Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
6 Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações 6.1 Biomecânica do crescimento e desenvolvimento ósseo No capítulo anterior, vimos que os ossos formam um sis- tema de alavancas que podem ser movimentadas pelas forças musculares envolvidas. A maneira pela qual os ossos respondem às cargas mecânicas se relaciona a seus constituintes materiais e a sua organização estrutural, originando um material leve, porém resistente. Basicamente, os ossos são compostos por água, colá- geno, carbonato de cálcio e fosfato de cálcio em percentuais que variam conforme a idade e o estado de saúde do osso. Esses minerais à base de cálcio são os responsáveis pela rigidez dos ossos, determinando sua resistência compressiva, enquanto os demais minerais (sódio, magnésio e fluoreto) desem- penham, além de funções estruturais, funções metabólicas essen- ciais ao crescimento e ao desenvolvimento ósseo. O colágeno, por sua vez, determina a resistência tensiva dos ossos, já que é Cinesiologia e Biomecânica – 108 – uma proteína que confere flexibilidade, o que explica a maior maleabi- lidade óssea em crianças em comparação a adultos – com o envelheci- mento, há perda progressiva de colágeno e, consequentemente, aumento da fragilidade óssea. A água também contribui significativamente para a resistência óssea (LIPPERT, 2018; HALL, 2000). Alguns ossos são mais porosos que outros, em virtude da menor pro- porção de carbonato e fosfato de cálcio, sendo denominados ossos corti- cais: menos porosos, com 5% a 30% do volume constituído por tecido não mineralizado, ou ossos trabeculares, esponjosos ou reticulares: mais poro- sos, com 30% a 90% do volume constituído por tecido não mineralizado. Sendo mais rígido que o trabecular, o osso cortical resiste a maior estresse, mas a relativas sobrecarga ou deformação menores. Já o osso trabecular, sendo mais esponjoso, resiste a maior sobrecarga até que sofra fratura, constituindo a maior parte do conteúdo ósseo das vértebras. Ambos, cor- tical e trabecular, são ossos anisotrópicos, demonstrando diferentes graus de resistência e de rigidez frente a forças aplicadas de direções variadas e sendo mais resistentes à compressão e mais fracos ao cisalhamento (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 6.1 – Estrutura dos ossos cortical e trabecular Epí�se proximal Epí�se distal Diá�se Placa epi�sária Artéria nutriente Cavidade medular Osso trabecular Osso trabecular Endósteo Osso cortical Osso cortical Periósteo Medula Fonte: adaptado de Shutterstock.com/Alexander_P – 109 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações De acordo com o formato e as funções gerais, os ossos podem ser clas- sificados em (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000): 2 curtos – aproximadamente cúbicos e responsáveis por movi- mentos limitados de deslizamento e pela absorção de choques (por exemplo, ossos do carpo e tarso); 2 planos – responsáveis pela proteção de órgãos subjacentes e tecidos moles (por exemplo, escápulas, esterno, costelas, patelas e alguns ossos do crânio); 2 irregulares – atuando como túneis protetores da medula, ofe- recendo processos ósseos para inserções musculares e ligamen- tares, sustentando o peso das partes superiores do corpo e per- mitindo movimentação do tronco nos três planos cardinais (por exemplo, sacro e cóccix); 2 longos – formando o arcabouço do esqueleto apendicular (mem- bros superiores e inferiores); 2 sesamoides – localizados em regiões em que alguns tendões cru- zam epífises de ossos longos nos membros superiores e inferiores. Ossos longos crescem no sentido longitudinal e ao nível das epífises, que são discos cartilaginosos localizados próximo à extremidade e produ- zem novas células ósseas continuamente, até por volta dos 18 anos de idade (podendo chegar até os 25 anos), quando desaparecem e resultam na fusão do osso, encerrando seu crescimento. Em diâmetro, os ossos longos crescem durante a maior parte da vida, porém de maneira mais rápida antes da fase adulta, com a produção de novas camadas concêntricas de periósteo (contendo osteoblastos e osteoclastos) sobre camadas existentes, concomitantemente à reabsorção ou eliminação de tecido morto em torno do contorno da cavidade medular (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Em crianças e adolescentes, cerca de 10% das lesões traumáticas acome- tem a epífise, denominadas lesões epifisárias, incluindo lesões da placa epi- fisária cartilaginosa, da cartilagem articular e da apófise – locais de inserções tendinosas