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53 - O Oriente Médio e o Mundo dos Árabes - Maria Yedda Linhares

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GI
11Ic::
~
'iiia....o
lrv1édio
~ O mundo árabe
},;faria Iédda' Linhares
(Jriente
<,
Conciso e e~Çlrecedor, este livro permite
conhecer a fu~do a,história do Oriente
Médio e do Mun'd"oArabe. Remontando à
crise do império ot~mano e à interferência
de ingleses e franceses na região, ao fim da
Primeira Guerra Mundial, a autora analisa
as razões dós conflitos étnicos, religiosos e
políticos que tornaram o Oriente Médio um
verdadeiro barril de pólvora.
ISBN:85-=11-02U!);;S-t\
~~lEITURAS~~~~
@~~~
Coleção Primeiros Passos
As Cruzadas Vistas pelos Árabes
Amin Maalouf
Ó que é Direito Internacional
José Monserrat Filho
Entre Árabes e Judeus
Uma reportagem de vida
Helena Salem
o que é Geopolítica
Demêtrio Magnoli
As Mil e Uma Noites
Vais. 1a s
René R. Khawan (trad.)
o que é Imperialismo
Afrânio Mendes Catani
o que é Questão Palestina
Helena Salem
Por uma História
Profana da Palestina
Lotfallah Soliman Coleção Tudo é História
Samarcanda
Amin Maalouf A Formação do 3~ Mundo
Ladislau Dowbor
História da Ordem
Internacional
Carlos Roberto Pellegrino
A Poesia Árabe Moderna e
o Brasil
Slimane Zeghidour
(J/ f~~ ft-~ ~~-Y-
Maria Yedda Linhares
ORIENTE MeDIO
E O MUNDO DOS ÁRABES
?!l'edição
SBD-FFLCH-USP
11111111111111111111111111\ 1111111111111
273550
editora brasiliense
30:;;-
131.2.-
v-. .r5
3_~,
~3
Copyright © by Maria Yedda Unhares, 1982
Nenhuma parte desta publicação pode-ser gravada,
armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzidapor meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia do editor.
ISBN: 85;11-02053-5
Primeira edição, 1982
3!' edição, 1992
Revisão: José W. S. Momes
Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos
DEDALUS - Acervo- FFLCH
1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111I~I
20900008960
I-.;1·
Av. Marquês de São Vicente, 1771
01139 - São Paulo - SP
Fone (011) 67-9171 - Fax826-8708
Telex (11) 33271 DBLM BR
IMPRESSO NO BRASIL
~
lNDICE
Apresentação 7
O Oriente Médio e o mundo árabe 10
A formação dos Estados árabes contemporâneos 27
O mundo árabe sob o signo da mudança (1945·,
1980) 74
Conclusão: ontem e hoje 108
Indicações para leitura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 114
8 Maria Yedda Linhares
citos de conquistadores de várias procedências, de
comerciantes e financistas, cruzados medievais e
capitalistas, em busca de poder, glória e riquezas.
Ao escrever este pequeno livro, tive em mente
dirigi-lo a esse leitor comum que tenta ir um pouco
além das manchetes dosjornais escritos ou televisio-
nados, na esperança de ajudâ-lo a perceber melhor
as malhas de uma questão internacional que envolve
centenas de milhões de seres humanos espalhados
por uma superfície terrestre superior a dez milhões
de quilômetros quadrados. Mas, na impossibilidade
de tudo abranger, já que o espaço é reduzido e as
questões são múltiplas, limito a temática do Oriente
Médio ao mundo árabe, ao mesmo tempo em que a
amplio de modo a incorporar os países do norte da
África (Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia), geogra-
ficamente situados fora do quadro do Oriente Médio.
Dessa forma, estão excluídos, do raio de análise,
países, e respectivos problemas internacionais, como
o Irã, o Afeganistão e a Turquia (Ásia Menor), sendo
que a questão palestina que emergiu em conseqüên-
cia do surgimento do Estado de Israel receberá uma
atenção lateral por ser alvo de tratamento específico
em outro livro desta Coleção.
Vários problemas envolvem a grafia dos nomes
árabes. Tendo em vista ajudar o leitor e não intro-
duzir um elemento de complicação, optei pela trans-
literação corrente, influência francesa e inglesa, sem
entrar em maiores discussões de caráter lingüístico.
Por não se tratar de um livro de erudição e, sim, de
introdução ao leitor não especialista, procurou-se
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 9
simplificar o texto e selecionar enfoques, sobretudo
aqueles de ordem política, sacrificando outros possi-
velmente mais relevantes como os relativos à cultura
árabe e ao Islã, cujo tratamento deverá competir a
um especialista mais adequado, em momento opor-
tuno, Espera-se, pois, que o caráter introdutório
deste pequeno livro seja compreendido e perdoado,
nas suas imperfeições e omissões, pelo leitor.
o ORIENTE ~DIO
E O MUNDO ÁRABE
A expressão Oriente Médio tomou-se corrente a
partir dos anos 40 deste século e introduziu-se, de
súbito, no vocabulário político internacional para
designar uma área do globo terrestre de cerca de uma
dezena de milhões de quilômetros quadrados e uma
população em crescimento explosivo cujas cifras
ultrapassam a marca dos 200 milhões de habitantes.
Englobando os países que se situam entre o Mediter-
râneo Oriental, o Mar Negro meridional e o Oceano
Índico, na faixa compreendida entre o golfo de Aden
e as cercanias do Golfo Pérsico, engloba o Vale do
Nilo, o Crescente Fértil, a península da Arábia, o
planalto do Irã, a Ásia Menor e o Afeganistão. Na
Antiguidade, caracterizou-se por ter sido o berço de
grandes civilizações: o Egito dos faraôs, a Assíria, a
Babilônia, a Pérsia, a Fenícia. Ao longo dos milê-
nios, foi terra de passagem, encruzilhada das rotas
r
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
que ligavam o Ocidente e o Oriente, sempre percor-
rida por invasores provenientes da Ásia Central ou do
continente que se passaria a chamar de Europa.
Terra de impérios, hoje desaparecidos, e de conquis-
tadores, da Antiguidade aos Tempos Modernos, foi
também sede das religiões monoteístas, o Judaísmo,
o Cristianismo e o Islã. Terra sobre a qual se suce-
deram, através dos milênios, povos, culturas e civili-
zações as mais diversas, influências étnicas e cultu-
rais as mais variadas, bem como sistemas de organi-
zação social e política diferenciados. Terra e povos
que, aos poucos, perderam o comando da história
que construíram e foram submergidos por outras cor-
rentes históricas, da Ásia Central ou da Europa. Daí
a marca da decadência, do marasmo e do atraso que,
sobretudo, nos últimos séculos, carrega consigo a
imagem do Oriente Médio na mentalidade do homem
do Ocidente capitalista, cristão e tecnicista dos nos-
sos dias.
Mas se a expressão Oriente Médio é recente, a
de Oriente Próximo predominou até princípios deste
século, distinguindo-o, assim, daquele Oriente mais
longínquo, e ainda mais misterioso, o Extremo Orien-
te, a Ásia do Pacífico, do velho Império Chinês e do
Japão. Aplicava-se às terras e aos povos sob domínio
do Império Otomano que se instalou em Constanti-
nopla no século XV, e por mais de um século amea-
çou a Europa. Contra os turcos que vinham da Ásia,
muçulmanos convertidos, valentes na sua agressivi-
dade guerreira e, nesse sentido, uma ameaça para a
Europa cristã, uniram-se reis e papas. A partir do
11
12 Maria Yedda Linhares
século XVII, parecia debelado o perigo. No entanto,
eles se instalaram no sudeste do continente, domi-
nando a Península Balcânica e o Mediterrâneo Orien-
tal, os Estreitos de Dardanelos e Bôsforo, a Ásia
Menor, os vales do Tigre e do Eufrates, a Síria e a
Palestina, a península da-Arâbía, cruzaram o estreito
de Suez e apoderaram-se do Nilo, estendendo-se so-
bre o Norte da África - o Maghreb - e exercendo o
seu protetorado até o Marrocos.
Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, a pre-
sença dos turcos, organizados sob a denominação de
Império Otomano, e como Califado - ou seja, como
organização religiosa suprema dos muçulmanos -
tornou-se cada vez mais incômoda aos Estados que se
fortaleciam e desenvolviam no continente europeu e,
sobretudo, nas suas vizinhanças, como o Império
austríaco Habsburgo e o Império Russo moscovita.
O controle que exerciam sobre os povos balcânicos
estendia-se do Mar Adriático (a Iugoslávia de hoje)
ao Mar Negro (Rumânia e Bulgâria), abrangendo a
Grécia e a Tessália, Creta e Chipre. Dessa forma,
dominavam as rotas do Mediterrâneo Oriental e
aquelas que conduziam ao Índico e à Ásia Central,
bem como o Norte da. África, ou seja, o Mediterrâneo
Meridional. A presença do Império Otomano na Eu-
ropa constituiu-se, pois, um problema a preocupar,
deforma crescente, os governos europeus e transfor-
mou-se, ao longo do século XIX, a partir de 1815,
numa das questões fundamentais da política interna-
cional, entrando na linguagem diplomática daquele
século como a Questão do Oriente.
r
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
O ponto crucial da chamada Questão do Oriente
consistia para as chancelarias européias em expulsar
os turcos da Europa. Sob sua dominação encontra-
vam-se além dos gregos, albaneses, búlgaros e rume-
nos (os principados da Moldávia e da Valáquia),
várias comunidades eslavas, como os bosníacos, os
sérvios, os herzegovinos, o que provocava atritos per-
manentes com a Áustria, de um lado, e com o Impé-
rio tzarista, de outro. Na Ásia, tinham sob sua
guarda os árabes, como expressão mais genérica, e a
pequena multidão de minorias que habitavam os
diferentes territ6rios sob administração civil e reli-
giosa otomana. Além do mais, a guarda dos Estreitos
Bôsforo e Dardanelos dava-lhes o controle sobre a
entrada do Mar Negro da mesma forma como a do
estreito. de Suez era fundamental como acesso ao
Mar Vermelho, ao golfo de Aden e ao Oceano Ín-
dico. No século da expansão do capitalismo, das
lutas nacionalistas européias, do militarismo e da
diplomacia do prestígio, por parte dos Estados da
Europa, não é dificil compreender que em torno dos
problemas otomanos se desenvolveram disputas di-
plomáticas e conflitos armados. Foi no bojo dessas
competições que surgiram as questões balcânicas
(formação das nacionalidades e dos Estados que se
libertaram da dominação turca), a questão do Egito
e da construção do Canal de Suez (na segunda me-
tade do século XIX) e a ocupação do Norte da África
(Tripolitânia, Tunísia, Argélia e Marrocos), como
parte da política imperialista européia do período.
