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ERIC A. HAVELOCK A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS CULTURAIS Tradução de Ordep José Serra UNESP Fundação para o Desenvolvimento da UNESP PAZ E TERRA FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA UNESP Presidente do Conselho Curador Arthur Roquete de Macedo Diretor-Presidente Amilton Ferreira Diretora de Fomento à Pesquisa Hermione Elly Melara de Campos Bicudo Diretor de Publicações José Castilho Marques Neto EDITORA UNESP Diretor José Castilho Marques Neto Conselho Editorial Acadêmico Aguinaldo José Gonçalves, Anna Maria Martinez Corrêa, Antonio Carlos Massabni, Antonio Celso Wagner Zanin, Antonio Manoel dos Santos Silva, Carlos Erivany Fantinati, Fausto Foresti, José Ribeiro Júnior, José Roberto Ferreira, Roberto Kraenkel Editores Assistentes José Aluysio Reis de Andrade, Maria Apparecida F. M. Bussolotti, Tulio Y. Kawata SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS CLÁSSICOS Presidente Haiganuch Sarian (USP) Secretário Jacyntho José Uns Brandão (UFMG) Conselheiros Anna Lia Amaral de Almeida Prado (USP), Haiganuch Sarian (USP), Jacyntho José Lins Brandão (UFMG), José Antônio Dabdab Trabulsi (UFMG), José Perozin (UNESP), Marcelo Pimenta Marques (UFMG), Margareht H. Bakos (UFRGS), Maria das Graças de Moraes Augusto (UFRJ), Maria Luiza Corassin (USP), Maria Sylvia Carvalho Franco (USP-UNICAMP), Ordep José Trindade Serra (UFBa), Zelia de Almeida Cardoso (USP) CAPÍTULO 8 A TRANSCRIÇÃO ALFABÉTICA DE HOMERO1 Em algum ponto entre 700 e 550 a.C., a Ilíada e a Odisséia foram, como se diz, “confiadas à escrita”. Esta maneira de exprimir o feto em apreço descreve uma operação que, nas condições modernas, ocorre dezenas de milhares de vezes a cada hora, em todo o mundo letrado. O ato original foi bem diferente; foi alguma coisa como um rimbombar de trovão na história do homem, estouro que o viés de nossa familiaridade converteu num roçar de papéis numa escrivaninha. Constituiu uma irrupção nos domínios da cultura que seus resultados comprovaram irreversível. Lançou as bases para a destruição do modo de vida oral e das maneiras de pensar orais. Essa é uma forma extremada de colocá-lo, com a intenção de dramatizar o feto com relação a nós mesmos. Como letrados, herdeiros de 2.500 anos de experiência com a palavra escrita, estamos afestados a uma grande distância das condições em que a palavra escrita penetrou pela primeira vez na Grécia, e requer algum esforço de imaginação compreender quais elas eram e como afetaram o modo pelo qual aquele evento teve lugar. Para ser mais preciso, em vez de felar de destruição, deveria dizer que o que se instaurou com a transcrição alfabética de Homero foi um processo de erosão da “oralidade” que se estendeu ao longo de séculos de experiência européia, um feto que deixou a cultura moderna desigualmente dividida entre modos de expressão, experiência e vivência, em um caso letrados, em outro, orais. 164 ERIC A. HAVELOCK Todas as sociedades fundam sua identidade e a reforçam por meio da conservação de seus mores. Uma consciência social, erigida como um consenso, é, por assim dizer, continuamente estocada para reutilização. Sociedades letradas fazem-no por meio de documentos; as sociedades pré-letradas obtêm o mesmo resultado pela composição de narrativas poéticas que servem também como enciclopédias de conduta. Essas narrativas existem e são transmitidas por meio de memorização, e à medida que são continuamente recitadas constituem um apanhado - uma reafirmação - do éthos comunitário, e também uma recomendação de observá-lo. Tais eram os poemas homéricos, enclaves de lingua gem criativamente elaborada existentes ao lado da coloquial. Sua elabo ração foi uma resposta às regras de memorização oral e à necessidade de transmissão segura. Enunciados lingüísticos só podem ser recordados e repetidos tal como foram especialmente configurados: estes existiam ape nas como som, memorizado através dos ouvidos, e praticados pelas bocas de pessoas vivas. Esta seqüência sonora foi subitamente posta em contacto com uma série de símbolos escritos que possuíam uma eficiência fonética única. Deu-se entre os dois um casamento automático; ou, para mudar de metáfora, num líquido contido num vaso gotejou-se uma substância que cristalizou os conteúdos e precipitou um depósito no fondo. Depois de milênios de experimentação com esquemas que chama mos de “escrita” - um procedimento abandonado na Grécia depois da queda de Mícenas - a palavra falada e recordada encontrara, por fim, um instrumento perfeito para sua transcrição. E assim em “Homero” confrontamos um paradoxo único na história: dois poemas que podemos ler em forma de documento escrito, a primeira “literatura” da Europa, os quais constituem, porém, o primeiro registro completo de “oralidade”, ou seja, de “não-literatura” - verossimilmente o único de que dispomos: uma declaração de como o homem civilizado viveu e pensou durante muitos séculos, ao longo dos quais ele era de todo inocente da arte (ou artes) da leitura. A aplicação do alfabeto à língua homérica constituiu um ato de “transferência” do som para a vista. E o alcance integral desta arte o que deve ser firmemente enfatizado, e portanto o alcance integral de seu apanhado de experiência humana. A eficiência fonética significou a remoção daquela ambigüidade no processo de reconhecimento que limitara todos os anteriores sistemas de escrita quanto a seu uso.2 Vamos supor - a suposição é infundada - que o conhecimento e o uso da “Linear A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 165 B” tivessem sobrevivido na helenidade arcaica. A “reportagem” épica do estilo de vida e do mores helênicos teria continuado a ser praticada e recitada em meio a uma população predominantemente oral. Os escribas, servos do palácio ou burocratas dos templos, teriam produzido o que podemos chamar de epítomes dessa matéria épica, versões simplificadas, acomodadas aos limites inerentes à dificuldade de reconhecimento, exigindo economia e repetição de vocabulário, com um mínimo de variação dos tipos de enunciado. Catálogos e quantitativos abundariam, análise psicológica ficaria de fora. Embora o metro fosse conservado, os recitais não seriam populares, mas litúrgicos, reservados para grandes ocasiões. Entrementes, “Homero” podería continuar a ser composto e recitado em meio ao povo, mas é verossímil que a qualidade da arte oral em prática sofreria com o desviar-se dos melhores cérebros linguísticos da comunidade para os centros de escribas. A complexidade formular de Homero, única entre os remanescentes da poesia oral, dá testemunho de uma cultura totalmente não-letrada, em que o monopólio da sofisticação linguística era detido pelo bardo. Um dilúvio registrado em cuneiforme Não temos nenhuma epopéia em “Linear B” com que fundamentar a hipótese já proposta. Poderá ela ser baseada numa comparação com documentos silábicos de outras culturas, ou seja, em documentos pré- alfabéticos? Há uma passagem da Epopéia de Gilgamesh que atinge um grau de vivacidade narrativa sem paralelo no resto do poema. Isto parece dever-se ao emprego de um vocabulário insolitamente rico de palavras