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," 1.:[ f :1 " ~,', I . I I' j 11 1, =::::::===lIITURAS== ffil1~m~ • A Igreja dos Pobres na-América Latina - Fund. SP/PUC • Acumulação Dependente e Subdesenvolvimento - André G. Frank • América - Histórias, Delírios e outras Magias - Leon Pomer • Histomapa de História - John B. Sparks • Historiografia do Imperialismo - Cad. História 4 - Diversos Autores Coleção Primeiros Passos • O que é Imperialismo - Afrânio Mendes Ceten! • O que é Questão Agrária - José Graziano da Silva • O que é Reforma Agrária - José Eli Veiga Coleção Tudo é História • A Afro-América: A Escravidão no Novo Mundo - Ciro Flamarion Cardoso • A Formação do 3? Mundo - Ladislau Dowbor • A Nicarágua Sandinista - Marisa Marega • A Reforma Agrária na Nicarágua - Cláudio T. Bornstein • A Revolução Mexicana (1910-1917) - AnnaMariaMartinez Corrêa • As Independências na América Latina - Leon Pomer • Militarismo na América Latina - Clóvis Rossi • O Populismo na América Latiná -= Maria Lígia Prado • Revolucão Cubana: De Marti a Fidel Castro (1868-1959) - Abelardo Blanco e Carfos A. Dória Coleção Encanto Radiçal • Emiliano Zapata - Tierra y Libertad! - Eric Nepomuceno Coleção Primeiros Vôos • Acumulação Capitalista na América Latina - Hector Bruit .- -. 1 SBO - HtSTÓRLCo.---------._- ..• Hector Pérez Brignoli DEDALUS - Acervo - FFLCH .•HI America Central:905 T912 v.63 1111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111121200008551 , AMÉRICA CENTRAL: DA COLÚNIA  CRISE ATUAL TOMBO __ : 28023.-SBD-FFLCH-USP 10083 40 anos de bons livros Copyright © Héctor Pérez Brignoli Tradução: Ciro Flamarion S. Cardoso Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos '·i il Revisão: José W. S. Moraes Hercílio de Lourenzi !J.nc Igl~ V/o:; '-li r.J":,-:- 9,/132'1:1170 j~ .'iii o....a editora brasiliense s. a. 01223 - r. general jardim, 160 são paulo - brasil ÍNDICE A Terra e os Homens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 O passado colonial (1520-1821) 17 Em busca do progresso: A independência e a formação dosEstados Nacionais (séculoXIX) 28 O crescimento empobrecedor (1900-1945) ..... 4S Prosperidade e desigualdades crescentes (1945- 1980) o S9 Conclusão: a crise atual 78 Indicações para leitura 81 • .1 1 ~ I~ A Ciro Flamarion S. Cardoso A TERRA E OS HOMENS Os condicionamentos do meio natural Uma, imponente cadeia de vulcões, e selvas de variada espessura tropical que se recortam sobre o mar: eis um primeiro dado da geografia centro-ame- ricana. Terra de contrastes: o mais acentuado sendo, talvez, a oposição entre os planaltos montanhosos do centro, cujas ladeiras descem em suaves ondulações até a costa do Pacífico, e as planícies do setor atlân- tico, extensa zona de clima quente e abundante selva tropical abruptamente cortada das terras altas cen- trais. Poderíamos continuar com este contraponto evocando os solos férteis de origem vulcânica e o clima temperãcio,r com precip~~s bem distribuí- d~re-aeS§ç.ão-c-1iüV.:osit __~~.J!stãçãoseca, no cêfitrõe nã faíxãdo Pacífico, características que con- trastam radicalmente com a floresta atlântica, enga- nador paraíso situado sobre solos lateríticos, com 8 Héctor Pérez Brignoli problemas permanentes de drenagem e as ameaças naturais da exuberância microbiana: com a exceção, porém, dos vales de alguns rios que descem das montanhas centrais para as águas cálidas do mar das Caraíbas, verdadeiros oásis da agricultura de plan- tation. -' Seografia difícil? Não há rios navegáveis (o San Juan, na fronteira entre a Nicarágua e a Costa Rica, sendo a exceção que confirma a regra), escasseiam os portos naturais de águas profundas e a comunicação terrestre é muito problemática. As terras altas cen- trais e as ladeiras do litoral pacífico constituem - já o sabiam bem os povos do longínquo passado pré- colombiano - o cenário natural mais favorável para a agricultura e a manutenção de populações huma- nas de certa densidade. Mas urna geografia que se reparte esplendidamente em vales e planaltos disper- sos entre cadeias de montanhas impõe-também urna dificuldade intrínseca de articulação. As planícies apenas interrompem tal descontinuidade estrutural da geomorfologia e do povoamento no sul de El Sal- vador e no golfo de Fonseca (sul de Honduras), e na região lacustre da Nicarágua. O que prevalece é, no fim das contas, o isolamento entre as regiões. O Ca- minho Real, espinha dorsal do istmo na época colo- nial, era, em longos trechos, apenas uma maneira pomposa de chamar uma trilha de mulas. A estrada interamericana de hoje foi construída em grande parte durante a Segunda Guerra Mundial, mas só atingiu o Panamá em .1964. A cabotagem também não era alternativa muito viável para populações con- l- I América Central: Da Colônia à Crise Atual centradas nas terras centrais, longe das costas, e devendo realizar-se num litoral com portos pouco favoráveis. A aviação constitui urna boa alternativa, mas cara e amiúde arriscada. Terremotos e erupções vulcânicas na faixa do Pacífico e furacões na zona atlântica constituem as- pectos importantes de uma geografia das desgraças. Em 1541, Santiago de Guatemala sofre sua primeira destruição; León, na Nicarágua, é mudada de lugar em 1610 para escapar a tremores e erupções; em 1773 a magnífica arquitetura: de Santiago de Guate- mala rui, e três anos depois a administração espa- nhola transfere a cidade para outro vale; Manágua sucumbe em 1.931 e em 1972 ... A lista seria intermi- nável. Conviver com terremotos e vulcões é parte indissolúvel da vida na América Central. O istmo une as duas massas continentais ameri- canas, diante das ilhas das Caraíbas. Trata-se de' uma ponte gigantesca, de um arco continental que completa o vasto arquipélago descoberto Por Co- lombo, ou simplesmente de um prolongamento do Méxicor. A História, mais do que a Geografia, fez com que a terceira alternativa prevalecesse: Logo antes da conquista, a unidade cultural das civilizações pré ..colombianas se estendia do México central até o norte da atual Costa Rica. Panamá, a zona mais estreita do istmo e também a mais pró- xima da América do Sul, teve um destino divergente e solitário, enquanto no resto da região as estruturas da colonização espanhola permitiram afirmar a uni- dade centro-americana. Isolado da atual Colômbia 9 ti I1 ' ,I, , I~ 10 Héctor Pérez Brignoli pela floresta impenetrável de Dariên, o Panamá desde 1543 recebeu por mar a fabulosa riqueza das minas peruanas. O transporte terrestre implicava uma extensa mobilização de mulas e um vasto com- plexo defensivo que culminava em Portobelo (até 1596 foi usado o porto mais vulnerável de Nombre de Dios), no mar das Caraíbas. Dali partiam, todos os anos, as frotas de galéões com destino à Espanha. O sistema, que perdurou até 1736, tinha um ingre- diente de quimera fantástica: onze meses de inativi- dade tropical, e depois uns trinta dias de movimento fogoso e rutilante em que tudo parecia surgir do nada. O ciclo se reiniciava anualmente, com a única interrupção dos ataques dos piratas. O tom menor imposto depois de 1650 pelo declínio da mineração peruana de prata diminuiu as necessidades de mulas e víveres e isolou ainda mais o Panamá da América Central. A importância estratégica do Panamá no seio do império espanhol selou, de certa maneira, a sorte da América Central. As potências européias rivais com- preenderam muito bem que no mar das Caraíbas estavam os pontos mais débeis do vasto império. Em meados do século XVII os ingleses se apoderaram da Jamaica e singraram a baía de Honduras. As madei- ras preciosas motivaram povoados britânicos perma- nentes em Be1izee na Mosquítia, lugares, também, de contrabando e pontos de partida para iniciativas hostis às autoridades espanholas. O povoamento da zona atlântica somou um novo e profundo contraste à fisionomia centro-americana. Escassos aborígenes, América Central: Da Colônia à Crise Atual numa selva inóspita e quente levaram a que os povoa- dos dispersos se nutrissem de afro-americanos, pro- venientes na sua maior parte da Jamaica. O augedas plantations de bananeiras e da construção ferroviá- ria, ao terminar o século XIX, reforçou tais .carac- terísticas culturais com nova corrente migratória de idêntica procedência. O século XIX viu uma nova colocação da ques- tão estratégica. Em primeiro lugar, ocorreram con- flitos interimperialistas pelo controle de uma via interoceânica que tinha várias opções, mas só duas particularmente praticáveis: a conexão pelo sul da Nicarágua, aproveitando as condições favoráveis à navegação do grande lago de Nicarágua e do rio San Juan; e a velha rota colonial do Panamá. Na segunda metade do século XIX, a balança se inclina progres- sivamente a favor dos Estados Unidos, tornando-se rapidamente hegemônica a presença norte-ameri- cana no mar das Caraíbas: 1898, guerra com a Espa- nha, levando ao protetorado sobre Cuba e à anexa- ção de Porto Rico; 1901, tratado Hay-Paucenfote, pelo qual a Grã-Bretanha libera os Estados Unidos do compromisso de 1850 (que proibia a ambas as potências o controle únilateral de um canal na área centro-americana); 1903: independência do Panamá e negociação do tratado do canal; 1914: inauguração do canal de Panamá. Desde então, a defesa do canal, garantida por uma cadeia de bases navais no mar das Caraíbas, e o controle desse ponto estratégico do comércio mundial passaram a formar parte essencial da segurança dos ,,' 11 12 Héctor Pérez Brignoli (1) Sistema agrícola que consiste em abrir com machado uma clareira na floresta, posteriormente incendiando as árvores caídas e a vegetação menor, para que o terreno fique limpo e igualmente para que as cinzas fertilizem a terra. Em zona tropical, eliminada a vegetação natural, as chuvas em poucos anos carregam a camada superficial de solo Estados Unidos como potência mundial. A questão cubana desde 1958 e a revolução san- dinista na Nicarágua desde 1979 constituem as amea- ças mais sérias à hegemonia dos Estados Unidos na área. Como perceberam muito bem os diplomatas do Departamento de Estado e a Secretaria da Marinha, já desde fins do século XIX, a segurança do canal exige que as turbulent~s águas do mar das Caraíbas sejam um verdadeiro mare nostrum da marinha norte-americana. Na era da aviação e dos mísseis, é óbvio que a questão da segurança militar se torne ainda mais complexa. . A América Central, o. Panamá e as Antilhas: três destinos historicamente divergentes quanto à evolução interna das sociedades tornam-se assim uni- dos na ótica dos interesses das grandes potências. Um mundo rural e periférico A importância estratégica contrasta fortemente com a pobreza e limitação dos recursos econômicos, outro dado estrutural ao longo de toda a história da região. A agricultura de coivara.! com períodos variá-. América Central: Da Colônia à Crise Atual 13 ~.........., o-s (:! -tl E ~ 18 ~ ~ CIl (:! So '<::!