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ECONOMIA POLÍTICA Rafael Stefani Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar o desenvolvimento como um processo de mudança qualitativa. Identificar crescimento e desenvolvimento como elementos do pro- cesso de mudança na perspectiva quantitativa. Descrever os processos de evolução e revolução das modificações qualitativas e quantitativas. Introdução O debate acerca do conceito de desenvolvimento é bastante rico no meio acadêmico, principalmente quanto à distinção entre desenvolvimento e crescimento econômico, pois muitos autores atribuem apenas aos incrementos constantes no nível de renda a condição para se chegar ao desenvolvimento. Neste capítulo, você vai compreender as principais diferenças entre os aspectos quantitativos e qualitativos do crescimento econômico e seus impactos para a qualidade de vida da população. Além disso, vai identificar o crescimento e o desenvolvimento econômico como elementos do processo de mudança na perspectiva quantitativa, ana- lisando esses processos de modificações qualitativas e quantitativas em sua evolução. Desenvolvimento como processo de mudança qualitativa Vamos iniciar nossa jornada para compreender o desenvolvimento como um processo de mudança. Primeiramente, é importante perceber que o termo “desenvolvimento” é amplamente utilizado na atualidade. Para a maioria das pessoas, ele representa um processo de mudança econômica trazido pela industrialização. O termo também implica um processo de mudança social, resultando em urbanização, adoção do estilo de vida moderno e novas atitu- des. Além disso, o termo “desenvolvimento econômico” tem uma conotação de bem-estar, o que sugere que essa condição melhora a renda das pessoas e seus níveis de educação, condições de moradia e de saúde. Porém, desses diferentes signifi cados, o conceito de desenvolvimento é mais frequentemente associado com uma mudança econômica. Assim, para a maioria das pessoas, desenvolvimento signifi ca progresso econômico (MIDGLEY,1995). O desenvolvimento econômico do século XX produziu enormes transfor- mações no mundo frente aos níveis de crescimento sem precedentes, de modo que é razoável afirmar que as conquistas econômicas adquiridas no último século superam amplamente as conquistas do último milênio, ocasionando aumentos significativos nos níveis de bem-estar da sociedade global. Na literatura especializada em economia, é muito comum vermos a asso- ciação de desenvolvimento com industrialização, pois a indústria é responsável por incrementos positivos no nível do produto, no, assim chamado, crescimento econômico. Isso ocorre, principalmente, devido à ampliação da atividade econômica advinda dos efeitos de encadeamento oriundos do processo de industrialização. Tais efeitos servem para aumentar a crença de que a indus- trialização é indispensável para se obter melhores níveis de crescimento e de qualidade de vida. Essa é a razão pela qual todos os países do mundo almejam tanto industrializar seu território (OLIVEIRA, 2002). A partir de 1950, os países subdesenvolvidos, como o Brasil, deram atenção especial à elaboração e à implementação de planos para se alcançar o desen- volvimento. Porém, esses planos limitavam-se a promover um processo de industrialização intensivo que, por ser sinônimo de crescimento econômico, era encarado como um processo de desenvolvimento econômico. O crescimento econômico, portanto, era idealizado como um sinônimo de bem-estar, na tentativa de espelhamento com o padrão de vidas dos EUA e da Inglaterra, por exemplo. Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico2 Nessa rota, o crescimento do produto e da renda estava centrado na acu- mulação de capital e na industrialização baseada na estratégia de substituição de importações. Essa estratégia visava produzir internamente o que antes era importado. Para tanto, protegiam-se os produtores internos da concorrência estrangeira por meio de taxas e tarifas de importação, além de uma série de benefícios concedidos pelos governos, que acreditavam que a industrialização era a chave do desenvolvimento. Esse foi o caminho escolhido para se tentar romper os laços de dependência que os países periféricos (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento) mantinham, e, segundo alguns autores, ainda mantêm, com os países centrais (desenvolvidos). Todas as medidas promovidas no Brasil conseguiram ampliar seu parque produtivo e a produção tecnológica, mas o crescimento econômico trouxe consigo a assimetria social. A duras penas