Da mesma forma, elas traduziam a decadência do
13
14 Maria Yedda Linhares
Império turco, a ponto de ser este denominado na
época de "O Homem Doente da Europa", cujo fim
estaria próximo, tratando-se apenas de saber como
apressar sua morte.
Nesse momento, ou seja, ao longo do século XIX
e até a Primeira Guerra Mundial de 1914-1918,
cabia, primeiramente, à Grã-Bretanha maior soma
de interesse nas terras asiáticas do Império Oto-
mano, na medida em que elas comandavam as rotas
de acesso à Índia. Interesse estratégico, portanto.
Mas cabia também ao Império tzarista defender a
sua política de acesso direto ao Mediterrâneo oriental
(um mar quente), fazendo-o sair de sua famosa "pri-
são continental", já denunciada desde os tempos de
Pedro o Grande. E, para tanto, era-lhe necessário
enfrentar o otomano e favorecer o seu enfraqueci-
mento através do fortalecimento das aspirações na-
cionalistas dos povos subjugados pelos turcos (rume-
nos, búlgaros, gregos, eslavos do sul). Por outro lado,
a expansão territorial do Império russo em direção ao
sul colocava a questão estratégica, para os russos, de
controle sobre a Pérsia (o Irã de hoje) e sobre o Afe-
ganistão, originando os sucessivos atritos com o go-
verno britânico que caracterizaram os episódios di-
plomáticos e armados da rivalidade anglo-russa ao
longo do século XIX. Quanto à França, a sua en-
trada no cenário do Oriente Próximo, além das ve-
lhas heranças das Cruzadas e do Reino Latino de
Jerusalém do século XII, parece menos transparente
à luz das estratégias imperiais. Coube-lhe o papel
preponderante de, mais uma vez, se colocar como
r
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
pretensa guardiã da Cruz (pleiteando resguardar o
Santo Sepulcro em Jerusalém), em oposição aos rus-
sos ortodoxos que também se julgavam herdeiros da
fé cristã em terras otomanas, e, ainda, em se instituir
ao longo do século XIX como potência moderniza-
dora e protetora do Egito, vestígios da passagem de
Napoleão pelo Nilo. Da mesma forma, a sua política
militarista, a partir de 1830, levou-a progressiva-'
mente a ocupar a Argélia e, daí por diante, como
medida de "proteção" da Argélia, já no final do sé-
culo, a estender-se sobre a Tunísia e o Marrocos,
incorporando essas províncias turcas ao Império
Francês como Protetorados.
Mas é lícito ao leitor indagar se é só de interesses
estratégicos que se alimentam os Impérios. Onde es-
tariam, pois, os outros interesses, aqueles de cunho
econômico que movem banqueiros, comerciantes,
industriais e os desempregados em busca de lucros,
posições sociais, empregos e aventuras? No petróleo,
dirão logo alguns. No entanto, o petróleo é fato rela-
tivamente recente na região e sua importância só se
tornou primordial nos últimos quarenta ou cinqüenta
anos. No século XIX e nos anos da Primeira Guerra
Mundial, quando emergiu para as chancelarias euro-
péias outro problema - a questão árabe - a tecno-
logia capitalista era pouco dependente do petróleo e
este ainda não tinha um papel importante nas deci-
sões políticas das Potências. Poucos pareciam ser os
atrativos econômicos oferecidos pelas terras do Orien-
te Próximo.
15
16 Maria Yedda Linhares
A geografia
Embora não seja um dado permanente pois sobre
ela é constante a ação dos homens, caracteriza-se a
geografia da região, nos seus aspectos mais gerais,
pelo clima árido, o que torna seus solos sujeitos a um
processo impiedoso de erosão e difíceis as condições
de desenvolvimento de uma agricultura intensiva. Na
sua paisagem é comum a visão do deserto, com suas
populações nômades e suas caravanas que demandam
os centros de comércio. Hoje em dia, porém, estradas
começam a cortar os desertos e, pouco a pouco, o
caminhão, o trem e o automóvel vão se substituindo ao
camelo e ao cavalo. Apesar do baixo índice pluvio-
métrico característico da maior parte dessas terras,
os solos não deixam de ser férteis, constituindo-se no
fator preponderante para fixação das populações em
núcleos de povoamento. Assim, esses se concentram
ao longo das costas do Mediterrâneo, do Mar Egeu,
do Mar Negro, do Mar Câspio, do Mar Vermelho, do
Golfo Pérsico e do Oceano Indico, regadas pelas
precipitações que as altas cadeias de montanha favo-
recem; aproximadamente um terço da população to-
tal vive nos vales dos cursos d'água que nascem nas
montanhas, como o Nilo, o Tigre e o Eufrates. Uma.
boa parte da população não-árabe, como a do Afega-
nistão, do Azerbaidjã (província iraniana) e da Tur-
quia oriental vive, sobretudo, nos altos planaltos do
interior, bem munidos de chuvas. Quanto à vege-
tação, as zonas mais protegidas por cobertura vegetal
apresentam-se mais ou menos isoladas e separadas
):.
f4
.t
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
. entre si por grandes extensões de desertos ou de
estepe, que parecem predispor o homem à vida nô-
made.
o Mundo Árabe
Os árabes, povo, etnia ou "nação", desempe-
nharam a partir da VII século da era cristã um
papel de grande importância na história da humani-
dade. Tendo a Arábia como berço, estenderam-se,
como conquistadores da fé de Maomé, como comer-
ciantes e propagadores da cultura islâmica, da Meso-
potâmia (Tigre e Eufrates) ao Marrocos. Etnica-
mente pertencem ao grupo semita da raça cauca-
siana. A península de onde, ao que se saiba, são
originários, aparece isolada do resto do continente,
como uma projeção sobre o Oceano Índico, entre o
Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, como se os grandes
movimentos de povos que caracterizaram por milê-
nios a história da Ásia anterior lhe tivessem perma-
necido estranhos. Mas é ainda no seu próprio interior
que ela mais se isola. A sua região central, o Nedj,
é separada do litoral por uma extensa cadeia de
montanhas e as regiões limítrofes mais facilmente se
comunicam umas com as outras do que propria-
mente com o seu interior. No centro, dominam os
desertos, com escassa população. Na periferia, zonas
mais densamente povoadas e alimentadas por chuvas
- o Crescente Fértil - permitem a concentração de
agrupamentos humanos sedentários e favorecem o
surgimento de centros urbanos, entre os quais se dis-
17
18 Maria Yedda Linhares
tinguiramBagdá e Damasco como autênticas capi-
tais políticas e culturais. A localização geográfica da
Arábia e do Crescente Fértil entre o Oriente e o Oci-dente, entre a Ásia, a África e a Europa; justifica sua
considerável importância estratégica no cenário in-
ternacional, importância ...essa que se tornou ainda
mais acentuada a partir da abertura do Canal de
Suez (1869), do desenvolvimento da navegação marí-
tima e, nos últimos decênios, com o descobrimento e
a exploração de suas ricas jazidas de petróleo. Da
mesma forma, o desenvolvimento da aviação em
nosso século tornou importante essa região como es-
cala nas comunicações com o Sudeste Asiático e o
Extremo Oriente.
Pela sua própria etimologia, a palavra árabe
significa "nômade que vive sob a sua tenda no de-
serto". Conseqüentemente, ela diz mais respeito a
um gênero de vida e de organização social do que a
uma língua e, menos ainda, a uma raça. Na própria
península arábica, variada é a origem dos grupos
humanos que a povoam. A própria língua árabe, que
se difundiu, arabizou populações e gerou mais arabi-
zados do que árabes propriamente. ditos, povos que
passaram a se identificar pela língua, pela religião e
pelos hábitos sociais. Assim como os povos, a língua
sofreu transformações e apresenta hoje variações
acentuadas segundo o país e o grau maior ou menor
de assimilação com populações e culturas preexis-
tentes. Na Antiguidade, por alguns milênios, os nô-
mades do centro da península emigraram para as
terras mais férteis do norte, em direção à Mesopo-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
tâmia e à Anatólia, mas foram detidos por hordas
diferentes de hititas, huris, mitanis. Da mesma for-
ma, vagas de migrantes indo-europeus lançaram-
se em direção ao Mediterrâneo e fundiram-se aos
árabes e outras populações já sedentarizadas. Assim,
a história antiga dos árabes dificilmente poderia ser
dissociada de seus contactos com os hititas, egípcios,
babilônicos, persas, gregos, romanos, hebreus, e
assim sucessivamente. Logo, os povos aos quais cha-
mamos de árabes representam um conjunto hetero-
gêneo -do ponto de vista étnico. Sua expansão, a
partir do VIII século em direção ao Ocidente e atra-
vés do norte da África, contribuiu, ainda mais, para
essa diversidade, distinguindo-se, à parte, o mundo
árabe do Oriente - Machrek - em oposição ao
mundo árabe do Ocidente - o Maghreb, norte-afri-
cano, pelas diferenças no falar e nos costumes. Hoje
representam um conjunto em torno de 150 milhões
de habitantes sobre um total de mais de meio bilhão
de muçulmanos espalhados sobre dois continentes,
a África e a Ásia, e abrangem os seguintes países ou
Estados: Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia (ponto de
encontro entre o Oriente e o Ocidente árabes), Egito,
Sudão (parcialmente muçulmano arabizado e par-
cialmente africano, negróides nilóticos e animistas),
Arábia Saudita, República Árabe do lêmen, Repú-
blica Democrática Popular do Iêmen, Mascate e
Omã (ex-sultanato), os Emirados Árabes Unidos,
Iraque, Síria, Líbano, Jordânia, Koweit, e, como um
caso à parte, em litígio, a Palestina representada pelo
movimento contestatário anti-sionista dos palestinos ..
19
20 Maria Yedda Linhares
o tas
o Islã não é apenas o conjunto de dogmas teo-
lógicos e normas sociais que compõem a religião
monoteísta pregada por Maomé, na Arábia do século
XII. Ê, antes de tudo, U1J1 tipo de comunidade civil
guiada pelas leis do Corãoe por uma herança cul-
tural comum, no sentido antropológico, ou seja,
como o "conjunto de todos os comportamentos so-
cialmente adquiridos e transmitidos que se manifes-
tam através de todas as suas obras; comportamentos
técnicos (inclusive as técnicas do corpo), práticas
econômicas, cognitivas, artísticas (inclusive as mani-
festações mais humildes e mais momentâneas da pul-
sação estética), jurídicas no sentido amplo (modos de
agrupamento, relações de parentesco, etc.), ideoló-
gicas (nas sociedades pré- modernas, a religião), etc."