no osso, onde o formato ósseo é influenciado pelas cargas tensivas a que estão sujeitos esses locais. As cargas agudas e repetitivas podem lesio- nar a placa de crescimento, potencialmente levando ao fechamento prematuro Cinesiologia e Biomecânica – 110 – da junção epifisária e ao conse- quente encerramento do cresci- mento ósseo (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). A magnitude e a direção dos estresses mecânicos que atuam sobre os ossos depen- dem de suas densidades e, em menor grau, de seus formatos e tamanhos. O peso corpóreo é responsável pelo mais constante estresse mecânico aos ossos, portanto a densidade dos mine- rais ósseos costuma manter uma correspondência com o peso, determinando ossos mais maci- ços em indivíduos mais pesados. Os demais interferentes na den- sidade óssea são raça, genética, dieta, perfil de atividade física e estilo de vida (HALL, 2000). Embora raros, casos de hipertrofia óssea (modelagem óssea) podem acontecer em decorrência de atividades físicas regulares, como consequ- ência de um estresse particularmente intenso em determinado membro ou região do corpo, como a hipertrofia do raio do braço utilizado por atletas profissionais de tênis ou beisebol. Em virtude de estudos com exercícios realizados sem sustentação de peso, como natação e cicloergometria, pode- mos atribuir o aumento da densidade óssea também a outros fatores, como aprimoramento da circulação sistêmica. Da mesma forma, ossos que não recebem os estresses normais causados pelas contrações musculares ou pela sustentação de peso se atrofiam com a remodelagem óssea, como em pacientes acamados, idosos sedentários e astronautas. Além disso, quando compostos de cálcio são dissolvidos e removidos do tecido ósseo, atingem a corrente sanguínea e são filtrados pelos rins, elevando a possibilidade de surgimento de cálculos renais (HALL, 2000). Figura 6.2 – Epífises ósseas Fonte: adaptado de Shutterstock.com/ChooChin – 111 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações A integridade óssea pode ser afetada por uma interrupção na conti- nuidade desse osso ocasionada por um evento chamado fratura, cuja natu- reza depende da magnitude, da direção, da intensidade da sobrecarga e da duração da carga mecânica suportada, bem como da saúde e da maturi- dade óssea no momento da lesão. Fraturas podem ser classificadas como simples, no caso de as extremidades permanecerem dentro dos tecidos moles envolventes, ou expostas, no caso de uma ou de ambas as extremi- dades perfurarem a pele, podendo ser de seis tipos: 1. em galho verde – incompleta, ocorrendo na superfície convexa da inclinação no osso; 2. fissurada – incompleta, envolvendo uma fenda longitudinal; 3. cominutiva – completa, fragmentando o osso; 4. transversa – completa, com a fenda ocorrendo em ângulo reto com o eixo ósseo; 5. oblíqua – completa, não formando um ângulo reto com o eixo ósseo; 6. espiralada – completa, ocasionada por rotação excessiva. Figura 6.3 – Tipos de fratura Uma fratura em galho verde é incompleta, e a solução de continuidade ocorre na superfície convexa da inclinação no osso. Uma fratura �ssurada envolve uma fenda longitudinal incompleta. Uma fratura cominutiva é completa e fragmenta o osso. Uma fratura espiralada é causada pela rotação excessiva de um osso. Uma fratura oblíqua ocorre sem formar um ângulo reto com o eixo do osso. Uma fratura transversaé completa, e a fenda ocorre em ângulo reto com o eixo do osso. Fonte: adaptado de Shutterstock.com/Artemida-psy Cinesiologia e Biomecânica – 112 – Fraturas espiraladas em ossos longos podem ser causadas por cargas excessivas de inclinação e de torção, nas quais a aplicação simultânea de forças de direções opostas, em pontos distintos ao longo da estrutura, gera um torque (momento de inclinação) que leva à inclinação e, consequente- mente, à fratura. Na presença de uma inclinação, a estrutura óssea é sobre- carregada em tensão, por um lado, e em compressão pelo lado oposto. Como vimos, um osso é mais resistente à compressão e mais fraco ao cisalhamento ou à tensão; portanto, espera-se que o lado sobrecarregado do osso em tensão sofra a fratura primeiro. Assim, uma vez que a maior resistência é em relação à compressão se comparada à tensão e ao cisalhamento, fraturas traumáticas por compres- são óssea são raras na ausência de osteoporose, condição na qual a massa mineral e a resistência óssea se encontram profundamente comprometidas a ponto de o osso sofrer fraturas em atividades diárias. Ainda, quando os lados opostos da fratura são comprimidos juntos, há