suspeitas passam pelo reconhecimento de que a desvalia do indivíduo ou de seu grupo se dá por conta de característica externa, irrelevante para a sua identidade[24]. 
O problema da suspect classification também se relaciona diretamente com a idéia de minoria e de grupos que sofreram ao longo da história processos de discriminação. Nessa via, foi relevante o entendimento da Suprema Corte Americana que, sob a liderança do Chief Justice Stone, lançou as bases para a concepção da chamada classificação suspeita, quando decidiu que a legislação direcionada às minorias deveria sujeitar-se a exame judicial mais criterioso (judicial inquiry) e que todas as restrições legais que cerceassem os direitos civis de um determinado grupo racial seriam imediatamente suspeitas e, portanto, sujeitas a rígido exame judicial[25].
Enfim, o sistema de classes embora se apresente, num primeiro momento,  bastante organizado, não é isento de todo de severas críticas, que, especialmente, denunciam a falta de explicitação da Corte dos elementos necessários para a caracterização de  um grupo como  classe suspeita - o que ressalta o tratamento casuístico dado, ao cabo, à problemática. 
De igual forma, o não reconhecimento de um discrímen como odioso (suspect classification) pode fazer com que um determinado grupo de pessoas aos quais ele se aplica se veja menos protegido em seus direitos, e portanto, mais sujeito a “violações” jurisprudencialmente toleráveis, fazendo com que essas pessoas sejam titulares de uma cidadania de menor importância ou densidade. É o caso, por exemplo, dos homossexuais, vez que a Suprema Corte ainda não outorgou à orientação sexual o status desuspect classification, o que tem permitido, em tese, a edição de legislação discriminatória para os homossexuais[26].
 
 
Bibliografia recomendada para aprofundamento do tema:
 
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.  São  Paulo: Malheiros, 1993.
 
BARROSO, Luís Roberto. Igualdade perante a lei. Revista de Direito Público, São Paulo, n.78, p. 65-77, abr./jun. 1986.
 
BORGES, José Souto Maior. Princípio da isonomia e sua significação na Constituição de 1988.  Revista de Direito Público,  São Paulo, v. 23, n. 93, p. 35-36, jan/mar. 1990.
 
GALLUPO, Marcelo. Igualdade e diferença. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
POJMAN, Louis P.; WESTMORELAND, Robert. Equality - selected readings. Oxford: Oxford University Press, 1997.
SEM, Amartya. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2001.          
SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003.
 
