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Indaial – 2020 Relações de GêneRo Prof.a Ana Paula Martins Flôres Prof. Renan Subtil Torres 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.a Ana Paula Martins Flôres Prof. Renan Subtil Torres Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: F634r Flôres, Ana Paula Martins Relações de gênero. / Ana Paula Martins Flôres; Renan Subtil Torres. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 209 p.; il. ISBN 978-65-5663-279-7 ISBN Digital 978-65-5663-276-6 1. Gêneros. - Brasil. I. Afonso, Raffaela Dayane. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 300 apResentação Olá, acadêmico! Este é o seu Livro Didático de Relações de Gênero. Certamente, você já deve ter escutado falar deste tema. Ele é muito importante e faz parte da vida de todas as pessoas, mesmo que elas não se deem conta disso. Nos últimos tempos temos ouvido esse conceito ligado a muitas ideias e nem todas elas são verdadeiras ou correspondem ao que trataremos neste livro didático. Entenderemos aqui, que, no âmbito das Ciências Sociais, esse conceito está ligado à história das mulheres através dos tempos. Durante a primeira unidade, entenderemos o surgimento do conceito de gênero e seus desdobramentos até que se transformasse, nos dizeres de Scott (1995), em uma categoria útil de análise. Na Unidade 2, nós trabalharemos com os conceitos de diversidade, diferença e desigualdade. Perceberemos que, apesar desses termos serem usados como sinônimos em situações cotidianas, eles possuem características que os diferenciam. E você, como acadêmico da área das Ciências Humanas, necessita ter esses conceitos claros. Na última unidade trabalharemos com as noções de papéis sociais, identidade de gênero e orientação sexual. Bons estudos! Prof.a Ana Paula Martins Flôres Prof. Renan Subtil Torres Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE sumáRio UNIDADE 1 — MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO................................................................................................1 TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL ......... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 UMA BREVE HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA....................................................... 6 3 A PRIMEIRA ONDA FEMINISTA ................................................................................................... 8 4 A SEGUNDA ONDA FEMINISTA ................................................................................................ 15 5 A TERCEIRA ONDA DO FEMINISMO ....................................................................................... 19 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 27 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 28 TÓPICO 2 — DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE ........................................... 31 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 31 2 DIFERENÇA E IGUALDADE ......................................................................................................... 33 3 DESIGUALDADE .............................................................................................................................. 35 4 O QUE É GÊNERO? .......................................................................................................................... 38 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 41 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 42 TÓPICO 3 — PAPÉIS SOCIAIS, IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL ........ 45 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 45 2 PAPÉIS SOCIAIS ............................................................................................................................... 45 3 IDENTIDADE DE GÊNERO ........................................................................................................... 51 4 ORIENTAÇÃO SEXUAL .................................................................................................................. 55 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 58 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 61 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 62 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 66 UNIDADE 2 — INTERSEÇÃO ENTRE GÊNERO E OUTROS MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA ...................................................................................71 TÓPICO 1 — GÊNERO E OUTROS MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA – PARTE I ............................................................................................. 73 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 73 2 GÊNERO SEXUALIDADE ............................................................................................................... 73 3 GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL ............................................................................................ 80 4 GÊNERO: O CAMPO E A CIDADE ............................................................................................... 82 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 89 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 90 TÓPICO 2 — GÊNERO E OUTROS MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA – PARTE II ............................................................................................ 93 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 93 2 O PODER E SUAS NUANCES ........................................................................................................ 93 3 GÊNERO E CLASSES SOCIAIS ..................................................................................................... 94 4 MASCULINIDADES E GÊNERO .................................................................................................. 96 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 105 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 106 TÓPICO 3 — GÊNERO E OUTROS MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA – PARTE III ........................................................................................ 109 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 109 2 GÊNERO E MIGRAÇÃO ............................................................................................................... 109 3 MULHERES, IMIGRAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA ......................................... 115 3.1 VIOLÊNCIA FEMININA NO BRASIL: UM OLHAR NECESSÁRIO ................................. 118 4 RAÇA E ETNIA ................................................................................................................................ 121 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 134 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 137 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 138 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 141 UNIDADE 3 — GÊNERO, ARRANJOS FAMILIARES E POLÍTICAS PÚBLICAS .............. 147 TÓPICO 1 — ARRANJOS FAMILIARES, CONJUGALIDADES, TECNOLOGIAS E DIREITOS REPRODUTIVOS ................................................................................. 149 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 149 2 ARRANJOS FAMILIARES BRASILEIROS: TRADIÇÃO E RESISTÊNCIA ....................... 149 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 164 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 165 TÓPICO 2 — GÊNERO, MÍDIAS E POLÍTICAS DE EQUIDADE DE GÊNERO ................. 167 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 167 2 O DEBATE DE GÊNERO E A MÍDIA BRASILEIRA ................................................................ 167 3 AS POLÍTICAS DE EQUIDADE DE GÊNERO NO BRASIL ................................................. 181 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 187 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 188 TÓPICO 3 — GÊNERO, EDUCAÇÃO E GÊNERO NO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA ....................................................................................... 191 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 191 2 A EDUCAÇÃO E AS RELAÇÕES DE GÊNERO NO BRASIL................................................ 191 3 GÊNERO NO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA .............................. 197 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 199 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 204 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 205 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 207 1 UNIDADE 1 — MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer a história do movimento feminista, suas fases e precursoras; • compreender o conceito de gênero, ontem e hoje, problematizando sua importância; • diferenciar os conceitos de diversidade, diferença e desigualdade. • identificar papéis sociais, identidade de gênero e orientação sexual. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL TÓPICO 2 – DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE TÓPICO 3 – PAPÉIS SOCIAIS, IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO Se buscarmos nos registros históricos, nós encontraremos mulheres que lutaram contra a condição que possuíam dentro da sociedade na qual estavam inseridas, desde a Idade Média. Nessa perspectiva, Léon (1998), descreve que, já na Idade Média, havia mulheres que rompiam com as regras pré-estabelecidas. E elas, segundo a autora, não estavam apenas na Europa. [...] a líder viking Aud, a Mente Profunda, colonizou a Islândia. [...] Mais ao sul, mulheres poderosas, como Zac-Kuk, manipulavam seus filhos no poder e, ocasionalmente, deram as ordens nos supermachistas territórios Maias. Na Ásia, muitas delas ganharam postos de governo (LÉON, 1998. p. 9-10). No período que compreende 500 a 1000 d.C., as melhores oportunidades de carreira vinham do islamismo, cristianismo e budismo. Com o passar do tempo, os homens perceberam que esse poderia ser um lugar de poder e de emprego, e o transformaram num “[...] clube só para machos” (LÉON, 1998, p. 9). Assim, os homens“tomaram” o poder nesses espaços e os fecharam para as mulheres. Na Grécia Antiga, de acordo com Ignotofsky (2017), Hipátia de Alexandria, que nasceu em 335, foi a primeira matemática de que se tem notícia. Era filha de Théon matemático, filósofo e astrônomo. Influenciada pelo pai, tornou-se professora, uma das primeiras de Alexandria, numa época em que poucas mulheres se aventuravam no mundo das ciências. Ela foi perseguida, pois defendia o racionalismo científico e a matemática, ideias que foram interpretadas como anticristãs. Além disso, Hipátia dava aulas para pessoas de diferentes crenças religiosas. A consequência? Ela foi assassinada por volta do ano de 415 d.C. por uma multidão de extremistas cristãos. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 4 FIGURA 1 – HIPÁTIA DE ALEXANDRIA FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/e2/Alfred_Seifert_Hypatia. jpg/459px-Alfred_Seifert_Hypatia.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. Pouco mais tarde, a francesa Joana D´Arc (1412 – 1431), dizia ouvir vozes que a chamavam para participar da guerra contra a Inglaterra. Para conseguir “se alistar” no exército francês, ela cortou os cabelos e se vestiu como homem. Ao ser descoberta, foi perdendo apoio dos militares franceses. Acusada de “feitiçaria” (por ouvir vozes e ter visões), foi condenada à morte e queimada viva em praça pública, em 1431 na cidade de Rouen, na França, com apenas 19 anos. FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO DE JOANA D´ARC NO FRONTE DE BATALHA FONTE: <https://pm1.narvii.com/6976/e8d59bf7b3379e03acf42ca118f51b009275f93br1-496- 750v2_hq.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 5 Esses foram alguns exemplos de mulheres que resolveram enfrentar a sociedade em que viviam para buscar o direito de serem consideradas “sujeitos de direitos”. Pouco mais tarde, no século XVIII, a filósofa, Mary Wollstonecraft (1759-1797), produziu registros da Revolução Francesa com respostas políticas aos homens, atitude pouco exercida por mulheres na época. Além disso, Mary escreveu diversos romances e livros infantis que questionavam os papéis de gênero e a condição das mulheres da época. Era uma defensora do direito das mulheres à educação e à igualdade no casamento. É considerada até hoje uma das fundadoras do feminismo. FIGURA 3 – MARY WOLLSTONECRAFT FONTE: <https://boitempoeditorial.files.wordpress.com/2015/04/wollstonecraft2.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. Por mais que certo tempo houvesse passado, ainda havia a necessidade de luta das mulheres por direitos. Diante dessa realidade, outras mulheres buscaram transformar a realidade em que viviam. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 6 2 UMA BREVE HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA FIGURA 4 – TIRINHA DA MAFALDA FONTE: Quino (1993, p. 381) Na Figura 4, Mafalda, uma menina de 8 anos, sai pela casa procurando a mãe para lhe fazer uma pergunta sobre o “movimento de liberação da mulher”, mas, ao vê-la ligada apenas ao contexto doméstico, desiste. É importante destacar que a Mafalda foi criada pelo cartunista Quino, na época do regime militar argentino. As tirinhas eram publicadas em jornais e foram a estratégia de Quino para fazer as pessoas pensarem diante da censura que existe em um regime militar. Como vimos na introdução deste tópico, tivemos mulheres que se manifestaram ao longo dos tempos que buscaram transformar sua história, porém, como um movimento propriamente dito, o movimento feminista levou um tempo para se constituir. Para Gohn (1985), o movimento feminista é um movimento de categorias específicas, assim como o movimento negro, o movimento de homossexuais, o movimento de defesa do índio e o movimento de estudantes e professores, que lutam por causas específicas e circunstâncias históricas. Quando grupos de mulheres se unem, fundam uma organização e criam, por exemplo, um Pronto-Socorro para a mulher, um SOS, voltado principalmente contra os atos de violência e que estão submetidas no cotidiano, é algo muito distinto de quando grupos de moradores se unem para reivindicarem água, luz etc. (GOHN, 1985, p. 52). Assim, é imprescindível ressaltar a importância dos movimentos sociais e, especialmente, o movimento feminista. Através dele, as mulheres buscaram seus direitos, afinal, para elas tudo precisou ser conquistado. Desde o direito de aprender a ler e a escrever, o direito de ter igualdade no casamento, de ter uma jornada de trabalho igual à dos homens e de receber um salário compatível como a função que desempenhavam, até o direito à licença maternidade foi fruto de muitas reivindicações. Atualmente, esses direitos fazem parte de nosso cotidiano, mas sua conquista foi uma arena de inúmeras batalhas. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 7 Voltando um pouco no tempo, a partir dos ideais da Revolução Francesa (1789): igualdade, liberdade e fraternidade, a sociedade foi se transformando sensivelmente. Com essa transformação, diversos agentes sociais passaram a reivindicar seus direitos. Entre eles, estavam as mulheres. Ainda no clima da Revolução Francesa, já em 1791, Olympe Gouges escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Este documento preconizava a igualdade jurídica entre homens e mulheres. FIGURA 5 – OLYMPE DE GOUGES, CONSIDERADA A PRECURSORA DO FEMINISMO FONTE: <encurtador.com.br/diEPV>. Acesso em: 5 nov. 2020. É interessante ressaltar que Olympe morreu dois anos após ter escrito a declaração que buscava o direito das mulheres na França. E o que aconteceu? Foi condenada à guilhotina. Teve o mesmo destino de sua precursora, Joana D’Arc. A mesma punição que era dada aos criminosos, foi dada a elas por terem buscado mudar sua realidade. Além de Olympe de Gouges, a intelectual inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797) também se engajou na luta pelos direitos das mulheres. Foi uma figura atuante nas causas abolicionistas inglesas e lutou por questões ligadas à política e à educação. Era uma intelectual reconhecida em seu país. Tinha o desejo de transformar a sociedade e usou sua escrita como ferramenta de mudança. Enquanto, em outros países, as mulheres davam sua contribuição para a conquista de seus direitos, no Brasil, Nísia Floresta (1810-1885) escrevia, em 1832, Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens. Foi a partir desse momento, que as mulheres começaram a ter uma consciência de seu papel no mundo e de como desejavam que esse papel fosse. Nísia é considerada a precursora do feminismo no Brasil, tendo lutado pelo direito das mulheres e dos escravos. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 8 FIGURA 6 – NÍSIA FLORESTA, PRECURSORA DO FEMINISMO NO BRASIL FONTE: <http://www.agendabh.com.br/wp-content/uploads/2018/05/nisia-floresta.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. Vemos, portanto, que o movimento feminista surge a partir da necessidade de se buscar uma equidade de gênero. Os estudiosos costumam dividir a história do feminismo em períodos denominados ondas. 3 A PRIMEIRA ONDA FEMINISTA Nesse sentido, a primeira onda feminista surge no final de século XIX e início do século XX. A principal demanda era a luta pelo direito ao voto e as ativistas foram chamadas de sufragistas (no inglês, suffragette). Entre suas principais reivindicações estavam o direito ao voto e a uma vida fora do lar. Esse movimento iniciou em Londres e com o passar do tempo, se espalhou por diversas partes do mundo. As sufragistas fizeram inúmeras manifestações, sendo presas diversas vezes, sofrendo preconceito de homens que não as consideravam capazes eainda de outras mulheres que as classificavam como “loucas e arruaceiras”. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 9 FIGURA 7 – AS SUFRAGISTAS LUTANDO PELO DIREITO AO VOTO FONTE: <https://movimentorevista.com.br/wp-content/uploads/2018/02/Suffragettes-Real- 1200x630.gif>. Acesso em: 5 nov. 2020. É preciso ressaltar que esse movimento foi constituído por mulheres brancas e de classe média. Essa primeira onda do movimento procurava garantir os direitos da mulher como um indivíduo na sociedade, visto que, até aquele momento, as mulheres, em sua maioria, estavam “destinadas” ao ambiente doméstico. Para situar você, acadêmico, em relação à luta das sufragistas, sugerimos que assista ao filme As sufragistas. Nele, você terá o relato de uma história real sobre a luta das feministas pelo direito ao voto na Inglaterra. DICAS POSTER DO FILME AS SUFRAGISTAS FONTE: <http://br.web.img2.acsta.net/c_215_290/pictures/15/10/16/21/28/199248.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 10 AS SUFRAGISTAS O filme As sufragistas (Suffragette) é uma produção britânica de 2015, com direção de Sarah Govon. A história é ambientada no ano de 1848 e mostra a luta das mulheres no combate às injustiças de gênero. Baseado em uma história real, o filme acompanha os primeiros movimentos feministas, com mulheres na luta por direito ao voto (ao sufrágio) e a repercussão disso na sociedade da época. No Brasil, além de Nísia Floresta, a brasileira Bertha Lutz (1894-1976), bióloga e cientista, foi, de acordo com Pinto (2010), a primeira sufragista do Brasil. Fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino que lutava pelo direito ao voto feminino. Trabalhou arduamente em prol do voto feminino, especialmente durante o governo do presidente Getúlio Vargas. Foi candidata a deputada federal, em 1934, sendo eleita apenas como suplente. FIGURA 8 – BERTHA LUTZ REPRESENTANDO O BRASIL EM CONFERÊNCIA INTERNACIONAL FONTE: <https://capricho.abril.com.br/wp-content/uploads/2017/07/bertha3. jpg?quality=85&strip=info>. Acesso em: 5 nov. 2020. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 11 FIGURA 9 – BERTHA LUTZ DE PÉ EM ENCONTRO COM O PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS FONTE: <https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/collective-nitf-content-1540487760.89/ BerthaLutz.jpg/@@images/b56b618f-c0fe-474e-9f31-7973c07c88dd.jpeg>. Acesso em: 5 nov. 2020. Ainda na primeira onda do feminismo no Brasil, destaca-se o movimento das operárias de ideologia anarquista, elas faziam parte da “União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas”. Em um de seus manifestos, o de 1917, elas escreviam: “Se refletirdes um momento vereis quão dolorida é a situação da mulher nas fábricas, nas oficinas, constantemente, amesquinhadas por seres repelentes” (PINTO, 2003, p. 35 apud PINTO, 2010, p. 16). Já inseridas no mercado de trabalho, viviam em condições insalubres, com jornadas de trabalho de até 14 horas, com salários bem menores do que os salários dos homens para a mesma função e sem nenhum tipo de direito trabalhista. Outro nome emblemático na história do feminismo no Brasil é Carlota Pereira de Queiróz (1892-1982). Carlota vinha de uma família rica e teve mais chance para estudar do que a maioria das mulheres de sua época. Inicialmente foi professora e formou-se em medicina aos 34 anos. Mesmo não sendo integrante de nenhum grupo feminista específico, sempre sentiu na pele que as mulheres precisavam buscar seus espaços na sociedade. Foi a primeira deputada estadual eleita no Brasil, desde que as mulheres puderam votar. Nas artes também tivemos precursoras que romperam com os padrões estabelecidos para a época. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga (1847-1935), era filha de um militar com uma mulher filha de uma escrava. Cresceu num período de grandes transformações e teve acesso à educação das moças de famílias abastadas do Rio de Janeiro. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 12 Estudava piano e se dedicava muito a esse ofício. Aos 16 anos casou-se, mas o casamento não deu certo, pois o marido não “aprovava” seu amor à música. Saiu de casa e seguiu sua vida. Tornou-se compositora e, entre suas obras, está a primeira marchinha de carnaval Ó Abre Alas, composta para o carnaval da virada do século. Além disso, foi a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Atuou junto ao Movimento Abolicionista, lutando pelo fim da escravidão. Considerada uma abolicionista fervorosa, compunha partituras para vender e angariar fundos para a compra de cartas de alforria. Lutou junto a outros abolicionistas pela abolição e acompanhou a leitura da Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel. Era a primeira vez que o Brasil tinha uma mulher no comando do país, pois Dom Pedro II estava em visita a Portugal. FIGURA 10 CHIQUINHA GONZAGA AOS 78 ANOS DE IDADE FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fb/Chiquinhagonzaga4.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. E não podemos nos esquecer de Antonieta de Barros (1901-1952), negra, professora e escritora. Órfã de pai, Antonieta foi criada pela mãe, que trabalhava como lavadeira para sustentar a família e garantir que a filha pudesse estudar. Formou-se na escola normal aos 21 anos e tornou-se professora, criando uma escola para alfabetizar crianças e adultos. Escreveu para os jornais da cidade de Florianópolis, sob o pseudônimo de Maria da Ilha. Mais tarde essas ideias foram reunidas na obra Farrapos de ideia. Além disso, fundou um jornal no qual publicava questões ligadas à educação, política, direitos das mulheres e preconceito racial. Filiou-se a um partido político e, em 1934, foi eleita deputada estadual pelo Partido Liberal (PL). TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 13 Os jornais da época publicaram a seguinte notícia: “Antonieta de Barros está eleita. A sua inclusão na chapa pelo Partido Liberal Catarinense foi, incontestavelmente, a maior conquista até hoje assinada pelo feminismo em nossa terra” (TOMÉ, 2017, p. 61). Assim, Antonieta de Barros tornou-se a primeira deputada negra a ser eleita no Brasil. FIGURA 11 – ANTONIETA DE BARROS. PRIMEIRA DEPUTADA NEGRA ELEITA NO BRASIL FONTE: <http://www.afreaka.com.br/wp-content/uploads/2015/01/Antonieta-de-Barros2.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. E você, acadêmico, já tinha ouvido falar de algumas dessas mulheres em suas aulas de História ou de Sociologia? Uma reflexão importante a ser feita é que nem sempre os autores de materiais didáticos usados nas escolas de educação básica trazem à tona o papel feminino ao longo dos tempos. Essa é uma constatação que nos aponta a necessidade de ampliar leituras e observar que a história foi contada por pessoas que possuíam um determinado lugar na sociedade, a exemplo de Foucault (1996) tinham uma “posição-sujeito”. E, desse lugar, narram a história. Esse lugar legitimado de escrita, por muito tempo, foi ocupado em sua maioria pelos homens, que contavam a história a partir dele, a partir de sua lógica e de seu olhar. A maioria das vezes, desse lugar, não se levou em consideração o lugar das mulheres nem a importância do seu papel, tão pouco a sua militância na luta por direitos. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 14 CAPA DO LIVRO 50 BRASILEIRAS INCRÍVEIS PARA CONHECER ANTES DE CRESCER DICAS FONTE: <https://d188rgcu4zozwl.cloudfront.net/content/B076FH2HP8/ resources/1604187889>. Acesso em: 5 nov. 2020. O livro 50 brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer, da autora Débora Thomé, é uma obravoltada ao público infantil, a obra resgata a história de brasileiras que tiveram um papel importante na luta pelo direito ao voto, pela participação política, no mundo das ciências, dos esportes, das artes, do conhecimento etc. Vale a pena conferir! Boa leitura! A luta pelo voto, ou seja, o direito ao sufrágio universal, foi uma das primeiras bandeiras do movimento feminista, através dos tempos. Essa jornada foi longa e antiga e “espalhou-se” pelo mundo a partir da luta dos grupos feministas. Observem o Quadro 1, que traz alguns marcos dessa trajetória. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 15 QUADRO 1 – ANO DE CONQUISTA DO VOTO FEMININO Ano País 1893 Nova Zelândia 1906 Finlândia 1917 Rússia 1919 Estados Unidos 1929 Equador 1934 Brasil FONTE: A autora Para ampliar seu olhar, recomendamos que assista ao vídeo O voto feminino: um direito que conquistou o mundo em 122 anos, disponível no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=9rrQ2a2p7Xo&t=1s. Nele você tem um panorama do tempo que o mundo levou para permitir que as mulheres tivessem o direito de votar. Confira e boas reflexões! DICAS 4 A SEGUNDA ONDA FEMINISTA Entre os anos 1960 e 1970 temos a segunda onda feminista, a qual buscava o direito das mulheres sobre seus corpos e sobre as questões ligadas ao prazer. Como figura principal desse momento temos Simone de Beauvoir. Em seus estudos, ela trazia a público questões como o aborto, a violência sexual e a homossexualidade. A obra O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, desconstrói a ideia de que nascemos mulheres. É de Beauvoir a frase que marcou a história do feminismo: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1980, p. 9). Para ela, o contexto social vai transformando as mulheres ao longo de suas vidas. Isso contrapõe a ideia de que “nascemos prontas e programadas” para cumprir os papéis sociais determinados pela sociedade através dos tempos. Beauvoir (1980) desconstrói assim, a ideia de que é “natural” que as mulheres serem mães, donas de casa, saibam bordar, cozinhar. É com ela que aprendemos que todas essas funções foram criadas e atribuídas como sendo das mulheres e que elas não são naturais, mas, sim, construídas socialmente ao longo da vida. Vejamos este trecho da obra O segundo sexo – volume II: a experiência vivida. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 16 Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e ao castrado que qualificam de feminino [...] Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que aprendem o universo (BEAUVOIR, 1980, p. 9) FIGURA 12 – SIMONE DE BEAUVOIR FONTE: <http://opiniaoenoticia.com.br/wp-content/uploads/2018/01/simone.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. Beauvoir (1980) busca desconstruir a ideia de que mulheres e homens nascem prontos para vida em sociedade. Assim, pontua a noção de gênero ligada a uma construção social, que se aprende ao longo da vida. Para reforçar essa ideia, destaca que essa construção social inicia na infância, e que tanto meninas como meninos, descobrem o mundo pelos sentidos, pela experimentação, que nessa fase não está vinculada aos órgãos genitais. É nessa perspectiva que Beauvior (1980) traz à tona o debate sobre a sexualidade junto aos estudos de gênero até o momento. A década de 1960 teve ainda, nos Estados Unidos, como relata Pinto (2010), o movimento hippie que propunha uma nova maneira de viver, que se posicionava contrariamente aos valores morais e de consumo norte-americano. Tinham como lema “paz e amor”. Esse movimento envolveu homens, mulheres e crianças. Já, na Europa, houve o “Maio de 68”, em Paris. Movimento protagonizado por estudantes que ocuparam a Sorbonne, questionando a ordem acadêmica que imperava até então. Essa década apresentou, ainda, o lançamento da pílula anticoncepcional, primeiro nos Estados Unidos, depois na Alemanha e, em seguida, para todo o mundo. O fato de poder escolher o momento de ter filhos, planejar o número de filhos previamente foi uma revolução na vida das mulheres. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 17 No contexto brasileiro, tivemos a renúncia de Jânio Quadros e a chegada de Jango ao poder. Para Pinto (2010), o ano de 1963 foi de radicalizações: a esquerda partidária; os confrontos entre estudantes e o governo; o golpe militar em 1964; o Ato Institucional n° 5 (AI-5), que transformou o presidente em um ditador. Vivíamos, portanto, um período de repressão, enquanto, na Europa e nos Estados Unidos, o movimento feminista ganhava cunho libertário. Entre as décadas de 1940 e 1950 Friedan (1971) desenvolve um estudo intitulado “O problema sem nome”. Nele, ela descreve uma situação vivenciada pelas mulheres norte-americanas entre as décadas de 1940 a 1960. Havia uma tranquilidade que pairava no ar, uma vida feliz. Essas mulheres tinham sua família, filhos (entre dois a quatro), uma casa, um marido que as sustentasse. Encontravam as amigas em cafés, enquanto as crianças estavam na escola. Friedan (1971, p. 19) descreve que a “dona de casa” dos subúrbios tornou-se o que a autora chamou de “concretização do sonho da americana e a inveja também”. Isso porque, a dona de casa norte-americana estava: libertada pela ciência dos perigos do parto, das doenças de suas avós e das tarefas domésticas, era sadia, bonita, educada e dedicava-se exclusivamente ao marido, aos filhos e ao lar, encontrando assim sua verdadeira realização feminina. Dona de casa e mãe, era respeitada como companheira no mesmo plano que o marido. Tinha liberdade de escolher automóveis, roupas, utensílios, supermercados e possuía tudo o que uma mulher jamais sonhou (FRIEDAN, 1971, p. 19). Com a descrição da autora, a vida dessas mulheres parece ter evoluído consideravelmente, afinal, havia um rompimento de situações vivenciadas por suas avós que elas não viviam mais (FRIEDAN, 1971). Tinham também a liberdade de escolher automóveis e itens ligados as suas atribuições domésticas. Destacavam os papéis de “dona de casa e mãe”, como sendo as duas esferas nas quais aquelas mulheres atuavam e tinham o reconhecimento e o respeito “no mesmo plano do marido”. Soava, assim, como uma vida perfeita, afinal tinham o que uma mulher jamais havia sonhado. Então, onde estaria o chamado “problema sem nome”? A medicina começou a registrar, na época, uma procura das mulheres pelos consultórios psiquiátricos. Elas queixavam-se de sentir um vazio, de ataques de choro “sem motivo”, de irritação com as crianças. Havia, no dizer dessas mulheres, uma sensação de vazio, de incompletude, um sentimento de não existir, tudo isso aliado a um cansaço com a rotina com os filhos, a casa, o casamento. O tratamento usado para isso, na época, era o encaminhando para psicólogos e psiquiatras que administravam tranquilizantes para esse “problema”. Na década de 1950, “o mal sem nome”, aparece de forma eufemizada em revistas femininas da época (New York Times, Nweweek, Time, Good Housekeeping, CBS), e os motivos apontados para essa “infelicidade feminina” em reportagens da época referiam-se à incompetência dos profissionais que davam manutenção a aparelhos eletrodomésticos, ao excesso de reuniões de pais na escola, e ainda a educação elevada que as donas de casa apresentavam naquele momento histórico. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTODO CONCEITO DE GÊNERO 18 Friedan (1971) também destaca que, na década de 1950, muitas mulheres abandonavam a universidade para se dedicar ao casamento e apoiar o marido em seus projetos profissionais. A proporção de mulheres universitárias caiu de 47% em 1920, para 35% em 1958, e, a partir de 1950, ir à universidade passou a fazer parte do plano de arrumar um marido. Além disso, 60% das jovens que entravam no ambiente universitário, largavam os estudos com medo de que o “excesso de cultura” fosse atrapalhar o matrimônio. O problema sem nome, portanto, estava relacionado a uma espécie de crise de identidade, na qual as mulheres não se enxergavam como protagonistas de sua própria história, não tinham uma carreira e nem uma profissão que tivessem escolhido e estavam atreladas à realidade da casa, dos filhos, do casamento e de toda a rotina doméstica. A própria autora termina seu texto com a seguinte questão: “Quero algo mais que meu marido, meus filhos e minha casa” (FRIEDAN, 1971, p. 31). O ideal feminino norte-americano veiculado pela mídia da época destacava a figura da mulher branca, magra, loira, casada, com no mínimo três filhos, com uma casa confortável, com os aparelhos eletrodomésticos criados para facilitar a “sua vida”. Trata-se, portanto, de uma realidade vivida por mulheres brancas, de camadas médias, o que corresponde dizer, necessariamente, ser muito diferente da realidade de mulheres negras e de camadas mais pobres. Estas, por exemplo, sempre trabalharam fora de casa de forma remunerada, por mais que a remuneração não fosse justa, pela necessidade que tinham de se sustentar, realidade completamente diferente das mulheres observadas por Friedan (1971). Assim, descreve Pinto (2010), o feminismo se configura como um movimento libertário, que reivindica não somente o espaço para a mulher, seja no trabalho, na vida pública, na educação. O movimento passa a lutar por uma nova forma de relacionamento entre homens e mulheres e por uma liberdade e autonomia feminina. A pauta é que a mulher tenha autonomia para decidir sobre sua vida e sobre seu corpo. Durante a década de 1970, no Brasil, também tivemos o movimento de luta por creches em São Paulo. Gohn (1985) destaca que, inicialmente, os movimentos passaram por algumas fases: lutas isoladas (1972); clubes de mães (1972- 1974); movimento de carestia (1973-1978); movimento de anistia (1977-1978); movimento feminino (1977-1978). E, em 1979, ocorria o I Encontro da Mulher Paulista e nele o lançamento oficial do “Movimento de Luta por Creches”. Em 1975, Gayle Rubin escreve um discurso dizendo que o sistema social sexo/gênero transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, porém, a presença do corpo na fala de Rubin é, conforme Laquer (2001), tão velada que fica praticamente oculta. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 19 Somente na década de 1980, as mulheres negras trazem para a discussão do tema as questões de gênero vinculadas às demandas raciais, até então fora de debate. A partir daí é que se descreve que o preconceito de gênero atinge as mulheres de formas diferentes. Aponta-se, portanto, que a interseccionalidade do movimento feminista, até então preconizado pela maioria branca no centro das discussões e pautas de luta. Essa interseccionalidade do conceito do movimento feminista, nos coloca diante do que diversas autoras têm buscado em seus estudos: observar que existem feminismos. Joana Burigo em entrevista cedida à Carolina Brito (FEMINISMOS, 2020), destaca a importância de olharmos para os feminismos, visto que um conceito único, no singular, não dá conta de explicar a realidade, as pautas e as reivindicações de mulheres tão diferentes entre si, seja por serem negras, brancas, pardas, indígenas ou quilombolas. Seja por serem economicamente diferentes, por terem diferentes leituras ou pelo desigual acesso à educação e consequentemente, desigual remuneração. Um conceito único, não abarca essas singularidades. No Brasil, o feminismo negro começa a se constituir a partir dos anos 1980. Em 1985, ocorre o 3ᵒ Encontro Latino-Americano em Bertioga (SP), onde surge uma organização de mulheres negras com o objetivo de construir visibilidade política no campo feminista. Neste momento surgem os primeiros coletivos de mulheres negras. Nesse sentido, Ribeiro (2017) destaca que não podemos dizer que o feminismo negro possuiu ondas. A autora usa esse argumento, afirmando que as mulheres negras foram silenciadas no interior do movimento, visto que suas lutas não eram consideradas feministas. “O peso de uma voz única e o não reconhecimento de outras vozes criam uma hierarquia de quem pode falar e de qual história merece ser ouvida e catalogada” (RIBEIRO, 2017, s.p.). 5 A TERCEIRA ONDA DO FEMINISMO A terceira onda do feminismo tem como marco teórico as produções de Judith Butler, que coloca em pauta a desnaturalização do gênero. Afinal, somos tão diversos uns dos outros. Assim, surge uma nova demanda: quem é mesmo o sujeito do feminismo? Com isso, se constrói a teoria Queer. Essa nova área de estudos traz à tona a pluralidade, a instabilidade, a fluidez das identidades de gênero e seus desdobramentos. Neste sentido, a autora preconiza “Queer adquire todo o seu poder precisamente através da invocação reiterada que o relaciona com acusações, patologias e insultos” (BUTLER, 1990, p. 58, grifo nosso). Por isso, a proposta é dar um novo significado ao termo, passando a entender queer como uma prática de vida que se coloca contra as normas socialmente aceitas. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 20 Ao nos referirmos ao conceito de gênero é imprescindível falarmos da historiadora norte-americana, Joan Scott. É partir de seus estudos que o conceito de gênero ganha uma nova roupagem. Para Scott (1995), o gênero é entendido como elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos, considerando também as relações de poder que existem entre as pessoas. Assim, a autora destaca quatro elementos constitutivos dessa construção, são eles: os símbolos culturalmente disponíveis, baseados em representações simbólicas e em geral contraditórias (Eva e Maria, escuridão e luz); conceitos normativos presentes nas doutrinas religiosas, jurídicas, educativas, científicas que exemplificam as construções binárias do que é ser homem e ser mulher; a fixidez em olhar para o conceito de gênero para além de uma esfera que articula uma relação binária, é necessário observar a esfera política, as instituições e a organização social; e, o quarto elemento refere-se à identidade que deve ser observada como algo subjetivo. Scott (1995) articula esses quatro elementos destacando seu caráter relacional, olhando para realidades que se constroem histórica e socialmente. Ao pensarmos o conceito de gênero e sua inserção no debate universitário, é importante destacar o papel da antropóloga brasileira, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Miriam Pilar Grossi. A pesquisadora traz para o cenário a temática do gênero e de diversos conceitos a ele como sexualidade, orientação sexual, violência de gênero, identidade, movimentos LGBT entre outros. Além disso, funda o Núcleo de Identidade de Gênero e Subjetividades (NIGS), que abarca projetos de pesquisa sobre as temáticas, organiza eventos de debates e socialização de pesquisas científicas, articulando sempre um diálogo entre movimentos sociais, academia e a sociedade. O NIGS, desde 1991, foi sendo construído como um espaço de pesquisa e estudos de gênero e também de metodologia da pesquisa. Mantém parcerias comequipes de investigação de universidades brasileiras e europeias, organizações não governamentais, movimentos sociais e ofertando regularmente eventos acadêmicos, jornadas de estudos e oficinas. Atualmente, o NIGS, compõe o Instituto de Estudos de Gênero (IEG) que tem como objetivo o ensino, a pesquisa e a extensão no campo dos estudos de gênero e feminismos, e que está atrelado à Universidade Federal de Santa Catarina desde a sua criação em 1991. Vale a pena conhecer as pesquisas, os estudos e as ações desenvolvidas no pelo IEG. Então acesse: ieg.ufsc.br. Neste endereço, você encontrará diversos laboratórios de pesquisa, eventos acadêmicos, publicações, trabalhos científicos e ainda ações de extensão. Bons estudos! DICAS TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 21 Atualmente, existem diversos grupos de mulheres que lutam por causas ligadas aos direitos das mulheres nas mais diversas esferas sociais. No Brasil, por exemplo, temos a Universidade Livre Feminista. Ela surge a partir de 2010, ligada ao Centro Feminista de Estudos e Assessoria. Trata-se de um projeto em permanente construção, que busca reunir diversas áreas do conhecimento com o objetivo de lutar pelo espaço da mulher nas esferas sociais. Veja, como o movimento se descreve: É um projeto feminista, construído de forma coletiva e colaborativa, cujo objetivo é congregar, catalisar e fomentar ações educativas, culturais, artísticas; de produção de conhecimento e compartilhamento de saberes acadêmicos, populares e ancestrais, numa perspectiva contracultural feminista, antirracista e anticapitalista. Através da Universidade Livre pretendemos promover a reflexão e a troca de ideias, vivências e experiências entre mulheres de diferentes identidades e campos de atuação (político, artístico, cultural, acadêmico, comunitário), assim como com outros grupos e indivíduos (A UNIVERSIDADE LIVRE, 2020, s.p.). Assim, esse movimento torna-se libertário, na medida em que busca romper com um modelo pré-definido de sociedade e de universidade, buscando novas possibilidades de construção e compartilhamento de conhecimentos sobre as mulheres nas mais variadas áreas da sociedade. No contexto brasileiro, temos, no ano 2000, a primeira edição da Marcha das Margaridas. Esse movimento se constrói a partir da união de mulheres ligadas ao meio rural, de diversos lugares do Brasil, que lutavam contra fome, contra pobreza e contra violência sexista. Trata-se de uma ação promovida pela Contag, Federações e Sindicatos, que tem sua consolidação através do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), Movimentos Feministas e de mulheres trabalhadoras e centrais sindicais. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 22 FIGURA 13 – PRIMEIRA EDIÇÃO DA MARCHA DAS MARGARIDAS. AGOSTO DE 2000 FONTE: <https://farm66.staticflickr.com/65535/48475023737_f640055a72_o.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. Desde lá, a marcha tem crescido e continua reunindo mulheres do campo e da floresta na luta por diversos direitos. Em agosto de 2019, mais de 100 mil mulheres agricultoras, marisqueiras e quilombolas de diversas partes do país, se reuniram para defender a construção de políticas públicas voltadas a sua condição de vida e de trabalho. Com o lema “Margaridas na luta por um Brasil com Soberania Popular, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência”, mulheres do campo, florestas e vindas de todos os estados do Brasil, uniram-se para denunciar o desmonte de direitos promovido pelo atual governo e reafirmaram seu protagonismo na luta por direitos sociais. FIGURA 14 – MARCHA DAS MARGARIDAS (2019) FONTE: <https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/08/margaridas-mele-dornelas-02.