uma fratura impac- tada; quando a fratura leva à depressão dos fragmentos ósseos para o inte- rior dos tecidos subjacentes, há uma fratura com afundamento (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Fraturas de fadiga ou de estresse são consequência de forças de baixa magnitude suportadas em bases repetidas, que podem desencadear uma reação de estresse (microtraumatismo) caso haja qualquer aumento na magnitude ou na frequência da sobrecarga óssea. A responsividade óssea frente ao microtraumatismo é a remodelagem: primeiramente, reabsorção do tecido lesado pelos osteoclastos, em seguida deposição de novo tecido ósseo pelos osteoblastos. Fraturas de estresse são percebidas como peque- nas interrupções na constância das camadas externas de ossos corticais, podendo progredir com o tempo e resultar em fratura cortical completa (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). 6.2 Biomecânica articular Nossa capacidade de orientar a movimentação dos segmentos cor- porais é orquestrada pelas articulações, cujas diferenças na firmeza ou na – 113 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações frouxidão dos tecidos moles circundantes resultam em diferentes ampli- tudes articulares de movimento. Com base na capacidade de realização dos movimentos, as articulações são classificadas em (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000): 2 sinartroses – permitem absorção de choques, mas pouco ou nenhum movimento dos ossos articulados devido a sua compo- sição fibrosa; 2 anfiartroses – também permitem absorção de choques e mais movimentação óssea que as anteriores devido a sua composi- ção cartilaginosa; 2 diartroses ou sinoviais – possibilitam livre movimento dos ossos articulados. As sinartroses podem, ainda, ser subdivididas em suturas e sin- desmoses. As suturas estão presentes no corpo humano somente nos ossos do crânio, constituindo articulações nas quais as lâminas ósseas apresentam ranhuras irregulares e íntima equivalência, firmemente uni- das por fibras contínuas com o periósteo e que começam a se ossificar no início da vida adulta e são substituídas completamente por tecido ósseo. Nas sindesmoses, a junção dos ossos é assegurada por um tecido fibroso denso que permite movimentos limitados, como os observados nas articulações coracoacromial, radioulnar média, tibiofibular média e tibiofibular distal (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Anfiartroses, por sua vez, podem ser subdivididas em sincondroses e sínfises. Nas sincondroses, uma delgada camada de cartilagem hialina mantém os ossos articulares unidos, como observado nas articulações esternocostais e nas placas epifisárias, anteriormente a sua ossificação. Nas sínfises, as camadas de cartilagem hialina, mais finas, designam uma separação entre um disco fibrocartilaginoso e os ossos, como acontece nas articulações vertebrais e na sínfise púbica (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Cinesiologia e Biomecânica – 114 – Quadro 6.1 – Classificação das articulações Tipo Movimento Estrutura Exemplo Sinartrose Sutura Sindesmose Nenhum Pouco Fibrosa Fibrosa Ossos do crânio, exceto a mandíbula Articulação tibiofibular distal Anfiartrose Sincondrose Sínfise Limitado Limitado Cartilagem hialina delgada Cartilagem hialina fina Articulações esterno- costais Sínfise púbica, vértebras Diartrose Livre Sinovial Quadril, joelho, cotovelo Fonte: Lippert (2018, p. 19). Nas articulações sinoviais, uma cartilagem articular recobre as super- fícies ósseas articuladas, uma cápsula articular circunda a articulação e uma membrana sino- vial envolve o inte- rior da cápsula, a qual secreta uma espécie de lubrificante: o líquido sinovial (Figura 6.4). Ainda, estão presen- tes nas diartroses as bursas e as bainhas tendinosas, respectiva- mente pequenas cáp- sulas contendo líquido sinovial protegendo as estruturas que separam tendões de ossos, em sua maioria, e estrutu- ras sinoviais de dupla Cápsula articular Cavidade sinovial Membrana sinovial Bolsa pré-patelar Patela Tíbia Fêmur Bolsa suprapatelar Bolsa infrapatelar Bolsa infrapatelar Lâmina subcondral Cartilagem articular Gordura subpatelarMenisco Figura 6.4 – Exemplo de articulação sinovial (joelho) Fonte: adaptado de Shutterstock.com/Alila Medical Media – 115 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações camada que envolvem os tendões posicionados intrinsecamente com os ossos (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). A cartilagem articular é responsável pela distribuição das cargas atu- antes em uma articulação por