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
TABORDA, Maren Guimarães. O princípio da igualdade em perspectiva histórica. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, v. 211, p. 256/262, jan./mar. 1998.
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[1] Para uma investigação filosófica do tema, ver POJMAN, Louis P.; WESTMORELAND, Robert. Equality - selected readings. Oxford: Oxford University Press, 1997.
[2] Ao revés, como salienta Ricardo Lobo Torres, “o aspecto mais intrincado da igualdade se relaciona com a sua polaridade [...] Enquanto nos outros valores (justiça, segurança, liberdade) a polaridade significa o momento da sua negação (injustiça, insegurança, falta de liberdade), na igualdade o seu oposto não a nega, senão que muitas vezes a afirma. Aí está o paradoxo da igualdade. A desigualdade nem sempre é contrária à igualdade [...]” (TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 261-262).
[3]  TORRES, idem, p. 264. Nesse mesmo sentido, ver DELACAMPAGNE, Christian. A filosofia política hoje. Idéias, debates, questões. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
[4] Numa outra abordagem, Oppenheim discute o tema a partir da igualdade como regra de distribuição (OPPENHEIM, Felix. Igualdade. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.  Dicionário de Política. 8. ed. Brasília: UnB, 1995. 1v. p. 597-605).
[5] “A igualdade é julgada comparando-se algum aspecto específico de uma pessoa (tal como a renda, ou riqueza, ou felicidade, ou liberdade, ou oportunidades, ou direitos, ou satisfação de necessidades) com o mesmo aspecto de outra pessoa. Por isso o julgamento e a medição da desigualdade são completamente dependentes da escolha da variável (renda, riqueza, felicidade etc.) em cujos  termos são feitas as comparações. Eu a denominarei “variável focal” - a variável que a análise focaliza ao comparar pessoas diferentes”  (SEM, Amartya. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2001.p.30).
[6] Sobre o  tema ver SEMPRINI, Andréa. Multiculturalismo. Bauru, São Paulo: Edusc, 1999.
[7] Apud CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e direitos humanos. Dhnet. Disponível em:< http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/veracandau/Multicutaralismo.html#1 >. Acesso em: 20 maio 2004.
[8] GALLUPO, Marcello. Igualdade e diferença. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
[9] Muito embora a Revolução Francesa seja apontada como o referencial temporal moderno da idéia de igualdade, a questão em si sempre se fez presente   na consciência ocidental. A igualdade tem sido fonte de reflexão desde os Pensadores da Grécia Clássica (como Sólon ,  Péricles, Platão e Aristósteles), passando-se pela Roma Antiga de Cícero e Ulpiano;  seguem-se a doutrina de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino,  o período Medievo e Renascentista, a concepção jusnaturalista até o pensamento dos contratualistas setecentistas (em especial Hobbes e Locke ), chegando-se às portas do movimento constitucionalista   moderno do séc. XVIII e revolucionários do séc.  XIX.
[10] A importante contribuição norte-americana para a definição do ideal moderno de igualdade se dá com  o princípio da Equal Protection of the Laws que  se encontra alicerçado nas emendas 5ª e 14ª da Constituição dos Estados Unidos, servindo como limite atuação do governo perante o cidadão, impedindo o abuso do poder normativo. 
[11] CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira . O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 35.
[12] Estabelecia, então,  o § 2°, do art. 72: “Todos são iguais perante a lei. A  República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliários e de conselho”.
[13] CASTRO, ob. cit. p. 35-36.
[14] DENNINGER, Erhard. “Segurança, diversidade e solidariedade” ao invés de “liberdade, igualdade e fraternidade”, Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 88, p.21-45, dez. 2003.
[15] Essa temática é discutida por  DWORKIN, Ronald. Sovereing virtue. Cambridge, Massachussets: Harvard Univ. Pr., 2002.
[16] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.10. ed.  São Paulo: Malheiros, 1994. p. 210.
[17] Castro (ob.cit.) apresenta uma proposta de sistematização dessas violações. Inspirado na doutrina norte-americana, o autor apresenta os fenômenos da superabrangência (overinclusiveness) e da subabrangência (underinclusiveness). O primeiro caso ocorre quando a norma classificatória é por demais abrangente, incluindo em seu bojo, situações que pela dessemelhança   mereceriam tratamento jurídico individualizado.  A segunda hipótese de violação versa sobre classificação legislativa  que inclui no tipo legal menos do que deveria ter feito, deixando de lado pessoas ou bens, que em razão da semelhança de situação, deveriam estar abrangidas pela lei.
[18]BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.  São  Paulo: Malheiros, 1993. p.47-48.
[19] CASTRO, ob.cit. p.75.
[20]  Ver , por exemplo, as seguintes Cartas vigentes: Constituição Alemã (art. 1° e 3°), Constituição Espanhola (art. 1° e 10); Constituição Italiana (art. 1° e 3°), Constituição Francesa (art. 1°) e Constituição Portuguesa (art. 13).
[21] Entre eles, pode-se elencar as chamadas políticas de  ações afirmativas e as discriminações positivas.
[22] Interessante observar que essas duas construções do Supremo Tribunal Federal (legislador positivo e legislador negativo) podem ser correlacionados aos fenômenos da sub e superabrangência, dando-lhes soluções diversas. 
[23] DWORKIN,ob.cit.
[24] MILLER, Diane Helene. Freedom to differ: the shaping of the gay and lesbian struggle for civil rights. New York: The New York University Press, 1998.
[25] SCHWARTZ, Bernard. A history of the Supreme Court. New York: Oxford University Press, 1993.
[26] Sobre essa temática ver SILVA, Fernanda Duarte L.L. da. Uma questão de direito: a homossexualidade e o universo jurídico. Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas, área de concentração “Teoria do Estado e Direito  Constitucional) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2003. 
 
Tema: Noções sobre Direitos Humanos. Noções sobre globalização.  
14. As categorias do campo político: nação, multiculturalismo, Direitos Humanos e globalização. 
 
Estimular a compreensão das categorias políticas, sistema, regime e doutrina, fundamentais ao fenômeno jurídico-político.
14.1. Noções sobre Direitos Humanos.
 