que descrevem atos e ocorrências bastante concretas e específicas - pormenorizadas, diriamos. Pelo menos é esta a inferência que um estudioso ignorante do cuneiforme - como este escritor - pode permitir- se extrair da tradução inglesa realizada pela erudição de especialistas nas culturas próximo-orientais.3 O narrador é um tal Utnapishtim, o Noé babilônio; pode-se reconhecer o seu relato do dilúvio como o modelo da história paralela encontrada no Livro do Gênesis: Ao primeiro raiar da aurora Uma nuvem negra ergueu-se do horizonte, No seu interior Adad troveja, Enquanto Shulatt e Hanish vão a sua frente 166 ERIC A. HAVELOCK 5 Como arautos avançando por sobre monte e planície. Erragal os troncos derruba Ninurta se põe em marcha e faz que os diques o acompanhem. Os Anunnaki erguem as tochas Fazendo com seu esplendora terra inflamar-se. 10 Chega aos céus a consternação por causa de Adad Que tomou em negrume tudo o que era luz. A ampla terra foi partida como [um vasoll Durante um dia [soprou] o furacão do sul Criando rapidez à medida que soprava, [afundando as montanhas] 15 arrebatando gente como numa batalha. Não pode ninguém reconhecer o seu semelhante, Nem podem as gentes ser reconhecidas do céu. Os deuses se encheram de pavor com o dilúvio E assustados, subiram ao céu de Anu... 20 Seis dias e (seis noites] Sopra o temporal do dilúvio, e o furacão do sul varre a terra. Quando o sétimo dia chegou, O furacão do sul, [trazedor do] dilúvio, fez trégua na batalha Que como um exército combatera, 25 O mar quietou, a tempestade fez-se calma, cessou a inundação. Reparei no tempo: estabelecera-se a calma E todos os homens tinham retomado ao barro. A paisagem era tal qual a superfície de um telhado raso Qual a variedade de vocabulário que, por assim dizer, foi compactada nessa passagem? Obviamente, a tradução por si mesma não pode facultar uma contagem precisa de palavras do original. Via de regra, ela tende a ser um pouco mais rica, cedendo à tentação de prover variantes, em contextos distintos, para o que, na realidade, são termos idênticos. Todavia, em vista de fins estritos, pode fazer-se uma certa contagem de palavras: preposições e conjunções serão ignoradas, assim como as flexões, e os nomes dos deuses serão contados uma vez só, representando o processo, um catálogo. Com todas essas cláusulas condicionais, a passagem traduzida oferece um total de 90 palavras, dos quais 69 têm ocorrência singular; as repetições contam-se como segue: duplicatas: negro ... negrume (2, 11); vão à frente... põe-se em marcha (4,7) A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 167 todos, tudo (11,27); batalha (15,23); gente (15,17); pode (16,17) seis (20); calma (25, 26) triplicatas: terra (9,12, 21); céus (10,17,19); dia (13, 20, 22); soprar (14,14, 21); furacão do sul (13, 21, 23) quadruplicatas: dilúvio e inundação (se equivalentes) (18, 21, 23, 25). A porcentagem de palavras repetidas é 23%. Mais significativos (pois menos sujeitos à distorção através da tradução) vêm a ser os enunciados duplicados, não necessariamente equivalentes, mas a exprimir sentidos que parafraseiam uns aos outros. O fenômeno não ocorre nos primeiros 12 versos. Mas em seguida, como que a “originalidade” verbal da composição começa a exaurir-se, e encontramos as seguintes séries de sentenças repetitivas: a) 13 durante um dia soprou o furacão do sul 14 criando rapidez à medida que soprava 20 seis dias e seis noites 21 sopra o furacão do dilúvio e o furacão do sul varre a terra b) 16 não pode ninguém reconhecer o seu semelhante 17 nem podem as gentes ser reconhecidas c) 18 os deuses se encheram de pavor 19 e assustados d) 15 arrebatando gente como numa batalha 23 fez trégua na batalha 24 que como um exército combatera 25 o mar quietou, a tempestade fez-se calma, cessou a inundação 26 estabelecera-se a calma A descrição do dilúvio é interrompida por uma digressão de 13 linhas que descreve o conclave dos deuses apavorados. Intervém entre as linhas 19 e 30 desse trecho, tal como o grafemos, e é como segue: Os deuses se abaixaram como cães Encolhidos contra o muro exterior. Ishtar gritava como uma mulher em trabalho de parto. A Senhora dos [Deuses], de linda voz, gemia alto: 168 ERIC A. HAVELOCK 5 “Ai, os dias antigos em barro se tomaram, Por que invoquei o mal na Assembléia dos deuses. Como é que pude invocar o mal na Assembléia dos deuses, Prescrevendo a batalha para a destruição de meu povo, Quando fui eu quem dei a luz a meu povo? 10 Como a ova dos peixes, eles enchem o mar!” Os Anunnaki choram com ela, Os deuses, de todo humilhados, sentam-se e choram, Apertando os lábios ... eles todos. É óbvio o caráter repetitivo, para não dizer ritualístico, desta passa gem: o verso 7 repete o 6; a palavra deuses é recorrente seis vezes em 12 linhas; seis verbos conformam três pares de variantes: abaixaram-se - encolhidos; gritava - gemia alto; choram com ela - sentam-se e choram; e há repetição de motivos contidos na passagem do dilúvio. Um dilúvio registrado no alfabeto Agora convém comparar a passagem acima com uma descrição de um dilúvio que produz conseqüências análogas, tal como essa descrição se dá no texto de Homero. No Livro XII da llíada, o próprio poeta trata de explicar por que não mais existem as fortificações construídas pelos gregos para proteger seu acampamento: 12.17 Então Poseidon e Apoio o plano conceberam De arrasar a muralha, com o impacto de rios potentes Que desde os montes do Ida correm no rumo do mar 20 O Reso, o Heptáporo, mais o Careso e o Ródio O Grânico, o Esopo e o Escamandro divino E Simoente, onde muitos elmos e escudos de couro de boi E umá geração de homens quase divinos tombaram na lama. Suas bocas todas voltou num rumo só Febo Apoio 25 Por nove dias dirigiu-lhes o curso contra a muralha; e Zeus choveu Para que logo submersa no mar a muralha deitasse Enquanto o próprio Poseidon, com seu tridente na mão Ia à frente e atirava às ondas os fundamentos todos De pau e pedra que com labor os Aqueus deitaram 30 E os aplanou na margem do multifluente Helesponto E de novo cobriu de areia o grande litoral A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 169 Tendo a muralha arrasado; os rios tomou a dirigir Ao curso por onde outrora tocavam (suas] águas de belo fluir. Ignorando-se as partículas gregas, contando-se Poseidon-Apolo como um termo só, mas Zeus em separado, e contando-se o catálogo de rios como uma unidade, essa passagem apresenta um total de 71 palavras, das quais seis são irrepetidas; as repetições contam-se como segue: duplicatas: arrasar (18,32); rios (18,32); dirigiu (25,33); deitar (26, 29); curso (25, 33); todos (24, 28) quadruplicata: muralha (18, 25, 26, 32) A porcentagem de palavras repetidas é 14%. Dessas duas descrições épicas de eventos similares, a grega manipu lou um vocabulário proporcionalmente maior. A diferença entre 14% e 23% pode não parecer muito grande, mas assume importância quando se tem em mente que o teor vivido e concreto da descrição babilônia é atípico em relação à maior parte do que se encontra na versão traduzida da epopéia, enquanto a passagem grega é típica da epopéia grega. Quando, no caso grego, procuramos enunciados não necessariamente