Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TRAVESSIAS NO ESTÁGIO EM GESTÃO DE ESCOLAS: ÊNFASE NO CAMPO PEDAGÓGICO Jerônimo Sartori - jetori55@yahoo.com.br Campus Erechim - UFFS Resumo: Este estudo discute o Estágio Curricular Supervisionado em “Gestão de Escolas”, suas concepções e desafios para implementar e desenvolver a gestão educacional na perspectiva dos princípios democráticos. Este estudo visa “socializar o processo vivenciado na relação direta com a orientação e o acompanhamento do estágio na área da gestão pedagógica e curricular na escola de educação básica”. A análise foi produzida a partir da experiência realizada no acompanhamento e orientação do estágio em “Gestão de Escolas”, bem como dos desafios encontrados nos relatórios sistematizados pelas estagiárias. Por tratar-se de um estudo descritivo-crítico, busquei a fundamentação teórica por meio de uma revisão de literatura da área de gestão educacional e de escolas, tomando também como base os documentos norteadores das políticas públicas do sistema educacional brasileiro e as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia. Os resultados apontam que o campo pedagógico- curricular, fundamentalmente afeto ao trabalho dos coordenadores pedagógicos nas escolas, reveste-se do desafio de organizar e desenvolver programas de formação continuada, de revisar e implementar o Projeto Político-Pedagógico, de cuidar das relações entre professor-aluno. O trabalho no campo pedagógico na escola apresenta-se como um meio de desenvolver habilidades e competências essenciais ao desenvolvimento das práticas, que são inerentes ao ato de gerir a escola. O entendimento do estágio através da prática reflexiva, que articule o ensino e o campo de trabalho dos gestores, confere aos estagiários elementos significativos à compreensão dos processos e das relações de poder que se entrecruzam no cenário da escola. Palavras-chave: Pedagogia. Estágio curricular. Gestão escolar. Problematizando o tema estágio Numa tentativa modesta me arrisco a tecer algumas considerações sobre as travessias da gestão escolar, com enfoque nas especificidades do campo pedagógico. Para tanto, de forma breve, recupero a trajetória do curso de Pedagogia, regulamentado inicialmente pelo Decreto-Lei nº 1.190 de 1939 e, definindo-o como um curso de bacharelado, alinhado à época ao atendimento dos aspectos burocráticos e de ordem técnica. O referido Decreto explicita a exigência do diploma de Pedagogo para atuar como técnico em educação no Ministério da Educação, para desempenhar as funções de administração, planejamento curricular, assessoria aos professores, inspeção em escolas, avaliação de docentes e discentes, pesquisa no campo tecnológico da educação. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06477 mailto:jetori55@yahoo.com.br 2 Fica explicito que o curso de Pedagogia fazia parte na época ao misto de bacharelado e licenciatura, alinhando-se ao chamado “esquema 3+1”. Neste esquema, o curso de Pedagogia formava bacharéis em três (3) anos, após este período o currículo era composto por disciplinas vinculadas à área de “Fundamentos da Educação” 1 . Neste esquema era realizada a formação nas diversas áreas 2 . Desse modo, o entendimento era de que o bacharelado habilitava o pedagogo para atuar como técnico em educação, já a licenciatura habilitava o professor para ministrar aulas no Curso Normal - secundário. A promulgação da Lei nº 4.024/1961, por meio do Parecer nº 251/1962, manteve o “esquema 3+1” para o curso de Pedagogia que passa a ter status de licenciatura. O referido Parecer visava manter a unidade de conteúdo em todo o território nacional, para definir a especificidade do bacharelado em Pedagogia, com cinco disciplinas obrigatórias 3 e duas opcionais 4 . Acrescentava o Parecer que para a docência na Escola Normal, o bacharel cursava: Psicologia da Educação, Elementos de Administração Escolar, Didática e Prática de Ensino sob a forma de Estágio Supervisionado. A Lei da Reforma Universitária nº 5.540/68, modifica o perfil do curso de Pedagogia, que de acordo com o Parecer nº 252/69 do CFE, oferecia as habilitações: Administração Escolar, Inspeção Escolar, Orientação Educacional e Supervisão Escolar. O Parecer nº 252/69 do CFE e a Res. nº 2/69, indicavam que o curso de Pedagogia deveria formar docentes para o curso Normal e especialistas 5 . Os especialistas tiveram presença marcante com o predomínio da tendência tecnicista nas décadas de 1970 e 1980, exercendo o papel de controladores da gestão da escola e da atuação dos docentes. Com o passar do tempo os sistemas estaduais demandaram formação em graduação superior para a docência nos anos iniciais da escolarização. Assim, no decorrer da década de 1980 o curso de Pedagogia passa a habilitar professores para