•... (:! ~ {l ~ (:! ~ 14 Héctor Pérez Brignoli veis de descanso da terra, ocupou sempre a maioria dos habitantes da América Central, e a cultura do milho foi, desde a época prê-colombiana, a base da subsistência. A tal atividade básica se superpuseram diversos cultivos de exportação que, até o predomínio do café a partir de meados do século XIX, tiveram uma 'característica comum: ciclos curtos e localizados que logo mostraram sinais de esgotamento. A América Central é, pois, uma região estraté- gica e ao mesmo tempo periférica. Nunca teve o monop6lio de produtos valiosos e os custos de pro- dução dos bens exportados foram com freqüência desfavoráveis em comparação com países produtores de maiores dimensões. No quadro da Hist6ria latino- americana, a região sempre apresentou grande atra- so global, grande pobreza da. imensa maioria dos seus habitantes. Unidade e diversidades regionais A América Central, já o dissemos, é uma terra de contrastes e desigualdades. Existem, de fato, duas Américas Centrais. Uma nas terras altas do centro e nas costas do Pacífico: é a América Central mestiça, herdeira direta da Meso-América pré-colombiana e fértil, forçando os agricultores a abandonar a clareira cultivada para que nela se reconstitua o bosque, e a abrir nova clareira. S6 depois de muitos anos o terreno plantado em primeiro lugar pode voltar a ser cultivado. América Central: Da Colônia à Crise Atu~l ALGUNS DADOS SOBRE OS PAlsES CENTRO·AMERICANOS População+ Extensão Habitantes Renda (milhões) (milhares por kmê" per capita" dekm2) (d6/ares) Guatemala 6 109 55 400 El Salvador 4 21 190 301 Honduras 3 112 27 277 Nicarágua 2,4 131 18 470 Costa Rica 2 50 40 638 (a) Estimativas para 1975. (b) Em 1973. da colonização espanhola. A outra, nas terras baixas e selvagens da costa atlântica, irmã cultural das Ca- raíbas afro-americanas: é a América Central das plantations e da exuberância tropical. A integração desses dois mundos cultu rais tem constituído um problema. De fato, as nações centro-americanas se formaram numa hist6ria que teve como cenário a pátria mestiça dos planaltos centrais e da vertente do Pacífico, e só em dias muito recentes os governos de Honduras, Costa Rica e Nicarágua tomaram certa consciência daqueles que constituem uma considerá- vel minoria étnica. Belize, que se tornou independente em 1981 sob firme oposição da Guatemala, mas com o reconheci- mento dos demais Estados centro-americanos, ~i o único caso, no istmo, em que esse grupo étnico-cul- tural conseguiu consolidar uma expressão estatal. A diversidade é também not6ria dentro da Amé- rica Central mestiça, apesar de certos traços cultu- 15 16 Héctor Pérez Brignoli 'I, II rais semelhantes. A Guatemala conservou uma popu- lação indígena mais densa, aferrada às terras comu- nais, enquanto Honduras, E1 Salvador e Nicarágua conheceram um processo rápido de rnestiçagem. A Costa Rica, com escassa população e um marcado isolamento, desenvolveu-se como uma sociedade mais homogênea e até certo ponto menos mestiça do que a do resto da região. Uma grande parte da história foi vivida em co- mum pelos povos centro-americanos. Dessas expe- riências deriva uma noção de,patria grande, de, ir- mandade regional, -que, embora redefinida e com conteúdos diversos, continua presente hoje em dia como uma realidade cultural inegável. 111- Moradia rural típica de El Salvador. lt Ij o PASSADO COLONIAL (1520-1821) O século da conquista Colombo explorou a costa atlântica da América Central durante a sua' quarta viagem; no golfo de Honduras, entrou em contato com as altas culturas prê-colombianas (1502). No entanto, descontando incursões esporádicas anteriores, a conquista efetiva não começou antes da década de 1520. Houve duas ondas de expedições convergentes: do México (con- quistado por Cortés em 1519) e do Panamá (Balboa atravessou o istmo e descobriu o oceano Pacífico em 1513), precedidas por mortíferas epidemias 'de va- ríola, pneumonia e tifo que começaram a dizimar as populações aborígenes. Não havia no istmo reinos indígenas importan- tes. A região era um mosaico de pequenas confede- rações tribais, e a penetração foi difícil, na ausência de um centro de poder que, dominado, permitisse 18 Héctor Pérez Brignoli ~ América Central: Da Colônia à Crise Atual cesso em Honduras e em Nova Seg6via (no norte da Nicarágua), não propiciou uma riqueza duradoura. Contribuiu, porém, para a escravização dos índios, dizimando populações cada vez mais escassas. Por volta de 1560, toda essa riqueza fácil se es- gotou, e o controle das autoridades civis e religiosas se ampliou consideravelmente. A vida colonial assu- miu, assim, traços mais firmes e permanentes. A Audiência, estabeleci da em Santiago de Guatemala em 1548, teve desde 1570 uma jurisdição que perdu- raria durante todo o peno do colonial sobre o terri- t6rio que se estendia de Chiapas (hoje parte do Mé- xico) até a Costa Rica. O seu presidente ocupava também as funções de capitão geral e governador, nominalmente sob a dependência do Vice-Reinadc da Nova Espanha (México). De fato, porém, a buro- cracia colonial centro-americana se relacionava mais diretamente com a metrópole, onde eram nomeadas asautoridades. O chamado "Reino ~de Guatemala" constituiu, pois, um domínio relativamente autô- nomo no marco das Índias espanholas. Na década de 1550 o bispo Marroquín comple- tou, na Guatemala, a reunião dos índios em povoa- dos e reduções. Começou então a aplicação das Leis Novas de 1542: a encomienda? de serviços foi subs- (2) Na América Espanhola, sistema segundo o qual uma ou mais comunidades indígenas eram "encomendadas" a um indivíduo - oenco· mendero -. o qual deveria velar pela sua instrução religiosa e por sua proteção, em troca de tributo e eventualmente de trabalho. As "Leis Novas" de 1542 tenderam a eliminar a "encomienda de serviços". man- tendo às vezes a "encomienda de tributo". 19 controlar um extenso território (como ocorrera com à conquista dos impérios asteca e inca). Foram vinte anos de lutas contínuas, combinadas com a inevitável rivalidade entre os grupos conquistadores pelo con- trole e jurisdição sobre diversos territórios. O poder real e as missões religiosas demoraram a;estabelecer- se, prolongando assim o período de insegurança e arbitrariedades, numa zona que enchia mais de ilu- sões do que de riquezas. Tudo conduzia a que a região fosse percebida inicialmente como lugar de passagem ou base para outras expedições, e não como zona de assentamento permanente. Por volta de 15L10a conquista se havia estendido sobre as terras altas centrais e as costas do Pacífico, da Guatemala até a península de Nicoya (noroeste da atual Costa Rica). A queda do império inca e os fabu- losos tesouros do Peru reorientaram a evolução cen- tro-americana. Deu-se um primeiro ciclo, curto e de- vastador, cujo auge ocorreu entre 1536 e 1540, de es- cravização dos índios da Nicarágua e de Nicoya, em função das necessidades do tráfico que se desenvolvia nas Antilhas, no golfo de Honduras, e no litoral. , pacífico da Nicarágua, do Panamá e do Peru. Pouco restou, depois desses anos assoladores, das popula- ções e cidades que os primeiros conquistadores ha- viam observado na década de 1520. A partir de 1543, o Panamá substituiu total- mente a América Central no tráfico transístmico e os carregadores indígenas foram substituídos por mu- las. O ouro de aluvião, explorado com algum su- 20 Héctor Pérez Brignoli América Central: Da Colônia à Crise Atual 1l ~::l'e.., c';;, '"o ~ tl ~ ., ~ ....w 0,- co o ,o -" .i!i ~ 'c "c ..Õ .• ~i '" ~ Qa: o ..• ~" o "" s () ~w " .. ,. ª ~ "2 z ê o" '" ., &0 ~ <o:o .. "o 3 ~ o.. o =! z z" - o: ::;) " 8 a: _I ~" o '"',o ~.•o ::! iíl 21 I,.~ :: <::se ~ '"e ~li:: s ! 1:\0 '"~ ~ '"<::s li::~ ,~ ~ ~ o li:: I:: •••• <::s '" u~ '0<J,.s ;:s §< I:l, ~~ ~ $ ~ ~ .8 <J, 'S .Q 't:•.. .!::l Cl tituída pelo repartimiento 3 de trabalhadores indíge- nas, e foi estabelecido o tributo em dinheiro, cedido em parte pela Coroa aos encomenderos, Desde meados do século XVI, o cacau, uma cultura pré-colombiana que os espanhóis começavam a apreciar, sobretudo na Nova Espanha, começou a ser exportado na região de Izalco (em EI Salvador). A produção era realizada pelas comunidades indígenas, que entregavam o cacau como tributo a encomen- deros e comerciantes; seu auge foi atingido por volta de 1570, mas logo depois veio o colapso. A população indígena, esgotada pelas epidemias (em particular uma longa, em 1576-1581), e pelas duras condições de trabalho e de sobrevivência, diminuiu drastica- mente. Em forma paralela, desenvolvera-se a mine- ração de prata em Honduras, cuja crise ocorreu igualmente depois de 1584. A carência de mão-de- obra, os fretes altos e, no conjunto, custos de pro- dução muito elevados e por isto pouco competitivos acabaram frustrando estes primeiros e breves ciclos exportadores de cacau e prata. Tal situação se repe- tiria, incansavelmente, na vida centro-americana, até a segunda metade do século XIX. (3) Sistema de trabalho compulsório pelo qual grupos de índios eram distribuídos (repartidos) aos proprietários de fazendas ou minas para realização de determinadas tarefas, por tempo limitado, passado o qual voltariam às suas comunidades, sendo substituídos por outros índios. iíl ôg ~ !