Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PROF. DAVID PESSOA DE LIRA DISCIPLINA: Literatura Grega: Tragédia LE1026 CURSO: Letras TURMA TB INTRODUÇÃO À LITERATURA GREGA - PT II Conteúdo: Trágico ὕϐρις [hybris] e ἁμαρτία [hamartia] TRÁGICO 1. O trágico, sendo uma categoria estética e um princípio filosófico, pode ser estudado e analisado a partir das diferentes expressões literárias e artísticas, como o romance, as artes plásticas, a música, a comédia, a tragédia etc. 2 O fenômeno trágico não está circunscrito apenas à tragédia. Ademais, esse conceito compreende vários outros conceitos, como a culpa trágica, a situação trágica, o conflito trágico e o sujeito trágico. COSTA, 2014, p. 11, 61; cf. o prefácio de Anatol Rosenfeld em LESKY, 2003, p. 14. 3. O que não se pode negar é que a tragédia grega se torna o ponto referencial de onde se deve partir e aonde se deve retornar para tratar da concepção do trágico ou especificamente da culpa trágica. LESKY, 2003, p. 21-23. OBSERVAÇÕES: Se considerar que há um jogo épico como uma cadeia de acontecimentos, com elos que se sucedem, pode-se aventar que os épicos se projetam em direção à tragédia. Uma concepção embrionária do trágico nos épicos homéricos, Ilíada e Odisseia, pode ser considerada. Em todo caso, segundo Lesky, o mais importante aqui não é a formação da cadeia, mas o encadeamento dos acontecimentos, das personagens e das suas motivações. Não é por acaso, e com certa razão, que os antigos críticos atribuíam a Homero o título de pai da tragédia. Para Lesky, se de fato há algo do trágico nos épicos, isso é apenas um prelúdio para uma objetivação na obra. Deve-se partir do drama para observar os traços essenciais do trágico. LESKY, 2003, p. 23-26. O adjetivo τραγιϰός [tragikos] se desligou da forma artística ligada ao classicismo helênico e passou a ser usado largamente com o sentido de fatídico. Para Sören Kierkegaard, “o mundo é separado de Deus por um abismo intransponível”. Essa ideia de que o mundo é trágico em sua essência profunda é mais antiga do que a nossa. LESKY, 2003, p. 26-27. 4. Aristóteles, em sua De Arte Poetica, de vinte e seis capítulos, dedica dezessete ao estudo da tragédia. O filósofo empregou Oedipus Tyrannus de Sófocles como uma peça de grande valor, mas sua análise é apenas formal e não necessariamente da essência. 5. Em todo caso, Aristóteles, indispensável no que se trata da análise das tragédias, sendo o teórico máximo da tragédia, não é esclarecedor quando o tema é trágico. Nesse sentido, ele trata de uma poética, tentando analisar os princípios e o funcionamento do gênero dramático-trágico em um nível prescritivo. 6. Os gregos criaram a arte trágica, mas nunca desenvolveram explicitamente uma teoria sobre o trágico que ultrapassasse o drama e envolvesse uma concepção de mundo em sua inteireza. SOPHOCLES, 2010, v. 1, p. xxvi. COSTA, 2014, p. 28; LESKY, 2003, p. 14, 27. 6. Aristóteles, ao usar a palavra τραγιϰός [tragikos] em sentido solene e desmedido, ele emprega o uso corrente de sua época. Em outras palavras, trágico pode ter o sentido de horrível, sanguinário e desagradável. De Arte Poetica 1453a.29-30, Aristóteles menciona que Eurípides parece ser o maior trágico dentre os poetas (ϰαὶ ὁ Εὐριπίδης [...] τραγιϰώτατός γε τῶν ποιητῶν φαίνεται). Aristóteles sugere que Eurípides é o maior trágico por empregar os fins mais catastróficos, o que deu origem à acepção de τραγιϰός [tragikos] como se entende hoje. LESKY, 2003, p. 29, 37.ARISTOTELES, 1965, p. 20-21. LESKY, 2003, p. 26-27. 