duplicados, mas com sentidos que se parafraseiam um ao outro, desco brimos apenas um: 18 de arrasar a muralha 32 tendo arrasado a muralha É certo que três sentenças covariantes descrevem o assalto das águas da inundação: 18 com o impacto de rios potentes 24 suas bocas voltou 25 contra a muralha dirigiu o curso Mas o que essas sentenças fazem é dividir o assalto das águas em três estágios sucessivos, expondo pormenores que não constituem repe tição uns dos outros, antes são cumulativos. Quanto aos dois hexâmetros conclusivos (32, 33), embora eles encerrem ecos dos versos 19, 24 e 25, 170 ERICA. HAVELOCK seu vocabulário e sintaxe foram cuidadosamente manipulados para descrever uma inversão da situação anterior. É justo concluir que a descrição grega, alfãbetieamente transcrita, de uma inundação, é menos tautológica, menos ritualizada que a cuneifor- me. Aplica-se à execução da tarefa descritiva um arranjo vocabular que é mais expressivo, como nós costumamos dizer, porque mais rico em variedade de nomes, verbos e adjetivos, e menos propenso à sintaxe repetitiva, isto é, a variações dos mesmos enunciados. Ambas as passa gens constituem versões de discurso oralmente composto, e portanto formular e repetitivo num grau inusitado para o discurso letrado. Mesmo admitindo-se isso, na versão grega somos postos em contacto direto com as complexidades da fala humana descritiva, em seq nível mais concreto; a versão babilônica, por contraste, simplifica o relato, reduzindo-o a um enunciado arquetípico, que pode ser chamado de “versão oficial”.4 Um crítico educado segundo os cânones letradosreportaria essa diferença a duas diferentes percepções da “poética”, a duas diferentes convenções, ou “estilos”, à escolha de uma determinada língua; e valer-se-ia do caráter repetitivo do babilônio como pretexto para atribuir- lhe qualidades de solenidade, grandeza, simplicidade espiritual e coisas do gênero. Mas é possível uma explicação bem diferente, baseada na superioridade fonética do alfabeto sobre o cuneiforme. De acordo com este ponto de vista, as deficiências do cuneiforme como instrumento de reconhecimento acústico-visual não encorajaram o autor a condensar em seu verso uma plena variedade de expressão que uma descrição do tipo ensejado requer; o alfabeto, por outro lado, aplicado à transcrição da mesma experiência, não obstaculiza a sua completa transposição fonética. Se é certo isso, segue-se, provavelmente, uma outra conclusão: os cidadãos de todas as culturas urbanas do Oriente Próximo, não menos que os gregos, dispunham da capacidade de descrever plenamente a experiência humana, em linguagem adequada. Todavia, essa capacidade era passível de expressão oral, e não se achava ao dispor de escritores. Devemos presumir, portanto, que por trás da versão de escriba do dilúvio, que é tudo quanto temos, jaz para sempre oculta, e, para nós, perdida para sempre, uma epopéia muito mais rica, lingüisticamente falando, ou uma série de epopéias que, obedecendo às leis de estocagem cultural, desempenharam para aquelas culturas a função que a de Homero desempenhou para a Grécia pré-letrada. Esta seria a poesia do povo, em seus lábios, em suas memórias, composta por bardos mesopo- A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 171 tâmíos com emprego de ritmos formulares comparáveis aos gregos, embora, como indiquei, provavelmente menos sofisticados. O que temos em cuneiforme não são as palavras tais como eram faladas, mas epítomes transcritas para récitas em ocasiões formais, mesmo que a epopéia de Gilgamesh seja classificada pelos eruditos como um poema secular. As mesmas limitações do discurso expressivo que se fazem valer no poema de Gilgamesh estão presentes em toda a assim chamada “literatura” do Oriente Próximo. Seja-me permitido citar o julgamento de uma autoridade no assunto: A primeira deficiência que se acusa nos textos mesopotâmicos é a falta de qualquer expressão da singularidade daquela civilização em face do entorno estrangeiro ... A segunda característica negativa, intimamente relacionada com a primeira, é a ausência de qualquer polêmica na literatura cuneiforme. Não se vê aí argumentação contra pontos de vista contrários, nada do diálogo revelador que, na vida e no pensamento dos gregos, tinha expressão nos palácios, no teatro e na sala de leitura. Esta bem pode ser a razão principal de conhecermos tão pouco sobre as atitudes dos mesopo- tâmios diante das realidades que os rodeavam [são meus os itálicos], e tanto sobre as dos gregos ... Não se faz qualquer esforço no sentido de referir a um mesmo quadro conceituai diferenças de enfoque e apreciação. Por isso, todos os textos cuneiformes têm de ser cuidadosamente interpretados tendo-se em mente essas restrições cuidadosamente inibidoras, e em última análise falsificadoras.5 Como teria ficado o relato homérico da inundação se fosse confiado a um silabário, em vez de a um alfabeto? E claro que não temos nenhum meio de o saber; é-nos impossível recriar os processos mentais de um escriba mesopotâmio ou micênico. Se a Linear B tivesse sobrevivido para ser aplicada a Homero, o modo como isso seria feito pode apenas ser conjecturado. Uma narrativa muito rica para a escrita seria posta sob controle por meio de uma simplificação de vocabulário e sintaxe, reten- do-se o essencial. Uma transcrição das primeiras quatro linhas da passagem que evocamos pode apresentar poucas dificuldades de reconhe cimento, pois a seqüência tem fácil curso, e a mente do deciffador prontamente faria as conjecturas acústicas corretas. O catálogo podería ter o contorno formular de uma lista consensual. Porém uma versão sumária podia ver-se tentada a sacrificar o sentido do verso 19, pois não envolve a perda de nenhum conteúdo essencial, e certamente seria ERIC A. HAVELOCK172 tentada a suprimir os versos 22 e 23, que interrompem a descrição com um novo pensamento, o qual momentaneamente transfere a atenção mental para outra parte. Os sentidos dos versos 26, 32 e 33 seriam igualmente dispensáveis. O que motivaria essas omissões seria o intento de reduzir o esforço de reconhecer não só palavras novas, mas também novos arranjos de palavras, intento não menos poderoso por ser incons ciente. Estas sugestões são aqui apresentadas como mera especulação, mas nãó constitui especulação o feto de que acontecia a simplificação do discurso quando se o transcrevia em sistemas pré-alfebéticos. Retomamos, pois, àquele paradoxo singular: um Homero em alfe- beto. Pela aplicação de uma nova tecnologia da palavra escrita, tomou-se disponível em forma de documento o primeiro relato completo de uma cultura não documentada, não apenas o primeiro do gênero, mas o único em todos os tempos, pois algum contágio de arte letrada desde então invadiu todas as culturas orais onde quer que tenham sido contactadas, privando o pesquisador de um confronto pleno com a oralidade total apresentada pelo texto homérico. A vantagem fundamental que o alfabeto apresentou em relação aos sistemas de escrita anteriores foi dar a possibilidade de documentar o relato oral de modo fluente e exaustivo. A linguagem dos dois poemas é tão abrangente quanto seu conteúdo. A medida que a narrativa