. (Maxime Rodinson, Les Arabes, Paris, PUF, 1979,
p. 20.) Islã, ou .islame, na sua etimologia- árabe,
significa resignação à vontade de Deus, e muçul-
mano (do árabe muslim , ou seja, "submetido. ao is-
lame") refere-se ao adepto de Maomé (ou Muham-
mad) e, portanto, aos ensinamentos do Profeta con-
tidos no Corão (Qurãn) o livro sagrado, o livro das
revelações feitas por Deus, segundo a tradição. Sua
doutrina repousa na fé de um Deus transcendente,
Alá, próximo do Jeová dos judeus e dos cristãos,
e cuja pedra de toque é o dogma da predestinação e
cujas práticas incluem a oração cotidiana, com o
crente voltado para a direção de Meca - a cidade
santa - o jejum ritual, a caridade, a peregrinação
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
aos lugares sagrados (à Kaaba de Meca e ao túmulo
do Profeta em Medina, pelo menos uma vez na vida
do fiel), a interdição de bebidas alcoólicas e de certos
alimentos, ajihad ou "guerra santa" que assegura a
salvação das almas daqueles mortos em combate pela
fé.
Minucioso e extremamente poético na forma, o
Corão condena a idolatria, o luxo e a ostentação,
reconhece a escravidão como uma instituição assim
como a poligamia, e sobre a posição da mulher prega
o seguinte: "O homem tem autoridade sobre a mu-
lher porque Deus fez um superior à outra e porque
ele gasta sua fortuna mantendo-a; assim, a boa mu-
lher é obediente, protegendo as partes invisíveis por-
que Deus as protegeu". (Sura 4:31.) E, ainda, a
desobediência pela mulher ao marido deve ser pu-
nida com o banimento e castigos corporais, pontos
esses hoje contestados pelos muçulmanos cujo com-
portamento face à mulher tem se tornado mais li-
beral. Em todo o caso, é no tocante à posição da
mulher na sociedade islâmica que mais se alarga a
diferença entre o mundo criado por Maomé e aquele
do Cristianismo e da chamada civilização ocidental,
pelo menos nos seus textos legais.
A história do império islâmico, com suas seitas e
dissidências internas, teve início, segundo a tradição,
com a hégira, a era muçulmana, em 16 de julho de
622, dia em que o Profeta Maomé partiu de Meca
para Medina. Dessa data em diante, até a morte do
Profeta, a guerra se estendeu pela Arábia com o
objetivo de submeter as tribos árabes à sua religião.
21
22 Maria Yedda Linhares
Meca e Medina estão localizadas no Hedjaz, na parte
ocidental da península. O primeiro desses centros,
situado no fundo de um vale dominado pelo Abu-
Kubaís, berço de Maomé e da revelação do Islã, já se
distinguia como núcleo religioso e comercial, ponto
de convergência de tribos....politeístas da Arábia pré-
islâmica que lá se reuniam com o objetivo de adorar a
Pedra Negra na velha Kaaba. Distinguia-se também
como lugar de passagem das caravanas que faziam o
comércio entre a Síria e o lêmen através do deserto.
A destruição da "pedra negra" marcou o ponto de
partida de Maomé para a conversão de seus árabes,
tendo como instrumento a guerra santa. Seus suces-
sores foram os califas (Khalifâ) -lugares~tenentes e
herdeiros - que conjugavam ó poder civil e religioso
e o impunham pela conquista. A história dos dife-
rentes Califados é, por conseguinte, a longa e bri-
lhante história da expansão do Islã sobre o Crescente
Fértil, a Pérsia, o Egito, a Índia, o Norte da África,
a Ibéria e a tentativa de penetrar na França. No sé-
culo XI, os turcos originários do Turquestão oci-
dental (Kazaquistão de hoje) foram convertidos ao
Islã, fizeram sua primeira investida em direção ao
Crescente Fértil e à Ásia Menor (o império Seldjú-
cida) e impuseram uma longa dominação que se es-
tendeu até o século XIV, quando emergiram os oto-
manos, do noroeste da antiga Frigia, nos confins da
província bizantina de Bitínia. Daí por diante, a
História registra o avanço dos turcos otomanos sobre
Bizâncio, até a queda de Constantinopla (1453), ou o
que restava do velho Império Romano do Oriente.
Oriente Médio e o ~undo dos Árabes
O início dos chamados Tempos Modernos signi-
fica para os árabes uma fase de decadência e de
perda de poder no conjunto do mundo islâmico. O
herdeiro de Maomé, o seu novo lugar-tenente, o Ca-
lifa, chefe religioso supremo dos muçulmanos, seria
desde então c:i Sultão otomano sediado em Constan-
tinopla. Aliás, os árabes haviam perdido o seu ím-peto conquistador embora tendo deixado por toda a
parte a marca civilizadora de sua passagem. O centro
da península originária, no entanto, parecia perma-
necer fiel às suas tradições mais puras: o árabe,
beduíno do deserto, isolado das invasões, preser-
vando a língua e seus costumes, infenso aos contactos
mais intensos e às influências de um outro árabe que
se sedentarizou, que se localizou nos centros urbanos
e administrativos, tornando-se artesão, comerciante,
homem de letras, burocrata, aberto a novas formas
de manifestação cultural e ao intercâmbio com ou-
tros povos.
Por outro lado, a expansão dos navegantes do
Atlântico e do Mediterrâneo europeu, com a aber-
tura das rotas oceânicas em direção ao Oriente, foi,
até certo ponto, fatal para a prosperidade do comér-
cio árabe que fazia o tráfico de mercadorias para as
cidades européias. Os Tempos Modernos abriam a
nova era da Europa, modificando, com rapidez cada
vez maior, o mapa econômico do mundo. Numa
visão retrospectiva romântica, poder-se-ia dizer que
o mundo muçulmano e, dentro dele, o mundo árabe,
passou a ter contados não apenas esporádicos mas,
também, em situação de inferioridade face a uma
23
24 Maria Yedda Linhares
Europa que emergia como o centro de poder e de
decisão da História. Enquanto aqueles pareciam
permanecer imutáveis, presos .ao passado e à tradi-
ção, a Europa passava a representar a explosão de
um mundo em mudança: idéias, sistemas de orga-
nização política e social, "estruturas econômicas que
faziam revolver as sociedades humanas nos seus
próprios fundamentos. O capitalismo emergente e a
revolução industrial a partir do final do século XVIII,
aliados às concepções políticas, sociais, filosóficas,
cien tíficas e estéticas da burguesia européia em as-
censão, irão marcar o mundo contemporâneo e pene-
trar também no velho edifício do islamismo.
A Civilização Árabe
Existe um longo passado árabe anterior ao Islã.
Se nos dias de hoje a população muçulmana do globo .
terrestre é superior a meio bilhão de pessoas, cal-
cula-se em torno de 150 milhões o número de árabes,
.os quais antes de serem adeptos do islamismo conhe-
cera:n o paganismo, o masdeísrno (religião dos persas
e medas), o judaísmo, o cristianismo. Nas guerras de
conquista pôs-Maomé, sofreram eles influências cul-
turais diversas, desenvolveram outras atividades,
fundiram-se a outras etnias. Ao longo dos séculos,
sobretudo no Oriente Próximo, comunidades cristãs
e judaicas de língua árabe permaneceram vinculadas
ao arabismo, embora não-muçulmano, e exerceram
um papel importante, sobretudo os cristãos, na evo-
lução dos movimentos anticoloniais, a partir do sé-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
culoXIX.
Por civilização árabe, entretanto, entende-se
como sendo o conjunto de fenômenos culturais e
artísticos referentes ao bloco político-ideológico do
Dar al-Islame (morada do Islã) em que os árabes
tiveram uma importância mais do que significativa.
Como se poderia definir essa unidade? Se a língua
religiosa era o árabe (a língua do Corão), no entanto
as grandes realizações estéticas e intelectuais foram
realizadas por pessoas cuja língua materna podia
tanto ser o árabe quanto o persa, o turco, o berbere
ou qualquer outra. Mas será o árabe a língua lite-
rária por excelência, aquela que serviu de base à ex-
pansão do Islã. Inúmeros e brilhantes foram seus
poetas e prosadores, como nos primeiros tempos o
grande poeta lírico e satírico Imrul Kais (originário
do Nedj), ou Abu Nowas (de origem persa, do X sé-
culo), citando-se, ainda, os contos das Mil e Uma
Noites (também de origem persa) e a grande obra de
um historiador norte-africano, Ibn Khaldum, que
viveu e tnorreu no Maghreb no século XIV. Através
dos árabes, o Ocidente pôde conhecer os filósofos
gregos cujas obras foram encontradas na biblioteca
dos Ptolomeus, no Egito, as quais foram por eles
comentadas. No tocante à ciência, foram notáveis
vulgarizadores, desenvolvendo as matemáticas (so-
bretudo a álgebra e a geometria), a partir de EucIides
e Arquimedes, a medicina, a geografia, a astronomia,
ministrando o ensino (universidades do Cairo, de
Damasco e de Bagdá) e promovendo o saber. Nas
artes, distinguiram-se na arquitetura e no desenho
25
16 Maria Yedda Unhares
geométrico, de delicada e rara beleza. Segundo eles,
a sua decadência começou com a dominação turca,
a partir do XI e, sobretudo, do XV séculos. No
entanto, é forçoso lembrar que tanto o Império Oto-
mano quanto o Império Iraniano e o Mongol da
Índia, no mesmo período, viveram momentos de es-
plendor intelectual e artístico.
Em suma, para avaliar o fenômeno da expansão
árabe no murido, devem ser levados em consideração
os seguintes fatores: em primeiro lugar, os laços cul-
turais, lingüísticos e institucionais que uniram as tri-
bos do norte e do centro da Arábia no período prê-
islâmico; em segundo lugar, o papel político unifi-
cador e ideológico desempenhado pelo Islã depois da
Hégira do século VII, e, finalmente, segundo Ma-
xime Rodinson (op. cit., p. 51), "as condições sociais
e políticas que permitiram a manutenção e a difusão
da língua árabe, que mantiveram em algumas tribos
seus modos de vida antigos e difundiram em outras
uma consciência de arabidade também presente en
tre aqueles que mudaram seu modo de vida". Os que
passaram a adotar a língua árabe, adquiriram, em
maior ou menor grau, essa consciência de pertencer a
um mundo comum. Nos últimos tempos, principal-
mente a partir do século XIX, outras correntes histó-
ricas, provenientes da Europa ocidental e capitalista,
na fase da expansão imperialista, trouxeram novos
elementos de complexidade para o mundo árabe;
entre esses, os mais explosivos foram, sem dúvida,
o nacionalismo, num primeiro momento, e o socia-
lismo, na fase atual.
li
A FORMAÇÃO DOS ESTADOS
ÃRABESCONTEMPORÂNEOS
A crise do Império Otomano
(o século XIX)
As divisões de ordem teológica e política que
puseram em perigo a sobrevivência da obra de Mao-
mé, ainda no seu berço, com as primeiras divergên-
cias sobre a sua sucessão, explicam a existência das
numerosas seitas em que se fracionou o mundo árabe
ainda "na fase áurea de conquista em nome da fé.