É notório o destaque que o tema dos Direitos Humanos detém nos discursos políticos e acadêmicos no mundo contemporâneo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, caracterizado por um amplo compromisso de povos e Estados no sentido de formalizar meios hábeis a evitar a ocorrência de novas barbáries, tais como as praticadaspor regimes totalitários como o do Nazismo. É fácil constatar a força que, nesses últimos sessenta anos, assumem os Direitos Humanos, principalmente numa perspectiva de sua efetivação na ordem internacional. 
Esse quadro histórico firmou, para os constitucionalistas pós-1945, uma compreensão de que as novas constituições deveriam ser moldadas em novas bases institucionais e políticas. Graças a esses fatos houve, também, a consciência da necessidade de vencer a estreiteza normativa resultante do legalismo construído no século XIX e nas primeiras décadas do século passado. Uma percepção consolidou-se no sentido de que somente uma estrutura valorativa incorporada às constituições poderia concretizar os Direitos Humanos e dotar as cartas políticas de uma efetiva força normativa. 
Esse amplo conjunto institucional, reconhecido pelo constitucionalismo europeu após a Segunda Grande Guerra, no contexto da Guerra Fria da bipolaridade EUA e URSS, é o que se denomina de legado constitucional pós-1945. A sua mensagem foi tão forte, que várias outras sociedades ocidentais alinhadas o incorporaram, como, por exemplo, a brasileira, que o adotou na formulação da Constituição Federal de 1988. 
O debate dos Direitos Humanos, entretanto, enfrenta hoje, uma situação “paradoxal”, de “aporias”, no quadro de incertezas provocado por um mundo altamente globalizado e marcado sobretudo pelo terrorismo, pela violência urbana, pelo crescimento tecnológico e por uma multiplicidade de culturas que têm apontado à idéia universalizante de Direitos Humanos o desafio complexo de sua implementação e mais ainda, de uma adequada justificação. 
Assim, a tríade da Revolução Francesa de 1789, ao expressar os ideais revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade, embora tenha por certo iluminado os caminhos de reflexão por longo tempo, hoje já enfrenta críticas em relação a sua suficiência como resposta às questões atuais.
Acresce-se a este problema a própria indefinição do termo Direitos Humanos. Apesar de sua polissemia, as discussões, quer acadêmicas ou políticas, referentes aos Direitos Humanos, até mesmo para o senso comum, são sempre relevantes como ferramenta do mundo ocidental para a proteção às intempéries e mazelas humanas.
 
14.2. Noções sobre globalização.
 
"O conceito de globalização não é uniforme. Por alguns estudiosos é considerado sob o aspecto da atribuição de um sentido integral e uniforme ao mundo contido no globo terrestre. Por outros, a globalização não pode ter o sentido de uniformidade, pois cada país é por ela atingido de forma diversa. Para este estudo, consideraremos que a globalizaçãoconstitui um processo de internacionalização de regras de convivência ou interferência política entre países, impulsionado por fatores da produção e da circulação do capital em âmbito internacional, movidos pela força propulsora da revolução tecnológica" MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 39.
Caso Concreto: 
 
Tema: Direitos Humanos
 
Leia o trecho do texto a seguir, atentamente, e faça um resumo sobre o debate dos Direitos Humanos.
 
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS 
 
Prof. Dr. Rafael M. Iorio Filho.
 
1.1. O DEBATE ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS
 
              É notório o destaque que o tema dos Direitos Humanos detém nos discursos políticos e acadêmicos no mundo contemporâneo, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, caracterizado por um amplo compromisso de povos e Estados no sentido de formalizar meios hábeis a evitar a ocorrência de novas barbáries, tais como as praticadas por regimes totalitários[1] como o do Nazismo. É fácil constatar a força que, nesses últimos sessenta anos, assumem os Direitos Humanos, principalmente numa perspectiva de sua efetivação na ordem internacional. 
              Esse quadro histórico firmou, para os constitucionalistas pós-1945, uma compreensão de que as novas constituições deveriam ser moldadas em novas bases institucionais e políticas. Graças a esses fatos houve, também, a consciência da necessidade de vencer a estreiteza normativa resultante do legalismo construído no século XIX e nas primeiras décadas do século passado. Uma percepção consolidou-se no sentido de que somente uma estrutura valorativa incorporada às constituições poderia concretizar os Direitos Humanos e dotar as cartas políticas de uma efetiva força normativa (Konrad HESSE, 1991). 
              Esse amplo conjunto institucional, reconhecido pelo constitucionalismo europeu após a Segunda Grande Guerra, no contexto da Guerra Fria da bipolaridade EUA e URSS, é o que se denomina de legado constitucional pós-1945[2]. A sua mensagem foi tão forte, que várias outras sociedades ocidentais alinhadas o incorporaram, como, por exemplo, a brasileira, que o adotou na formulação da Constituição Federal de 1988. (Peter HÄBERLE, 2000).
              O debate dos Direitos Humanos, entretanto, enfrenta hoje, uma situação “paradoxal”[3], de “aporias”[4] nas palavras de Vicente BARRETO (2002:499), no quadro de incertezas provocado por um mundo altamente globalizado e marcado sobretudo pelo terrorismo, pela violência urbana, pelo crescimento tecnológico e por uma multiplicidade de culturas[5] que têm apontado à idéia universalizante de Direitos Humanos o desafio complexo de sua implementação e mais ainda, de uma adequada justificação. 
              Assim, a tríade da Revolução Francesa de 1789, ao expressar os ideais revolucionários da liberdade, igualdade e fraternidade, embora tenha por certo iluminado os caminhos de reflexão por longo tempo[6], hoje já enfrenta críticas em relação a sua suficiência como resposta às questões atuais.
              Acresce-se a este problema a própria indefinição do termo Direitos Humanos, como coloca Vicente BARRETO (2002:500-501):
 