7. A priori, convém salientar que se enfrenta dificuldades na formulação do conceito apropriado para o trágico. Isso se explica por dois motivos, a saber: 1) pela banalização do fenômeno trágico, reduzido a eventos catastróficos; e 2) pelo fechamento de vários planos de abertura de uma obra literária ou de arte. COSTA, 2014, p. 47. 8. F. W. Schelling tentou investigar a filosofia do trágico. Ao analisar o fenômeno, ele focalizou as vicissitudes da liberdade humana nos aspectos mais trágicos. O que, de fato, interessava a Schelling era algo de contraditório e paradoxal nos caminhos da liberdade humana. Assim, a tragicidade explicita um embate pela liberdade em detrimento do aniquilamento do sujeito. 9. O argumento de Schelling tem como bojo uma contraposição entre uma potência objetiva e a nobreza heroica, muitas vezes evidenciando a queda do herói e a liberdade advinda de suas escolhas. COSTA, 2014, p. 28-29. 10. Na tragédia grega, incide uma luta contraditória entre liberdade e submissão, gerando um processo de perda e finitude. Muitas vezes o herói perde porque luta contra a perda. Pode-se perceber que Édipo, ao fugir do cumprimento do destino, é destinado a dois crimes que ele resistiu realizar. Há de notar que o herói, nesta situação, não é necessariamente passivo, pois age para não perder a liberdade. COSTA, 2014, p. 31. Para Goethe, “todo trágico se baseia numa contradição inconciliável. Tão logo aparece ou se torna possível uma acomodação, desaparece o trágico”. LESKY, 2003, p. 31. O grau do trágico é aquilo que designa como relação com o nosso mundo, como o comover, quando mexem com as vísceras, a profundidade do nosso ser, aí se experimenta o trágico, não importando o local e os agentes, o trágico se dá no âmbito psicológico e filosófico, aproximando as figuras de nós mesmos. LESKY, 2003, p. 33. ὕϐρις [hybris] e ἁμαρτία [hamartia] Em Oedipus Tyrannus, como não fica explícita a atuação dos astros, deuses e a maldição de sua estirpe, procura-se encontrar um erro em Édipo, gerando muitas vezes mal- entendido na semiose da tragédia. A arrogância de Édipo, sua falta de medida (ὕβρις [hybris]), compele a culpá-lo por sua escolha. Em todo caso, Sófocles não apresentou nenhuma πρώταρχος ἄτη [prōtarkhos atē], ou seja, uma culpa maléfica ou perversa. Porém, nem em Oedipus Tyrannus nem em De Arte Poetica incidem as expressões ὕβρις e πρώταρχος ἄτη em consonância com ἁμαρτία [hamartia]. De qualquer maneira, essas palavras configuram um aspecto estético-moral. NIETZSCHE, 2014, p. 5. Referência ARISTOTELES. De Arte Poetica Liber. Recognovit brevique adnotatione critica instruxit Rodolfus Kassel. Oxford: Oxford Press, 1965. 79p. ARISTOTELES. Ethica Nicomachea. Edited by Ingram Bywater. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. 264p. COSTA, Gilmário Guerreiro da. O trágico antigo e o moderno: Ensaios sobre filosofia e literatura. São Paulo: Annablume Clássica, 2014. 411p. JEBB, Claverhouse. Introduction. In: SOPHOCLES. The Plays and Fragments. With Critical Notes, Commentary and Translation in Prose English. Edited by Richard Cleverhouse Jebb. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. v. 1. LESKY, Albin. A tragédia grega. 4. ed. Sao Paulo: Perspectiva, 2003. 306p. NIETZSCHE, Friedrich. Introdução à tragédia de Sófocles. Tradução e notas de Marco Sinésio Pereira Fernandes. Revisão técnica e da tradução e apresentação de André Luis Garcia. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. 106p. (Bibloteca do pensamento moderno). SOPHOCLES. The Plays and Fragments. With Critical Notes, Commentary and Translation in Prose English. Edited by Richard Cleverhouse Jebb. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. 7v.
Compartilhar