/) :;o - ~ ~ ~ lã ~~ ~o~'--ca ~ ;;;~~E~j~&~Eg Ota;a:II'-c;:'O:::ll::S.c~ :; ~ :; :; ~ " m <> !/) u~1111~~EJI[l]rnI, g 22 Héctor Pérez Brignoli A depressão do século XVII Ao terminar o século XVI, a estruturação colo- nial da América Central adquirira uma fisionomia mais definida, que convém distinguir regionalmente. Na Guatemala, em EI Salvador e em certas zonas do ocidente da Nicarágua, a presença indígena continuou sendo notéria (recordemos que nessas re- giões havia populações densas já no período pré- colombiano), apesar das severas crises demográficas; por conseguinte, pôde perdurar ali uma sociedade colonial. "típica", com cidades ou povoados espa- nhóis, fazendas ou plantations e comunidades indí- genaS submetidas ao tributo e ao repartimiento _ modelo que, continuaria reconhecível até o fim do período colonial. Na maior parte de Honduras e no nordeste da Nicarágua a população indígena tornou-se extrema- mente reduzida e dispersa, numa zona que contava com riquezas minerais de difícil exploração. As fa- zendas de gado constituíram uma alternativa com- plementar, e provavelmente única, para os colonos espanhóis dessa região extensa e inóspita, com pe- quenos centros urbanos e quase à margem do sistema polí tico-comercial espanhol. No litoral do golfo de Fonseca (sul de EI Salva- dor e de Honduras, norte da Nicarágua), em impor- tantes zonas do ocidente da Nicarágua e no norte da Costa Rica (Guanacaste), a pecuária, em grandes fa- zendas, teve melhores perspectivas, tendo sido favo- recida pela situação geográfica da área, que facili- América Central: Da Colônia à Crise Atual tava O transporte de gado em pé, e pelo fato de ser uma atividade que requeria pouca mão-de-obra. Tal pecuária abastecia o resto da América Central, e so- bretudo proporcionava as mulas requeridas pelo trá- fico panamenho. No vale central da Costa Rica, colonizado tar- diamente (na década de 1560), desenvolveu-se uma sociedade com características um tanto diferentes. Sendo uma zona isolada e com escassa população indígena, os também escassos colonos espanhóis que nela permaneceram tiveram de se dedicar à agricul- tura e à criação de gado de subsistência. Os traços que acabamos de expor, perceptíveis já a fins do século XVI, aprofundaram-se durante a longa depressão econômica do século XVII. Curtos ciclos de exportação - anil, cacau, prata - não alteraram o isolamento da região. A vida centro- americana se ruralizou progressivamente, e o próprio Estado colonial foi incapaz de prover obras de defesa militar e de assegurar o fornecimento de matérias- primas e instrumentos de produção. A América Cen- tral foi então alvo fácil para os piratas de ambos os oceanos. Em 1633 se produziram os primeiros assen- tamentos ingleses na Mosquitia nicaragüense, e em 1667 começaram os cortes de madeira em Belize. A Jamaica, pertencente à Inglaterra desde 16S5,con- verteu-se numa base de operações navais dirigidas contra toda a costa atlântica da América Central. Da simples pirataria inicial passou-se logo ao assenta- mento, e finalmente, no século XVIII, a um contra- bando bastante ativo. A reação espanhola, tardia (na 23 II i' r 24 Héctor Pérez Brignoli ,~ América Central: Da Colônia 4- Crise Atual 25 segunda metade do século XVIII), não conseguiu controlar efetivamente essa inóspita área costeira do mar das Caraíbas, habitada um século depois por descendentes dos escravos africanos introduzidos nos primeiros assentamentos britânicos. •. A crise do sistema colonial A recuperação econômica vinculou-se em geral ao contrabando - uma alternativa funcional para uma região excluída das grandes correntes do tráfico espanhol -, e tornou-se perceptível a meados do século XVIII. O certo é que se observa um cresci- mento contínuo da população (sobretudo mestiça e espanhola: chegam à América Central imigrantes espanhóis da metrópole e de outras regiões da Amé- rica) e uma reativação geral daprodução e do comér- cio, com uma resposta positiva por parte do Estado sob o impulso renovador das chamadas "reformas bourbônicas" .4 O ciclo do anil, corante necessitado pelos obra- jes (manufaturas têxteis) do Peru e também expor- (4) A dinastia dos Bourbon chegou ao trono da Espanha no início do século XVIII, consolidando-se no poder em 1714. No âmbito das colônias americanas, lançaram uma ampla política de reformas apartir de 1765: subdivisão dos vice-reinados e outras grandes divisões admi- nistrativas em circunscrições menores, as intendências, sob estreita su- pervisão do governo metropolitano; quebra do monop6lio comercial de Cádis; atenuações do pacto colonial; expulsão dos jesuítas em 1767 - e outras medidas que seria longo detalhar. . tado para a Inglaterra através da Espanha - ou simplesmente contrabandeado -, mostra bem as aparências e realidades dessa nova prosperidade. A produção, localizada principalmente em EI Salva- dor, estava nas mãos de alguns grandes proprietários (que em 1782 produziam um terço da colheita de anil) e de uma grande quantidade de poquiteros (pequenos e médios produtores que usavam basica- mente mão-de-obra familiar). Sobre ela caía uma rede de interesses ávidos e mesmo insaciáveis. O peso dos impostos do Estado e o custo dos fretes eram dados desfavoráveis. Mas a comercialização era de fato estreitamente monopolizada por mercadores assentados em Guatemala, os quais adiantavam di- nheiro e mercadorias aos produtores. Como os preços em muitos casos não compensavam os custos, houve recurso a fraudes (misturando-se substâncias diver- sas ao anil para aumentar seu volume), e deu-se o enfrentamento crescente entre comerciantes e produ- tores. O Estado colonial interveio em 1782, criando o "Montepio dos Coletores de Anil", sociedade de produ tores que recebeu um empréstimo inicial do Estanco do Tabaco (monopólio da Coroa) para fi- nanciar a produção. De fato, porém, só os grandes produtores obtiveram benefícios do sistema. O co- lapso do anil ocorreu por causas que não eram novas: surgimento de outras zonas produtoras (Venezuela, Antilhas Holandesas, Índia), tomando o produto centro-americano pouco competitivo nos mercados internacionais. As "reformas bourbônicas" tiveram aplicação 26 Héctor Pérez Brignoli América Central: Da Colônia à CriseAtual 27 tardia na América Central. Em 1785 foram criadas as Intendências de San Salvador, Chiapas, Honduras e Nicarágua (esta última compreendia também a Costa Rica), aparentemente como uma tentativa de descentralização, diminuindo a importância da Gua- temala. Mas a criação do Consulado de Comércio da Guatemala, em 1793, só contribuiu para reforçar os comerciantes monopolistas da capital regional, vin- culados aos mercadores de Cádis, em detrimento dos interesses dos chamados "provincianos" (note-se que o anil, exportação básica da área centro-americana, era produzido na Nova Intendência de San Salva- dor). Em fins do século XVIII e princípios do século XIX, muitos dos funcionários coloniais atribuem a miséria e o dec1ínio comercial de suas com arcas àquele insaciável monopólio comercial. A Independência da América Central foi mais uma imposição de forças externas do que o resultado da vontade de classes ou grupos locais. A elite criolla (ou seja, de espanhóis nascidos na região), que se identificava com os interesses "provincianos", prefe- riu tentar primeiro a magnífica utopia do Consti- tucionalismo de Cádis (1812) - uma nova aliança, sob princípios liberais, entre metrópole e colônias. No entanto, a reimplantação do absolutismo espa- nhol em 1814 desfaz com grande rapidez esse sonho: os próprios liberais centro-americanos sofrem prisões e perseguições. Os acontecimentos do México desa- tam finalmente o processo. Agustín de Iturbide põe fim à primeira insurreição popular de independência com o plano de Iguala: independência, religião catô- lica, união de mexicanos e espanhóis sob uma mo- narquia constitucional. Convidadas a isso, a ele ade- riram em 15 de setembro de 1821 as autoridades centro-americanas. Consumava-se, assim, uma ver- dadeira "revolução de cima para baixo" . ~~~;<._--, •.~=-,.'< ,"__ ,"", ...• fV- .)~ ~"', 'T R lJ X I r. L o "<I. "'v J~ .~! ~-'''''' -1. "-'- .-...~-L 6;5 ,J<- ~~ i#>~ .e. fi- r, .:,. Porto de Trujillo no séc. XVII. • EM BUSCA DO PROGRESSO: A INDEPENDBNCIA E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS (SÉCULO XIX) Ó fracasso da Federação Centro-Americana Ao malograr-se o império de lturbide (1823), o Congresso reunido na Guatemala proclamou a independência absoluta da América Central e optou pela organização em República Federal, sob o lema: "Deus, União e Liberdade". A constituição, promul- gada em 22 de novembro de 1824, combinava in- fluências das constituições dos Estados Unidos e de Cádis com uma boa dose de pensamento ilustrado do século XVIII. Seus autores, entre os quais figurava o 'sábio hondurenho José Cecilio deI Valle, demons- traram imaginação social e certo realismo político. América Central: Da Colônia à Crise Atual 29 Porém, por acaso era possível vestir com roupas tão novas o corpo arcaico das sociedades centro-ameri- canas? Por um lado, havia bases materiais que conspi- ravam contra qualquer federalismo efetivo: o isola- mento dos Estados, a desarticulação regional, e o desequilíbrio populacional que afetava a represen- tação proporcional em favor da Guatemala, Por outro lado, existia uma debilidade econômica estru- tural, na falta de produtos de exportação viáveis e dinâmicos, e de alternativas visíveis à economia exis- tente. Ora, a hostilidade entre guatemaltecos e "pro- vincianos", alimentada por mil ciúmes e ressenti- mentos ao longo dos anos, longe estava de haver sido superada.' Outro dado importante é que, com a reti- rada espanhola, a presença britânica tomou-se muito mais manifesta; Tratava-se de interesses comerciais e também estratégicos (a questão do canal ínteroceâ- nico), os quais acabaram enredando os centro-ame- ricanos e mesmo empurrando-os sutilmente uns con- tra os outros. A fisionomiada sociedade colonial havia experimentado muito poucas mudanças. Tal- vez uma participação maior dos mestiços, o fim da escravidão - forma de trabalho que de todo modo não tivera importância para a produção -, e natu- ralmente o livre comércio. Tudo isto, porém, de iní- cio afetou bem pouco os índios das comunidades e os mestiços pobres das aldeias próximas das fazendas e cidades. Mesmo para os senhores da terra e do gado, no agreste interior do istmo, as coisas não eram tão diferentes agora. 