O emprego da expressão ‘Direitos Humanos’ reflete essa abrangência e a conseqüente imprecisão conceitual com que tem sido utilizada. A expressão pode referir-se a situações sociais, políticas e culturais que se diferenciam entre si, significando muitas vezes manifestações emotivas em face da violência e da injustiça; na verdade, a multiplicidade dos usos da expressão demonstra, antes de tudo, a falta de fundamentos comuns que possam contribuir para universalizar o seu significado e, em conseqüência, a sua prática. Número significativo de autores tomaram a expressão ‘Direitos Humanos’ como sinônima de ‘direitos naturais’, sendo que os primeiros seriam a versão moderna desses últimos; ainda outros empregavam a expressão como o conjunto de direitos que assim se encontram definidos nos textos internacionais e legais, nada impedindo que ‘novos direitos sejam consagrados no futuro’. Alguns, também, referiram-se à idéia dos Direitos Humanos como sendo normas gerais, relativas à prática jurídica, que se expressariam através dos princípios gerais do direito. Esses últimos seriam uma forma de ‘direito natural empírico’, que ultrapassa a normatividade estrita do positivismo dogmático, mas não se identificando com os Direitos Humanos expressam a vontade do constituinte, que não especifica em que consistem esses direitos e nem prescreve a natureza de suas prescrições; sob este ponto de vista, cabe ao intérprete, quando da aplicação da lei, dar conteúdo a essa categoria de direitos. Vemos, portanto, como o emprego abrangente das mesmas palavras contribuiu, certamente, para a imprecisão conceitual de uma mesma idéia dos fundamentos comuns para o seu diversificado uso.
 
            Apesar de sua polissemia, as discussões, quer acadêmicas ou políticas, referentes aos Direitos Humanos, até mesmo para o senso comum, são sempre relevantes como ferramenta do mundo ocidental para a proteção às intempéries e mazelas humanas. Nas palavras de Carlos NINO (1989:1):
 
Esta importância dos Direitos Humanos está dada, como é evidente, pelo fato de que eles constituem uma ferramenta imprescindível para evitar um tipo de catástrofe que com freqüência ameaça a vida humana. Sabemos, embora prefiramos não recordá-lo a todo otempo, que nossa vida é permanentemente espreitada por infortúnios que podem aniquilar nossos planos mais firmes, nossas aspirações de maior alento, o objeto de nossos afetos mais profundos. Não é por ser óbvio que deixa de ser motivo de perplexidade o fato de que este caráter trágico da condição humana esteja dado pela fragilidade de nossa constituição biológica e pela instabilidade de nosso habitat ecológico, por obra de nós mesmos.[7]
 