Daí serem os persas chütas, as populações arabi-
zadas do Norte da África, wahabitas, para não falar-
mos nos sunitas, zeidistas, nosairis, drusos, metualis
e outros mais que traduzem dissidências quanto à
interpretação do Corão, as quais, em alguns casos,
chegam a ter pouco em comum com o próprio Islã.
Mas, apesar das rivalidades internas e das cisões
28 Maria Yedda Linhares
subseqüentes, foi inegável o sucesso alcançado pelo
avanço árabe na propagação do Islã pela Ásia Me-
nor, pelo Norte da África, levando-o, via Marrocos,
até a Espanha no século VIII. Ao fulgor dos suces-
sivos califados, seguiram-se, porém, períodos de des-
censo e lutas intestinas .até o momento em que a
conquista levada a cabo pelos turcos otomanos, já
islamizados, abriu uma nova era não apenas para os
árabes como para o conjunto dos povos muçulmanos.
Curto, porém, foi o esplendor do Império Oto-
mano. Sediado em Constantinopla, comandava, .com
suas famosas tropas de elite, os janízaros, as rotas
que ligam o Mediterrâneo Oriental ao Oceano Ín-
dico. Nos séculos XVII e XVIII, como se mencionou
acima, sua história se caracterizou pela ferrenha
oposição da Áustria e da Rússia, como Estados limí-
trofes, e todo ao longo do século XIX, após a Revo-
lução Francesa e as guerras napoleônicas, as conjun-
turas internacionais aliadas às condições da evolução
interna dos povos subjugados contribuíram para o
maior enfraquecimento do Império Otomano e suas
transformações. Fazia parte do jogo das potências
européias, no apogeu da política nacionalista e de
expansão político-militar, acirrar os nacionalismos
dos povos eslavos, jogando' com suas contradições in-
ternas, e assegurar, através de um intrincado manejo
da diplomacia, o domínio sobre o Mediterrâneo
oriental. Na medida em que o século avança e, com
ele, tornam-se mais espetaculares os progressos da
Revolução Industrial e do capitalismo,como sistema
econômico em expansão, a diplomacia deixa de ser
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
um jogo enredado de palavras e artifícios entre inte-
resses dinásticos para se tornar a arma pela qual se
exerce a disputa de mercados, rotas estratégicas,
bases de abastecimento. Disraeli, ministro inglês da
era da rainha Vitória, definiu como um dos obje-
tivos supremos da política da Grã-Bretanha a defesa
"das fronteiras científicas", o que, em última aná-
lise, significa proteger, por quaisquer meios, o acesso
à Índia.
Os turcos dificilmente poderiam fazer face às
pressões das grandes potências que se rivalizavam
pela preponderância naquelas regiões sob seu domí-
nio. De um lado, a Inglaterra, desejosa de salva-
guardar a integridade e, paradoxalmente, a fraqueza
do arcaico edifício turco, como a melhor maneira de
manter, sem interferência de outra potência, os ca-
minhos que levavam à Índia em terras e águas oto-
manas. Por outro lado, a Rússia dos tzares, procu-
rando forçar o esfacelamento do Império Otomano a
fim de obter o controle dos estreitos de Bósforo e dos
Dardanelos. A França, por sua vez, em parte pre-
mida por problemas de ordem interna, lança-se, num
primeiro momento (primeira parte do século) sobre o
Egito e a Argélia e, após 1880, sobre a Tunísia e o
Marrocos. Enquanto a Áustria" também arcando
com o peso de uma monarquia tradicional e estru-
turas sociais e econômicas mais cristalizadas e resis-
tentes às transformações que se operavam nos países
da Europa de oeste, mal se limitava a vigiar os nacio-
nalismos balcânicos em plena efervescência, defron-
tando-se, então, com os interesses russos de um vago
29
30 Maria Yedda Linhares
e hipotético pan-eslavismo.
Pouco a pouco, vai-se decompondo o Império
Otomano apesar das tentativas de rejuvenescimento
que se fizeram através das reformas dos sultões Selim
111 e Mahmud 11 (1808-1830), de caráter militar e
administrativo, ou seja," no sentido de modernizar
seus instrumentos de governo, e, ainda, em 1876,
a adoção de uma Constituição, de inspiração ociden-
tal, a modernização da burocracia e da educação sob
Abd ul-Hamid-Il pós-1878, a ascensão dos "Jovens
Turcos" que, finalmente, se apoderaram do poder
em 1908 e nele permaneceram até 1918. Sob o movi-
mento dos "Jovens Turcos" e seus diferentes seg-
mentos políticos, a Turquia deu mais um passo para
a modernização de suas instituições, enfatizando o
nacionalismo turco e a laícízação do Estado, com a
introdução do Direito Civil, a abolição da poligamia,
a emancipação da mulher e a adoção de programas
de desenvolvimento econômico e social. Tais esfor-
ços, no entanto, não chegaram a atingir plenamente
os seus objetivos e, ao ter início a Guerra de 1914-
1918, o Império Otomano, aliado dos Impérios Cen-
trais (Alemanha e Ãustria-Hungria), tentouarregi-
mentar os muçulmanos, sob sua jurisdição, inclusive
os árabes, mais uma vez em nome do Islã, decla-
rando a "Guerra Santa" contra os exércitos da En-
tente Cordiale franco-britânica e da aliança franco-
russa. A guerra mundial que se iniciava iria dar o
golpe de misericórdia no último Califado, o de Cons-
tantinopla.
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 31
Os primórdios do nacionalismo árabe
A noção de despotismo associada à de jugo insu-
portável e feroz de sultões e paxâs, indolentes e las-
civos, sobre populações pobres e indefesas do Oriente
parece arraigada na mentalide do "homem comum"
do Ocidente, sobretudo através das imagens difun-
didas pelo cinema. Não há dúvida de que à base da
conquista por hordas nômades está implícita a vio-
lência com a esctavização dos vencidos que se tor-
nam, em alguns casos, uma casta militar, a extração
de tributos e a instauração de uma autoridade civil e
judicial em que imperam os mecanismos de coerção.
Mas, na medida em que se organizam os Estados,
com base territorial, os nômades se sedentarizam,
desaparecendo como tais da cena histórica, assim
como os escravos, estrangeiros, base de recrutamento
militar, perdem sua força política, embora no con-
junto persista a-tradição de submeter as minorias
étnicas. De fato, a sociedade islâmica caracterizou-
se, na sua expansão territorial, pelas tradições plura-
listas e pelo estabelecimento de normas jurídicas de
tipo personalista, permitindo a convivência entre
muçulmanos e não-muçulmanos, numa tentativa,
bem sucedida, de manter suas respectivas normas
sociais.
No caso da dominação turca, foi evidente a su-
perposição de uma casta otomana às populações pre-
existentes, árabes e outras, por sua vez, já anterior-
mente hierarquizadas com seus sistemas próprios de
3(
32 Maria Yedda Linhares Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
estendia pelo conjunto dos lugares santos, inclusive
sobre parte do Hedjaz. Em 1839, a Inglaterra se esta-
beleceu em Aden e daí começou, lentamente, a alar-
gar a sua esfera de influência.
No Egito, a curta ocupação pelas tropas de Na-
poleão (que também se apoderaram do sul da Síria)
deu início a acontecimentos que iriam modificar no
decurso do século a história dos povos árabes. Um
segundo acontecimento verificou-se no coração da
Arâbia, com a tentativa de formação de um reino
árabe, o Wahabita. Tais fatos foram decisivos para o
"renascimento" árabe que se dará daí por diante.
Coube a Mohamed Ali idealizar, pela primeira
vez, a criação de um Estado árabe unificado. Era ele
um albanês rude e analfabeto, certamente ambicioso
e inteligente. Soldado otomano na época de Mahmud
11, seguiu para o Egito ocupado por Napoleão, nos
fins do século XVIII, organizou um poderoso exército,
destruiu os mamelucos (casta militar dirigente) e no-
meado paxá daquela província do Império realizou
uma imensa obra administrativa. A tal ponto forta-
leceu seu poderio, auxiliado pelas qualidades mili-
tares de seu filho Ibrahim, que cedo passou a cons-
tituir uma ameaça à segurança e à integridade do
próprio Império Otomano. As guerras empreendidas
por Mohamed Ali e por seu filho levaram os exércitos
egípcios a todos os recantos da Ásia onde era o árabe
falado. Além do Sudão (Dar el-Sudã, país dos ne-
gros, ao sul), conquistou a Grande Síria e pacificou
os wahabitas na Arábia insurrecta, fato este. que
merece ser destacado.
33
estratificação, É evidente também que a participação
dos "súditos" na vida política de um Estado que tem
na sua base a escravidão e uma classe dirigente es-
trangeira, embora associada à "aristocracia" local,
não pode deixar de ser insignificante. Os segmentos
inferiores das estruturas sociais tendiam a demons-
trar um comportamento indiferente às manifestações
do poder (soberano e camadas dirigentes), salvo
"quando entram em jogo a religião, a corrupção e a
opressão excessiva" (G. E. Von Grunebaun, EI Is-
Iam, Siglo XXI, 1975, p. 8). De uma maneira geral,
as "províncias" eram governadas com certa frouxi-
dão, preservando-se um acentuado grau de auto-
nomia local, pelo menos como uma tendência gene-
ralizada. Mas se o mundo islâmico - o Dar al-Islã -
é heterogêneo quanto às estruturas econômicas e so-
ciais, assim como do ponto de vista administrativo e,
até mesmo, espiritual, não se deve desconsiderar o
poder da ortodoxia quanto à religião, daí a sua divi-
são interna entre fiéis e infiéis, a tendência à exal-
tação religiosa exacerbada e a explosões súbitas de
protesto econômico e social, sob a capa da religião e
da sua pureza.