o exercício da docência nos anos iniciais. Já na década de 1990 cresceu a criação de cursos de Pedagogia com habilitação em Educação Infantil, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos. O crescimento das demandas diante da pluralidade 6 daqueles que chegam à escola traz novos desafios ao curso de Pedagogia, que são contemplados com o advento da LDB – Lei nº 9.3934/96 e das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o Curso de Graduação em Pedagogia (Res. CNE/CP nº 1, 15-5-2006). Com a implementação das novas DCNs, o curso de Pedagogia passa a formar o pedagogo para atuar na docência Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06478 3 dos anos iniciais do ensino fundamental, na educação infantil, na gestão e nos espaços escolares e não escolares, extinguindo-se as demais habilitações até então existentes. A contar de 2006 com o advento das novas DCNs para o curso de Pedagogia o campo da gestão permanece como atributo do pedagogo, algumas instituições ao reformularem seus PPCs trazem como necessidade a realização de estágio curricular obrigatório na área da gestão educacional e escolar. Desse modo, a instituição em que atuo fez esta opção – realizar estágio curricular no campo da gestão, com o qual estou envolvido como professor da disciplina de gestão, na preparação do projeto de estágio, na observação in loco no espaço campo de estágio, bem como na orientação e acompanhamento (supervisão) da prática de estágio nesta área – gestão escolar. Desse modo, o presente texto tem como objetivo “socializar o processo vivenciado na relação direta com a orientação e o acompanhamento do estágio na área da gestão pedagógica e curricular na escola”. O estudo apoia-se na concepção de que a “gestão educacional” que é entendida como a forma de organização e dinamização do trabalho pedagógico, tendo vista o seu planejamento, a sua execução e a sua avaliação. Metodologia do estudo Pensar na metodologia significa pensar no caminho a trilhar para a execução de um estudo. O foco desta reflexão é o processo vivenciado no estágio da “Gestão de Escolas” com ênfase no aspecto pedagógico-curricular 7 , analisado na perspectiva da abordagem de natureza qualitativa, tendo como material empírico os relatórios de estágio e os registros realizados no período de orientação, planejamento e intervenção na escola. A compreensão da problemática, então, parte da observação atenta e do diálogo estabelecido com os sujeitos envolvidos na relação universidade e escola. Nesse encadeamento, é essencial que se caracterize a comunidade escolar, especialmente, o contexto em que estão inseridos educador e educando, as relações que se estabelecem entre os diferentes sujeitos na instituição, não menos importante, a forma como é realizada a gestão da escola. Isso facilita a leitura e a interpretação dos dados e das informações que emergirem deste ambiente, principalmente da relação dos sujeitos entre si e deles com o contexto social, político, econômico, cultural. O contato diretocom a realidade e com a prática, possibilita construir um corpo de saberes que impulsionam o desenvolvimento da consciência crítica, a mudança da prática política e pedagógica na escola. É fundamental considerar o limite das próprias Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06479 4 potencialidades da prática gestora enlaçada aos fatores circundantes, que ora ampliam possibilidades aos avanços e ora obstaculizam, entravando a evolução de práticas inovadoras, de mudanças no que se refere à gestão da escola e do campo pedagógico. A reflexão sobre o material empírico teve como apoio os procedimentos da “análise de conteúdo” (BARDIN, 1977), em que as inferências teórico-práticas foram efetivadas com base nas categorias construídas por meio da leitura e releitura dos dados e das informações obtidas no processo de preparação (planejamento) e efetivação (intervenção) do estágio em Gestão de Escolas, realizado no semestre 2013/1, curso Pedagogia – licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul. Referências à gestão educacional e à gesta da escola Referir acerca da “gestão educacional”, implica na apropriação de alguns conceitos relacionados ao tema. Ao ler Paro (1998), Libâneo; Oliveira; Toschi (2011) compreendo a “gestão educacional”, intimamente relacionada aos sistemas educacionais (federal, estadual, municipal), sendo que cada sistema tem seu papel, mas em suas diferenciadas incumbências, necessitam estar articulados entre si, haja vista que as normatizações, na maioria das vezes, emanam do macro-sistema educacional brasileiro. Já a “gestão escolar” está vinculada àquilo que faz parte da especificidade de cada unidade escolar, sempre respeitadas as normas comuns dos diferentes sistemas de ensino. Desse modo, em respeito à