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 23 Nesta linha de luta por direitos humanos é imprescindível ressaltar o papel de Malala Yousafzai (1997). Moradora do Vale do Swat, no Afeganistão, ela viveu a realidade de ver apenas o nascimento dos meninos serem comemorados. Seu pai sempre foi ligado à luta por direitos e incentivou a filha a estudar, num país onde esse direito não é extensivo às mulheres. Seu pai, administrava uma escola que recebia meninas, mesmo que de forma clandestina. E, com o regime extremista do Talibã, essas escolas passaram a ser destruídas. Assim, em uma manhã, o ônibus que levava Malala e suas amigas da escola para suas casas, foi interceptado pelos soldados do Talibã. Ao pararem o ônibus, a pergunta foi feita “Quem é Malala?” Em seguida, diversos tiros foram disparados e Malala foi atingida com tiro na cabeça. A partir daquele momento, outra luta de Malala foi travada: a luta pela vida. Depois de um longo tempo de recuperação, de ser transferida para Inglaterra para ter o tratamento adequado, Malala sobreviveu. E continua lutando pelo direito das meninas de estudarem. Em 2013, aos 16 anos, foi a Nova Iorque e num encontro da ONU, fez o seguinte pronunciamento: “Nossos livros e canetas são as armas mais poderosas. Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. Educação é a única solução”. Em 2014, aos 17 anos, Malala Yousafzai, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Foi a mulher mais jovem a receber esse prêmio. FIGURA 15 – MALALA YOUSAFZAI EM DISCURSO FONTE: <https://static.independent.co.uk/s3fs-public/thumbnails/image/2016/02/01/11/malala.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO 24 LIVROS DE MALALA EM PORTUGUÊS DICAS FONTE: <https://img.estadao.com.br/fotos/crop/1200x1200/resources/ jpg/2/9/1568309918492.jpg?xcd_image_optimization=false>. Acesso em: 5 nov. 2020. Acadêmico, essas são produções de Malala traduzidas para o português. Elas abordam sua história, o contexto do atentado, a sua luta e a de seu pai para oportunizarem às meninas o direito de estudar. Há livros direcionados ao público infantil e também ao público adulto. Sugerimos que você comece lendo Eu sou Malala para conhecer sua trajetória. Boa leitura! Outra liderança feminina que tem propagado suas ideias feministas atualmente é a nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche (1977). Escritora e feminista, Chimamanda é autora de vários livros como: Meio Sol (2008), O hibisco roxo (2011), Sejamos todos feministas (2015) e Para educar crianças feministas (2017). Filha de um professor e de uma administradora, desde muito cedo fascinou-se pela leitura e pela escrita. Mudou-se, aos 19 anos, para a Filadélfia, nos Estados Unidos, para dar continuidade em seus estudos. TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA NO MUNDO E NO BRASIL 25 Em 2009, participou do TED EX, falando para uma plateia de maioria absoluta branca, com a texto O perigo de uma história única. Nesse compartilhamento, Chimamanda fala dos estereótipos sociais que a população da América possui em relação à África e a falta de conhecimento que americanos têm em relação aos africanos, é o que ela chama de conhecer uma história única e desconhecer a multiplicidade e complexidade da vida em sociedade. FIGURA 16 – CHIMAMANDA NGOZI ADICHE FONTE: <http://www.afreaka.com.br/notas/chimamanda-adiche-escrevendo-uma-nova-historia- para-africa/>. Acesso em: 5 nov. 2020. Suas obras abordam assuntos ligados à imigração, desigualdade étnico- raciais e de gênero, situação político-social dos países africanos, entre outros temas. É autora africana de referência na atualidade, e assina romances, peças teatrais, poemas e coleções de histórias. Vale a pena conferir suas obras! UNIDADE 1 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTODO CONCEITO DE GÊNERO 26 LIVROS DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHE EM PORTUGUÊS DICAS FONTE: A autora Acadêmico, aqui estão algumas obras de Chimamanda Ngozi Adichie em português. Ela é uma das referências internacionais da literatura feminista mundial e, apesar de dizer em entrevistas que não deseja falar do lugar da “academia”, ela aborda temáticas muito importantes ao debate acadêmico. Boas descobertas! Acadêmico, assim, encerramos o Tópico 1 desta unidade. No próximo tópico, nos debruçaremos sobre os conceitos de diversidade, identidade e diferença, relacionando-os à temática central de nosso livro que são as relações de gênero. 27 Neste tópico, você aprendeu que: • O movimento de mulheres que lutaram por acesso a direitos que lhes eram negados, ocorreu em diversos períodos históricos diferentes. • As mulheres que lutaram por seus direitos foram chamadas de feministas. • Uma das primeiras bandeiras de luta das mulheres foi o direito ao voto, o sufrágio universal, que foi conquistado por elas ao longo de muito tempo. • Que o conceito de gênero surgiu, inicialmente, para referir-se às bandeiras de lutas feministas. • Que o movimento feminista é caracterizado por momentos distintos chamados de ondas, e que abarcam um conjunto de reflexões acerca da condição das mulheres naquele determinado momento. RESUMO DO TÓPICO 1 28 1 Neste tópico vimos como o movimento feminista e suas bandeiras de lutas foram se construindo através dos tempos. No que se refere à história do movimento feminista, classifique as afirmativas usando V para verdadeiras e F para falsas. ( ) O movimento feminista surge nos anos 1950 a partir da publicação da obra “O segundo Sexo” de Simone de Beauvoir. ( ) Inicialmente, os movimentos de mulheres buscaram lutar pelo direito ao voto, visto que não eram consideradas cidadãs. ( ) Já na Antiguidade, as mulheres lutavam pelo direito sobre seus corpos e pelo direito de falar sobre seus desejos e prazeres. ( ) O conceito de gênero surge vinculado ao termo mulher, visto que inaugura as discussões e reinvindicações das mulheres. Assinale a opção que possui a sequência CORRETA. a) ( ) F, F, V, V. b) ( ) F, V, F, V. c) ( ) V, V, F, F. d) ( ) V, F, V, F. 2 Desde a Antiguidade, tivemos mulheres que buscaram romper com as amarras sociais nas quais estavam “presas”. Assim, se lançavam a lutar para transformar sua realidade. Um desses casos foi o de Hipátia de Alexandria. Em relação a sua trajetória de vida, escolha a alternativa CORRETA. a) ( ) Hipátia de Alexandria tornou-se uma das primeiras professoras de sua época. Defendia o racionalismo científico e a matemática, além de dar aulas para diferentes crenças religiosas. Acabou por ser assassinada por uma multidão de extremistas cristãos. b) ( ) Hipátia de Alexandria, filha do matemático, filósofo e astrônomo Théon, foi uma das primeiras professoras de sua época. Defendia o racionalismo científico e a matemática e dava aulas apenas para pessoas que fossem cristãs. Foi reconhecida por sua obra e aclamada pela sociedade da época. c) ( ) Hipátia de Alexandria foi a primeira deputada federal de que se tem registro na história. Estudou na Escola de Alexandria, onde aprendeu sobre o racionalismo científico e a matemática. Defendia que todos fossem cristãos e que essa era a tradição mais correta a ser seguida. d) ( ) Para Hipátia de Alexandria os estudos eram uma temática muito importante, especialmente os que fossem ligados ao racionalismo científico e a filosofia. Defendia os ideais cristãos e acreditava que outras religiões não estavam corretas. AUTOATIVIDADE 29 e) ( ) Uma das primeiras professoras que a história tem registros foi Hipátia de Alexandria. Ela defendia o ensino da filosofia e acreditava que esse era o caminho para o autoconhecimento. Dava aula para pessoas que não fossem católicas e teve seu reconhecimento por isso. 3 O movimento Marcha das Margaridas teve sua primeira edição no ano 2000. Em relação aos objetivos, bandeiras de luta e surgimento desse movimento, é correto afirmar: a) ( ) O movimento conhecido como Marcha das Margaridas surgiu a partir de um grupo de mulheres trabalhadoras de áreas urbanas da cidade de São Paulo, que lutam contra a fome e contra violência sexista que existe em nosso país. b) ( ) Esse movimento reúne, exclusivamente, mulheres das etnias indígenas e quilombolas da região Norte do Brasil e que lutam contra a fome e contra a pobreza que existe na região na qual vivem. c) ( ) A Marcha das Margaridas é um movimento que se construiu através das mulheres trabalhadoras das indústrias têxteis da região Sul de nosso país, em áreas urbanas e que lutam por uma política de equidade salarial entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções em ambientes corporativos. d) ( ) A Marcha das Margaridas se constitui a partir da união de mulheres ligadas ao meio rural, de diferentes lugares do Brasil, e que tem como objetivos lutar contra a fome, contra a pobreza e contra a violência sexista que existe em nosso país. e) ( ) O movimento social conhecido como Marcha das Margaridas é formado, unicamente, pelas mulheres que trabalham nas áreas rurais do sertão nordestino e que lutam contra a fome e contra a pobreza que assola a região em que vivem. 