No século XIX, as convulsões que assolavam o
Império Otomano refletiram-se, como é natural, no
mundo árabe. A Mesopotâmia, a Síria, a Palestina
eram províncias nas quais a dominação turca se exer-
cia mais efetivamente nas cidades. A Arábia persistia
no seu isolamento, dominada por xeques, emires e
sultões. O xerife de Meca era um representante di-
reto do Califa (sultão otornano) e sua autoridade se
34 Maria Yedda Linhares
Pelo final do século XVII, nascia no Nedj, Mo-
hamed Ibn Abdal-wahhab, da tribo de Tamim, o
qual após estudar teologia e jurisprudência nas esco-
las do Oriente, tratou de angariar discípulos com o
objetivo "de restaurar a pureza original da doutrina e
da vida islâmicas"(D:- Brockelmann, Histoire des
Peuples et des États Islamiques , p. 296). O movi-
mento por ele pregado tinha semelhança com o da
Reforma de Lutero no século XVI. Repudiava a
veneração do Profeta e dos outros santos, o luxo,
as ornamentações suntuosas nos túmulos e mesqui-
tas, o uso do tabaco, pregando, enfim, o retorno à
frugalidade e à fé tradicional. Imprimiu grande entu-
siasmo às suas pregações e despertou em seus adep-
tos a chama do ardor belicoso há tanto tempo desa-
parecido. Assim, foi convertido à nova seita refor-
mada - o wahabismo - Mohamed Ibn Saud, emir
do Nedj, que encetou a "guerra santa" com o fito de
organizar um império árabe purificado. Após sua
morte, ocorrida em 1757, seus descendentes prosse-
guiram a obra iniciada. Decorrido meio século, não
apenas era forte o domínio do wahabismo entre as
tribos beduínas do deserto, como em todo o Hedjaz,
de onde foram os otomanos expulsos, daí advindo a
ocupação de Meca e Medina. Na marcha para o
norte, os wahabitas apoderaram-se da Palestina e
cercaram Damasco.
A Mohamed Ali coube enfrentar o wahabismo,
através de várias campanhas militares, no que foi
bem sucedido. Apesar da repressão que se seguiu à
vitória (1811-1812), o wahabismo permaneceu la-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
tente para ressurgir um século depois na própria
Arábia, ainda sob a chefia de um membro da família
saudita.
Quanto a Mohamed Ali, o Grande, viu-se for-
çado a abrir mão de seus desígnios, ou seja, o de criar
um Reino Árabe. A intervenção da Europa foi deci-
siva no caso. A campanha do Sudão, com a fundação
de Cartum em 1822, tinha por objetivo controlar o
curso superior do Nilo e suas caravanas, bem como o
tráfico de escravos, o que certamente desagradou à
política inglesa. Na campanha da Síria (1831-32),
ficou patente a sua superioridade sobre os otomanos.
Tanto russos quanto ingleses temiam a constituição
de um Estado forte naquelas paragens. Por uma
segunda vez, as tropas egípcias ameaçaram Constan-
tinopla(1839-40), provocando então uma crise inter-
nacional na qual a França tomou posição pelo Egito.
Ao final, Mohamed Ali retira suas tropas de ocu-
pação da Arábia, abre mão de suas pretensões sobre
Constantinopla, obtendo em troca o direito de here-
ditariedade sobre o Egito que continuará dentro do
Império, mas com um estatuto especial.
Enfraquecido mas assegurando o poder à sua
dinastia, deu continuidade à obra de modernização
do país, no que foi apoiado pela França. As reformas
que introduziu, como as de um "déspota ilustrado",
abrangem a administração financeira, altamente
centralizada e dirigida, as atividades econômicas,
contrariamente ao regime das Capitulações vigorante
(privilégios assegurados aos estrangeiros) e os novos
acordos assinados en'tte o Império e as Potências
35
36 Maria Yedda Linhares
(livre comércio nos territ6rios otomanos), instituindo
o monopólio da sua dinastia sobre a terra, criando as
fazendas do Estado cuja exploração é confiada a
camponeses, introduzindo a cultura intensiva do al-
godão de fibra longa, promovendo o desenvolvimento
das manufaturas. Suas'reformas levaram ao desapa-
recimento das antigas fortunas agrárias e da aristo-
cracia dos mamelucos. Favoreceu de maneira extra-
ordinária o desenvolvimento do ensino, a expansão
de escolas técnicas, a ida de bolsistas para a Europa,
permitindo, assim, a formação de uma intelectuali-
dade moderna e instruída. Mas do ponto de vista
social, pouco mudaram as condições de vida dos seus
então cerca de três milhões de habitantes. No topo
da pirâmide social encontravam-se os ulemás, elite
religiosa e intelectual, distanciada do governo, a
seguir os proprietários, os comerciantes, os artesãos
e, abaixo de todos, os camponeses (os felás) que
compreendiam cerca de 9/10 da nação, miseráveis,
sujeitos ao trabalho forçado, quando recrutados, sem
direitos. Outra de suas medidas foi a sedentarização
dos beduínos que formavam, até então, um grupo
isolado e aguerrido no deserto. Muitas das institui-
ções tradicionais, como a família, não foram toca-
das. No entanto, o primeiro passo estava dado no
sentido de abalar o velho edifício muçulmano. Se,
por um lado, a destruição de antigos grupos diri-
gentes não encontrou resposta no surgimento ime-
diato de uma burguesia local urbana, industrial ou
comerciante, por outro, é forçoso reconhecer que as
reformas encetadas, mesmo precárias e demasiada-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
mente tuteladas pelo Estado personificado na dinas-
tia que se criava, contribuíram para o despertar de
uma consciência nacional.
Ressalte-se, ainda, o fato de que por onde passa-
vam os exércitos de lbrahim, escolas eram criadas,
surgiam jornais, propagava-se o ensino do árabe;
dando origem a um verdadeiro renascimento literá-
rio, sementes de um nacionalismo que frutificaria. A
partir da segunda metade do século, organizam-se
sociedades na Síria que provocam levantes contra a
dominação otomana e, no Egito, foi importante a
revolta de Orabi Paxá de Alexandria (1882) contra a
intervenção anglo-francesa nos neg6cios internos do
país, principalmente na organização do exército e
contra a fraqueza de Tewfik Paxá posto no trono
pelos ingleses. Nas raizes do nacionalismo egípcio
expresso na revolta de Orabi Paxá encontra-se a
humilhação com a bancarrota egípcia em face de
seu endividamente externo, com o controle inglês
sobre sua alfândega, bem como a perda do controle
financeiro sobre o Canal de Suez, com a compra das
ações do governo egípcio pelo governo inglês, e, final-
mente, a própria ocupação do Egito pela Inglaterra
em 1882. A sucessão de Mohamed Ali (1847-1882)
fora marcada pela continuação da política de moder-
nização do país: obras públicas, estradas de ferro,
serviços postais, irrigação, abertura do Suez, reforma
agrária com a instauração da propriedade privada
sobre a terra, originando o surgimento de uma nova
classe de grandes proprietários de terra vinculada ao
setor financeiro e industrial, nacionalização dos pos-
37
38 Maria Yedda Linhares
tos superiores do exército, etc. Tal modernização
mudou a face do país e colocou o Egito como o pri-
meiro dos países árabes, aquele que aspiraria uma
liderança nos movimentos contra a dominação es-
trangeira.
Outro fato também contribuiu para acirrar a
hostilidade latente da população contra o ocupante e
a perda da independência. Foi a perda da província
meridional, o Sudão, em decorrência de uma r-evolta
local de cunho religioso e que não pôde ser debelada
de início pelos' egípcios (1881)- A reconquista foi
empreendida em 1898 sob o comando inglês de
Kitchener, com o auxílio de tropas egípcias, e, em
1899, assinou-se uma convenção que estabeleceu o
condomínio anglo-egípcio sobre o Sudão. De fato,
a ocupação do país caberia à Inglaterra, sendo que o
governador geral do Sudão seria, daí por diante, o
Sirdar (comandante-em-chefe) do exército egípcio,
sendo apenas nominal a parte que cabia ao Egito na
administração do condomínio. A extinção desse re-
gime continuou sendo nas décadas seguintes uma das
principais reivindicações do nacionalismo egípcio.
Do ponto de vista econômico, acentua-se a ten-
dência monocultora da economia egípcia, .desta-
cando-se o algodão como seu principal produto.
Crescem os investimentos estrangeiros no país (servi-
ços públicos, bancos, indústrias de consumo). Em
1890, são extintas as corporações e se libera a mão-
de-obra para o mercado de trabalho. A concorrência
estrangeira acelera a morte do artesanato local. Ao
ter início o século XX, o Egito, s~m perspectivas de
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
desenvolver seus próprios recursos, nada mais é do
que uma reserva do capitalismo britânico. Sua popu-
lação crescia em ritmo acelerado e eram nulas as suas
possibilidades de vencer as condições de miséria,
cada vez mais acentuadas.
Na Síria e no Líbano (do hebraico Leban, bran-
co, província turca criada em 1861) foi particular-
mente notável o movimento intelectual durante a
administração de Ibrahim Paxá que favoreceu a
abertura de escolas americanas e francesas. Tipogra-fias foram instaladas em Beirute. Em 1866, já se
inaugurava o Colégio Protestante Sírio que se trans-
formaria na Universidade Americana de Beirute.
Também os jesuítas aí fundaram a Universidade de
São José. Em breve, alemães, russos, ingleses e fran-
ceses abriam escolas e acolhiam entre seus alunos
tanto muçulmanos quanto cristãos, distinguindo-se
as francesas pela qualidade do ensino ministrado e
pela extraordinária difusão da língua e da cultura
francesas. No entanto, coube à Universidade Ameri-
cana de Beirute um papel mais importante no renas-
cimento da língua árabe, ao acolher alunos de todo o
Oriente Próximo, favorecendo a redescoberta do seu
passado e das suas tradições clássicas, o que foi fun-
damental no despertar de uma consciência nacional.
Nesse final do século XIX, o nacionalismo árabe
apresenta duas perspectivas: 1) o renascimento pro-
movido pelos cristãos libaneses manifesta-se como
um movimento cultural; em 1880, organizava-se em
Beirute uma sociedade nacionalista, antiotomana,
que reunia cristãos, muçulmanos e drusos exigindo o
39
40
Maria Yedda Linhares
árabe como língua oficial, a liberdade de expressão e
a autonomia para a Síria e o Líbano; perseguições
movidas pela policia otomana levaram à dissolução
da sociedade e à fuga de seus líderes para o Egito;
2) o nacionalismo que emergiu no Egito, na mesma
época, tinha um cunho religioso acentuado e assumia
o caráter de um movimento pan-islâmico, sob a dire-
ção de Jamalud-Din al-Afghani, sem a inclusão de
cristãos e com características chauvinistas.