progride, encenam-se o nómos e o êthos de toda uma sociedade. Quanto a isso, o mais próximo símile não se acha nos bolsões de poesia oral praticada às margens de burocracias letradas, como, por exemplo, nos Bálcãs, na Rússia e na Finlândia, pois esse tipo de poesia não comporta responsa bilidades enciclopédicas. Se em algum canto existem, os similares dos poemas homéricos estariam nas epopéias resgatáveis em sociedades africanas e polinésias que não foram contagiadas pelo uso de documen tos. Todavia, esses símiles são necessariamente imperfeitos; as sociedades que deram de si espécimes tão puros de oralidade parecem ser, quanto à estrutura, relatívamente simples, em comparação com a grega, e portanto as exigências aí feitas de armazenamento de informações são correspondentemente simples. Se o campo de experiência humana, a variedade de dilemas humanos que requerem ajuda, em termos de orientação, no contexto de famílias e aldeias, são menos complexos, a epopéia que supre essas orientações será menos complexa. Além disso, a transcrição de sua oralidade se faz em termos diferentes. No caso grego, os usuários da língua foram eles próprios os descobridores da nova A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 173 técnica de transcrição, e a aplicaram diretamente ao que eles mesmos diziam, sem ajuda de qualquer intermediário estrangeiro. A recitação oral contínua de discurso elaborado e sua transcrição contínua desenvolve ram-se lado a lado por longo tempo, na mesma comunidade; mas, no caso das culturas africanas e polinésias, o antropólogo alienígena teve de aprender uma língua que não era a sua, antes de transcrever-lhe os sons em um sistema de signos que não é deSsas culturas. Ele não pode juntar signo e som com a mesma intimidade imediata e instintiva que os antigos gregos empregaram. Por fim, como um tradutor, ele empregará expres sões de sua própria língua, assim repetindo e importando 2.500 anos de desenvolvimento letrado da consciência humana, que intervém entre ele e a fala que está a traduzir. O momento da mimese As condições vigentes na sociedade oral em que os poemas homéri- cos vieram à existência tomam impossível para o crítico distinguir entre composição criativa e repetição mecânica, como se estas representassem duas categorias mutuamente exclusivas, a primeira das quais fosse substituída pela segunda. Fazer essa distinção,tal como ela é comumente feita, é confiar em critérios de julgamento oriundos de nossa experiência da literatura como um fenômeno letrado. Em todos os estágios do processo homérico, ora perdidos na névoa do anonimato, só poderiamos falar de forma simultânea em autor-recitador, em cantor rapsodo. Fosse que, em casos individuais, sua capacidade atingisse o nível do gênio, ou se limitasse à mera perícia, consistia sempre na manipulação de dois tipos de encantamento, ou antes de um encantameno dirigido a dois diferentes rumos: de um lado, ao próprio cantador e sua boca; de outro, a sua audiência e aos ouvidos dela. Em ambos os casos, o encantamento era tomado urgente pela necessidade de memorizar enunciados verbais dispostos numa ordem fixa, com extensão variável: desde fórmulas constitutivas de parte de um hexâmetro, às fórmulas tópicas incorporadas em situações narrativas, ou a essas narrativas em si mesmas, e ainda a séries de situações que perfaziam um episódio, e por fim a um determi nado número de episódios que compunham uma narração total. O esforço mental requerido é, para uma mente letrada, difícil de imaginar de um modo pleno; mas é claro que significava uma concen 174 ER1C A. HAVELOCK tração total, uma imersão do intelecto no ato da recitação. Platão o descreveu com o termo mímêsis, que, no contexto, chega perto de significar o “mimo” de um mito, sua encenação por meio de uma identificação simpática com os personagens e ações descritas.6 O canta dor, em resposta a uma instigação de sua mente - ou de sua audiência - pôr-se-ia a fãlar-nos, por exemplo, de Pátroclo e Aquiles, de como Pátroclo lutou e tombou em lugar de Aquiles. Assim se empenharia em recordar o começo de uma determinada seqüência sonora que levasse ao mito, e se envolvería numa recordação paralela do assunto deste. Não era um ato indeterminado: tinha princípio, meio e fim, dos quais o cantador tinha ciência ao começar a recita; à medida que ele avançava, a realização do ato se tomava cada vez mais definida, primeiro para ele mesmo, e depois para seus ouvintes, que lhe haviam de seguir o canto a murmurá-lo de si para si. Uma audiência moderna de um recital de música gosta de demonstrar sua sofisticação conservando-se imóvel enquanto as melodias lhe chegam aos ouvidos; este isolamento intelec tualizado não era nunca possível para os membros de uma cultura de comunicação e memorização oral. Essa concentração controlada pelo ritmo das palavras, dos instru mentos e do corpo significava que, durante uma determinada recitação, o declamador permanecia indiferente por completo à existência de quaisquer mitos - a não ser o que lhe sucedia, então, estar recitando. Não podia pensar nesses outros mitos, nem relatá-los, a não ser que aquele ao qual se dedicava se tivesse completado como um movimento. Então, e só então, sua memória podia convocar de suas reservas um outro, ligado ao primeiro. Sua recordação rítmica dava-se por meio de elocuções que se perfaziam em momentos de atividade marcados por concentração intensa. A memória varia de acordo com a capacidade individual. Portanto, variavam os cantadores quanto à capacidade de tratar de um mito sem cometer lapsos, e quanto à capacidade de lidar com todo um repertório mítico. A sofistificaçâo da técnica de versificação, assim como o estilo de vida dos personagens das histórias contadas, depõe em favor de um período de composição oral que amadureceu com o desenvolvimento da cidade- estado grega na Jônia. A de Homero não é uma poesia camponesa. Por um século ou mais, antes que começasse o processo de transcrição, um ou dois grupos de bardos, digamos, especializaram-se não só na história da Guerra de Tróia como ainda em dois motivos pertinentes a ela, A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 175 conhecidos como A cólera e O retorno. Talvez alguns desses bardos individualmente fossem capazes de recitar todas as partes, todos os mythoi particulares que vieram a compor a Ilíada e a Odisséia, em nossos textos. Nunca o saberemos. Mas todos eles tinham um conhecimento do panorama de conjunto, isto é, do contexto geral - um termo letrado —; conheciam todos a “epopéia ideal”, como a chamaram alguns críticos.7 Um cantador podia interromper quando lhe aprouvesse a narrativa panorâmica, sem estar consciente de sua seqüência nos termos precisos em que isto se requer em nossos textos atuais. Parte do que é, para nós, um conjunto definido com uma seqüência necessária, podia ser recitado numa ordem que, de nosso ponto de vista, seria de retrocesso; ou enunciado no que nós, com nossos textos fixos diante dos olhos, chamaríamos de série de peças selecionadas (outro termo letrado, como se a feia consistisse de trechos alfebeticamente transcritos, a ser coligidos). Um poeta podia voltar a atenção para um outro