autonomia, cada escola precisa elaborar e executar seu próprio Projeto Político-Pedagógico (PPP), tendo em vista a administração dos recursos humanos, financeiros e materiais; o cuidado com o processo ensino- aprendizagem do estudante; a integração família, escola e comunidade. Na atualidade, ressalto que os fazeres ligados à gestão educacional e da escola não se embasam apenas nos modos da prática da administração escolar burocrática e técnica, por muito tempo, denominada e orientada pela matriz da razão instrumental. Contemporaneamente, o termo gestão ganhou espaço significativo por abranger o sistema de ensino como um todo, isto é, a gestão administrativa, que envolve a parte financeira e os recursos humanos e a gestão pedagógica, que envolve o planejamento pedagógico e curricular da escola. Para Lück (1997, p. 13). O conceito de gestão está associado ao fortalecimento da democratização do processo pedagógico, à participação responsável de todos nas decisões necessárias e na sua efetivação mediante um compromisso coletivo com resultados educacionais cada vez mais efetivos e significativos. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06480 5 Por meio desse conceito é possível notar a importância da gestão democrática nas instituições de ensino. Mas, para que isso se torne realidade é preciso que exista formação inicial e continuada de qualidade para todos os decentes; é papel da gestão da escola organizar e promover formação continuada qualificada aos seus professores. Afinal, são eles que atuam nos estabelecimentos de ensino, tornando concretas as propostas constantes no projeto político-pedagógico de cada estabelecimento de ensino. Enfatizo que os processos formativos não estão limitados à escola - ao ensino formal, contudo, ensino é educação, ou seja, a escola é parte integrante da sociedade. A despeito disso, o art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – n. 9394/96), situa a educação como “dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Este aspecto chama à responsabilidade o Estado em ofertar uma educação realmente qualificada, que conduza o indivíduo à emancipação. A escola na condição de instituição social e política é espaço institucionalizado para a construção da vivência coletiva, do exercício da democracia, é essencialmente o espaço para a apropriação do conhecimento sistematizado produzido pela humanidade. O desafio da escola reside, portanto, na identificação dos elementos culturais essenciais à formação humana. É fundamental pontuar que a escola como instituição social e política, não é neutra, sendo constantemente perpassada por todas as dimensões que definem os rumos da sociedade atual, a qual se orienta pela matriz da doutrina capitalista. Isso requer que a escola priorize a formação de sujeitos críticos que respondam aos desafios da contemporaneidade, sujeitos que através da apropriação do conhecimento sistematizado, consigam agir para transformar, situando-se como sujeitos do seu próprio processo de ensino-aprendizagem. Pensar o caráter político da escola passa pelo exercício efetivo da democracia, pela conquista da autonomia, pela gestão participativa e colegiada. Mas, como conquistar a autonomia da escola e a participação dos diferentes sujeitos? Não se trata de dar resposta, contudo, me arrisco a indicar um possível caminho para iniciar um processo democrático, que passa pela elaboração e execução do PPP da escola. Além de constituir a identidade da escola, o PPP é um documento fundamentalmente político; define a concepção de mundo, de educação e do cidadão que se quer formar, construído coletivamente com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06481 6 A gestão democrática, então, representa o principal desafio aos sistemas de ensino e à escola. Para Veiga (1998), a gestão democrática necessita considerar os princípios legais sem, contudo, desmerecer o sentido político que define o cidadão que se quer formar e para que sociedade, bem como o sentido pedagógico que se vincula às intencionalidades e ao compromisso sociopolítico de transformar a sociedade. Ao tratar da educação escolar, é essencial caminhar no sentido de efetivar a gestão democrática, compreendendo o seu caráter político. Por este caminho credito à escola a possibilidade de formar sujeitos capazes de agir e transformar, orientados por professores que compreendem o contexto social, econômico, político e cultural, que dialogam com a teoria e que refletem e problematizam suas práticas, concretizando a função da escola como o locus de produção do conhecimento e da formação do cidadão. A gestão dos processos pedagógicos na escola No caso da escola, pensar a gestão implica entender o conjunto de ações que são incumbência do gestor. Nesse encadeamento, os processos pedagógicos são