            A inquietude atual do debate dos Direitos Humanos, em vez da estagnação, segue à análise de planos epistemológicos[8], visando à depuração do recorte dos objetos temáticos e retroalimentando sua dialética.
            Esses planos epistemológicos estruturam-se em dois pontos. O primeiro refere-se a uma discussão se há ou não fundamentos filosóficos para os Direitos Humanos. Caso a resposta seja afirmativa, constitui-se o segundo plano onde se definirá qual é a natureza destas questões enunciadas. 
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[1] A ruptura causada no discurso dos Direitos Humanos pela concepção etnocêntrica de raça superior e no plano jurídico pela suspensão das cidadanias, como elementos causadores dos genocídios pelos Estados totalitários Nazi-fascista e Stalinista, ressaltam-se os trabalhos de Hannah ARENDT(1979:469) e de Celso LAFER(1988:77).
[2] Sobre o legado do constitucionalismo pós-1945 cf. Gustavo ZAGREBELSKY(1995) e Peter HÄBERLE (1998).
[3] Explica Vicente BARRETO(2002:499) qual é esse panorama paradoxal dos Direitos Humanos na atualidade: “Os Direitos Humanos encontram-se nesse final de século em situação paradoxal: de um lado, proclamam-se em diversos textos legais um número crescente de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, que constituem, na história do direito, a afirmação mais acabada da crença do homem na sua própria dignidade; de outro lado, esses mesmos direitos transformam-se em ideais utópicos, na medida em que são sistematicamente desrespeitados por grupos sociais e governos. Os próprios governos autoritários, contribuem para a idealização dos Direitos Humanos, pois se preocupam mesmo em declarar a sua fidelidade a esses direitos, ainda que, cuidadosamente, defendam interpretações particulares sobre a abrangência dos Direitos Humanos.”
[4] Sobre a definição de aporias cf. Hilton JAPIASSÚ e Danilo MARCONDES (1996:14): “Dificuldade resultante da igualdade de raciocínios contrários, colocando o espírito na incerteza e no impasse quanto à ação a empreender”.
[5] Paulo RANGEL (2003:1-3) situa as sociedades contemporâneas, principalmente as ocidentais, como fruto da globalização e da medievalização do poder. Esse novo quadro político mundial marca “a nova coisa política (...) pela pluralidade, heterogeneidade e alta diferenciação dos actores políticos, com um nítido e acentuado enfraquecimento — uma relativização — dos poderes estaduais (aquilo a que, por vezes, se tem chamado, tant bien que mal, a ‘medievalização do poder’).Sobre o enfraquecimento do poder estatal: “Essa diferenciação de forças políticas e o tecido resultante da sua imbricação recordam inapelavelmente o mundo político medieval, a sua estrutural diversidade e a sua condição radicalmente interdependente”. Sobre multiculturalismo cf. DENNINGER (2003:32): “O pluralismo de opiniões, organizações e partidos, na mídia, para a composição de vários órgãos que exercitam a supervisão de funções, desde há muito parecia constituir uma condição tanto necessária quanto suficiente para gerar resultados normativos cuja realização pudesse ser aceita como bem comum. (...) Mas, no contexto de novas demandas de diversidade, não mais direcionadas à síntese de um (todo) universal, e sim, ao invés, à possibilidade de coexistência de uma multiplicidade de particularidades freqüentemente incompatíveis, essas pressuposições não mais obtêm efetividade, ou, no mínimo, esta se encontra profundamente minada.”
[6] A título de ilustração histórica, para que não se tenha a impressão de que tais paradigmas revolucionários tenham sido indiscutíveis desde sua origem – encontrando só agora a necessidade de uma revisitação teórica –,  vale a referência à forte crítica perpetrada por ROBESPIERRE (1999: 88-89), ainda por ocasião dos trabalhos de sistematização teórica dos ideais revolucionários. A contradita dirige-se particularmente aos termos em que, na Declaração dos Direitos do Homem, o tema da liberdade viu-se tratado vis-à-vis o tema da propriedade: “... Ao definir a liberdade, o primeiro dos bens do homem, o mais sagrado dos direitos que ele recebe da natureza, dissestes com razão que os limites dela eram os direitos de outrem; porque não aplicastes esse princípio à propriedade, que é uma instituição social? Como se as leis eternas da natureza fossem menos invioláveis que as convenções dos homens. Multiplicastes os artigos para assegurar a maior liberdade ao exercício da propriedade, e não dissestes uma única palavra para determinar o caráter legítimo desse exercício; de maneira que vossa declaração parece feita não para os homens mas para os ricos, para os monopolizadores, para os agiotas e para os tiranos.”  
[7] Importante ressaltar que a tradução desta passagem deu-se de forma livre.
[8] Sobre as perspectivas epistemológicas em Direitos Humanos cf. BARRETO (2002:506): “Nesse contexto, é que se torna imperativo distinguir na análise dos Direitos Humanos dois níveis epistemológicos correlatos: no primeiro nível, examina-se a questão de sua fundamentação – questão esta, como fizemos referência acima, que foi relegada a segundo plano; no segundo nível, examinam-se os mecanismos da garantia e prática dos Direitos Humanos, tema que ocupa de forma crescente a atenção do pensamento jurídico e social contemporâneo. No que se refere à questão da fundamentação, a influência positivista na teoria do direito aprisionou a temática dos Direitos Humanos dentro dos seus próprios parâmetros conceituais e metodológicos, fazendo com que a análise da sua fundamentação fosse considerada uma questão metajurídica e, como tal, irrelevante para a prática jurídica.”

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