30 Héctor Pérez Brignoli A vida política da República Federal foi breve e agitada. O primeiro Congresso abriu suas sessões em 1825 e elegeu para presidente o liberal salvadorenho Manuel José Arce. Logo depois, enfrentando o Con- gresso, este se aliou aos grupos conservadores da Guatemala, entregando-lhes o governo do seu Es- tado. A guerra civil começou em 1826 e não acabou até 1829. Os ressentimentos e conflitos que haviam aflorado pacificamente durante os anos 1821-1825 surgiram, então, em carne viva. Os conservadores guatemaltecos, em estreita aliança com a Igreja, es- tavam alarmados com o radicalismo reformista dos liberais. Estes, por sua vez, só viam em tudo o que estava acontecendo uma nova tentativa dosconser- vadores no sentido de restabelecer a supremacia da Guatemala, pisoteando a Constituição. A guerra terminou, em 1829, com o triunfo liberal, sob a liderança do hondurenho Francisco Morazán. Mas o panorama não poderia ser mais sombrio. Calamidades e destruições somavam-se a uma economia já enfraquecida. Do empréstimo in- glês negociado por Arce em 1825 só restava uma pesada dívida; e multiplicavam-se as ameaças do cônsul inglês Chatfield para garantir que os juros fossem pagos, combinadas com ambições territoriais da Grã-Bretanha na costa atlântica da América Cen- tral. A reação conservadora, que se encarnava prin- cipalmente na Igreja guatemalteca, prometia sólida resistência a qualquer mudança radical. Por fim, durante os anos da guerra civil, os Estadoshaviam assumido funções muito independentes nos terrenos ({~ América Central: Da Colônia à Crise Atual financeiro e legal. Os liberais, tendo triunfado apesar de tudo mili- tarmente, tornaram a reunir o Congresso em 1829 e decidiram agir com energia. Expulsaram o arcebispo da Guatemala, expropriaram os bens da Igreja e per- seguiram os conservadores mais importantes. Mora- zán foi eleito presidente em 1830, propondo-se a resta- belecer a autoridade efetiva do governo federal. Como consegui-lo, no entanto, sem recursos suficientes e com uma constituição ambígua? De fato, o poder do governo federal só poderia aumentar em detrimento da jurisdição de cada Estado da federação. Reformas à constituição, decididas em 1835, não chegaram a ser aplicadas, e em 1838, quando o Congresso re- solveu passar para o governo federal o controle das rendas das alfândegas (único meio de garantir as fi- nanças federais), ocorreu a desagregação. A Nicará- gua, e depois Costa Rica e Honduras, decidiram separar-se da União. Morazán renunciou à presidên- cia em fevereiro de 1839. Mariano Gálvez, chefe de Estado da Guatemala de 1831 a 1838, tratara. de implementar um amplo programa de reformas liberais cujo cerne eram o livre comércio e a promoção das exportações, a liberdade de culto, a educação universal, uma reforma judicial e um programa de colonização. O único resultado do seu esforço, porém, foi provocar conflitos com as comunidades indígenas e choques repetidos com a Igreja. A isto somaram-se dissenções entre os pró- prios liberais, e o impasse criado pela incapacidade do presidente Morazán de conseguir um incremento 31 I1, 32 Héctor Pérez Brignoli América Central: Da Colônia à Crise Atual A continuidade das estruturas coloniais era visí- vel também em EI Salvador. As exportações de anil foram reativadas, embora desde 1846 o governo co- meçasse a incentivar igualmente a produção de café. Honduras manifestava a mesma desintegração regio- nal e a mesma dispersão dos núcleos de povoamento do passado, com minas de prata escassamente reani- madas. A Nicarágua continuava cumprindo sua fun- ção da época colonial, o abastecimento de gado ao mercado centro-americano: isto assegurava a persis- tência das fazendas tradicionais e a consolidação de grupos oligárquicos locais. . A Costa' Rica oferecia, naquela época, um exem- plo curioso. Alheia às guerras da Federação devido à sua posição geográfica, a rápida expansão da cultura do café na década de 1830 e o sucesso das expor- tações de tal produto à Inglaterra proporcionaram as bases para um desenvolvimento não s6 precoce como também de novo tipo. As ameaças de intervenção estrangeira recrudes- ceram nas décadas de 1840 e 1850. A ingerência in- glesa apoiava-se na cobrança da divida federal de 1825, assumida proporcionalmente pelos Estados uma vez terminada a República Federal em 1839, como pretexto para uma intervenção cujas finalida- des eram, de fato, outras: consolidar o assenta- mentoem Belize e o controle da Mosduítía 5 nica- (5) Vivia na costa da Nicarágua uma tribo de índios chamados "mosquitos". Misturando-se com negros vindos da Jamaica, passaram a ser conhecidos como "zambos mosquitos". Como forma de penetração 33 efetivo do poder federal. Em 1837-1838 declarou-se outra' vez a guerra civil, desta vez com ativa parti- cipação das massas indígenas, incitadas pela Igreja e lideradas por Rafael Carrera. Depois de renunciar à presidência em 1839, Morazân foi vencido por Car- rera em abril do mesmo ano. A Federação pertencia já ao passado. , Interlúdio conservador e ameaças estrangeiras o separatismo ficou consagrado na década de 1840. A Igreja recuperou seu poder na Guatemala, e Carrera exerceu uma forte ditadura até sua morte em 1865, apoiado pelos grandes comerciantes, pelo clero e pelas massas indígenas. A cochonilha, corante pro- duzido nos arredores da capital guatemalteca e ven- dido à Europa industrial, propiciou na década de 1850 uma prosperidade moderada que tinha a van- tagem de não exigir mudanças radicais no sistema de transporte (mulas e carregadores indígenas) nem no sistema financeiro (monopólio da Igreja e dos comer- ciantes). E nem nas exigências de mão-de-obra, o que garantia a tranqüilidade das comunidades indí- genas. Por outro lado, Carrera chegou a um generoso acordo com os interesses britânicos em 1859, reco- nhecendo a ocupação de Belize em troca da promessa da construção de um caminho entre a cidade de Guatemala e a costa atlântica. 34 Héctor Pérez Brignoli América 'Central: Da Colônia à Crise Atual 35 ffi ~ .~ ~ ~ ~z ~ J.;~ : aº 9~ ~ es ~ =: ; ~ ~ ui ~ ""- ~ g ~ ~ ~ifi : ~ ~ ~!~ ~~ ~ te m~~; c ~ o:!'! no o ~ lil ~I [']Iil .~« [,J , J.; z 'CIl 1'l E 15 ~ ::; ~ Cf ~ li: ~ ~ c::sg: t: « ~ ~ c- o Uz « ....•w o J.; ~ (I) ~ ~ f ; ! E ~ ~ ~ 4 r;s w ~ c:( w iil ~ ~ 3 ii: :g !li t: ~~ffi~~o ~ c:( ~ cn ~ ~ z ~ c( 15 « c:s~~~::~~ ~ ::I Q :: o(~~gz~:~~U):~~ s g; .; ~ a... s e s s s e; "'@o~D ragüense (declarada protetorado em 1843), pensando num futuro canal interoceânico. Mas a agressiva diplomacia vitoriana, encarnada nos desplantes do cônsul Frederick Chatfield e sobretudo na ação dos barcos de guerra, logo entrou em choque com os interesses expansionistas dos Estados Unidos. Pelo tratado Clayton-Bulwer (1850), o governo de Sua Majestade teve de renunciar ao controle unilateral de uma via interoceânica, e ambos os governos se com- prometeram a não colonizar qualquer zona da Amé- rica Central. Esta última cláusula foi, de momento, mais teórica do que real. Os ingleses ocuparam as Ilhas da Bahia (situadas no golfo de Honduras) em 1852, e não abandonaram a Mosquítia até 1894. A corrida do ouro na Califórnia, começada em 1848, alterou significativamente o já turbulento istmo centro-americano, Até a inauguração da primeira estrada de ferro interoceânica nos Estados Unidos (1864), a viagem à Califórnia e à costa oeste era mais rápida e fácil mediante um périplo marinho com uma etapa terrestre: a travessia do istmo pela Nica- rágua (rio San Juan, lago de Nicarágua, caminho de Granada à costa do Pacífico) ou pelo Panamá (desde janeiro de 1855, quando foi inaugurada uma estrada de ferro transoceânica construída com capitais norte- americanos). A Nicarágua foi atravessada por uns 68000 viajantes que se dirigiam à Califôrnia, e por na região, os britânicos adotaram a prática de fazer coroar um rei do que seria um Estado fantoche, a Mosquitia, através do qual controlavam a zona costeira nicaragüense. 36 Héctor Pérez Brignoli cerca de 57000 .que voltavam de lá, entre 1848 e 1868. Tal movimento mobilizou uma linha de vapo- res controlada por Cornelius Vanderbilt, e reativou a economia nicaragüense. Reforçou, também, a impor- tância estratégica da região e contribuiu para desatar novos e vorazes apetites. Os conservadores ftominavam a vida política da América Central, sob a notória êgide de Carrera. Várias tentativas liberais no sentido de restaurar a União Centro-Americana, articuladas quase sempre em função das ameaças britânicas, fracassaram ina- pelavelmente. Em 1854 os liberais nicaragüenses recorreram a um aventureiro do Tennessee, William Walker, o qual, atraído pela promessa de polpudas concessões de terras, armou uma expedição merce- nária. Walker se impôs facilmente, e logo houve um governo fantasma na Nicarágua, controlado de fato pelas forças mercenárias. O Departamento de Es- tado dos Estados Unidos o reconheceu em maio de 1856, apesar da oposição dosoutros Estados centro- americanos e do governo britânico. Na verdade, Walker estava preparando uma verdadeira anexação aos Estados Unidos, reforçada pela entrada cres- cente de capitais, armas e homens do Sul escravista. Os governos centro-americanos se aliaram contra Walker. Um exército comandado pelo presidente da Costa Rica, Juan Rafael Mora, e equipado pelos britânicos, conseguiu derrotâ-lo depois de mais de um ano de luta, em maio de 1857. Esta guerra, cha- mada com justiça de "campanha nacional", asse- gurou a independência da América Central. América Central: Da Colôniaà Crise Atual Na década de 1860 se preparavam certas