vitais aos fins da educação, por serem processos deliberados intencionalmente pelo coletivo da escola, com o objetivo de promover, em contextos culturais singulares, relações significativas entre o educando e o conhecimento produzido social e historicamente pelos homens, favorecendo a produção da materialidade necessária à sua existência. Então, os processos pedagógicos se materializam nas ações e nos procedimentos que a escola desenvolve para cumprir seu papel político, articulando e integrando todos os sujeitos nas atividades educativas, que se configurem como potenciais para a formação dos estudantes. Considerando o pressuposto de que o conhecimento não se produz somente na escola, mas no conjunto das relações sociais; é preciso diferenciar processos amplamente pedagógicos, configurados pelas dimensões educativas que perpassam todas as experiências de vida social e do mundo do trabalho. Tais processosconsiderados assistemáticos - não intencionais, são relevantes do ponto de vista de construção do conhecimento. Os processos especificamente pedagógicos intencionais são desenvolvidos sistematicamente, objetivando o acesso à cultura e ao conhecimento que a sociedade produziu em seu processo histórico de desenvolvimento social, político, econômico e cultural. A educação, conforme Saviani (2008) constitui-se num fenômeno específico dos seres humanos, sua essência passa pela compreensão da natureza humana. O Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06482 7 homem, no entanto, precisa transformar a natureza por meio do seu trabalho, concebido como ação intencional, que cria e recria o mundo. Ainda, com apoio em Saviani (2008), concebo a educação na dimensão de um trabalho não material, que acontece através do ato educativo sobre a natureza e a cultura, considerando o sujeito situado histórica e socialmente; não separando o produto e o ato de produzir os novos saberes. Cabe, portanto, à equipe gestora, especificamente, ao coordenador pedagógico a função de gerir os processos pedagógicos que visem o cumprimento das intencionalidades indicadas no PPP da escola. Nisso corrobora Placco e Souza ao destacar que o coordenador pedagógico “[...] é um profissional fundamental na escola como articulador das ações, como formador de educadores e, portanto, como transformador das condições de ensino e de aprendizagem” (2012, p. 19). Para tanto, “gestão” é um termo relativamente novo no campo educativo, que objetiva redefinir a organização e o funcionamento da escola, implicando na ruptura com antigos modos de administração escolar, apontando para um horizonte participativo e democrático. O contato das futuras pedagogas com o campo pedagógico-curricular na escola, em suas intervenções por meio do estágio em “gestão de escolas”, permite observar o movimento que o coordenador pedagógico imprime ao seu quefazer no próprio espaço de trabalho. A despeito disso, o coordenador pedagógico deve alicerçar sua prática coordenadora em “habilidades relacionais, estratégias de formação e de ensino, construção e gestão de grupo, domínio de fundamentos da educação e áreas correlatas, questões atuais da sociedade e da infância e da adolescência (aprendizagem e desenvolvimento)” (PLACCO e SOUZA, 2012, p. 18). Entretanto, pensar, planejar, promover e desenvolver processos pedagógicos no cotidiano escolar, não é tarefa exclusiva do coordenador pedagógico, que sozinho não resolverá todos os problemas que se entrecruzam no processo ensino-aprendizagem. Muitas vezes, as formas culturais internalizadas ao longo do desenvolvimento dos indivíduos constituem material simbólico que levam ao entendimento dicotomizado de que aquele que planeja não é aquele que executa. Conforme Placco e Souza (2012), a solução de situações-problema que perpassam o fazer docente e escolar, precisa ser tomada como responsabilidade do coletivo, pelos diferentes segmentos da escola. A pluralidade dos achados nos percursos de estágio Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06483 8 Uma concepção mais apurada de estágio no Brasil está demarcando sua relevância como atividade teórico-prática, que favorece a problematização das questões didáticas e da própria formação dos professores. As vivências no estágio permitem aos futuros docentes romperem com a falsa dicotomia entre teoria e prática, significando-a como práxis, que se desenvolve pelo princípio da dialética (PIMENTA e LIMA, 2004). A compreensão dos nexos entre a teoria e a prática passa pelo entendimento de que uma prática contextualizada é que possibilita dialogar com os contextos e os diferentes sujeitos escolares, fazendo pensar e repensar a própria formação - a práxis educativa. Pimenta e Lima (2004) indicam uma concepção de estágio que propicia a aproximação com a realidade de atuação, objetivada