No renascimento da língua e da cultura árabes,
foi, em todos os sentidos, incomensurável a contri-
buição da intelectualidade libanesa, sui generis na
sua composição étnica e diversificada do ponto de
vista religioso (maronitas, gregos orientais e católi-
cos, muçulmanos, drusos, metualis). Uma vez no
Egito, coube-lhe editar os primeiros jornais e revistas
do país e exercer uma influência intelectual consi-
. derável no restante do mundo árabe. favorecendo
a preservação da língua clássica e, ao mesmo tempo,
modernizando-a segundo as exigências de novos con-
ceitos e de novas idéias trazidas pela ciência e pela
tecnologia do Ocidente. Por outro lado, foi também
notável a contribuição dos libaneses que emigraram
para o continente americano, provocando o que
Edward Atiyah (The Arabs, Penguin Books, Edin-
burgo, 1955) classificou de "terceira·corrente de pen-
samento árabe, revitalizado por influências ociden-
tais" .
Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, multi-
plicavam-se as organizações nacionalistas árabes. No
Egito, líderes como Mustafá Kemal, jornalista de
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
formação francesa, representava uma ala de es-
querda liberal e ocidentalizante e, no sentido conser-
vador, destacava-se a atuação do Partido da Nação
(hizb al-Umma), antiotomano, por excelência, favo-
rável a uma colaboração com os ingleses, tendo à
frente grupos sírios e a figura de Saad Zaghlul que,
mais tarde, constituirá o Wafd. Associando-se aos
grupos herdeiros da organização nacionalista radical
que restaram após a morte de Mustafá Kemal (1908),
tornaram-se militantes eficientes a partir de 1913
numa espécie de frente nacionalista. Por outro lado,
no Império Otomano, o movimento Jovem Turco
(1908) restaurava a constituição (suspensa em 1876)
e decretava a igualdade de todos os povos dentro do
Império, sendo oferecida aos árabes participação no
governo e no parlamento. Um desses deputados em
Constantinopla foi Abdala, da família hachemita do
Hedjaz e que se tornaria depois rei da Jordânia. Mas
foi de curta duração o idílio turco-árabe e não tar-
daram a surgir sociedades secretas árabes de cunho
antiotornano, inclusive entre a oficialidade árabe do
exército turco. Também nelas foi decisiva a parti-
cipação dos grupos sírios e sua influência tendia a
espalhar-se pela Mesopotâmia(Bagdá) e pelo Hedjaz,
que acolhia anualmente centenas de milhares de
peregrinos, apesar das dificuldades de comunicação.
O projeto de construção de uma estrada de ferro
ligando Damasco a Medina, com objetivos militares
(melhor assegurar o controle otomano da região) ser-
viu, contraditoriamente, para unir os contestatários e
facilitar a luta contra o otomano quando, finalmente,
41
42 Maria Yedda Linhares
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A guerra de 1914-1918, resultante do aguça-
mento exacerbado da rivalidade interimperialista das
grandes potências capitalistas, por suas repercussões
nas áreas de dominação ou de influência européia,
assumiu proporções de conflito mundial. Em pri-
meiro lugar, ela teve uma duração muito superior à
prevista pelos estadistas e chefes militares da época.
Em segundo lugar, pela extensão dos campos de ba-
estourou a Revolta Árabe, em 1916. Nessa conjun-
tura de pré-guerra, coube a Hussein, xerife de Meca,
descendente da família do Profeta (os hachemitas),
antiotomano (fora exilado "forçado" em Constanti-
nopla durante dezesseis anos, libertado em 1908)
a tarefa de desenvolver uma política de unificação do
Hedjaz, beneficiando-se, inclusive, do fato de ser o
guardião dos lugares santos. Os acontecimentos liga-
dos à Primeira Guerra estarão estreitamente relacio-
nados com os fatos acima resumidos, bem como com
a rivalidade latente entre as duas "casas" reinantes:
os sauditas no Nedj e os hachemitas no Hedjaz. Per-
meando toda essa complexa rede de relações, a polí-
tica imperialista das potências européias represen-
tava um fator fundamental de discórdias e desaven-
ças internas, alianças, corrupção e perpetuação dos
mecanismos de dominação social, econômica e reli-
giosa, em detrimento dos segmentos mais pobres da
população.
A Primeira Guerra Mundial
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
. talha e pela destruição que acarretou, ela exigiu um
considerável aumento do poder do Estado em todas
as esferas de atividade, tanto econômica quanto so-
cial. Em terceiro lugar, a entrada em cena dos Es-
tados Unidos no conflito e a eclosão da Revolução
Russa, ao longo de 1917, foram fatores decisivos na
alteração fundamental do panorama internacional e
na configuração do mundo de pós-guerra. No Oriente
Próximo, suas conseqüências foram particularmente
notáveis. O complexo sistema de alianças militares
que caracterizara a política dos Estados europeus no
período imediatamente anterior a 1914, fizera com
que a Turquia, envolvida pela diplomacia alemã do
Kaiser Guilherme lI, se alinhasse com os Impérios
Centrais (Alemanha e Ãustria-Hungria) e entrasse
em guerra (29 de outubro) contra os países aliados,
Grã-Bretanha, França e Rússia. Ao terminar o con-
flito, em 1918, emergiam os Estados Unidos como
grande potência, credora da Europa, e desapareciam
as grandes monarquias européias, os Romanovs, da
Rússia, com o surgimento do primeiro país socialista
da História, os Hohenzolern, da Alemanha, com a
proclamação da República de Weimar e os Habs-
burgos da Ãustría-Hungria, com a formação de Es-
tados distintos resultantes do desmoronamento: Áus-
tria, Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia. Com re-
lação ao Império Otomano, a derrocada de 1918
deu-lhe o golpe de misericórdia: de um lado, o movi-
mento nacional turco, surgido como uma reação aos
fracassos políticos e militares do Sultanato, organi-
zou-se em torno de Mustafá Kemal, denominado o
43
44 Maria Yedda Linhares
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A Revolta Árabe e a Politica Inglesa
Como principais fatores da "questão árabe" que
emergirá nesse período destacam-se os seguintes: 1) a
política britânica de defesa das rotas do Oceano Ín-
dico; 2) a política russa de avanço para o sul em di-
reção à Pérsia (Irã), Afeganistão e ao Mediterrâneo
oriental, incluindo o litoral do Mar Negro; 3) a polí-
tica francesa em defesa de seus "tradicionais interes-
ses" na região; 4) o nacionalismo árabe com suas
contradições internas, ou seja, a rivalidade entre sau-
ditas e hachemitas, a pretensão egípcia de liderança,
a multiplicidade de reivindicações das minorias na
Síria, no Líbano e no Iraque; 5) o movimento sionista
que aspirava fundar um "lar nacional" na Palestina.
Ao ter inicio a guerrana Europa, a Síria e a
Palestina foram ocupadas pelos exércitos turco-ale-
mães. Em seguida ao fracassado ataque turco contra
o canal de Suez, as campanhas militares se desen-
rolaram em duas frentes: a) os ingleses dirigem suas
operações em direção à Palestina (EI Arish, Gaza e
Jerusalém) e em setembro de 1918 (batalha de Sa-
rona) é liberado o caminho para a ocupação da Síria;
Ataturk (o pai dos turcos), e após conflitos e nego-
ciações diplomáticas foi, finalmente, proclamada a
República turca (1923) e abolido o Califado (1924);
de outro lado, nas regiões árabes, a situação evoluiu
de forma bastante complexa em virtude da inter-
venção inglesa e dos choques de interesses imperia-
listas na área .
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Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
b) na Mesopotâmia, as tropas inglesas sofrem revezes
importantes (fevereiro de 1916) mas, logo em se-
guida, apoderam-se de Bagdá (1917) e de Mossul
(1918), região petrolífera.
Nessa conjuntura de guerra, coube à diplomacia
inglesa procurar angariar a adesão das populações
submetidas à ocupação otomana (Síria e Líbano),
duramente subjugadas, e também neutralizar o apelo
à "guerra santa" na região, obtendo a colaboração
dos muçulmanos do Egito e da Arábia. Por outro
lado, minorias como os drusos e os alauítas perma-
neciam recalcitrantes aos turcos e aos ingleses, gra-
ças à posição de isolamento e refúgio que lhes era
assegurada pelas montanhas (sul do Líbano). De-
frontava-se, assim, a diplomacia inglesa com o im-
passe: corno obter o apoio daquelas populações, de-
fendendo ao mesmo tempo os interesses estratégicos
britânicos e compatibilizando-os com as aspirações
árabes de independência, aspirações essas que apre-
sentavam divergências internas graves? Por outro
lado, interesses políticos e financeiros (corno se verá
adiante) levaram o governo britânico, após longas
controvérsias, a apoiar a reivindicação do movimento
sionista de criar um lar judeu na Palestina, através
da Declaração Balfour (novembro de 1917). E corno
que introduzindo mais um elemento de complexi-
dade no tabuleiro de xadrez do Oriente Próximo,
ingleses e franceses assinaram um acordo secreto
(Acordo Sykes-Picot) - abril/maio de 1916 - se-
gundo o qual a parte árabe do Império Otomano
seria partilhada entre a França e a Grã-Bretanha,
45
46 Maria Yedda Linhares
devendo caber à primeira a Síria e o Líbano e à
segunda a Mesopotâmia (o Iraque) e a Palestina.
Enquanto isso, a diplomacia inglesa no Cairo (o Alto
Comissário Sir Henry Mac-Mahon) comprometia-se
com o xerife de Meca, Hussein, chefe da família
hachemita, em troca de~eu apoio militar, a reconhe-
cer o futuro Reino Árabe que iria da Síria ao Hedjaz,
O desenrolar dos acontecimentos comprovou que tais
engajamentos, múltiplos e conflitantes, teriam con-
seqüências desastrosas para a região e as populações
há séculos aí radicadas. Ao terminar a guerra, os
compromissos não foram honrados e o nacionalismo
árabe assumiu novas proporções, já agora face ao
problema da Palestina e da expansão do movimento
sionista de "regresso" dos judeus à terra de Israel.