mu- danças significativas. A estrada de ferro do Panamá abriu melhores perspectivas para o comércio de ex- portação, e o sucesso do desenvolvimento cafeeiro da Costa Rica foi encarado como uma alternativa tam- bém para outros países centro-americanos. Amadu- reciam progressivamente as condições que tornariam possíveis vários dos projetos liberais, tentados em vão durante a época da Federação. As Reformas Liberais: uma nova ordem social A maré liberal que sacudiu a América Central na década de 1870 e em anos subseqüentes compar- tilhava o credo dos prôceres da independência, e se autodenominava a "chama viva" de líderes como Morazân e Barrundia. No entanto, haviam mudado o ambiente internacional, as condições econômicas e os próprios liberais: a nova geração liberal era prag- mática e positivista. A mudança institucional pro- funda visava a liberar os recursos necessários ao de- senvolvimento de uma economia de exportação cujos lucros seriam monopolizados por um punhado de grandes proprietários e comerciantes. Assim se expli- ca a reorganização da propriedade da terra e a legisla- ção relativa à mão-de-obra. A nova ordem institucio- nal significou também uma modificação substancial das relações de classe: eliminação da Igreja como 37 38 Héctor Pérez Brignoli (6) Termo que no século XIX .foi aplicado à velha instituição colonial- já explicada anteriormente - do repartimiento, ! - fator de poder, submissão das oligarquias locais ao Estado nacional. O sucesso ou o fracasso da política estatal na promoção do setor exportador condicionou a formação e desenvolvimento de uma classe domi- nante com interesses econômicos e políticos mais ho- mogêneos e menos fragmentados do que no passado. O sucesso liberal foi particularmente visível lia Guatemala, e pouco depois em EI Salvador. No pri- . . meiro país a revolução triunfou em 1871, e não tar- dou a ser dominada pela figura de Iusto Rufino Barrios, um jovem caudilho e rico cafeicultor nas suas fazendas próximas à fronteira mexicana. A cha- mada "reforma agrária liberal" foi rápida e radical: expropriação das propriedades eclesiásticas (1873), abolição da forma de arrendamento conhecida como censo enfitêutico (1877) - que dava direitos perpé- tuos de ocupação -, venda e distribuição de terras devolutas (entre 1871 e 1883 foram vendidos 397755 hectares). Com isto se constituiu um mercado de ter- ras baseado na propriedade privada na região mais adequada ao cultivo do café, isto é, a vertente do Pacífico e as terras centrais até uma altura de 1400 metros. Convém notar que a transformação fundiâ- ria não afetou as comunidades indígenas do planalto, sendo este demasiado frio e elevado para interessar aos cafeicultores. A mão-de-obra foi objeto igual- mente de uma legislação especial. O Regulamento de Diaristas, de 1877, ressuscitou o mandamientas colo- América Central: Da Colônia à Crise Atual nial, obrigando as comunidades a proporcionarem trabalhadores por tempo determinado, e regula- mentou ss.habilitaciones (adiantamentos de dinheiro que forçavam os índios a trabalharem para os fazen- deiros). Tudo isto foi complementado 'com leis que reprimiam a vagabundagem, e com um sistema polí- tico de controle local. As comunidades indígenas do planalto se trans- formaram assim numa fonte de mão-de-obra tempo- rária - novas levas substituindo as que já houvessem cumprido seu período enquanto fosse necessário - para as fazendas de café: 8,5% do total dos índios estavam em tal situação em 1880. Esta forma de tra- balho forçado persistiu até a década de 1940. Traba- lhadores mestiços e criollos pobres, muitos deles expropriados pela abolição do censo enfitêutico, pro- porcionavam a mão-de-obra permanente de que pre- . cisava o novo produto de exportação. "Paz, Educação e Prosperidade Material", lema da Reforma, adquiriu um significado especial em dois aspectos: o furioso antic1ericalismo e o fomento das obras e serviços públicos exigidos pela expansão do café. Foram construidos caminhos e portos, sendo iniciada a construção de uma ferrovia em direção ao Atlântico (inaugurada em 1908), rota ideal para ex- portar o café até a inauguração do canal de Panamá em 1914. As crescentes necessidades financeiras con- duziram a empréstimos externos, e logo o Estado e os 'comerciantes locais perderam o controle dos bancos, do comércio exterior e das finanças. A Constituição de 1879, na pureza do seu credo 39 40 Héctor Pérez Brignoli América Central: Da Colônia à Crise Atual persa. A construção de estradas de ferro e a moder- nização de portos e caminhos foram facilitadas tam- bém pela abundante oferta de mão-de-obra, pela. extensão reduzida do país e por serem os obstáculos geográficos relativamente moderados. Honduras e Nicarágua conheceram reformas li- berais frustradas ou incompletas. No primeiro caso, Marco Aurelio Soto, um títere político de Barrios que tomou o poder em 1876, tentou o que pôde num país desarticulado, com população escassa e dispersa. A ferrovia interoceânica, que deveria ligar Puerto Cor- tés (no golfo de Honduras) ao golfo de Fonseca, do lado do Pacífico, foi um estrondoso fracasso, devido à venalidade de sucessivos governos e a custos de construção muito mais elevados do que os previstos. Carecendo de transporte barato, com uma geografia particularmente difícil, a agricultura de exportação - o café foi tentado assistematicamente durante o governo de Soto, 1876-1883 - estava condenada. O próprio Soto dirigiu seus interesses pessoais para a velha e finalmente decepcionante fantasia: a mine- ração da prata, da qual pouco progresso foi conse- guido numa época de produção mundial superabun- dante. Os capitais estrangeiros controlaram com ra- pidez tal setor, que se caracterizava por técnicas e meios de transporte (mulas) bem primitivos. A Nicarágua oferece um exemplo de revolução liberal frustrada e tardia. A derrota de Walker foi sucedida por mais de trinta anos de estabilidade .conservadora, garantida por um acordo entre as oli- garquias de fazendeiros de gado de Leôn e Granada. 41 liberal, foi realidade para as classes proprietárias, pouco interessadas, porém, nas formalidades da democracia representativa. O próprio Rufino Barrios adotou um lema que ilustra melhor do que tudo o realismo político daqueles fazendeiros liberais, infla- mados pelo pragmatismo positivista: "Este chicote é a constituição com que governo". Em EI Salvador-a reforma liberal respondeu de forma direta à influência guatemalteca, e foi sobre- tudo obra do presidente Rafael Zaldívar (1876-1885). Ao contrário do que acontecia na Guatemala, a Igreja salvadorenha possuía poucas extensões de terra rural: eram terras de propriedade coletiva das comunidades indígenas - terras comunais, eiidos 7 - que ocupavam os solos mais apropriados à cafei- cultura. A expropriação começou em 1879 e se acen- tuou com as leis de 1881 e 1882, as quais extinguiram comunais e ejidos. O resultado foi um processo de proletarização mais rápido do que em qualquer outro lugar da América Central, acompanhado pela mono- polização das terras por um grupo reduzido de fazen- deiros. O café se expandiu com rapidez, num país que contava com população mais densa e menos dis- (7) Na América Espanhola, as cidades e povoados espanhóis, bem como as comunidades indígenas, recebiam terrenos chamados pr6- prios, que podiam ser arrendados para ajudar nas despesas municipais; e outros terrenos, os ejidos, que eram campos não cultivados, destinados a servir de passeio público aos residentes, e também de pasto coletivo. Estes ejidos em muitos casos sobreviveram até bem entrado o século XIX; não devem ser confundidos com as propriedades coletivas de mesnro nome criadas em conseqüência da Revolução Mexicana começada em 1910. 42 Héctor Pérez Brignoli Na década de 1880 foi construída uma estrada de ferro entre Corinto e Momotombo, e mais tarde as linhas chegaram a Manágua e Granada. O café se expandiu nas ladeiras ocidentais, entre a costa do Pacífico e a depressãolacustre. Os liberais reassu- miram.o poder em i893, sob a liderança de José Santos Zelaya, caudilho que tinha muito em comum com Justo Rufino Bafrios. A cafeicultura não elimi- nou a pecuária, tradicionalmente vinculada ao mer- cado centro-americano, e a' mineração teve um rela- tivo florescimento sob controle de capitais estrangei- ros. A fragmentação de interesses conspirou assim decisivamente contra a unidade da classe dominante. A questão da via interoceânica e as pressões estran- geiras (maiores do que em qualquer outro país da América Central) continuaram entrelaçando-se com. esse tecido social por si já complexo. O resultado de um processocheio de hesitações, recuos e contradi- ções terminou sendo - dramaticamente - a inter- venção norte-americana de 1912. E os marines che- garam para ficar por muito tempo ... E no entanto, Zelaya havia revelado uma energia e uma audácia pouco comuns. Em 1894 retomou o controle da Mos- quítia, enfrentando com sucesso a ira dos ingleses por ocasião do bloqueio de Corinto em 1895. Para os interesses norte-americanos, que negociavam um tra- tado para construção de um canal, o caudilho foi osso duro de roer. O contrato, proposto em dezem- bro de 1901, foi declarado inaceitável pelo Depar- tamento de Estado, já que não incluía direitos de extraterritorialidade para os norte-americanos. A ", Ij América Central.' Da Colônia à Crise Atual cessão dos direitos da companhia francesa no Pa- namá, em 1902, e a independência panamenha for- jada pelos Estados Unidos, em 1903, deslocaram o interesse imediato para o sul. Mas, ao mesmo tempo, a região inteira do istmo se tornava vital para os inte- resses econômicos e militares dos Estados Unidos. Sob o lema da União Centro-Americ~na, Zelaya interveio repetidamente em Honduras e EI Salvador, o que o levou a um choque frontal com Estrada Cabrera, ditador da Guatemala. Num panorama. muito mais complexo, tentou-se repetir o frustrado esquema de Barrios em 1885: conseguir pela força a unidade centro-americana. De fato, o incessante re- torno da idéia unionista, depois do fim da Federação centro-americana em 1839, se expressou em três va- riantes: a defesa coletiva contra as agressões externas. (como no caso da guerra de Walker, ou do apoio a Zelaya em 1895); um pretexto legitimador de inter- venções nos assuntos internos de outros Estados (Barrios em 1885; Zelaya em 1895-1898 e em 1902- 1907); ou a utopia de grupos intelectuais (como o Partido Unionista formado por Salvador Mendieta em 1904). Zelaya foi derrocada em 1909 por um com- plô conservador, num contexto de fortes fricções diplomáticas com os Estados Unidos. As raízes do conflito incluíam concessões canceladas a compa- nhias norte-americanas e diversas tentativas no sen- tido de interessar outras potências pela construção de um canal pela Nicarágua, abrindo assim uma con- corrência (e uma ameaça) ao empreendimento dos Estados Unidos no Panamá. 