trecho ou mythos de sua epopéia - quantos ele podería assim ter sob controle, dependia de sua capacidade individual — trecho que teria de lembrar como começava, recordando, ao fezê-lo, seus versos iniciais. Ao prosseguir, porém, ele temporariamente esquecería o que estivera a dizer, passando, de contí nuo, de uma série de concentrações para uma outra, substituindo um momento de memória por outro. Em suma, a memória acústica é associativa, mas não compreensiva; vive e funciona por dedicação total temporária a uma extensão de mythos, antes de volver-se, em transição, para um novo mythos, correspondente a um novo ato de recordação. Mas o segundo há de compartir o mesmo éthos do primeiro, pois ambos, em sua expressão, refletem e preservam o mores da cultura; ambos são parte da mesma enciclopédia cultural; assim, digressão e repetição à parte, e admitidas algumas inconsistências inevitáveis, o estilo e a substância do poema permanecem uniformes, a um grau que um “comitê” de poetas letrados nunca podería atingir. Deve-se concluir que nossa Ilíada e nossa Odisséia eram esporadica mente recitadas em exibições independentes de episódios destacados.8 Não podemos distinguir quais seriam: a organização textual que depois se aplicou ao poema documentado foi extremamente hábil. Adotando-se as divisões de texto que hoje temos, qualquer tentativa de imaginar como seriam aqueles recitais sofre a tentação de estimar que eles se regeríam pela divisão atual em 24 livros. Só podemos dizer que essa divisão representa decisões tomadas pelo olho letrado de eruditos de tempos de 176 ERIC A. HAVELOCK pois. Quanto ao espírito do empreendimento, deu-se ele mais ou menos em conformidade com a índole original das apresentações orais - isto é, os episódios, no texto canônico, separam-se uns dos outros por meio de cortes naturais, na maioria dos casos. Não há razões para supor que eles correspondem fielmentte ao processo original de recitação. De feto, estamos a indagar quais eram as partes componentes de cada um desses dois poemas que, depois do registro documental, foram reunidas, com toda a probabilidade, em Atenas, e ordenados na seqüência que hoje temos. Nunca o saberemos, embora seja um pouco mais fócil de conjecturar no caso da Odisséia. A expedição e o retomo de Telêmaco, por exemplo, e as viagens narradas por Odisseu, podiam ser recitadas como rn.yth.oi independentes, no todo ou em parte. Fazer conjecturas sobre a Ilíada é mais difícil, por que sua ordenação atual é mais intrincada. Em muitos poucos casos, um livro inteiro, ou a maior parte de um livro desta obra se afirma como um mythos independente. Isto é certo no caso do Livro XXIV (o resgate de Heitor) e no que toca ao XXIII, a partir do verso 259 (os jogos fúnebres), assim como no caso do livro X (uma epopéia de proezas noturnas) e no que tange ao Livro II, do verso 87 ao 483 (o pânico e o reagrupamento do exército grego, depois de nove anos de guetra). Uma recitação, evidentemente, não carece de confinar-se aos limites de um só livro. Há umas poucas seqüências de livros que, tais como se apresentam, podiam informar uma recitação: os livros XVI e XVIInarram as feçanhas e a morte de Pátroclo; o VIII e o IX descrevem o avanço troiano, a retirada grega e 0 apelo dos gregos a Aquiles por socorro. Por um processo mais complicado, pode-se reconhecer que livros agora separados, no texto do qual dispomos, tinham uma conti nuidade que permitia recitá-los feito seqüências temáticas. Assim, o Livro I, que descreve o fracasso em resolver uma disputa cujos efeitos fatais para os gregos foram preditos, pode ser seguido pelo Livro VIII, em que esses efeitos se verificam, e em seguida pelo Livro IX, em que se fez uma segunda tentativa de remediar essa situação. Ainda mais complexamente, o que hoje se pode considerar como trechos seletos em nosso texto, pode ter constituído partes, ora redistribuídas, de uma recitação integral. A femília divina, presidida por seu autocrata, é apresentada no Livro I, do verso 493 em diante; mais tarde vemos Hera e Atena descendo do Olimpo para interferir na ação (Livro V, do verso 711 para diante), enquanto Zeus ordena aos seus que mantenham neutralidade, e em seguida retira-se para o Monte Ida (Livro VIII, 1-52), tão-só para ser se A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 177 duzido por Hera (XIV, 153-353), de modo que a família olímpica possa abandonar a neutralidade enquanto ele dorme - até que ele desperta, enfurecido, e despacha ordens que compelem seu pessoal teimoso a restabelecer o status quo (Livro XV, w. 4-235). Esta combinação produ ziría uma única récita memorizável de um mythos sobre os deuses, cantável num tom coerente de realismo cômico. Essas sugestões foram apresentadas como exemplos, intéiramente hipotéticos, de tipos de recitação que se enquadrariam nas linhas de continuidade do que ora chamamos Ilíada e Odisséia. Estes poemas, tais como hoje os conhecemos, oferecem um número muito grande de possibilidades de comutação e permutação para que possamos aceitar qualquer arranjo proposto como autenticamente original. Qualquer parte dele, cantada em uma instância única, contém alusões em que a epopéia inteira se acha implícita. O recitador está consciente da existência desta epopéia ideal, presente por implicação. Mas a atenção do cantador cinge-se ao seu tema imediato; sua memória embebe-se nele temporaria mente, excluindo outras considerações. O princípio do eco Por trás da dedicação psicológica ao ritmo e ao fluxo da palavra rítmica é possível determinar uma lei acústica em ação, a qual serve para estabelecer conexões, como um princípio de ligação que entrelaça feixes de situações. Pode este ser chamado de princípio do eco, a ressoar no ouvido, combinado ao princípio do reflexo no espelho, que se apresenta aos olhos da mente. O primeiro livro da Ilíada oferece um exemplo singelo disso: no começo da história, há um sacerdote na praia, dirigindo suas queixas a Apoio; esperamos um pouco, a história prossegue, e lá está Aquiles na praia queixando-se a sua mãe. As fórmulas usadas no primeiro caso repetem-se, com a variação necessária, no segundo, e um cenário natural uma vez empregado reflete-se na sua contraparte. O princípio pode estender-se de modo a incluir ações e situações mais amplas e complexas. Assim, no Livro I, a narrativa conta como se reuniu a ágora, como Nestor, com uma apropriada exortação tentou mediar a disputa, e como Agamênon enviou emissários a Aquiles para tomar-lhe Briseis. No Livro IX, o mythos deslocou-se, mas o eco retorna. O recitador narra como a ágora se reuniu mais uma vez; como ela deu lugar a um conselho, em que Nestor, com apropriada exortação, mais uma vez in 178 ERIC A. HAVELOCK terveio, na condição de mediador; e como Agamênon enviou emissários a Aquiles para devolver-lhe Briseida. O princípio do eco é operativo a ponto de três personagens utilizarem, no segundo caso, fórmulas usadas por dois, no primeiro. Este tipo de mecanismo é diretamente acústico e indiretamente imagístico. E persistente em ambos os poemas e foi bem documentado pelos eruditos homeristas, porém com a diferença de que o interpretam apenas em termos visuais e o descrevem como