o país descobriu que industrialização e crescimento não significam, necessariamente, desenvolvimento humano. A necessidade de industrializar e crescer deixa turva a visão dos planejadores e dificulta que se veja aquilo que realmente importa no processo de desenvolvi- mento: a qualidade de vida da população. Por muito tempo, esqueceu-se que as pessoas são tanto os meios quanto o fim do desenvolvimento econômico. O que importa, na verdade, mais do que o simples nível de crescimento ou de industrialização, é o modo como os frutos do progresso, da industrialização e do crescimento econômico são distribuídos para a população, de modo a melhorar a vida de todos. Os estudos realizados para discutir os problemas dos países atrasados apontaram para uma miríade de causas que explicaram o subdesenvolvimento de alguns países. Essa falta de consenso entre teóricos proporcionou que, a cada momento da história, um fator ganhasse mais destaque do que os demais nas explicações do subdesenvolvimento. Os fatores de maior relevância em diferentes períodos foram: ora falta de política de redistribuição do excedente econômico, ora a necessidade de especialização em setores e produtos com notória vantagem competitiva (David Ricardo), ora a falta de diversificação da base produtiva (Nicholas Kaldor), ora a escassez de recursos naturais, ora justamente a abundância de recursos naturais (Richard Auty), ora a falta de capital humano (Theodore Schultz), ora a falta de poupança, ora a falta de ins- tituições (Thorstein Veblen), ora a presença de uma elite atrasada no comando dos países, ora a falta de uma ação consciente e deliberada de transformação das estruturas pelas massas com base numa ideologia desenvolvimentista (Celso Furtado). 3Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico Após inúmeros debates e experiências malsucedidas, o que realmente se sabe é que o crescimento por si só não é suficiente. Pensa-se, hoje, cada vez mais, em como as pessoas são afetadas pelo processo de crescimento, ou, em outras palavras, a pergunta capital é se os incrementos positivos no produto e na renda total estão sendo utilizados ou direcionados eficientemente para promover o desenvolvimento humano. Mas é possível chegar ao desenvolvimento econômico? Celso Furtado (1974), em seu livro O mito do desenvolvimento econômico, adverte que será impossível universalizar o desenvolvimento econômico, ou melhor, o pensador entende que o padrão de consumo da minoria da humanidade, que vive nos países desenvolvidos, nunca será acessível às grandes massas da população pobre do mundo. Caso ocorresse a universalização do padrão de vida dos EUA, por exemplo, a pressão sobre os recursos naturais não renováveis e a poluição do meio ambiente conduziriam o sistema econômico ao colapso. Mas essa visão não é mais moderna. As pessoas e seu nível de vida estão se tornando o propósito final do desenvolvimento, pois é mais importante saber que oportunidades as crianças e os jovens têm de acesso à educação, à saúde e a uma moradia digna, enfim, de desfrutar uma longa vida produtiva que lhes permita manter uma família —, e é nesse sentido que existe uma conscientização dos formadores de política para cada vez mais buscar desen- volver economicamenteuma nação. Os recursos naturais entram nesse bojo de novas preocupações. A utili- zação intensa do meio ambiente provocada pela industrialização e reforçada nos diversos modos de consumo chama a atenção de pensadores atrelados ao desenvolvimento. Os recursos necessários para a produção de bens de consumo são limitados, alguns deles são finitos e outros renováveis, porém, não podem suportar por muito tempo a extração sem mitigação e em nome de um crescimento desenfreado da economia. O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu no relatório de Brun- dtland, em 1987, fruto de análises coordenadas pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento criada em 1983 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com o propósito de desenvolver o crescimento econômico e superar a pobreza dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. No Brasil, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Am- biente e o Desenvolvimento (também conhecida por Rio 92, Eco 92 ou Cúpula da Terra) mostrou para a humanidade a responsabilidade e a necessidade da conciliação entre o desenvolvimento econômico, social e a utilização dos recursos naturais. Os participantes do evento chegaram a um consenso de Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico4 que os países