43 44 Héctor Pérez Brignoli o CRESCIMENTO EMPOBRECEDOR (1900-1945) As economias de exportação As exportações de café permitiram uma vincu- lação permanente e duradoura das economias centro- americanas com o mercado mundial. Disto se deri- varam algumas conseqüências de grande significa- 'ção: um crescimento econômico de longa duração, a afirmação da ordem social delineada pelas reformas liberais e uma subordinação crescente dos interesses das classes dominantes aos capitais estrangeiros e à dinâmica do mercado externo. A expansão do café provocou importantes modi- ficações estruturais no mercado de terras, nas rela- ções de produção e na organização comercial e finan- ceira. Interessa-nos ver tais mudanças segundo uma perspectiva dupla. Por um lado, constituíram requi- Na Costa Rica o liberalismo se impôs gradual- mente. A razão básica disto deve ser procurada no sucesso pioneiro do café numa sociedade isolada e sem "herança colonial": população escassa, abun- dantes terras disponíveis e ausência de formas de trabalho forçado. Braulio Carrillo (1835-1842) lan- çou as bases institucionais do novo Estado, e sua obra foi continuada durante as décadas seguintes. Tomás Guardia completou a construção institucional na década de 1870. O auge liberal do último quarto do século XIX tem não tanto o caráter de mudanças drásticas, -quanto o da consolidação do domínio so- cial através de mecanismos que articulavam legal- mente o exercício do poder e a participação política. A prova de fogo deu-se em 1889, quando os liberais aceitaram a derrota eleitoral. A vida política apro- ximou-se mais do funcionamento efetivo de uma democracia representativa, o que permitiu, nas dé- cadas seguintes, a incorporação gradual de novos setores sociais. lt 46 Héctor Pérez Brignoli América Central: Da Colônia à Crise Atual provinciana e inclusive receberam certos ecos da arquitetura da belle époque. Setores médios, muito incipientes, vinculados ao comércio e à burocracia estatal, começaram a aparecer timidamente no cená- rio social. As necessidades de transporte do café tiveram conseqüências enormes para as economias da Amé- rica Central. Até a inauguração do canal de Panamá, o café centro-americano (do tipo "suave aromático" e de qualidade muito apreciada) atingia os mercados consumidores europeus através de um longo périplo, passando pela costa da Califórnia na direção do norte, ou então seguindo a rota meridional do cabo. Horn, A ferrovia interoceânica do Panamá não era uma boa solução, já que as chuvas abundantes enca- reciam a manipulação de grandes quantidades do produto, além de ameaçar a sua qualidade. A saída mais direta, que os governos da Costa Rica e da Gúatemala tentaram desde a década de 1870, foi a construção de ferrovias na direção do mar das Ca- raíbas, onde a instalação de portos adequados permi- tiria evitar as rotas do Pacífico. Estes empreendi- mentos ferroviários, concluídos na Costa Rica em 1890 e na Guatemala em 1908, tiveram três conse- qüências de muito peso: trouxeram uma penetração mais ativa do capital estrangeiro, inglês ou norte- americano; originaram a exportação de bananas; abriram parcialmente a região atlântica à coloni- zação. As atividades bananeiras começaram na década de 1870, com embarques feitos na costa de Honduras 47 sitos básicos para dar impulso às exportações de café, sendo por tal razão promovidas pelos governos da Reforma Liberal. Por outro lado, porém, seu aprofundamento foi uma exigência do próprio cresci- mento da economia cafeeira. Assim sendo, a ten- dência à monocultura foi inevitável, como também uma pressão crescente sobre as terras e a mão-de- obra dedicadas à agricultura de subsistência. O desenvolvimento cafeeiro realizado pela Costa Rica, em caráter pioneiro, desde a década de 1830, serviu de exemplo aos demais países centro-ameri- canos. A tecnologia do cultivo e do beneficiamento foi em grande parte um resultado daquela primeira experiência, difundindo-se com rapidez, nas décadas de 1870 e 1880, na Guatemala e em El Salvador. Dispondo de mais mão-de-obra, estes dois países tinham já uma nítida supremacia na produção regio- nal de café ao terminar o século XIX: O café modificou e unificou a vida centro-ameri- cana nas terras altas centrais e no litoral pacífico como nenhum outro produto. Da- Guatemala até a Costa Rica, a paisagem agrária se povoou de cafe- zais, associados a árvores que lhes davam sombra; e a colheita, beneficiamento e transporte do grão, de novembro a abril, passou a provocar uma importante mobilização de trabalhadores rurais. O apogeu econômico repercutiu na urbaniza- ção, e as importações transformaram os gostos e há- bitos de consumo das classes proprietárias. As capi- tais centro-americanas, verdadeiras aldeias durante o século XIX, adquiriram uma fisionomia menos 48 Héctor Pérez Brigno/i e vendidos em Nova Orleans. Minor Keith, constru- tor da estrada de ferro entre Limôn (porto atlântico da Costa Rica) e San José desde 1871, enfrentando um grande déficit e dispondo de um ramal já insta- lado, decidiu tentar o negócio em 1878, obtendo rá- pido sucesso.Até fins do século, os pontos de em- barque de bananas em.direção ao mercado de Nova Orleans estavam disseminados por todo o mar das Caraíbas, sob o controle de pequenas companhias, proprietárias das embarcações, enquanto a produção ficava por conta de produtores das próprias Caraí- bas. No entanto, as concessões de terras em torno das ferrovias ampliaram as possibilidades do negócio a níveis nunca vistos. Tornou-se possível montar plan- tations no interior, e ampliar a escala de produção. O controle de portos e cais, e o uso de barcos maiores, que dispunham de câmaras frigoríficas, completa- ram o quadro técnico de uma atividade que requeria um tempo de exportação cuidadosamente calculado, por ser a banana um produto que se estraga rapida- mente. A United Fruit Company formou-se em 1899 com um capital de onze milhões de dólares, combi- nando concessões de terras e empresários norte-ame- ricanosque agiam na Colômbia e na Costa Rica. Em conjunto com a Cuyamel Fruit Company de Samuel Zemurray (que se incorporou à United Fruit Com- pany em 1929) e com a Standard Fruit Company ; monopolizou as atividades bananeiras em toda a área da América Central e das Caraíbas. A região atlântica da América Central, da Gua- temala até o Panamá, adquiriu nova fisionomia. América Central: Da Colônia à Crise Atual Trabalhadores assalariados, provenientes da Ja- maica, labutavam nas grandes plantations das com- panhias norte-americanas. Estes imigrantes de ori- gem afro-americana somaram-se aos poucos habi- tantes da mesma origem que povoavam a região desde o século XVII, reforçando os traços culturais antilhanos e separando ainda mais essa outra Amé- rica Central daquela das terras altas centrais e do litoral pacífico. A relativa autonomia das compa- nhias bananeiras reforçou sem dúvida esse micro- cosmo. Com seu próprio sistema de transportes, es- colas, hospitais, sistemas de comunicação e arma- zéns, as companhias constituíam verdadeiros encla- ves na selva tropical. A penetração dos capitais estrangeiros - prin- cipalmente norte-americanos depois da Primeira Guerra Mundial - completou a cada vez mais es- treita vinculação ao comércio mundial. O café con- tinuou fundamentalmente em mãos de produtores nacionais, embora não se possa deixar de notar que na Guàtemala, por exemplo, os cafeicultores alemães possuíam em 1913 só 10% das fazendas de café mas produziam 4~% do volume total da colheita. As poderosas companhias bananeiras, com interesses estendidos a uma gama muito variada de atividades iplantations, ferrovias, linhas de navegação, bancos, empresas de comunicações etc.), passaram a ter um papel cada vez mais relevante. Como interlocutores dos governos centro-americanos, tenderam a repre- sentar o conjunto dos interesses imperialistas do ca- pital estrangeiro. . 49 50 Héctor Pérez Brignoli Quarenta ou cinqüenta anos depois, os frutos do desenvolvimento agroexportador não deixavam de ser insuficientes. Os países centro-americanos, pe- quenos produtores no concerto mundial, eram extre- mamente vulneráveis às flutuações da conjuntura ex- terna. Suas economias eram pouco diversificadas e os principais produtos-exportados - café e banana - não passavam de "sobremesas" para os consumi- dores europeus e norte-americanos. A alta qualidade do café da América Central não chegava a compen- sar as desvantagens da monocultura. A banana reve- lou ser extremamente débil diante de pestes e pragas, o que provocou o abandono de regiões inteiras, agu- çando os problemas do emprego e da pobreza nas zonas rurais. As crises da conjuntura externa, como a depres- são do café entre 1897 e 1908, a Primeira Guerra Mundial e o colapso de 1929, tiveram em geral um efeito retardatário em economias pouco diversifi- cadas, que s6 podiam responder à crise externa com a involução, isto é, regressando a uma economia de subsistência. Para os grandes proprietários de terras esta artimanha tinha vantagens indubitáveis, pois permitia reproduzir o sistema, conservando os cafe- zais à espera de dias melhores. 