uma extensa área, reduzindo em 50% ou mais o nível de estresse em qualquer ponto de contato entre os ossos e pela autonomia de movimentação dos ossos articulados, com atrito e desgaste mínimos. Em certas articulações, há também a presença de uma fibrocar- tilagem articular em forma de discos fibrocartilaginosos ou discos parciais (meniscos) entre os ossos articulados; por exemplo, os discos interver- tebrais e os meniscos do joelho. As possíveis funções para essas estru- turas compreendem distribuição das cargas atuantes sobre as superfícies articulares, melhoria do encaixe das superfícies articuladas, limitação do deslizamento de um osso em relação a outro, proteção periférica da arti- culação e lubrificação e absorção de choques (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 6.5 – Exemplos de discos fibrocartilaginosos: sínfise púbica (A) e intervertebrais (B) Processo espinhoso Corpo da vértebra Disco �brocartilaginoso da sín�se púbica Osso púbicoA B Núcleo gelatinoso Feixe de �brocartilagem Discos intervertebrais Fonte: adaptado de Shutterstock.com/Axel_Kock Conforme o número de eixos de rotação possíveis, as articulações sinoviais podem ser subdivididas em uniaxiais, biaxiais e triaxiais, respec- tivamente com um, dois e três graus de liberdade ou capacidade de realizar movimentos articulares. Exemplos de articulações sinoviais incluem: 2 esferoidal – as superfícies dos ossos articulados são côncavas e convexas, reciprocamente, permitindo a rotação nos três planos de movimento (por exemplo, articulações do ombro e do quadril); Cinesiologia e Biomecânica – 116 – 2 condiloidea, ovoide ou elipsoidal – uma das superfícies ósseas é convexa ovoide e a outra é reciprocamente côncava, permitindo fle- xão, extensão, abdução e circundução (por exemplo, articulações metacarpofalangianas e radiocárpicas do primeiro ao quinto dedo); 2 deslizante, plana ou artrodial – as superfícies ósseas são pra- ticamente planas e permitem somente deslizamento não axial (por exemplo, articulações entre ossos do carpo e do tarso, entre metatarsos e articulações facetarias das vértebras); 2 dobradiça ou gínglimo – uma superfície óssea é convexae a outra é côncava e poderosos ligamentos colaterais permitem somente um deslizamento planar, como uma dobradiça (por exemplo, articulações ulnoumeral e interfalangianas); 2 em pivô, parafuso ou trocoidea – a rotação ocorre em torno de um único eixo (por exemplo, articulações atlantoaxial e radiou- lnares proximal e distal); 2 em sela ou selar – ambas as superfícies articulares se asseme- lham ao assento de uma sela de equitação e permitem a mesma capacidade de realização de movimentos que a articulação con- diloidea, porém com maior amplitude (por exemplo, articulação carpometacárpica do polegar). Figura 6.6 – Exemplos de articulações sinoviais do corpo humano Articulação esferoidal Osso ilíaco Cabeça do fêmur no acetábulo Fêmur Articulação em dobradiça Rádio Úmero Ulna Trapézio Primeiro metacarpo Articulação em sela Articulação em pivô Axis Dente Ligamento transverso Atlas Fonte: adaptado de Shutterstock.com/ ellepigrafica/ Blamb – 117 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações No Capítulo 4, estudamos a posição trancada, que constitui a posi- ção de maior estabilidade articular, na qual há melhor ajuste das super- fícies articulares, portanto a área de contato é máxima. Por outro lado, quaisquer movimentos ósseos na articulação com relações diferentes da posição trancada resultam em uma posição destrancada ou de repouso e redução na área de contato. Certos formatos de superfícies articulares fazem que haja maior ou menor área de contato e, consequentemente, maior ou menor estabilidade em ambas as posições trancada e de repouso (HALL, 2000). A estabilidade das articulações pode ser afetada por ligamentos, músculos e tendões, principalmente nos ombros e nos joelhos, nos quais a configuração dos ossos não é particularmente estável e a tensão nos ligamentos e nos músculos contribui muito para a estabilidade, mantendo unidas as extremidades ósseas articuladas. O ângulo de inserção da maioria dos tendões é de tal maneira que, durante a tensão muscular, as extremidades articuladas são aproximadas, favorecendo a estabilidade. Quando fatigados, os músculos perdem a capacidade de favorecer a estabilidade articular, aumentando a probabilidade de rupturas ligamentares por estiramento superior aos limites elásticos (HALL, 2000). Já a flexibilidade articular consiste na amplitude de movimento pos- sível em cada um dos planos de movimento de uma articulação, sendo