desenvolvidos eram os maiores responsáveis pelos danos ao meio ambiente e que os países em desenvolvimento necessitavam de apoio financeiro e tecnológico para caminhar ao novo conceito de sustentabilidade. O desenvolvimento sustentável é composto pelas dimensões econômica, am- biental e empresarial e seu objetivo é obter crescimento econômico por meio da preservação do meio ambiente e pelo respeito aos anseios dos diversos agentes sociais, contribuindo, assim, para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Finalmente, o conceito de desenvolvimento sustentável, embora criado há vários anos, ainda está em fase de desenvolvimento e sem prazo para conclusão. Sua temática provoca discussões em todos os países, ao passo que o bem comum da humanidade depende muito do nosso presente, das nossas atitudes com as relações econômicas e naturais. Contudo, nota-se que o atual modo de vida está impregnado na consciência da maioria da população, que o lucro é objeto alvo de qualquer investimento e as questões socioambientais são deixadas de lado. Diante desse cenário, fica em evidencia a necessidade de construir novos hábitos para as futuras gerações, promovendo uma ree- ducação ética e moral. Na qualidade de seres racionais, a raça humana tem o livre arbítrio, o poder de pensar e realizar ações, e tal virtude nos dá o ônus de assumir inteiramente a responsabilidade não só pelas questões ambientais, mas também pela busca contínua do desenvolvimento sustentável e da melhora da qualidade de vida de todos os seres vivos de nosso planeta. Para além do debate acerca do desenvolvimento sustentável, cabe salientar o perigo de acreditar que ele funcionará como uma fórmula mágica para resolver os problemas socioambientais. Seu maior mérito talvez resida no fato de que se abre um espaço para o debate acerca de responsabilidade individual que é capaz de atingir uma escala global. Somente dessa maneira será possível avançar no tema e nas questões ligadas à natureza e seu entorno. Ficou curioso e quer saber mais sobre a Cúpula da Terra? Então acesse o link a seguir e confira. https://qrgo.page.link/8tbAX 5Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico Crescimento e desenvolvimento: elementos do processo de mudança na perspectiva quantitativa Vamos, agora, compreender o desenvolvimento como mudança na perspectiva quantitativa. Para os economistas, sempre foi necessário mensurar o desenvol- vimento econômico. Por esse motivo, utiliza-se o processo mais prático, que é o quantitativo, e que inicialmente foi associado com a ideia única e exclusiva do crescimento da produção. Porém, a mensuração do desenvolvimento tomou novos rumos e proporções. O desenvolvimento econômico muda o foco da análise, mas mantém a forma e as métricas de avaliação, afinal, ainda é preciso medir para efeitos de comparação e a adoção de correção ou manutenção. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio do Grupo de Qualidade de Vida, desenvolveu um conjunto de esforços, agregando cientistas de todo o mundo, para estabelecer consensos sobre medidas de desempenho entre outras definições. O mérito da OMS está na validação do inquestionável aspecto subjetivo sobre qualidade de vida, ou seja, a perspectiva do indivíduo é o que deve estar no centro das avaliações. Mas é possível medir a qualidade de vida? Apesar de não ser tarefa fácil, existem diversos esforços e inúmeros in- dicadores capazes de quantitativamente indicar o processo de mudança na qualidade de vida do ser humano. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma das formas mais tradicionais de se mensurar o bem-estar de grandes populações, pois tem como objetivo ser um indicador sintético ali- cerçado na noção de capacidades, ou seja, numa leitura ampla do conceito de desenvolvimento humano, no qual, por exemplo, saúde e educação são dimensões importantes. Mas há outras propostas quantitativas que procuram sempre identificar se o indivíduo está em um processo evolutivo do ponto de vista de seu desenvolvimento. Vamos conferir? Os instrumentos para avaliação da qualidade de vida variam de acordo com a abordagem e os objetivos do estudo. No Brasil, há uma tentativa de avaliar as múltiplas esferas que envolvem a qualidade de vida com a tradução e aplicação do Questionário Genérico de Avaliação da Qualidade de Vida, o SF-36. O instrumento é constituído de 36 itens, fornecendo pontuação em oito dimensões da qualidade de vida: capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. A pontuação varia de 0 (pior resultado) a 100 (melhor resultado). Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico6 Ficou curioso e quer saber mais sobre o Questionário Genérico de Avaliação da Qualidade de Vida (SF-36), que foi originalmente criado na língua inglesa e é de fácil administração e compreensão? Acesse o link a seguir e saiba mais. https://qrgo.page.link/Lbdwj Outro importante indicador quantitativo que procura medir de forma quali- tativa a qualidade de vida população foi desenvolvido pela OMS em um grupo intitulado World Health Organization Quality of Life (WHOQOL). O material foi traduzido e avaliado para o Brasil e tem como objetivo avaliar a qualidade de vida geral das pessoas com diferentes culturas. A versão “longa” considera seis domínios para análise: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, ambiente e aspectos espirituais/religião/crenças pessoais. Amplamente utilizado por diversas áreas do conhecimento, o WHOQOL tem especial destaque na área da saúde, considerando as necessidades de ampliação nas avaliações em saúde de grupos e sociedades, e apresenta uma vantagem de permitir a comparação de seus resultados entre diferentes populações por ser validado de forma similar para muitos países e apresentar uma abordagem multicultural. O WHOQOL é uma avaliação de qualidade de vida desenvolvida pelo WHOQOL Group com quinze centros internacional e que procura desenvolver uma avaliação de qualidade de vida que seria aplicável transculturalmente. Saiba mais no link a seguir. https://qrgo.page.link/k3wND Em suma, os instrumentos de medida quantitativos continuam sendo desenvolvidos para a compreensão do estado de saúde e bem-estar geral da população em uma determinada situação. É muito difícil transformar a complexidade humana em números, contudo, é a maneira que ainda persiste na tentativa de compreender, sob o prisma de medidas, a comparação temporal e multidimensional do indivíduo. 7Diferenças qualitativas e quantitativasdo crescimento e desenvolvimento econômico Os processos de evolução das modificações qualitativas e quantitativas A construção do conceito de desenvolvimento passou por importantes trans- formações nas últimas décadas atreladas aos modelos econômicos vigentes e à melhoria das condições de vida dos indivíduos. Devido à sua importância, o desenvolvimento desponta como um dos conceitos mais empregados nos estudos acadêmicos. Apesar disso, mesmo nos dias atuais, a compreensão do seu signifi cado ainda passa por um processo de transição. Podendo ser visto desde como sinônimo de crescimento econômico até como o maior transformador social capaz de garantir a preservação do meio ambiente e da qualidade de vida, o significado de desenvolvimento foi sendo ampliado ao longo da história, evoluindo do reducionismo econômico para o desenvolvimento sustentável. Durante esse processo de transformação, foram inseridos novos paradigmas no conceito e o debate em torno do seu significado foi ampliado (PEREIRA, 2018). Constata-se que esse termo, já pesquisado por diversos autores, com dife- rentes enfoques, pode ser classificado em três principais correntes: desenvolvimento como crescimento econômico; desenvolvimento diferente de crescimento econômico; desenvolvimento como sustentabilidade. A primeira corrente sugere que desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico e que se restringe à acumulação de capital (BRESSER-PEREIRA, 2006). Por outro lado, a segunda corrente enxerga que o desenvolvimento vai além do acúmulo de riqueza e que também inclui outros aspectos, tais como: ética, política e questões sociais. Já a terceira corrente propõe uma visão adicional ao significado de desenvolvimento ao defender que esse termo deve estar aliado à preservação ambiental a longo prazo (PEREIRA, 2018). É de relativo consenso que, logo após a Segunda Guerra Mundial, ma- nifestava-se uma corrente divergente de teoria do desenvolvimento — de- senvolvimento diferente de crescimento econômico — que se preocupou com o desenvolvimento aliado ao crescimento econômico, porém, não sendo sinônimo dele. Tendo como pano de fundo as elevadas taxas de crescimento que tanto os países centrais quanto os periféricos começaram a experimentar, a problemática do desenvolvimento passou a ser discutida de forma intensa no meio acadêmico. Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico8 O fato é que, antes do término da Grande Guerra, o atraso econômico e social das regiões pobres do mundo não recebia grande atenção da ciência econômica e as discussões sobre desenvolvimento desses países restringiam-se, basicamente, às agências da ONU e a algumas organizações internacionais. Após a Guerra, a eficácia de muitas afirmações ditadas pelo pensamento econômico clássico começaram a ser questionadas, em função de não terem conseguido lidar com as crises do capitalismo e com a enorme disparidade do nível de renda entre países ricos e pobres. Ao procurar compreender e equacionar as distorções entre os países, a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) foi um importante agente para contribuir na formação de um novo modelo para análise dos problemas econômicos e sociais dos países “capitalistas retardatários”. Seus estudiosos, conhecidos como cepalinos ou estruturalistas, levaram em conta, principalmente, as diferentes formas de dependência entre os países centrais e os países periféricos. Os autores se depararam com os limites da teoria vigente sobre desenvolvimento, que se moldava no contexto econômico dos países ricos e industrializados e utilizava a mesma premissa desses países para interpretar a realidade dos países menos avançados (PEREIRA, 2018). Inflada por esse debate, em meados da década de 1970, cresce a ideia de que, além da multiplicação de riqueza material, o desenvolvimento econô- mico também deveria envolver ética, política e questões sociais. Além disso, equidade, igualdade e solidariedade estão inseridas no “novo” conceito de desenvolvimento, como consequências alcançáveis em longo prazo. O cres- cimento seria uma condição necessária, mas não suficiente para o alcance de uma vida melhor. A crítica centrava na ideia de que o crescimento econômico (per se) traria prosperidade e distribuiria a força de trabalho, contudo, mesmo com os esforços quanto à mudança dos novos sentidos dados ao caráter de desenvolvimento, o que ocorreu foi um aumento da desigualdade entre as classes sociais (SACHS, 2004). Aprofunda-se o consenso de que o desenvolvimento econômico seria apenas o aumento da produção de uma economia, medido normalmente pela variação do PNB (Produto Nacional Bruto) ou do PIB (Produto Interno Bruto), em que se apresentava apenas como um processo de mudança de caráter predominante quantitativo e passa a se tornar um processo mais abrangente, envolvendo, também, mudanças sociais que se relacionam com outros elementos e es- truturas, configurando um complexo sistema de interações. Dessa maneira, reforça-se que o desenvolvimento vai além de mudanças econômicas, incluindo, também, melhoras em indicadores sociais como pobreza, desigualdade, saúde, moradia e educação. 9Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico Foi a partir da década de 1970 que o amadurecimento dos conceitos sobre desenvolvimento tomou novo corpo, especialmente a partir do filósofo e economista Amartya Sen, que trouxe novas perspectivas sobre o conceito de desenvolvimento, desvinculando-o definitivamente da ideia comumente aceita do termo associado ao crescimento do PNB. Sen (2000) descreve cinco tipos de liberdade de caráter instrumental: a liberdade política, econômica, social, de transparência e de segurança protetora. A primeira diz respeito à democracia e à oportunidade que o indivíduo tem de escolher quem o governa e de expressar sua opinião política. A segunda refere-se às oportunidades que os indivíduos têm para utilizar os recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca. Já as oportunidades sociais dizem respeito ao direito a saúde, educação e cultura. A liberdade de transparência fala sobre a capacidade das pessoas de lidarem com a sinceridade das outras, e, por fim, a liberdade de segurança protetora está ligada à necessidade de impedir que a população mais pobre chegue à miséria ou morra (SEN, 2000). Esse enfoque dado pelo autor ilustra sua teoria do desenvolvimento como liberdade. A ideia de desenvolvimento de Sen, construída a partir do aumento das liberdades humanas, foca na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente. As liberdades como a de receber educação, saúde e participar da política contribuem para o desenvolvimento e, como uma via de mão dupla, a privação de uma dessas liberdades contribui para a privação de outras, formando um processo de influências diretamente interligadas. Dessa forma, o conceito evolui de métodos unicamente quantitativos para elementos qualitativos, em que o enfoque à liberdade humana contrasta com concepções mais estreitas do desenvolvimento, como as que o identificam com o crescimento do produto nacional bruto ou com o aumento da renda pessoal, ou com a industrialização, ou com o avanço tecnológico, ou com a modernização