'I I I América Central: Da Colônia à Crise Atual "O Senhor Presidente": teoria e prática da política liberal Mais do que estar constituída por sociedades com profundas desigualdades, a originalidade da América Central pode ser procurada no modo em que estes graves desequilíbrios se traduziram numa vida política feita de exclusões. Na prática, a vigência das instituições e leis liberais foi principalmente isto: um imenso monólogo das classes dominantes. Na Guatemala, este esquema perdurou ininter- ruptamente, de Barrios até a queda de Ubico em 1944, passando pela longa ditadura de Estrada Ca- brera (1898-1920), o "Senhor Presidente" do magní- fico romance de Miguel Angel Asturias. Os métodos de governo podem ser resumidos brevemente: cen- sura à imprensa, exílio e cárcere para a oposição, extenso controle policial, burocracia estatal reduzida e dócil, assuntos da Fazenda e das finanças entregues a conhecidos membros das famílias de cafeicultores, e generoso tratamento dado às companhias estran- geiras. Em EI Salvador, tal combinação de autoritaris- mo e paternalismo, filha direta do apogeu liberal da década de 1870, entrou em crise durante a depressão dos anos 1930. Uma crescente organização sindical nas cidades atingiu também as zonas cafeeiras e a agitação social foi constante a fins dos anos 1920. O desconcerto da classe dominante, e também a prosperidade que antecedeu à grande crise de 1929 permitiram o governo de Pío Romero Bosque (1927- 51 52 Héctor Pérez Brignoli 1931), um conservador esclarecido que legalizou sin- dicatos e promulgou algumas leis trabalhistas. Em- bora na parte final do seu governo decretasse perse- guições e ocorresse uma matança de oito sindicalistas em Santa Ana, permitiu eleições livres para sua su- cessão e garantiu a liberdade de imprensa. A eleição, efetuada em janeiro de•.1931, foi vencida por Arturo Araujo, um fazendeiro bonachão, educado em Lon- dres e sincero admirador do laborismo inglês. Sua vitória se deveu ao apogeu de diversos setoressindi- cais e intelectuais, nas únicas eleições verdadeira- mente livres de toda a história salvadorenha até hoje. Seu governo durou apenas dez meses, durante os quais se acumularam os efeitos já duros da crise econômica sobre as condições de vida dos trabalha- dores, e o horror dos fazendeiros diante das idéias vagamente socializantes de Araujo. O golpe militar de 2 de dezembro de 1931.levou ao poder o general Maximiliano Hernández Martínez. Em janeiro de 1932 a insurreição social ganhou EI Salvador: indí- genas e mestiços, armados de facões e paus, se suble- varam em toda a zona cafeeira, enquanto o governo prendia e fuzilava os dirigentes do recente Partido Comunista (fundado em 1925) e os líderes sindicais. A repressão que seguiu à revolta teve um saldo de vítimas estimado entre dez mil e quarenta mil mor- tos. A sublevação e a repressão subseqüente marca- ram profundamente toda a história contemporânea de EI Salvador. Os fazendeiros renunciaram ao exer- cício do poder político, delegando-o aos militares, e contribuíram para a organização de um aparelho América Central: Da Colônia à Crise Atual estatal particularmente repressivo. As massas rurais conheceram quarenta anos de opróbrio silencioso. Em Honduras e na Nicarágua, as estruturas do poder tiveram trajetórias parecidas. Revoluções libe- rais interrompidas' e uma fragmentação de interesses regionais, agravadas no primeiro caso pelas ações das companhias bananeiras, e no segundo pela ocu- pação norte-americana (1912-1933). Nada mais confuso do que a política hondu- renha, da última década do século XIX até 1933. Fantoche fácil sob pressão dos vizinhos (Estrada Ca- brera na Guatemala e Zelaya na Nicarágua), a debi- lidade estatal expressava, no fundo, a ausência de uma economia de exportação dinâmica e de uma verdadeira classe dominante. As companhias bana- neiras preencheram o primeiro. vácuo e agravaram o segundo. Os conflitos entre elas; a concorrência pelas concessões de terras e o controleda exígua mas estra- tégica ferrovia hondurenha, somaram-se a intrigas políticas em si já bem complexas. De fato, a estabi- lidade seria obra de um caudilho à imagem de Es- trada Cabrera e Ubico: Tiburcio Carías Andino. "Doutor e general", governou com mão de ferro os hondurenhos, ao mesmo tempo que tratava com luvas de pelica as companhias bananeiras, de 1933 a 1948. Ê possível que o segredo principal da estabi- lidade autoritária e paternalista de Carías resida no fim dos conflitos entre a United Fruit Company e à Cuyamel, pois as duas se fundiram em 1929. Outra longa história de turbulências e conflitos políticos é a da Nicarágua. A influência externa é 53 54 Héctor Pérez Brignoli j América Central: Da Colônia à Crise Atual também mais evidente. A intervenção norte-ameri- cana em 1912, para combater um "regime de barba- rismo e corrupção", obteve de dóceis caudilhos con- servadores, democraticamente sacramentados pelo recurso à fraude eleitoral, o tratado Bryan-Chamorro (1916), pelo qual os Estados Unidos adquiriam o direito perpétuopara a construção de um canal atra- vés da Nicarágua, a cessão por 99 anos das ilhas del Maíz (no mar das Caraíbas), e o direito de construir uma base naval no golfo de Fonseca. A defesa do canal de Panamá ficou assim garantida. Por outro lado, os Estados Unidos exerceram um verdadeiro protetorado sobre a Nicarágua. Controlaram as ren- das de alfândega, as ferrovias e o Banco Nacional, enquanto os marines garantiam a tranqüilidade in- terna. A "reconstrução" foi efêmera. Ao retirarem-se as tropas em 1925, a guerra civil recomeçou, en- quanto os grupos liberais recebiam armas do governo mexicano. Os marines voltaram em 1926, e desta vez tiveram de enfrentar uma verdadeira guerrilha popu- lar. Um acordo foi assinado em Tipitapa, em março de 1927, e o general Moncada, líder dos liberais, deixou a rebelião, assumindo a presidência em 1928. Repelindo tal transação com os ocupantes norte- americanos, Cesar Augusto Sandino decidiu conti- nuar a guerra, e com sucesso inesperado, de sua base nas montanhas da região de Nova Segóvia, manteve em xeque os invasores durante vários anos. A sua causa, nacionalista e antiimperialista, não só teve popularidade na Nicarágua, como recebeu simpatias em toda a América Central e um apoio moderado do governo mexicano. Moncada tratou de acabar com a presença dos funcionários norte-americanos no país. A Guarda Nacional foi preparada por instrutores dos Estados Unidos para substituir os marines. Em 1932 fê-lo com sucesso, e os Estados Unidos se compro- meteram a deixar o país. Chegou-se a um acordo com os rebeldes sandinistas, que entregaram as armas, e em janeiro de 1933 tudo parecia conduzir a uma paz duradoura. Um mês depois, porém, San- dino e seus oficiais foram vilmente assassinados pela Guarda Nacional, que agora tinha à sua frente um homem forte: Anastasio Somoza García. Somoza partilhou muitos dos "méritos" de Canas: dureza e certo paternalismo. Mas seu poder, baseado na Guarda Nacional, logo se ampliou com sua partici- pação em diversas atividades econômicas. Amigo in- condicional dos Estados Unidos, controlou a Nica- rágua até ser assassinado em 1956. O caso da Costa Rica não poderia ser mais sur- preendente no contexto regional. Eleições regulares, com sufrágio direto desde 1910, e uma única inter- rupção constitucional: o golpe de 1917, que levou Federico Tinoco ao poder. Mas seu regime durou apenas dois anos, e em 1919 voltou-se à regularidade institucional anterior. O movimento sindical se de- senvolveu com relativa liberdade, sob duas correntes de influências: o pensamento social-cristão e as idéias socialistas. O Partido Reformista, liderado por Jorge Volio, teve uma atuação particularmente destacada durante a década de 1920, enquanto na década se- guinte a agitação do proletariado daplantation bana- 55 56 Héctor Pérez Brignoli neira mostrou ser um terreno de ação mais propício para o movimento comunista (o Partido Comunista foi fundado por Manuel Mora em 1931). Estas pressões sociais agiam no marco de um Estado dominado por um liberalismo pragmático, não totalmente alheio às tendências reformistas. Assim, por exemplo, Ricardo Jiménez nacionalizou e estatizou os seguros em 1924, e não duvidou em re- correr a um intervencionismo moderado durante a depressão da década de 1930 (reformas bancárias de 1936). Em 1942 o presidente Calderôn Guardia ado- tou uma legislação social que condensava reivindica- ções do sindicalismo, do Partido Comunista e da própria Igreja Católica. Esta coincidência de inte- resses ilustra melhor do que qualquer outro exemplo o "gradualismo" costarriquenho, numa América Central de surpreendentes contrastes. A mudança social Os traços gerais da estrutura social gerada pelo desenvolvimento agroexportador podem ser rapida- mente enumerados: 1) predomínio e grande concen- tração do poder por parte dos fazendeiros; 2) ten- dência à expropriação do campesinato indígena, sendo imposta uma reorganização da propriedade fundiária que as massas rurais jamais aceitaram como legítima; 3) uma elevada dose de violência exi- gida pelo próprio funcionamento das instituições América Central: Da Colônia àCrise Atual econômicas e políticas; 4) forte polarização de clas- ses, notando-se a debilidade estrutural dos setores médios emergentes. Considerando os diferentes casos, poderemos particularizar alguns destes traços e levar a cabo comparações interessantes. Na Guatemala, a forte polarização de classes foi compensada pela ausência relativa de expropriação das comunidades indígenas do planalto. Mas este próprio fato obrigou ao uso dos índios como traba- lhadores forçados, e ao reforço da ideologia do pre- conceito (a inferioridade "racial" dos índios). O resultado final foi uma sociedade brutalmente divi- dida do ponto de vista cultural. El Salvador teve desde o começo uma maior polarização de classes, com menos mediações. As razões disto residem na expropriação completa das comunidades, numa população mais densa e concen- o trada, e num processo de aculturação e mestiçagem mais avançado já desde a