pela práxis, que é “atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 45), que pressupõe uma postura de pesquisa, ou seja, a formação de um professor crítico-reflexivo que valoriza os saberes da prática docente, a construção do conhecimento por meio da reflexão e da problematização da prática. Então, embasado em uma concepção de estágio que considera o fazer pedagógico objeto de investigação, faço algumas considerações aos desafios apontados pelas estagiárias em “Gestão de Escolas”. Dos desafios mapeados nos relatórios de estágio, optei pelos mais recorrentes e comuns, evidenciados pelas dezoito (18) estagiárias, nas seis escolas públicas campo de estágio. Tais elementos foram obtidos por intermédio da leitura e releitura das reflexões realizadas pelas estagiárias acerca da vivência no estágio, respeitando a singularidade de cada escola e o limite das reflexões configuradas nos relatórios de estágio. Desse modo, destaco no mapeamento do material empírico, três grandes dimensões: formação continuada de professores; projeto político- pedagógico; relação professor-aluno. A necessidade de ajudar o docente a (re)pensar sua prática requer da escola a organização de espaços e tempos específicos à formação continuada dos professores. Por sua vez, a formação continuada está diretamente relacionada ao campo pedagógico- curricular, que na maioria das escolas está sob a responsabilidade do coordenador pedagógico. A este cabe, então, o papel de orientar a execução da prática educativa em consonância com o PPP da escola, criando metodologias com estratégias que imprimam à ação pedagógica caráter de eficiência, respeitando ritmos de aprendizagem, diferenças individuais, contextos de inserção da comunidade escolar e outros. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06484 9 É no movimento, nas falas, nas trocas, nas reflexões, que o coordenador pedagógico tem elementos para alavancar o programa de formação continuada para os docentes da escola. Nesse movimento e numa postura assertiva o coordenador pedagógico pode localizar problemáticas relevantes para compor um programa de formação continuada, que atenda as demandas da escola. O quesito formação continuada de professores na escola de algum modo é atendido, haja vista que algumas ações devem ser desenvolvidas, considerando as normas vigentes dos sistemas de ensino, bem como de demandas pontuais necessárias ao bom andamento da escola. Na escola é perceptível que as demandas pontuais emanam de problemáticas em relação ao aluno e que são vinculadas à indisciplina, desmotivação, desinteresse. No discurso tácito ou implícito o professor logo encontra um culpado – o aluno, a família, as condições de trabalho, o sistema de ensino. Acredito sim que as condições de trabalho interferem significativamente no ser e no agir do professor, mas reforço que o docente necessita incluir-se no processo ensino-aprendizagem. No que se refere à dimensão do projeto político-pedagógico, o que se observa na escola é que existe um movimento que busca, a partir da realidade e do contexto socioeducacional, o atendimento às demandas que o momento histórico atual exige da escola. Por meio dos princípios da problematização, da investigação, da flexibilidade, a escola procura agregar os diferentes segmentos que a compõe para engajarem-se no coletivo e, de forma democrática, gerir os destinos do processo educativo formal. Os discursos do corpo docente e os documentos 8 materializados anunciam a configuração de uma escola que se pauta pela democracia, pela participação, pelo esforço coletivo. É preciso frisar que em alguns casos as práticas realizadas contradizem, tanto o discurso como as proposições do PPP da escola. Portanto, não é o discurso e nem o documento formalizado, conforme as diretrizes (normas)que mudará as práticas de dinamizar a gestão administrativa e pedagógica da escola. Para Freire (1988) não é o discurso que ajuíza a prática, mas ao contrário, é a prática que ajuíza o discurso. Nesta linha de pensamento, o autor refere que aquele que apenas fala e nunca ouve, “imobiliza” o conhecimento e apenas o transfere ao aluno; considera petulância a classe trabalhadora reivindicar seus direitos, exigir libertação e espaços democráticos. Nesse sentido, a mudança precisa acontecer no íntimo de cada sujeito, não acontecerá por decreto; para mudar é preciso estar consciente da necessidade da mudança e assumir uma atitude de mudança no ver, pensar e agir. Vale, então, destacar Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06485 10 que “o PPP é proposto com o objetivo de descentralizar e democratizar a tomada de decisões pedagógicas, jurídicas e organizacionais na escola, buscando maior participação dos agentes escolares” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2011, p. 