social. Ver o desenvolvimento em termos da expansão das liberdades dirige a atenção para os fins que tornam o desenvolvimento im- portante, antes que meramente para os meios, que cumprem apenas uma parte no processo (SEN, 2000). A partir de 1990, outra abordagem sobre desenvolvimento entra no cenário mundial: a do desenvolvimento sustentável. Essa terceira e última abordagem sobre o tema inicia com a repercussão das desigualdades e dos desastres oca- sionados pelo sistema capitalista globalizado, o qual priorizava o crescimento econômico frente ao desenvolvimento humano (PEREIRA, 2018). Diferençasqualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico10 A degradação ambiental condicionada pela racionalidade econômica e tecnológica do modelo dominante de desenvolvimento gerou desequilíbrios: por um lado, houve progresso econômico e social, por outro, também houve miséria e degradação ambiental. Diante da realidade de se considerar a so- ciedade atual como insustentável a médio ou a longo prazo, surge o desen- volvimento sustentável, procurando conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental. O conceito de desenvolvimento sustentável surge para dar respostas à crise ambiental e tentar harmonizar os processos econômicos com o meio ambiente. Há, centralmente, a defesa da harmonização entre o desenvolvimento econô- mico, ambiental e social. Além disso, observa-se que a proposta de desenvol- vimento sustentável, na medida em que propõe o aumento da produtividade e do crescimento econômico com menores riscos socioambientais, busca a manutenção do atual modelo de produção capitalista com modificações, e não, necessariamente, a transformação ou a revolução para um novo modelo de manutenção da vida moderna. Em suma, é possível afirmar que o processo de mudança do conceito de desenvolvimento ocorreu influenciado diretamente pelas transformações econômicas e históricas da sociedade. Fica claro que a evolução do conceito de desenvolvimento não aconteceu de forma simples, mas a partir de um processo complexo e dinâmico, espelhado diretamente pela economia de mercado, pela acumulação de capital e pelo padrão de vida dos indivíduos. Logo, o conceito de desenvolvimento utilizado nos dias de hoje — desen- volvimento sustentável —, apesar de transcender a perspectiva meramente econômica, continua relacionando-se à possibilidade da evolução do sistema capitalista, porém, aliado à preservação ambiental. Nesse sentido, o termo desenvolvimento sustentável é frequentemente criticado devido à falta de uma delineação mais clara. Pouco se sabe ainda sobre a verdadeira potencialidade do desenvolvimento sustentável, mas pode-se afirmar que esse tipo de desen- volvimento não remete apenas à conservação da natureza. Em uma concepção mais ampla, seu significado aponta para novos modelos de progresso e para transformações sociais. Ressalta-se ainda que, além da sua amplitude, esse termo deve ser analisado dependendo do contexto e do tempo, sendo, portanto, aberto e dinâmico. Finalmente, é importante reconhecer que o conceito de desenvolvimento é um paradigma em construção que não deve ser investigado como algo único. Dessa forma, ainda há espaço para novas formulações e concepções que alterem a forma e a maneira de compreensão e de mensuração de algo que deve ter como fim a melhora da qualidade de vida de todos. 11Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico BRESSER-PEREIRA, L. C. O conceito histórico do desenvolvimento econômico. Fundação Getúlio Vargas, 2006. FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. São Paulo: Círculo do Livro, 1974. MIDGLEY, J. Social Development: The Developmental Perspective in Social Welfare. London, Thousand Oaks, CA and New Delhi: Sage, 1995. OLIVEIRA, G. B. Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento. Revista da FAE, Curitiba, v. 5, n. 2, p. 37-48, maio/ago. 2002. PEREIRA, R. C. A. Desenvolvimento: uma análise do processo de mudança de seu significado. Revista Contribuciones a la Economía, 2018. SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Gara- mond, 2004. SEN, A. K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia das Letras, 2000. Leitura recomendada VIEIRA, E. T. Industrialização e políticas de desenvolvimento regional: o Vale do Paraíba paulista na segunda metade do século XX. 2009. Tese (Doutorado em História Eco- nômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Diferenças qualitativas e quantitativas do crescimento e desenvolvimento econômico12
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