4 Uma das mulheres de destaque no século XXI, foi Malala Yousafzai. Vimos um pouco de sua trajetória na Unidade 1 deste Livro Didático. Pesquise um pouco mais sobre a trajetória dela e escreva um texto abordando a relação de Malala com o direito das mulheres e sua trajetória até receber o Prêmio Nobel da Paz em 2014. 5 Como vimos na Unidade 1 deste Livro Didático de Relações de Gênero, a chamada 2a onda do feminismo teve um de seus expoentes no estudo da autora Simone de Beauvoir, com a obra O segundo sexo. Escreva um breve resumo sobre as ideias centrais dessa obra, no que diz respeito ao que é ser mulher. 30 31 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE 1 INTRODUÇÃO O Brasil é, em sua essência, um povo constituído por muitos povos. Como descreve Ribeiro (1995, p. 19), o povo brasileiro surge “[...] da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos”. Essa constituição não foi pacífica. Houve conflito, disputa de terras, negociações, invasões, trincheiras, guerras. Línguas, costumes, vestimentas, utensílios, rituais, religiosidades, organização social, parentescos, linhagens. Tudo diferente foi se “misturando”, com o passar do tempo. Uma cultura foi adentrando a outra ao ponto de pertencimento. A tapioca que hoje encontramos facilmente em qualquer supermercado é herança de povos indígenas brasileiros. O hábito do banho diário é costume herdado, também, dos povos indígenas que habitavam o Brasil. O acarajé, prato típico da região nordeste, é herança africana. A capoeira, hoje difundida internacionalmente, surgiu no Brasil como uma forma de preparo para as fugas dos negros escravizados. Era praticada perto das senzalas, com acompanhamento de tambores, berimbaus e cantos, que davam o ritmo a luta praticada por eles como dança. FIGURA 17 – CAPOEIRA – OBRA DE JEAN BAPTISTE DEBRET FONTE: <https://hosting.iar.unicamp.br/disciplinas/am540_2003/edu/produto/images/capoeira.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. 32 UNIDADE 2 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO Está em nosso processo de constituição toda essa diversidade, além é claro das diversidades ligadas ao gênero. Tomando como exemplo o Brasil, você deve se lembrar da figura emblemática das baianas e da música de Dorival Caymmi, O que é que a baiana tem. FIGURA 18 – BAIANAS EM DESFILETÍPICO EM SALVADOR (BA) FONTE: <https://i1.trekearth.com/photos/64741/_mg_3516.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. Elas são consideradas um dos símbolos da cultura brasileira. O uso da roupa branca está associado às heranças africanas. Trata-se da influência do candomblé, religião afro-brasileira trazida pelos negros escravizados, para o Brasil. Em uma rápida pesquisa é possível descobrir que há uma hierarquia nas roupas usadas pelas baianas. Uma delas é a roupa da Baiana do Acarajé, das mulheres que preparam e vendem acarajé e outras iguarias da culinária local. Essas baianas têm uma roupa diferente das roupas usadas pelas baianas das escolas de samba que são compostas por mais detalhes e peças, inclusive representando aspectos diferentes daqueles usos cotidianos. Importante observar que, mesmo dentro de uma comunidade ou grupo de baianas, há diversidade. Essa diversidade nos faz enxergar as diferenças que se constroem mesmo dentro de grupos tidos como iguais. Aliás, tem como pensarmos a diferença sem levar em consideração a igualdade? TÓPICO 2 — DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE 33 2 DIFERENÇA E IGUALDADE A ideia de diferença está diretamente ligada à ideia de igualdade. Afinal, aquilo que “não é”, só existe quando comparada ao que é. Vejamos que para Silva (2000) a identidade e a diferença são conceitos que se completam. Afinal quando afirmamos “somos brasileiros” estamos também dizendo que “não somos argentinos, uruguaios, franceses”. Para esse autor, “A definição da identidade brasileira, por exemplo, é o resultado da criação de vários e complexos atos linguísticos que a definem como sendo diferentes de outras identidades” (SILVA, 2000, p. 77). Assim, dizemos que onde existe identidade e diferença, haverá o processo de diferenciação. Para Silva (2000) a diferenciação é o processo de produção da identidade e da diferença, como incluir/excluir; demarcar fronteiras ou ainda classificar. Vejamos a noção de diferença no olhar de Adichie (2017), citada no Tópico 1 deste livro didático. Para essa autora nigeriana, a diferença deve ser tomada como normal, “Porque a diferença é a realidade de nosso mundo. E ao lhe ensinar sobre a diferença, você a prepara para sobreviver num mundo diversificado” (ADICHIE, 2017, p. 76). Há, nessa fala, uma naturalização da diferença, para olhar a diferença e entendê-la como sendo algo muito mais corriqueiro e comum em nosso cotidiano. Ainda nesta perspectiva, Adichie, em 2018, escreveu sobre O perigo de uma história única. Esse texto foi compartilhado no todo daquele ano. Assistida por uma plateia majoritariamente branca, a nigeriana descreveu o olhar de estranhamento de sua companheira de quarto ao saber que ela sabia usar um forno de cozinha e de que escutava Mariah Carey. Aqui, podemos fazer uma interlocução com o que preconiza Silva (2000) sobre a demarcação das fronteiras no processo de identificação. Neste exemplo, tanto Adichie quanto sua companheira de quarto, (re)construíram suas percepções de como vivem cidadãos em outros lugares do mundo, identificando-os com aspectos inimagináveis até então. E essa desconstrução só foi possível porque as duas se aproximaram e passaram a conviver, descortinando e ressignificando diversas percepções e imagens pré-concebidas. Voltando nosso olhar novamente para a realidade brasileira, vemos situações muito similares às vividas por Adichie e sua colega norte-americana. E, nem é preciso sair do território nacional para enxergar a diversidade que nos constitui. Ao observarmos as baianas do nordeste brasileiro (Figura 18) com as prendas gaúchas do sul do país (Figura 19), veremos inúmeras diferenças, entre elas: a vestimenta, o sotaque, a música, as formas de dançar e de se expressar, entre tantas outras. 34 UNIDADE 2 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO FIGURA 19 – PRENDA GAÚCHA FONTE: <http://www.casadatradicao.com.br/imgs/DANCAS-TRADICIONAIS.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. São apenas dois exemplos da diversidade étnico-cultural que constitui o Brasil. Há tantos outros exemplos como o Frevo, o Maracatu, o Festival de Parintins com a disputa entre Garantido e Caprichoso, as diversas festividades afro-brasileiras, o Quarup dos povos Indígenas do Alto Xingu, a cultura dos povos europeus que foram se instalando no Brasil e, assim, foram se construindo e se (re)construindo. FIGURA 20 – QUARUP EM UMA ALDEIA WAURÁ – ALTO XINGU FONTE: <https://conexaoplaneta.com.br/wp-content/uploads/2019/02/o-quarup-em-uma- aldeia-waura-foto-renato-soares-1.jpg>. Acesso em: 5 nov. 2020. TÓPICO 2 — DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE 35 Para o antropólogo Roberto da Matta (1997), a sociedade brasileira se construiu entre dois grandes espaços: a casa e a rua. Estes seriam, portanto, mais do que espaços, seriam entidades morais, esferas de ação social com poderes de despertar emoções, relações, leis, orações, músicas etc. Ao pensarmos nos espaços e em suas configurações, retomamos a ideia de da Matta (1997). Ele descreve a casa como um espaço que foi sendo configurado como um lugar de subalternidade feminina e a rua um espaço de autoridade ligada ao masculino. Espaços que se configuraram através dos gêneros e foram por ele configurados. Desde muito cedo, antes mesmo de nascer, o mundo nos aguarda de uma forma diferente. Meninas são esperadas com roupas cor de rosa e meninos com azul. Silva (2013) descreve que durante o desenvolvimento infantil as meninas são educadas para brincar de boneca (personificação de um bebê de colo, do ato da maternidade); de panelinha (o ato de cozinhar). Já para os meninos, é destinação brincar de carrinho (homem ao volante) e futebol (esporte de homem). Essas diferenças reforçam e influenciam a ideia de submissão feminina, inculcando um “modo de vida” de relações de gênero construídas com base num modelo social tradicional, como já apontado anteriormente nos dizeres de da Matta (1997). 