Vejamos, resumidamente, alguns aspectos es-
senciais do problema árabe no decorrer da guerra
mundial. A partir do momento em que a Turquia
concitou os muçulmanos à guerra santa, a revolta
dos árabes, em desobediência ao Califa, seria um
trunfo para a Inglaterra. O prestígio de Hussein e
seus filhos Abdala e Fayçal era considerável, não
apenas como família dominante do Hedjaz como
pelos contactos já existentes entre eles e os naciona-
listas da Síria e do Iraque (Bagdá). Estavam conven-
cidos de que a independência árabe só se faria fora
dos quadros do Império Otomano. Dessa forma, a sua
participação militar na guerra era fundamental a
essa estratégia nacionalista. Pensavam na constitui-
ção de um Estado árabe, a Grande Síria, a leste do
Suez de modo a abranger a península arábica, a
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Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
Síria, o Líbano, a Palestina e o Iraque, uma espécie
de ressurgimento do antigo império abássida. Em-
bora o nacionalismo sírio fosse mais avançado, ele
sofria o mal do intelectualismo, daí a superioridade
de Hussein na medida em que podia aliciar um
grande número de tribos. Mas para o sucesso militar
dos hachemitas, era fundamental naquele momento
o suporte inglês já que se tratava de aparelhar sol-
dados para uma guerra moderna .
As negociações entre Hussein e Mac-Mahon no
Egito (julho/191S-março/1916) desembocaram na
concordância tácita por parte dos britânicos quanto
às pretensões hachemitas. Hussein logo se intitulou
rei dos árabes e, a seguir, califa. Â revolta árabe se
associa na memória inglesa, altamente romantizada,
a figura de T. E. Lawrence. Tal revolta foi impor-
tante militarmente, ao proteger o flanco das tropas
britânicas na Palestina e ao permitir movimentos
diversionistas do exército turco. Por outro lado, a
adesão hachemita serviu para contrabalançar a pro-
paganda germânica nos países islâmicos. No entanto,
essa atuação militar foi minimizada pela Inglaterra
e, em muitos casos, escamoteada pelas autoridades
indianas, assim como pela imposição política no que
franceses e sionistas concordavam, de negacear a
concessão de independência pleiteada pelos nacio-
nalistas árabes, em 1918. Quanto ao que se poderia
chamar de "oportunismo diabólico" da política in-
glesa e de suas manobras imperialistas, houve, sem
dúvida, e em alta dose, uma absurda e irresponsável
autonomia de decisões, sem coordenação, entre os
47
48 Maria Yedda Linhares
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três órgãos oficiais do governo imperial britânico no
tocante ao Oriente Médio, durante a guerra: o pró-
prio Foreign Office (Ministério das Relações Exterio-
res), o Arab Bureau do Cairo (Departamento Árabe)
e o Governo Imperial da Índia, cada qual com dire-
trizes particulares e algumas vezes rivais.
O que importa assinalar é que Fayçal fez sua
entrada triunfal em Damasco, em I? de outubro de
1918, ao lado das tropas inglesas. De lá, enviou um
representante a Beirute onde fez hastear a bandeira
hachemita. Parecia o início do Reino Árabe. No en-
tanto, vários foram os obstáculos com os quais Fayçal
se defrontou. Primeiramente, as pretensões francesas
cujos "direitos" históricos teriam sido confirmados
pelo já mencionado acordo Sykes-Picot, e cujos inte-
resses econômicos, além de culturais, estavam bem
plantados desde os tempos da política de Mohamed
.Ali (investimentos em transportes, portos, obras pú-
blicas, escolas, bancos). Pelo acordo anglo-francês,
caberiam à França, como administração direta, o
Líbano, a região alauíta, Alexandreta, a Cilícia, Ma-
rache, Diarbekir e Mardine. À Inglaterra competiria
administrar a baixa Mesopotâmia, inclusive Bagdá.
Seriam reservados à constituição de estados árabes,
a Síria, a região de Mossul, a média Mesopotâmia e a
região compreendida entre o Eufrates, a Palestina e o
Sinai. Mas a maior parte da Palestina, em virtude
dos lugares santos, deveria ficar sob uma adminis-
tração internacional e com a participação do xerife
de Meca. O segundo obstáculo concreto à constitui-
ção do sonho árabe hachemita foi a presença maciça
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do exército inglês, com destacamentos franceses,
sobre toda a região. O terceiro obstáculo foi a "inter-
nacionalização" da questão, ou seja, a sorte do
mundo árabe, assim como () contorno do seu mapa
político ficaram entregues à parlamentação nas chan-
celarias européias (dos países interessados) e em
torno das mesas que decidiriam sobre os acordos de
paz. Em vão, Fayçal tentou obter junto aos gabinetes
de Londres e Paris o reconhecimento de suas pre-
tensões (ou de seus "direitos"). No Hedjaz, Hussein,
após render a guarnição turca de Medina, não aban-
donou o seu título de rei e, em Damasco, Fayçal se
fez proclamar rei da Síria pelo congresso geral sírio.
Mas, apenas decorrido um mês, a Conferência de
San Remo (1920) decidiu: 1) partir geograficamente
a Síria em três: uma Síria reduzida (Damasco,
Homs, Hama, Alepo e seu hinterlandt, a Palestina e
o Líbano, ficando o Líbanosob a administração di-
reta da França, a Síria sob mandato francês, consti-
tuindo um Estado árabe (capital Damasco); 2) a
Inglaterra ficaria com o mandato sobre a Palestina,
com a obrigação de ai estabelecer o lar nacional
judeu prometido na Declaração Balfour e teria um
mandato sobre o Iraque, inclusive a região de Mos-
sul. Lembre-se, ainda, que um dos princípios que
deveriam reger a reorganização da paz era o da auto-
determinação dos povos.
Não é difícil compreender a frustração dos na-
cionalistas árabes, sobretudo dos membros hache-
mitas. Fayçal foi expulso de Damasco pelas tropas
francesas e, como Jacó, em vez da tão sonhada Síria,
49
50 Maria Yedda Linhares
A Revolta dos Beduinos
A Arábia se achava dividida pela rivalidade de
xeques e ernires. Coube, porém, a um chefe waha-
bita, Abdul-Azíz lU Ibn Saud fundar uma dinastia e
.criar um Estado teocrático unificado, através de uma
série de campanhas vitoriosas 'contra seus inimigos e
da submissão das tribos beduínas. Seu longo reinado
se estendeu de 1902 a 1953 e fortaleceu-se extraor-
dinariamente a partir da Segunda Guerra Mundial,
graças ao petróleo encontrado no seu subsolo. Na sua
política de unificação da península, combateu o xe-
rife de Meca e Medina, e terminou por expulsar do
Hedjaz o chefe da família hachemita, Hussein, de
forma definitiva em 1925. Em 1926, proclamou-se rei
do Nedj, do Hedjaz e dependências. Quanto a Hus-
sein, nada mais lhe restou do que abdicar, em nome
de seu filho Ali, e fugir para Chipre, Autocrata, de-
receberia o Iraque em recompensa, sob mandato
britânico da Sociedade das Nações. Desse momento
em diante, continuará ora latente, ora aberto, o con-
flito entre ingleses, franceses, sionistas e árabes da
Síria, do Líbano, do Iraque e da Palestina. Quanto à
Jordânia, que foi destacada da Palestina pelo Colo-
nialOlfice sob a direção de Winston Churchill, em
1922, para constituir a Transjordânia (a leste do rio
Jordão), na qualidade de mandato britânico, foi ela
entregue a Abdala, irmão de Fayçal. Quanto a Hus-
sein, abandonado pelos ingleses, sua sorte será deci-
dida na própria Arábia.
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Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 51
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52 Maria Yedda Linhares
fensor da pureza da fé islamita, Ibn Saud governou
com mão de ferro os seus beduínos, de forma obscu-
rantista e retrógrada. A rivalidade que persistira
entre sauditas e hachemitas do Iraque e da Jordânia
será mais um fator de desunião do mundo árabe. Na
península, pouco mais restava, a partir da unificação
saudita: o Iêmen, também governado teocratica-
mente, isolado do Ocidente, a colônia britânica de
Aden, Koweit, Bahrein, Qatar, pequenos sultanatos
que mal se apercebiam das mudanças que se opera-
vam no outro lado do mundo árabe. Acontecimentos
posteriores iriam também influir sobre os seus des-
tinos, nos quais a ideologia nacionalista, acionada
contra a constituição do Estado de Israel, o petróleo,
com seu imenso poder corruptor e a política ame-
ricana viriam a ser fatores decisivos de mudança da
Arábia dos beduínos.
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Os movimentos nacionais
Os países árabes que emergiram da débãcle oto-
mana defrontavam-se, sem exceção, com problemas
graves; entre e1es situavam-se as relações com os
países mandatários, a Inglaterra e a França, e, ain-
da, a questão das minorias "nacionais" no interior
dos novos Estados. Como corolário, o problema da
Palestina aparecia como o pivô dos desentendimen-
tos, dividindo em campos. opostos e irreconciliáveis o
nacionalismo árabe e o nacionalismo judeu.
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
A Sociedade das Nações criada pelo tratado de
Versalhes estabelecera um estatuto jurídico especial
(os mandatos), com a duração de vinte e cinco anos,
aos diversos nacionalismos emergentes no Oriente
Próximo. Caberia aos mandatários, como tutores,
"preparar" esses países para a independência. O
panorama internacional que antecede a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) será conturbado pelas
reivindicações nacionais desses povos, cabendo à In-
glaterra desempenhar um papel importante na re-
gião num complexo jogo de poder do qual ela saiu
como grande perdedora.
oproblema das minorias nacionais
À guisa de ilustração, vejamos dois desses nacio-
nalismos: o drnzo e o curdo. O povo druzo representa
uma minoria sui generis, De língua árabe, muçul-
mano heterodoxo (remanescente do ismaelismo),
constitui, hoje, uma população superior a 200000
pessoas que vivem entre o sul do Líbano, a região
montanhosa Hauran, ao sul da Síria e a Galiléia,
no norte do Estado de Israel atual. Sua seita religiosa
data do século X e é considerada herética pelos mu-
çulmanos. Até por volta de 1860, viveram pacifica-
mente com os maronitas (católicosdo Líbano), quan-
do se voltaram com violência contra as aldeias cris-
tãs. Os franceses, defensores por tradição do cristia-
nismo na região, pediram a intervenção otomana e,
a partir desse momento, foram os druzos alvo da
severa repressão turca. Daí a sua hostilidade aos oto-
53
54 Maria Yedda Linhares
manos e a sua simpatia para com a insurreição árabe
de 1916-1918. Em 1925, promoveram um levante
contra a ocupação francesa que queria forçar a sepa-
ração do Djebel Druzo (região montanhosa do Hau-
ran) da Síria, e ganharam notoriedade como imba-
tíveis na resistência civ..il.Com o fim do mandato
francês, os druzos obtiveram direito de representação
autônoma tanto no Líbano quanto na Síria. Quanto
ao Estado de Israel, foram os druzos da Palestina os
únicos árabes a ter reconhecidos os seus direitos de
plena cidadania, o que, certamente, não lhes facilita
o trânsito entre os outros palestinos.