um padrão de desenho, em vez de uma ressonância: como se quadros paralelos fossem ordenados em seqüências de tipo aba, abba, abcba e similares, à feição de figuras pintadas num altar.9 Mas era o ouvido, não o olho, que tinha de ser seduzido e conduzido por esses arranjos, fundando-se em sons reais, de palavras idênticas ou similares, encerradas em fórmulas e parágrafos de análogo soar. O eco é uma coisa que o ouvido do cantador e o de sua audiência estão treinados para esperar. Sua utilidade mnemônica estimula a ante cipação. Podemos dizer que a segunda ocorrência ecoa a primeira, ou que a primeira prediz a segunda. O mythos oral é continuamente estendido desta maneira, à medida que é enunciado, a fim de apoiar a recordação, na mente do recitador, de como há de prosseguir, qual será a trama. O eco, porém, é modificado. Não é uma duplicata, pois uma duplicata não diría nada mais do que já fora dito; a narrativa degeneraria em repetição sem sentido. O eco deve acompanhar um novo enunciado de uma ação nova, mas esta não pode ser sobrecarregada de novidade, ou inventiva; para aten der às necessidades da memória, deve haver semelhança bastante com o dito anterior, a fim de induzir a mente à tentação de saltar de um a outro, ao mesmo tempo tentando a boca a segui-la com a enunciação adequada. A necessidade constante de um mecanismo de antecipação e confirmação explica, entre outras coisas, a importância eminente que têm, na poesia oral, a profecia e os enunciados proféticos, postos na boca de personagens no próprio momento em que executam uma ação no presente. Aquiles previne Pátroclo de não ir muito longe — assim prevemos que ele o fará, e talvez perigosamente; Apoio, no concilio dos deuses, protesta que devem parar os maus tratos infligidos por Aquiles a Heitor - assim ficamos sabendo que eles vão parar; Calcante deve falar, mas tem medo de ofender algum potentado - assim somos prevenidos de que esta ofensa se dará, e que provavelmente se seguirá uma amarga contenda. A língua falada é um continuam, uma trilha sonora fabricada pela laringe e transportada em ondas no ar, acusticamente divisível em A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 179 momentos, mas não espacialmente em quadros extensos. Momentos que antecipam e ecoam outros são consonantes, não simétricos. Um episódio em que se descreve o combate marcial está cheio de sons lingüísticos que evocam luta, ou se lhe associam; uma cena de banquete encerra palavras evocativas do comer, do beber e do rejubilar-se. A expedição de Telêmaco ao Peloponeso desenvolve-se em locuções repetidas que descrevem cavalos e carruagens a correr, arreios postos e tirados, taças de hospitalidade a encher-se, libar-se e esvaziar-se, trocas de saudações. Há um elevado componente de onomatopéia na composição oralmente memorizada. São esses os mecanismos mnemônicos que controlam e orientam a encantação dos versos e lançam na consciência do cantador, assim como na de seu auditório, o necessário feitiço verbal. Se nos demoramos aqui em sua exposição, foi para reforçar a conclusão anteriormente enunciada de que tanto a composição oral como a recitação que lhe corresponde ocorrem em momentos de intensa atividade, entendendo-se o momento, no caso, em termos de uma movimentação que se cinge ao âmbito de um mythos determinado, durante cuja apresentação fica suspensa a memória de outros episódios. O recitador fica absorto no seu contexto presente, e nele se desloca desde o começo à conclusão, com total indiferença relativamente a outros contextos exteriores ao período de seu desempenho. A jornada e o sonho A Grécia protoletrada, depois de Homero, num tempo em que os conceitos de atividade intelectual e os procedimentos discursivos estavam a aflorar na consciência, teve certa dificuldade de verbalizá-los, de definir e descrever o processo cognitivo. Uma palavra adotada para descrevê-lo foi hodós, uma jornada ao longode um caminho, um itinerário; a palavra tanto indica a estrada como o curso que se toma através dela. O filósofo Parmênides recorre a esta metáfora, e Platão a revive. Como um elemento de terminologia, ela habita a terra de ninguém entre o hábito letrado e o não-letrado; ela capta o sentido do processo oral de conexão, e é significativo o fato de ambos os pensadores sugerirem que, na mente, essa rota pode ser circular. Ela implica o sentido que tem o consignar-se do recitador de composição oral a uma trilha de som e feia que ele segue, 180 ERIC A. HAVELOCK mais que rege. Ele é ainda o viajor a deslocar-se pela estrada a pé, absorto em observar a direção que lhe foi dada, mirando os sinais postos à beira do caminho. Com ffeqüência, ele há de voltar sobre seus passos: “é tudo o mesmo para mim, onde quer que comece” diz Parmênides, reprodu zindo fielmente o mergulho do bardo num meio de que só emerge ao fim de sua narrativa. Uma outra metáfora empregada por Platão para descrever a situação psicológica do poeta e de sua audiência é a do sonho de que ambos, enfeitiçados pelas imagens a passar diante deles, tal como sonâmbulos, têm de ser despertados, antes que possam tomar consciência de “o que é”.10 O platonismo erige seus alicerces sobre este estado de consciência vigilante, e designa a condição que o precede pelo termo grego dóxa, de que a tradução por “opinião” não é muito feliz. Pode-se avaliar a relevância da metáfora do sonho para descrever a absorção do poeta oral, tanto no ato da composição quanto na execução (mímêsis), tendo em mente que, em si mesma, a composição é um ato de memória, enquanto a execução é o ato que procura imprimir ém outros essa memória. O sonho é algo que toma conta de nós, não o contrário. Rendemo-nos a ele, e essa rendição, embora temporária, é total, no sentido de que qualquer conexão com outros estados mentais vem a ser interrompida, sejam eles outros sonhos ou o estado de vigília da consciência controlada, identificá vel com a intelecçâo. Todo um contexto abrangente de “significação”, ou de relevância para a experiência em geral, está ausente. Só por uma reestruturação da linguagem que usa, pode uma pessoa buscar a configu ração de semelhante contexto, e isso significa reestruturar a psicologia da pessoa. O sonho é equivalente ao momento de recitação rapsódica. A datação de Homero O historiador letrado da Grécia arcaica, justamente por que é letrado, quando aborda o próblema de quando e como os poemas homéricos foram escritos, inclina-se a visualizá-lo como um evento único, a postular que, uma vez inventada a técnica do alfabeto, ela havería de aplicar-se integralmente à transcrição de uma obra preexistente em forma oral - à maneira como um escritor de hoje confia sua composição ao papel, e o papel datilografado é então entregue ao editor, para que saia do prelo como um volume completo. Bem assim, imagina-se o “escritor” grego, A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 181 seja ele visto como rapsodo ou como escriba, sentado a uma escrivaninha (tabuinhas no colo não bastariam) a fim de transcrever em rolos de papiro (talvez tiras de couro, embora isso seja improvável) a Iliada e a Odisséia. Esse é um quadro improvável; a invenção do código alfabético, peló acréscimo