178). Para os autores, o PPP representa um meio de todos os segmentos escolares tornarem-se co-partícipes e co-responsáveis pelo bom êxito da escola e do educando. No que tange à relação professor-aluno é que reside um dos grandes desafios, pois, significativa parcela dos docentes, evidenciam dificuldades para conduzir a ação pedagógica, desconsiderando que a criança, o adolescente, o jovem, são datados e situados num momento histórico, de rápidas e sucessivas mudanças. Tais dificuldades podem estar ligadas à tendência em desconsiderar os saberes que o aluno traz para o ambiente escolar, havendo resistências evidentes em trabalhar as informações e as experiências do educando para transformá-las em conhecimento. Por meio do olhar das estagiárias se constata que na escola há falta de interação entre professores, alunos, conteúdos e contexto socioeducacional. Sobremaneira, os conteúdos trabalhados na escola seguem a dinâmica do livro didático, por isso, não são contextualizados e nem problematizados para que o estudante reconheça o seu significado. Nesse aspecto, cabe ao professor encontrar alternativas, não só para desenvolver o processo ensino-aprendizagem, mas construir no espaço escolar situações de interação mútua que favoreçam ao aluno crescer, respeitar o outro e respeitar-se a si mesmo. Sem dúvida, esta é uma tarefa difícil de realizar, mas que contribui para desenvolver as competências cognitivas e sociais. Diante disso, é imprescindível que o coordenador pedagógico conduza sua prática, tendo no horizonte a reorientação do processo didático-pedagógico. Para tanto, necessita criar junto de seus coordenados técnicas e procedimentos metodológicos, que evidenciem a dinâmica dos acontecimentos escolares e valorizem as subjetividades dos sujeitos que transitam no cenário da escola. Nisso implica a permanente investigação das práticas pedagógicas escolares, o que possibilita uma análise contextualizada. O contexto, em uma sociedade dividida em classes, revela que os homens vivem em espaços culturais que, embora se cruzem, são diferenciados, mas possibilitam diferentes alternativas de acesso aos bens culturais. As diferenças culturais são representações da desigualdade de classes, que devem ser consideradas no processo ensino-aprendizagem. Os estudantes, por sua vez, têm universos de significados variados, que nem sempre são contemplados na linguagem e nas práticas pedagógicas. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06486 11 Na maioria das vezes, a prática pedagógica se desenvolve com base numa suposta uniformidade conceitual, sem aproximar a pluralidade dos universos de significados. O que o olhar crítico permite configurar? Este escrito busca o debate acadêmico sobre as travessias que desafiaram a realização do estágio em “gestão de escolas”. Nesse sentido, é possível inferir que a intervenção realizada na escola possibilita vislumbrar relevantes aspectos acerca do estágio supervisionado no campo pedagógico-curricular. Cabe dizer que no espaço campo de estágio houve aproximação entre estagiárias e o cotidiano da escola, visualizando diferentes tempos, espaços e conhecimentos, que se vinculam aos sentidos pedagógicos, marcando principalmente as relações entre os docentes e os educandos. É necessário, pois, ressaltar que as questões recorrentes têm potencial para a análise descritivo-crítica no que respeita ao processo deste estágio. Ao analisar o movimento da gestão pedagógica é preciso criar condições para instituir práticas que priorizem o ensino de qualidade, o que requer construções coletivas perpassadas pela reflexão sobre: a importância da formação continuada; a configuração do PPP articulado com a realidade; as relações estabelecidas entre professor-aluno. É fundamental,então, que os futuros docentes estejam atentos ao tempo e ao espaço, evitando cair na armadilha de uma análise de senso comum. Ao refletir acerca da formação continuada é indispensável pensar no objeto desta formação e após debruçar-se sobre o como realizá-la. Cabe dizer que falas ou atividades pontuais não resolvem problemáticas enraizadas nas entranhas da escola e no modo de encarar o exercício da docência e da gestão escolar. Na escola é necessário fortalecer a ideia de programas de formação continuada, pensados, planejados e executados no e pelo coletivo da escola, especialmente liderado pela coordenação pedagógica. O ato de gerir processos pedagógicos na escola reveste-se de especial desafio ao coordenador pedagógico, o qual necessita mobilizar seus pares a favor de práticas pedagógicas inovadoras, superando os fazeres orientados pela transmissão-memorização-reprodução. No que concerne à dimensão do PPP é preponderante que ao configurá-lo se tenha consciência da problematização que circunscreve