a flexibilidade estática referente à amplitude de movimento presente quando um segmento é movido passivamente por profissionais de Educação Física ou fisioterapeutas e flexibilidade dinâmica, na amplitude de movimento conseguida por meio de movimentação ativa de um segmento devido à contração muscular. Para a avaliação da ocorrência de uma possível lesão, a flexibilidade estática é considerada como o melhor indicador de rigidez ou frouxidão articular (HALL, 2000). A amplitude de movimento é mensurada em graus, sendo que todas as articulações são consideradas como estando em zero grau na posição anatômica. Diversos fatores interferem na flexibilidade (mobilidade) articular, como os formatos das superfícies ósseas arti- culadas, o conteúdo hídrico (nos discos cartilaginosos) e o músculo ou tecido adiposo interposto, que podem limitar o movimento de Cinesiologia e Biomecânica – 118 – uma amplitude de movimento em seu extremo, como o músculo ou a gordura na face anterior do braço, restringindo a flexão do cotovelo (HALL, 2000). O risco de lesão é maior quando a mobilidade articular é extrema- mente baixa, extremamente alta ou muito discrepante entre os lados dominante e não dominante do corpo. De acordo com a atividade que um indivíduo deseja realizar, a quantidade desejável de mobilidade articular muda, como ginastas e dançarinos, que precisam de maior flexibilidade do que atletas de outros esportes e não atletas. Entretanto, também precisam de músculos, tendões e ligamentos fortes para um bom desempenho e prevenção de lesões, condição que pode inibir a amplitude de movimento; por outro lado, uma articulação extrema- mente estável e resistente pode favorecer grandes amplitudes de movi- mento (HALL, 2000). O aumento ou a manutenção da flexibilidade são conseguidos com o alongamento dos músculos e dos ligamentos que limitam a amplitude de movimento por meio de diversas abordagens, algumas mais efetivas do que outras devido às respostas neuromusculares diferenciais induzidas. Através das fibras musculares, encontramos alguns receptores sensoriais entremeados, orientados paralelamente às fibras, denominados fusos musculares, envoltos por uma bainha de tecido conjuntivo. Os fusos musculares podem ser primários, carac- terizados por uma resposta tanto ao grau quanto ao ritmo de alonga- mento (resposta dinâmica), ou secundários, caracterizados por ape- nas uma resposta ao grau de alongamento (resposta estática). Sendo a resposta dinâmica muito mais vigorosa do que a estática, ritmos lentos de alongamento não ativam as respostas dos fusos musculares, as quais incluem ativação do reflexo de alongamento e inibição da produção de tensão nos músculos antagonistas (inibição recíproca). O reflexo de alongamento ou reflexo miotático é estimulado pela ati- vação dos fusos em um músculo distendido, como no teste do reflexo patelar, no qual uma leve estimulação no tendão patelar desencadeia um reflexo de estiramento que resulta no espasmo ocasionado pela imediata produção de tensão no grupo quadricipital (LIPPERT, 2018; HALL, 2000). – 119 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações Figura 6.7 – Exemplo de reflexo miotático de estiramento Axônio de neurônio sensorial Receptor - fuso muscular Paleta Efetor - quadríceps Grupo muscular femoral Ligamento patelarDireção do impulso Axônio de neurônio motor Corpo celular de neurônio motor Dendrito de neurônio motor Medula espinhal Dendrito de neurônio sensorial Corpo celular de neurônio sensorial Fonte: adaptado de Shutterstock.com/Aldona Griskeviciene Os alongamentos podem ser ativos, produzidos pela contração dos músculos antagonistas, ou passivos, envolvendo a força gravitacional, aplicada por outro segmento ou por outro indivíduo, a fim de movimentar um segmento até o limite da amplitude de movimento. Temos, ainda, o alongamento balístico, em alongamentos elásticos, utilizando o momento dos segmentos corporais para estender repetidamente a posição articular até ou além dos extremos da amplitude de movimento, e o alongamento estático, na manutenção da posição articular desejada, após alcançada, por cerca de 10 segundos a 30 segundos, para estímulo dos órgãos tendi- nosos de Golgi (OTGs), os quais superam as respostas dos fusos muscula- res e promovem o relaxamento dos músculos em alongamento. Ambos os alongamentos contribuem para o aumento da amplitude de movimento; entretanto, o estático costuma ser preferido pela tendência a provocar uma resposta dos OTGs que facilita o alongamento, enquanto o balístico pode ativar a resposta dos fusos