de vogais à série fenicia, foi uma coisa; sua aplicação fluente à transcrição de enunciados lingüísticos em quantidade apreciável foi outra bem diferente. Escrever nessa escala pressuporia um hábito já desenvol vido ao pontó da arte. Devemos, em vez disso, indagar: dado que a epopéia desfrutava de uma existência restrita de forma exclusiva ao auditório, sendo memorizada e repetida oralmente, qual terá sido o motivo provável de pôr em contacto esta fala criativamente elaborada com os signos do alfabeto? A resposta provável é a que foi apresentada em observações posteriores, em Píndaro e Esquilo;11 é também a que surge da própria repetição oral. O motivo foi mnemônico, uma resposta às mesmas pressões psicológicas que inspiraram e dirigiram a técnica oral; os signos alfabéticos ofereciam um suplemento às energias requeridas para a memorização. Como havia isso de fazer-se com uma técnica ainda na sua infância, no que tange a emprego fluente? Com certeza, por meio da transcrição de parcelas de composições orais em verso, usadas como lembretes para advertir a um recitador como iniciar, ou, eventualmente, como parar. Esses lembretes talvez pudessem chegar a pequenas epítomes de episó dios que o recitador, por outro lado, teria de cor, como seu repertório preferido. Gradualmente, e com o reconhecimento da diminuição do esforço que se daria se fossem relidas, essas transcrições se estenderíam até o ponto de registrar trechos inteiros da composição versificada. Seja uma ilustração hipotética dessa prática: os versos introdutórios da Iliada podiam tornar-se uma peça de escrita conveniente, pois eles predizem o curso da trama - a predição é o método da mnemônica oral - e assim o bardo podia acolher como bem-vinda a oportunidade de a ler, para recordar-se dos principais elementos dessa história, antes de lançar-se a ela. O catálogo no Livro II foi seguramente um dos trechos mais antigos da Iliada confiados à escrita. Os dois concilios dos deuses na Odisséia, que, em momentos sucessivos, deflagram partes da ação, poderíam ser exemplo de outras passagens que, se transcritas, viríam a ser especial mente úteis. Nunca saberemos pormenores desse tipo, mas seguramente não é fantasiosa a hipótese de que uma transcrição parcial de “lembretes” constituiría a modalidade de uso original a que se aplicou o alfabeto. 182 ERIC A. HAVELOCK Isso leva a dizer que, originalmente, a aplicação do alfabeto veio a ser função da recitação oral; as duas coisas estavam entrelaçadas. Se era assim, a fim de entender as circunstâncias nas quais se completou a difusão do alfabeto, devemos considerar as condições prováveis de execução oral durante o período em que, de acordo com a nossa hipótese, Homero estava a ser parcial e imperfeitamente transcrito em escrita alfabética. As inscrições mais antigas — um pequeno grupo - agrupam-se à volta de 700 a.C. São metrificadas, e se encontram amplamente dispersas.12 Por outro lado, a primeira composição lírica que podemos estar certos de que foi efetivamente transcrita em vida por seu autor, diretamente por sua mão, ou por seu ditado, foi obra de Arquíloco de Paros, na metade do século VII. Essa talvez seja uma inferência excessi vamente cautelosa, baseada na escassez extrema tanto de obras remanes centes de poetas mais antigos quanto de tradições relativas a seus nomes. Será possível que partes da Iliada e da Odisséia não tenham sido trans critas antes que os poemas de Arquíloco? É claro que nunca saberemos a resposta exata, mas a questão não é descabida. Quanto ao terminus ante quem, o ponto em que podemos supor que tanto a Iliada como a Odisséia alcançaram a existência textual completa com que estamos familiarizados, não cabe contestar a tradição, já corrente antes do fim do século V,13 que declarava que os poemas homéricos foram ordenados de algum modo em Atenas, durante o governo de Pisístrato ou de seus filhos.14 A transcrição alfabética de Homero, no sentido em que conhecemos Homero, pode ter-se completado em data tão tardia como 520 a.C., ou antes. Quanto ao fato de que esta tradição foi rejeitada, deveu-se isto, antes de mais nada, ao pressuposto de que a Grécia era plenamente letrada pelo menos desde 700 a.C., e talvez mais cedo, caso em que fora provável que os poemas homéricos fossem escritos e lidos, no que podemos chamar sua forma canônica, muito antes do reinado de Pisístrato. Mas a suposição de que a Grécia era plenamente letrada antes de 500 a.C. (ou de fato antes de 430 a.C.) parece não ter fundamento.15 O ato de integração visual A medida que tem lugar a documentação, um infatigável e movimen tado mar de palavras congela-se na imobilidade. Cada momento auto-su ficiente derecitação - um episódio ou série de - vem a ser aprisionado numa ordem não mais acústica, mas visível. Cessa de ser uma trilha A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 183 sonora e toma-se quase um objeto tangível. À medida que semelhantes objetos são escritos e reunidos, tem lugar um arranjo espacial ordenado deles. Como eles agora são preservados fora das memórias individuais daqueles que os escrevem e coligem, o reunidor não precisa mais render-se total e temporariamente à absorção em qualquer um deles. Pode vê-los em massa, tornar-se consciente deles como uma soma, uma totalidade. Na medida em que ele fez isso, começa a despertar do sonho. A sua consciência relaxada permite que seu olho, não seu ouvido, vagueie pela soma total, e à medida que o fez ele começa a comparar visualmente as partes, umas com as outras. Uma parte da atenção previamente concentrada na recitação de uma dentre elas vem a dirigir-se para a contemplação do conjunto. Uma recitação individual de composição oral, sendo em si um mythos, conta um conto em seqüência temporal, sem retrocessos ou maiores digressões. Mas uma vez que os mythoi sejam vistos em conjunto, perceber-se-á que a recitação A, descrevendo a história das aventuras de Odisseu, digamos, durante suas errâncias, e a recitação B, a história de sua retenção pela ninfe Calipso, sua liberação e naufrágio; e a recitação C, a história da ida de Telêmaco à procura de seu pai, todas tratam de períodos de vida que se recobrem. Ou digamos que a história de como os gregos perderam o ânimo depois de nove anos de guerra e romperam as fileiras, e depois se reagruparam e retomaram a ofensiva, carece de ser relacionada em termos temporais, com a história de como Aquiles e Agamênon querelaram e de como isso acarretou a ofensiva troiana; e também do mesmo jeito a história do forioso ataque de Aquiles aos troianos, e de como ele os fez fogir em massa e matou Heitor. Natural mente ocorreu ao olho reflexivo que o princípio da seqüência temporal que se aplicara às recitações individuais devia aplicar-se, se possível, à massa total. Como ajuntar as peças num conjunto similar? Isso não pode ser feito, simplesmente porque as recitações originais expunham eventos separados, muitos dos quais, quando vistos em conjunto, dão-se a perceber como tendo lugar em espaços de tempo que se sobrepõem. De resto, além do princípio do eco, aplicado no interior de cada uma delas, cada recitação continha predições ou declarações alusivas que, de passa gem, feziam