Quanto aos curdos, o problema é mais com-
plexo. Geograficamente, .estão localizados, desde
tempos remotos, na região montanhosa entre a Ar-
mênia e a Mesopotâmia, penetrando no Irã através
dos montes Zagros. Pela língua, são indo-europeus e,
pela religião, são majoritariamente muçulmanos su-
nitas, incluindo minorias cristãs (os assírios), Prati-
cam a agricultura e o pastoreio e sempre se distin-
guiram como valentes guerreiros, ciosos de sua inde-
pendência. Existem, hoje, em tomo de dez milhões
de curdos, espalhados pela Turquia, o Iraque, o Irã,
a Síria e a URSS. Sua hist6ria, sobretudo, a partir da
guerra de 1914-1918, foi marcada por revoltas e in-
surreições sangrentas contra seus diferentes domina-
dores, principalmente os turcos e os iranianos. Quan-
to aos curdos do Iraque, uniram-se ingleses e hache-
mitas no sentido de impedir a constituição de um
Curdistão íraquiano. A sua hist6ria mais recente não
tem sido mais tranqüila e, apôs guerras sucessivas,
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Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
avanços, tréguas e recuos, num estado permanente
de guerra civil, em que o petróleo de Kirkuk se
introduziu como mais um fator de agravamento da
situação, os curdos obtiveram (1970) o reconheci-
mento de um estatuto autônomo nos quadros da
República do Iraque. No entanto, a nação curda
permanece "irredenta" numa região extremamente
conturbada por uma conjuntura internacional instá-
vel, destacando-se ai a atuação do Irã (de instiga-
dora) e a política dos grupos vinculados aos interes-
ses petrolíferos do Iraque.
oproblema dos mandatos
O mandato inglês sobre o Iraque terminou for-
malmente em 1930. Dois anos depois, o Iraque in-
gressava na Sociedade das Nações, não sem antes
assinar um tratado de aliança permanente com a
Inglaterra, prova de sua fidelidade à causa britânica
e de infidelidade à causa do povo árabe. Sua posição
no conjunto dos interesses ingleses continuava funda-
mental na região, sendo apenas sobrepujada pela do
Egito. Além do mais, foi ele o primeiro pais do
Oriente Médio ase apresentar como produtor de
petróleo. A presença britânica e sua ascendência
sobre os hachemitas conseguiu paralisar o naciona-
lismo iraquiano, na medida em que jogava, como
peças de xadrez, com a minoria curda (que constituía
um quinto da população total) contra a maioria nô-
made e esta contra as burguesias que emergiam nos
centros urbanos. (A. Razak Abdel-Kader, Le monde
55
56 Maria Yedda Linhares
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arabe à Ia veille d'un toumant ; Paris, Maspero,
1966, pp. 44-46.) A insurreição que estourou em
1922 contra a presença inglesa resultou, de fato, na
instauração de uma monarquia árabe fantoche, ten-
do à frente o hachemita Fayçal, frustrado no seu
sonho de uma Grande.Síria, Foi ele não apenas im-
posto pela Inglaterra, tendo como seu chefe militar
um herdeiro de Lawrence, antigo oficial turco deser-
tor,-Nuri EI Said, como levou o país sobre o qual se
instalava a ser um mero joguete da política inglesa.
Do ponto de vista étnico e religioso, não é um país
homogêneo: ao norte, os curdos sunitas, no centro e
ao sul, árabes mesclados de iranianos chiitas. A agri-
cultura nas suas planíceis de aluvião permitira na
Antiguidade alimentar possivelmente dez milhões
de pessoas. Em 1920, era insuficiente para suprir as
necessidades elementares de seus, aproximadamente,
dois ou três milhões. Suas estruturas sociais se carac-
terizavam pelos extremos desníveis entre as grandes
famílias de chefes teocráticos, senhores da terra e
detentores do poder, e a grande massa dos deser-
dados. No entanto, o petróleo de Mossul-Kirkuk
começava a alterar a face do país. Da mesma forma,
o desenvolvimento de serviços públicos, a abertura de
estradas, o aumento de intercâmbio comercial favo-
receram um certo florescimento urbano e o desenvol-
vimento de uma intelectualidade nacionalista, mas
sem penetração popular. A diplomacia anglo-hache-
mita foi complexa: com os sauditas da Arábia, rivais
de tradição, tratava-se também de regulamentar os
direitos de passagem das caravanas, até chegar a um
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Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
modus vivendi em 1930 (pacto entre Fayçal e Ibn
Saud); contra a Turquia, tratava-se de assegurar a
anexação de Mossul ao Iraque; contra a França,
tratava-se de apoiar os druzos e suas pretensões na
Síria; e, ainda, como que revivendo o projeto da
Grande Síria., recriar a unidade árabe do Crescente
Fértil (Iraque , Síria, Líbano, Palestina e Transjor-
dânia). O tratado anglo-iraquiano de 1930 reconhe-
cia à Inglaterra o direito de participar "em todas as
questões de política exterior" do país, cabendo ao
Iraque fornecer "todas as facilidades para a utili-
zação das estradas de ferro, dos rios, portos, campos
de aviação e meios de transportes", e, como garan-
tia, era a Inglaterra autorizada a ocupar militar-
mente alguns aeroportos. Por essa época, a revolta
dos assírios de Mossul (minoria cristã) foi cruelmente
reprimida, daí a fuga de seus líderes, em grande nú-
mero, para a Síria, engrossando as fileiras das mino-
rias religiosas em luta pelo respeito à autonomia.
A morte de Fayçal (1933) abriu um período de
convulsões internas no país, entre nacionalistas e
pró-britânicos. No momento em que se iniciou a
guerra na Europa, era majoritária no governo a ten-
dência britânica e o Iraque, proclamando neutrali-
dade face ao conflito, rompeu relações diplomáticas
com a Alemanha nazista.
Com relação à Transjordânia, permaneceu sem-
pre o mais fiel dos aliados britânicos. "Nada a dis-
tingue dos países vizinhos", a mesma estepe, as mes-
mas tribos, afirma um autor. (Pierre Keller, La
Question Arabe, Paris, PUF, 1948, pp. 63 e ss.)
57
58 Maria Yedda Linhares
Os limites de seu território de 65 000 km 2 e menos de
3()()OOO habitantes, no seu nascedouro e na sua maio-
ria nômades, sem indústria e sem agricultura, eram
meramente arbitrários. Sua única "riqueza" era a,
pequena pecuária e algum potássio na região do Mar
Morto. Sua criação só encontra justificativa nos inte-
resses imperiais britânicos do pós-guerra. Sem finan-
ças e sem exército, sua receita foi um dom inglês e
sua defesa caberia à Legião Árabe também de cria-
ção' e direção inglesas. A situação de seu emir, o
hachemita Abdala, nem sempre foi fácil face aos
chefes das tribos locais e à sua docilidade com rela-
ção à Inglaterra. Por outro lado, suas aperturas fi-
nanceiras levaram-no, em 1933, a alugar aos sionis-
tas parte de suas terras pessoais, o que provocou
violentos protestos tanto dos seus concidadãos quan-
to dos britânicos. A Transjordânia só terá a sua inde-
pendência reconhecida em 1946, com o término do
mandato britânico e a proclamação do Reino Hache-
mita da Jordânia em 1949. Em 1951, acusado de trai-
ção, o rei Abdala foi assassinado em Jerusalém e daí
por diante a sua história muda de rumo, em grande
parte pela substituição do protetorado inglês pelo
americano, quando novas correntes passam a atuar
nos destinos do Oriente Médio.
O mais complexo, porém, dos mandatos ingle-
ses foi o da Palestina. O movimento sionista, nascido
em 1880, na Europa central, ganhou vulto em vir-
tude dos terríveis massacres de populações judias
(pogroms) no império tzarista, o que motivou a emi-
gração de centenas de milhares de membros das
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Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
comunidades israelitas da Rússia para várias partes
do mundo e também para a Palestina sob domínio
turco. O anti-semitismo feroz que caracterizou o final
do século XIX, fenômeno esse que não era exclusi-
vamente russo, mas se estendia ao conjunto da Eu-
ropa, motivou o jornalista austríaco Theodor Herz1 a
desenvolver a idéia do Estado Judeu (Der Juden-
staat), exprimindo o desejo da Sociedade dos Amigos
de Sion de encontrar um refúgio para os judeus
contra as perseguições que os afligiam de forma inu-
mana. Em 1897, reuniu-se, então, em Basiléia, o pri-
meiro congresso do sionismo. Tratava-se já aí de
pleitear um "lar nacional" judeu e não apenas um
refúgio; tal lar só poderia ser na terra de seus ances-
trais. A imigração na Palestina, embora proibida
pelos turcos, foi contínua nos anos anteriores a 1914
de modo que, ao ter início o conflito na Europa, já se
encontravam aí instalados SÜOOO judeus. Com o de-
senrolar da guerra, Londres passou a ser a capital do
sionismo, onde pontificava a personalidade do emi-
nente cientista Chaim Weizmann, com grande pene-
tração nos meios políticos britânicos, contando sem-
pre com o apoio eficaz do império financeiro do
barão de Rothschild. Outro fator que explica, na-
quela conjuntura de guerra, a simpatia do governo
inglês à causa sionista, foi o fato de que a grande
maioria dos judeus residentes, não apenas na Pales-
tina como também nos Estados Unidos, era de ori-
gem alemã, daí a necessidade de angariar a sua
adesão à causa da Inglaterra em guerra contra os
impérios alemão e austro-húngaro. Por outro lado,
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Maria Yedda Linhareshriente Médio e o Mundo dos Árabes
as reticências partiam de judeus integrados a outras
nações, como a inglesa, e que temiam perder os seus
direitos de cidadania naqueles países. Foi o caso, por
exemplo, de Edwin Montague, membro do Gabinete
britânico, judeu e cidadão britânico radicado. E,
ainda, a ansiedade expressa por aqueles, como lord
Curzon, com relação à sorte das populações árabes,
por sua vez radicadas por muitos séculos na própria
Palestina. Nessas condições, as negociações que cul-
minaram com a Declaração Balfour, já anterior-
mente mencionada, foram lentas e complexas. Sua
forma final refletia, na realidade, uma fórmula de
compromisso bastante ambíguo:
"O Governo de Sua Majestade encara com sim-
patia o estabelecimento na Palestina de um lar
nacional judeu e envidará seus melhores esfor-
ços para facilitar a realização desse objetivo, fi-
cando claramente entendido que nada será feito
que possa prejudicar os direitos civis e religiosos
das comunidades não-judaicas na Palestina nem
os direitos

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