época colonial (a repressão da rebelião de 1932 acabou de unificar o campesi- nato salvadorenho, já que se tornou desde então muito perigoso comportar-se como índio). Talvez por estes fatores, a reação à ordem imposta pelos fazen- deiros - a qual se expressou na rebelião de 1932 - foi em E1 Salvador mais rápida, violenta e articulada do que em qualquer outro país da região. Nicarágua e Honduras reproduzem os traços gerais, numa diversidade de microcosmos locais. , A Costa Rica constitui realmente um enigma que deve ser esclarecido. Quais são as bases sociais 57 " 58 Héctor Pérez Brignoli de uma democracia representativa constante e de um pioneiro reformismo que teve sucesso? Ê difícil res- ponder completamente, mas podemos indicar fatores que influíram. A cultura do café combinou a pe- quena e média propriedade com algumas fazendas grandes, em mãos de cafeicultores que controlavam o beneficiamento e a comercialização. A baixa densi- dadedemogrâfica, ao lado de um produto que exige' elevados insumos de mão-de-obra, foi um fator estru- tural que impediu uma concentração completa da propriedade da terra, e por conseguinte evitou um processo rápido de proletarização. O reformismo pioneiro foi uma possibilidade aberta por esse perfil social menos polarizado, e pelo fato de ser a classe dominante relativamente mais débil, do ponto de vista econômico, do que suas congêneres da Guate- mala ou de EI Salvador. Os setores médios, articu- lados ao próprio cultivo de exportação, proporcio- naram sem dúvida a base social que permitiu o fun- cionamento da democracia representativa e a am- pliação progressiva dos mecanismos de incorporação política. . • PROSPERIDADE E DESIGUALDADES CRESCENTES (1945-1980) O reformismo em perspectiva Ao acabar a Segunda Guerra Mundial, uma nova época parecia abrir-se para a América Central. A queda de Ubico e de Hernández Martínez em 1944 foi o primeiro sinal dos tempos novos.Os preços do café subiram consideravelmente e se mantiveram altos durante toda a década de 1950, o que assegurou uma confortável prosperidade econômica no mundo de pós-guerra. O subdesenvolvimento e os problemas sociais tornaram-se mais relevantes, à luz do credo das Nações Unidas; diversas missões e organismos inter- nacionais começaram o diagnóstico. de males bem conhecidos e fizeram propostas que incluíam uma gama bastante variada de receitas e soluções. Estas 60 Héctor Pérez Brignoli preocupações encontraram uma base social nas in- quietações dos setores médios, e em muitos casos contribuíram para a satisfação de genuínos interesses dos operários edo campesinato. Professores e estu- dantes universitários, funcionários públicos, certas camadas profissionais, pequenos comerciantes e ar- tesãos urbanos, e alguns oficiais do exército profis- sional coincidiram em impulsionar diversos projetos reformistas. O programa básico pode ser resumido com facilidade. No campo social a luta foi pela segu- rança social (assistência médica, aposentadoria), pelo direito de sindicalização e pela adoção de um código trabalhista. No plano econômico as reivindi- cações incluíram um certo controle estatal sobre os bancos e o crédito, planos de reforma ou transfor- mação agrária e uma política de diversificação eco- nômica. Quanto à politica, queria-se o respeito à constituição e ao voto, e a vigência da democracia representativa. Certas reivindicações nacionalistas, como um maior controle fiscal sobre as companhias bananeiras, completavam esse quadro ou programa básico. O sucesso ou fracasso dos planos reformistas dependeu fundamentalmente de três fatores. O pri- meiro foi a capacidade de reação' das classes domi- nantes, que tenderam a ver qualquer concessão como o princípio de uma corrente que acabaria na revo- lução social, e que, no ambiente propício da guerra fria, apelaram para a ideologia anticomunista no sentido de cerrar fileiras e qualificar de "vermelhas" mesmo as reformas mais tímidas. O segundo fator foi América Central: Da Colônia à Crise Atual a importância dos setores médios e suas possibili- dades de expressão política, conseguindo um apoio social mais amplo. O terceiro foi o contexto inter- nacional, e em particular a política norte-americana, sempre disposta a sacrificar qualquer declaração de boas intenções em aras da defesa de interesses estra- tégicos. O mais significativo, numa interpretação do auge reformista, é a distinção crucial entre as refor- mas como tais e seu alcance efetivo. As classes domi- nantes terminaram aceitando, depois de um período de lutas e conflitos, um conjunto de mudanças como signo dos novos tempos. No entanto, isto significou mais uma adaptação formal do que verdadeiras modificações nas relações de classes. Assim, foi comum que não se cumprisse a legislação traba- lhista, que a segurança social funcionasse ineficien- temente, ou que os créditos bancários continuassem a ser manejados segundo critérios classistas. Seja como for, a simples existência formal de leis e insti- tuições que respondiam em grande parte a verdadei- ras necessidades e interesses populares foi impor- tante como bandeira de luta de sindicatos e partidos, e contribuiu positivamente para a mobilização polí- tica e as tomadas de consciência. Em outros termos, abriu-se para as classes não proprietárias um espaço de reivindicações sociais e políticas que podia ser consideravelmente ampliado, e que inelutavelmente 'conduzia a formas mais avançadas da luta social. Em suma, o apogeu do reformismo foi mais im-- portante pelas forças sociais que contribuiu para de- 61 \,' 62 Héctor Pérez Brignoli satar do que pelo que efetivamente pôde realizar. Entre outubro de 1944 e junho de 1954, a Gua- temala viveu quase dez anos de esperançosa eferves- cência social. Juan José Arêvalo, educador e filósofo que pregava um "socialismo espiritual", foi eleito presidente em 1945 por uma ampla frente política, conseguindo 85% dos votos. Seu governo estabeleceu a segurança social (1946), fundou o Instituto Indi- genista, desenvolveu programas de saúde, promul- gou o C6digo do Trabalho (1947) e criou uma orga- nização governamental para o desenvolvimento (1948): A nova legislação trabalhista e a proliferação de organizações sindicais provocaram choques com a United Fruit Company em 1947 e 1948, e intranqüi- lizaram os fazendeiros do café. Embora a mobilíza-. ção das comunidades indígenas tenha sido escassa, a lei agrária de 1949 permitiu o acesso à terra de alguns camponeses não proprietários, graças ao fato de que o governo dispunha de fazendas expropriadas aos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Com as eleições de 1950, o coronel Jacobo Ar- benz sucedeu a Arévalo na presidência. A situação interna tendeu a polarizar-se, havendo uma reação mais organizada dos fazendeiros e uma presença evi- dente de sindicatos e de dirigentes do recém-formado Partido Comunista da Guatemala. Mas os conflitos sô ameaçaram a estabilidade do regime quando Ar- benz promulgou uma lei de reforma agrária em ju- nho de 1952. Dirigida contra as propriedades de mais de 90 hectares e especialmente contra as terras ociosas, logo afetou os grandes interesses da United ,J América Central: Da Colônia à Crise Atual Fruit Company . A companhia argumentava que suas terras em descanso, no oeste da Guatemala, eram uma salvaguarda contra pragas e doenças que pudes- sem afetar os bananais. O governo, que seguia as recomendações de uma missão do Banco lnterame- ricano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), considerava-as vitais para um programa de agricul- tura produtora de alimentos, e as expropriou de acordo com o valor fiscal declarado pela companhia (algo mais de 600 mil dólares). A companhia argu- mentou que o valor verdadeiro superava 15 milhões. de dólares e apelou para o governo de Washingto·_l. Configurou-se assim uma confrontação desigual e injusta. A propaganda norte-americana tentou fazer crer que a Guatemala se estava convertendo num satélite soviético; os clamores antiimperialistas, den- tro e fora do país, responderam com o tom e o caráter esperados. O arcebispo da Guatemala conc1amou a uma rebelião contra os comunistas em abril de 1954, e Arbenz comprou armas na Tcheco-Eslovâquia. A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) foi autorizada a montar a operação El Diablo, que consistiu numa invasão a partir de Honduras, encabeçada por dois militares guàtemaltecos exila- dos. Arbenzrenunciou em 27 de junho de 1954. O exército não resistiu à invasão, e os sindicatos não tinham armas. A escalada repressiva que começou naquela ocasião não acabou ainda na Guatemala. A experiência reformista de EI Salvador foi gra- dual e sem alcances efetivos. Teve, isto sim, sua continuidade garantida por uma ininterrupta suces- 63 64 Héctor Pérez Brignoli i I são de regimes militares. Na década de 1950 a pros- peridade econômica provocada pelos altos preços do café incentivou o desenvolvimento de alguns planos de saúde, moradia e segurança social. Como era de se esperar, o acento dos programas governamentais estava, porém, na diversificação agrícola e na pro- moção da indústria, com amplo respeito à iniciativa privada. A perseguição aos sindicatos continuou, e muito poucos frutos da prosperidade beneficiaram aqueles que não eram proprietários. A pressão demo- gráfica acelerou um destino já quase secular dos camponeses salvadorenhos: a emigração, especial- mente para as terras agrestes e vazias da república irmã de Honduras. Canas se retirou do poder em 1948. A casa pre- sidencial de Tegucigalpa foi ocupada por um advo- gado das companhias bananeiras. O dr. Gálvez não foi o fantoche que todos esperavam e conseguiu de- senvolver um programa de modernização moderada: criação do Banco Central, promoção das exportações de café e certa diversificação econômica, melhora- mento da rede de caminhos etc. Ao terminar seu pe- ríodo, os operários da companhia bananeira entra- ram em greve (1954), e Gálvez, comprometido nos planos norte-americanos
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