3 DESIGUALDADE A desigualdade pode ser observada sob várias nuances na sociedade. Ela pode estar relacionada à classe social, ao gênero, à etnia, à religião, dentre outras. Há estudiosos que dizem que as desigualdades no Brasil iniciaram com a chegada dos portugueses ao Brasil, visto que eles impuseram seu modo de vida aos povos indígenas que já habitavam o país. Nesse caso, as diferenças entre os povos foram transformadas em desigualdades pelo preconceito, pela falta de acesso às condições básicas de saúde, educação, moradia e trabalho. Vejamos um exemplo prático da desigualdade de gênero no esporte. O Brasil é considerado o país do futebol e tem uma trajetória de muitas vitórias em competições internacionais, cinco delas de copas do mundo de futebol. Se perguntássemos a você quais nomes do futebol você se lembra, quem você lembraria? Pelé, Garrincha, Zico, Bebeto, Romário, Dunga, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Neymar e tantos outros. Todos homens, a maioria com contratos milionários. 36 UNIDADE 2 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO Mas é no futebol feminino que o Brasil tem uma atleta que foi eleita cinco vezes consecutivas (entre 2006 e 2010) como melhor jogadora do mundo. Marta Vieira da Silva, a “Marta”, tornou-se uma inspiração para muitas meninas que sonham jogar futebol profissionalmente. Nenhum atleta do futebol masculino tem os títulos que a jogadora tem. E a remuneração da Marta? Bom, enquanto Neymar chega a ganhar 29 milhões de reais por ano, Marta luta para jogar num time que consiga pagar seu salário (muito menor do que o salário de Neymar). FIGURA 21 – MARTA, JOGADORA BRASILEIRA DE FUTEBOL FEMININO FONTE: <https://cdn.brasildefatao.com.br/media/875d205147b0ff696178908e898b67fd.jpg>.Acesso em: 5 nov. 2020. A diferença de gênero foi transformada em desigualdade. Estamos diante de um caso de desigualdade de gênero, pois Marta e Neymar são atletas que jogam futebol, ou seja, possuem a mesma profissão, mas recebem salários muito diferentes. Essa desigualdade de gênero está atrelada a uma desigualdade econômica, pois os clubes não remuneram os atletas de forma igualitária. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez a pesquisa intitulada Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Em 2013, a Comissão de Estatística das Nações Unidas (United Nations Statistical Commission) organizou o Conjunto Mínimo de Indicadores de Gênero (CMIG) – em inglês, Minimum Set of Gender Indicators (MSGI) –, constituído por 63 indicadores (52 quantitativos e 11 qualitativos) para sistematizar informações de igualdade de gênero e empoderamento feminino. A pesquisa está organizada de acordo com cinco domínios estabelecidos no CMIG, a saber: estruturas econômicas, participação em atividades produtivas e acesso a recursos; educação; saúde e serviços relacionados; vida pública e tomada de decisão; e direitos humanos das mulheres e meninas. Essa investigação fornece um panorama, sucinto, das desigualdades de gênero no país, com valiosos elementos para reflexão de estudiosos e formuladores de políticas públicas. TÓPICO 2 — DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE 37 Apesar das mulheres constituírem a maioria da população com Ensino Superior completo, isso não garante a elas remunerações equiparadas as dos homens. De acordo com o estudo, as mulheres ganham, em média, apenas 75% dos rendimentos dos homens. O IBGE constatou que entre 2012 e 2016, as mulheres possuem rendimentos mensais no valor de R$1.764, enquanto os homens, R$2.306. Para a professora Carmen Migueles, da FGV EBAPE, mesmo em países ricos, como os Estados Unidos, homens ganham mais do que mulheres. Contudo, para ela, o Brasil possui uma situação mais dramática, já que as mulheres chefiam 39% dos lares do país e acumulam, além dos afazeres domésticos, a responsabilidade de sustentar a casa (AS 12 MULHERES..., 2018, s.p.). Percebe-se, assim, que a desigualdade de gênero gera uma desigualdade salarial que no caso das mulheres é mais injusta. Além do trabalho fora de casa, cerca de 39% chefiam seus lares, acumulando os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos à sua rotina. Diversos papéis sociais desempenhados ao mesmo tempo, muitas vezes, exclusivamente pelas mulheres. Observe, agora, o Gráfico 1, sobre a escolaridade por gênero e por etnia no Brasil. GRÁFICO 1 – ESCOLARIDADE POR GÊNERO E ETNIA. FONTE: <https://www.r7.com/r7/media/2018/20180307_genero/20180307_genero.png>. Acesso em: 5 nov. 2020. 38 UNIDADE 2 – MOVIMENTOS FEMINISTAS E OUTROS MOVIMENTOS LIBERTÁRIOS E SEUS DESDOBRAMENTOS ATÉ O SURGIMENTO DO CONCEITO DE GÊNERO É importante salientar que a disparidade de acesso ao Ensino Superior aumenta ainda mais quando se trata de populações negra, parda ou indígena. Reflexo de um contexto histórico que privilegiou a entrada primeiramente de homens brancos e muito tempo depois de mulheres brancas. Aos indígenas, pardos e negros a entrada ao ensino superior foi ainda mais tardia. Essa diferenciação faz com que os salários dessas populações sejam ainda menores do que os da população branca, especialmente se houver ausência ou baixa escolaridade. 4 O QUE É GÊNERO? Quando falamos em gênero, a que exatamente nos referimos? De início é importante lembrar que, durante muito tempo, dentro das Ciências Sociais, a associação da palavra “gênero” era imediata à “mulher”, pois ligava-se ao movimento feminista dos anos 60, movimento que fazia parte das lutas libertárias e de contracultura que se constituíram nesta década, como vimos na primeira parte desse texto. Para que possamos entender melhor, vamos ao que dizem alguns autores sobre esse termo. Para Scott (1995), o termo gênero surgiu entre as feministas norte- americanas que o atribuía às distinções sociais baseadas no sexo. “A palavra indicava uma rejeição do determinismo biológico implícito no uso de termos como ‘sexo’ ou ‘diferença sexual’” (SCOTT, 1995). Ainda conforme a autora, o termo "gênero", se constituiu, também como um conceito relacional. Não era possível analisar o feminino sem considerar o masculino e vice-versa. Assim, portanto, homens e mulheres eram definidos em termos recíprocos, não podendo ser estudado e entendido de forma separada. Era como se, ao falar das mulheres, estivéssemos, também, nos referindo aos homens. Com o passar do tempo, o termo gênero passou a referir-se a construções culturais, assim: Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. "Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gênero" tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (SCOTT, 1995. p. 75). Dessa forma, o termo gênero refere-se a um conjunto de relações que pode incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, muito menos, determina diretamente a sexualidade. Além disso, Scott (1995) sugere que termo gênero deve ser reestruturado, levando em consideração uma visão de igualdade política e social, incluindo o sexo, a classe e a raça como categorias de estudo e análise. O gênero é, portanto, um elemento que constitui as relações sociais que se baseiam nas diferenças entre os sexos e na forma como dão significado às relações de poder. TÓPICO 2 — DIVERSIDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE 39 Não se trata, portanto, apenas das diferenças biológicas, mas sim das diferenças entre homens e mulheres que se constroem social e historicamente. Para a autora Françoise Héritiér (1996), o gênero é um conceito relacional, pois, desde que nascemos, nos relacionamos com as pessoas. Para Grossi (1998), em linhas gerais, o gênero é um conceito usado para pensar as relações sociais que envolvem homens e mulheres, relações determinadas historicamente e que se expressam pelos diferentes discursos sociais de diferença sexual. Assim, o gênero refere-se a tudo o que é social, cultural e historicamente determinado. No entanto, nenhuma pessoa existe sem que se relacione socialmente, desde seu nascimento. Sempre que nos referirmos ao sexo daquele indivíduo estaremos nos referindo, também, ao gênero que estará associado ao sexo daquela pessoa a qual estamos nos relacionando. Há, ainda, mais um aspecto importante a ser mencionado sobre o conceito de gênero. Ele é mutável. Grossi (1998) ressalta que “em todas as sociedades do planeta, o gênero está sendo, todo o tempo, ressignificado pelas interações concretas entre indivíduos do sexo masculino e feminino” (GROSSI, 1998). A cada dia, nas interações sociais vamos construindo e (re) construindo a noção de gênero, que não se configura da mesma forma para todas as sociedades. Barreto, Araújo e Pereira (2009) elucidam que o gênero foi elaborado para evidenciar que o sexo anatômico não é o que define a conduta humana. São as culturas que criam padrões de comportamento que estão associados a corpos que se diferenciam por seu aparelho genital. Assim, ter um corpo feminino não significa que a mulher tenha vontade de ter filhos, por exemplo. Para Judith Butler (1990, p. 7) o gênero é também constituído pela cultura. “[...] o gênero é também o significado discursivo/cultural pelo qual a natureza sexuada ou o sexo natural é produzido e estabelecido como uma formar anterior
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