referência ao que havia de acontecer a um personagem, ou já lhe tinha acontecido, fora do contexto de uma determinada recitação. Esses dados constituem fogazes lembranças do feto de que existe uma epopéia ideal maior do que qualquer recitação singular. Assim acontece 184 ERIC A. HAVELOCK um compromisso. Os pedaços da história são escolhidos e enumerados de modo a alcançar o efeito de uma única seqüência temporal abrangente que avança, mas com interrupções, retrocessos, digressões, rumo a um fim assinalado. Assim sutgiu o arranjo de nosso texto atual, corretamente desig nado pelos críticos homéricos como uma ardo artificialis,16 sendo esta ordo a obra de um olho, não de um ouvido, uma obra realizável apenas quando várias partes de uma trilha sonora foram alfobeticamente transcritas. É neste ponto, quando a organização visual se sobrepõe à acústica, que se toma concebível uma arquitetura lingüística na qual se ajustam ps princípios fonéticos de conexão. Toda a terminologia letrada e literária hpje cojnumente aplicada ao discurso organizado começa a ganhar pertinência. O autor de qualquer discurso preservado toma-se não mais um cantador, mas um “compositor”; seu discurso devém uma “obra” dotada de um “padrão”, ou de uma “estrutura”, regida por “tema”, “tópico”, ou “assunto”. Até os seus atores tomam-se “personagens”, “caracteres”. Sua atividade, no caso dos poemas homéricos, toma-se “monumental”.17 Estes, e dezenas de outros termos, são extraídos da experiência visual e tátil de manejo de uma escrita alfabética. Situam-se fora do mundo pensado de uma cultura oral e dos cantadores que originariamente entoaram os cantos que chamamos de homéricos. A partir de então, toma-se possível que venha a existir uma “literatura” grega, no sentido letrado do termo. Deve-se, porém, enfatizar que a essência da linguagem como um sistema fonético não pode ser transcendida, e não o foi até hoje. As obras de literatura grega posteriores à transcrição de Homero aconteceram e foram compostas em uma tensão crescente entre o gênio da composição oral e o da escrita. Como a oralidade permanecia muito próxima dos gregos pelos fins do século V, e de foto continuou a sê-lo no século IV, o grau dessa tensão foi único na literatura do período. O drama ateniense, além de ser rítmico, obedece a regras associativas e de predição, próprias da composição oral; compõe-se com base no princípio do eco e se concebe como uma apresentação a ser ouvida, vista e memorizada, mas não lida. Também se compõe como um registro cultural, um suplemento ateniense à enciclopédia homérica. Todavia, é muito claro que também emprega a arquitetura de composição, que só o olho de um escritor podia prover. Representa uma arte intermediária, que retém energias específicas, laten tes na encantação oral, embora submetendo-as ao controle reflexivo de um intelectualismo nascente. A REVOLUÇÃO DA ESCRITA NA GRÉCIA 185 A documentação do discurso, na Grécia, levou tempo; originalmen te, limitou-se à escrita do que antes fora composto em forma metrificada, de acordo com regras orais. Demorou ainda mais a efetuar-se a invenção de uma prosa que realizaria o pleno potencial da palavra escrita, o campo de expressão tomado disponível quando a palavra já não necessitava mais de memorização para sobreviver. Este progresso pode ser observado nos textos de Heródoto, Tucidides e Platão. As razões da demora residem numa lei que é fundamental para a história da palavra humana: as modalidades do discurso letrado, quaisquer que sejam, não podem ser entendidas à parte da compreensão das que correspondem ao discurso não-letrado. Estão as duas intimamente interligadas: as modalidades orais, porque elas não existiríam para nós sem os recursos da escrita; as letradas, porque a própria sofisticação de seu vocabulário e sintaxe desenvolveu-se a partir de mudanças e transposições no vocabulário e na sintaxe oral, e elas não podem ser adequadamente compreendidas sem que se chegue a perceber quais foram tais mudanças. A própria tarefe a que se dedica a comunicação letrada - a criação e conservação de conhecimento, tecnológico e cultural - foi primeiro enfrentada e resolvi da em incontáveis milênios de experiência oral, quando o homem não sabia de outro conhecimento além do que se achava contido nos sons de sua linguagem, no que eles eram pronunciados. Notas 1 Problemas relativos à transcrição da poesia oral chamaram a atenção dos estudiosos a partir da publicação dos capítulos 6 e 7 do livro de A. B. Lord, Singer of Tales, Hatvard, 1960. Ver também G. S. Kirk, Songs of Homer, Cambridge, 196,2 cap.l 4; A. M. Party, Have We Homer’s Iliad?, YCS, XX, 1966. A preparação do presente artigo baseou-se em argumentação desenvolvida em algumas de minhas publicações anteriores: Preface to Plato, Hatvard, 1963, caps.1-4; Prologue to Greek Literacy, in: University of Cincinutti Ciassical Studies Semple Lectures, v.II, Oklahoma, 1973; Origins of Western Literacy: Ontario Institute for Studies in Educadon Monograph Series, v.14, 1976; The Preliteracy of the Greeks, in: New Literary History, University of Virgínia, v.VIII, n.3, 1977. Ver também Robert Kellog, Oral Literature, in: New Literary History, v.V, n.l, 1973. São também relevantes dois artigos escritos por J. A. Davison sobre Literatura and Literacy in Ancient Greece, in: Phoenix, v.XVI, n. 3 e 4, 1962 assim como o são os argumentos com que o mesmo autor, em A Companion to Homer, Cambridge,1962, advoga a autenticidade da tradição que situa na era de Pisistrato uma consolidação do texto homérico. 2 Ver Origins, p.22-50; cf. nota supra. 186 ERIC A. HAVELOCK 3 The Ancient 'Near East: An Anthology of Texts, editada por James B. Pritchard, Princeton, 1958, p.68-9. 4 Origins, p.34, G. K. Gresseth, em The Gilgamish Epic and Homer, C. J., v.70, n.4,1975, p.l -18, defende a tese de uma congruência estilística maior entre as duas poéticas: ambas “pertencem ao mesmo gênero literário, a epopéia heróica” (p.l 7). 5 A. Leo Oppenheim, The Position of the Intellectual in Mesopotamian Society, Daedalus, Primavera de 1975, p.38. 6 Preface (cf. supra, nota 1), capítulo 2. 7 Tomo de empréstimo esta expressão a Kellog (cf. supra, nota 1), p.59. 8 Os termos homéricos correspondentes são aoídl, oímS, mythos e também mólpl e hymnos. As descrições encontradas em ambos os poemas (especialmente na Odisséia) a récitas poético-musicais aludem sempre à recitação de episódios. 9 C. H. Whitman em Homer and Heroic Tradition sublinha o paralelo entre a padronização homérica e a arte geométrica. 10 Preface, p.190, 238 ss. 11 Pindaro, Ol. 10.1. ss. Ésquilo, Supl. 179; Coeph. 450, Eum. 275; P. v.460,789-90. 12 Cf. Preliteracy (supra, nota 1). 13 0 Panegírico de Isócrates provavelmente alude a ela; e a relata o Hiparco de Platão (um diálogo incluído no cânon antigo e aceito por muitos eruditos platonistas). Embora estas obras tenham sido escritas no começo do século IV a.C., seus autores nasceram em 436 e 429, respectivamente. 14 Cf. Davison, no Companion (v. supra, nota 1). 15 Cf. Preliteracy e Preface, capitulo 3. 16 Como diz Davison, no Companion. 17 Kirk, Songs (cf. supra, nota 1).
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