o cenário educacional. Para que o PPP seja de fato um instrumento de orientação, deve abarcar a totalidade das relações sociais, que tecem o contexto micro e macro social em que se realizam os processos formativos 9 . Nessa perspectiva, destaco a relevância do olhar atento aos sujeitos Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06487 12 envolvidos no processo de ensinar e de aprender, considerando o entrecruzamento que se estabelece nas relações com o outro e com o meio social com o qual interage. No que tange à dimensão das relações entre professor-aluno fica o desafio de encontrar os meios adequados para a mediação; nisso entra o compromisso do coordenador pedagógico com os sujeitos e com o processo pedagógico. Para isso, é necessário ter clareza que a docência é desenvolvida pelos sujeitos (professor-aluno), que operam acordos construídos coletivamente em forma de contrato didático. As teorias pedagógicas tradicionais, desse modo, necessitam ser suplantadas, haja vista que na sociedade contemporânea não há mais espaço para moldar e apassivar o aluno, mas para torná-lo sujeito do processo de ensinar e de aprender. Cabe registrar que do Estágio Supervisionado, ficou a certeza da importância de conhecer a realidade da instituição escolar. A interação com os gestores foi enriquecida, pois, as estagiárias vivenciaram a rotina escolar, com isso, aprimoraram a sua formação pessoal e profissional, principalmente no que refere à gestão escolar. Bibliografia: BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BRASIL. MEC/CNE. Resolução CNE/CP 1/2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. _____. Parecer CNE/CP n. 3/2006 - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. _____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 1996. FREIRE, Paulo. A importânciado Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22. ed. São Paulo: Cortez, 1988. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2011. LÜCK, Heloísa. A evolução da gestão educacional a partir de mudança paradigmática. Gestão em rede, n. 03, nov, 1997, p. 13-18. Disponível em: <http://cedhap.com.br/publico/ge_GestaoEscolar_02.pdf>. Acesso em: 22 maio 2013. PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1997. PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; SOUZA, Vera Lucia Trevisan de. O trabalho do coordenador pedagógico na visão de professores e diretores: contribuições à compreensão de sua identidade profissional. In: PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de (orgs.). O coordenador pedagógico: provocações e possibilidades de atuação. São Paulo: Loyola, 2012. p. 9-20. PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica. 10. ed. São Paulo: Autores Associados. 2008. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06488 http://cedhap.com.br/publico/ge_GestaoEscolar_02.pdf https://secure.upf.br/apps/academico/aapa/consulta_acervo_biblio.php?codacervo=67971 https://secure.upf.br/apps/academico/aapa/consulta_acervo_biblio.php?codacervo=67971 13 VEIGA, Z. P. A. As instâncias colegiadas da escola. In: VEIGA, I. P. A.; RESENDE, L. M. G. (Orgs.). Escola: espaço do projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus, 1998. 1 História da Educação, História da Filosofia, Filosofia da Educação, Sociologia, Fundamentos Sociológicos da Educação, Fundamentos Biológicos da Educação, Psicologia Educacional, Estatística Educacional e Administração Escolar. 2 Ciências Sociais, Ciências Humanas, Ciências Naturais, Letras, Artes, Matemática, Física e Química. 3 Psicologia da Educação, Sociologia (Geral e da Educação), História da Educação, Filosofia da Educação e Administração Escolar. 4 Até o final dos anos de 1980 a maioria dos cursos oferecia as disciplinas: Currículos e Programas, Teoria e Prática da Escola Média. 5 Especialistas deviam atuar em atividades de Administração Escolar, Inspeção Escolar, Orientação Educacional e Supervisão Escolar. 6 Atendimento aos alunos com necessidades educativas especiais, aos jovens e adultos, aos educandos das comunidades quilombolas e indígenas, entre outros. 7 O aspecto pedagógico consiste na formulação de “objetivos sociais e políticos e meios formativos”, que possam dar significado e direção ao processo educativo. Já o aspecto curricular indica o currículo e o “referencial concreto da proposta pedagógica” da escola (LIBÂNEO, OLIVEIRA; TOSCHI, 2011, p. 345-346). 8 Projeto Político-Pedagógico, Regimento Escolar e Plano de Estudos. 9 Os processos formativos não são exclusividade da escola, ocorrem também nos espaços extramuros, ou seja, na família, nos parques, no trabalho, nos sindicatos, nos partidos, etc., contudo, tem reflexos nos fazeres da escola. Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores EdUECE- Livro 2 06489
Compartilhar