musculares inibitória do alongamento (HALL, 2000). Uma técnica bem fundamentada de alongamento consiste na faci- litação neuromuscular proprioceptiva (FNP), que envolve um padrão Cinesiologia e Biomecânica – 120 – alternado de contração e relaxamento de agonistas e de antagonistas obje- tivando tirar vantagem da resposta dos OTGs e induzir um aumento signi- ficativo na amplitude articular de movimento em uma única sessão. Essa técnica apresenta duas variações de abordagens: contrair-relaxar-antago- nista-contrair ou lento-reversão-manter-relaxar, mantendo cada etapa por 5 segundos a 10 segundos e repetindo a sequência por pelo menos quatro vezes, e agonista-contrair-relaxar, com etapas sequenciadas de 5 segundos a 20 segundos cada (HALL, 2000). 6.3 Biomecânica musculoesquelética Todos os tipos de músculo (cardíaco, liso e esquelético) apresentam quatro propriedades: extensibilidade, elasticidade, irritabilidade e capacidadede desenvolver tensão. Extensibilidade é a aptidão muscular de estirar ou de aumentar em comprimento; elasticidade corresponde à propriedade de voltar ao comprimento normal após um estiramento; e irritabilidade refere-se à pro- priedade muscular de responder a um estímulo eletroquímico ou mecânico. A elasticidade dos músculos é devida principalmente a dois componentes: com- ponente elástico em paralelo (CEP), proporcionado pelas membranas muscu- lares para fornecer resistência quando passivamente um músculo é estirado, e componente elástico em série (CES), proporcionado pelos tendões com o objetivo de armazenar energia elástica quando um músculo sob tensão é esti- rado (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Um músculo sob tensão, quando estirado, faz que o CES desencadeie um efeito de recuo elástico, e o reflexo de estiramento simultaneamente inicia o desenvolvimento de tensão no músculo (contração excêntrica). Sendo assim, um estiramento proporciona subsequentemente o encurta- mento forçado do músculo (contração concêntrica), sendo esse padrão de contração excêntrica imediatamente seguido por contração concêntrica, denominado ciclo de alongamento-encurtamento, fenômeno que contribui para o efetivo desenvolvimento da força muscular concêntrica em diver- sos esportes (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Especificamente, as fibras musculares esqueléticas apresentam carac- terísticas estruturais, histoquímicas e comportamentais distintas. Podemos distinguir dois tipos de fibras quanto à capacidade de suas unidades moto- – 121 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações ras de se contraírem para alcançar uma tensão máxima: fibras de contração rápida (CR) e fibras de contração lenta (CL), sendo que as primeiras levam apenas cerca de um sétimo do tempo necessário para as últimas alcança- rem uma tensão máxima, porque têm maior diâmetro e maiores concentra- ções de miosina-ATPase – porém, em geral, fatigam-se mais rapidamente que as fibras CL (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Altos percentuais de fibras CR proporcionam maiores magnitudes de torque e de potência durante os movimentos, sendo possível classificar as fibras em dois subtipos com base em suas propriedades histoquímicas: um tipo que compartilha a resistência à fadiga característica das fibras CL e outro que tem maior diâmetro e menor quantidade de mitocôndrias, fatigando-se mais rapidamente que o primeiro tipo. O Quadro 6.2 designa os três tipos gerais de fibras musculares e suas respectivas características, sendo as fibras CL denominadas como Tipo I e as fibras CR como Tipo IIa e Tipo IIb. Durante um exercício de baixa intensidade, o sistema nervoso central ativa quase exclusivamente fibras CL, ativando as fibras tipo IIa e, por fim, as fibras tipo IIb na medida em que a atividade prossegue e a fadiga se instala (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Quadro 6.2 – Características das fibras musculares esqueléticas Característica Tipo I Oxidativa de contração lenta (OL) Tipo IIa Glicolítica oxidativa de contração rápida (GOR) Tipo IIb Glicolítica de contração rápida (GR) Velocidade de contração Lenta Rápida Rápida Ritmo de fadiga Lento Intermediário Rápido Diâmetro Pequeno Intermediário Grande [ATPase] Baixa Alta Alta [Mitocôndrias] Alta Alta Baixa [Enzimas glicolí- ticas] Baixa Intermediária Alta Fonte: adaptado de Hall (2000, p. 113). Cinesiologia e Biomecânica – 122 – A funcionalidade de um músculo também pode ser influenciada pelas disposições das fibras em seu interior e os arranjos pelos quais elas se conectam aos tendões: em paralelo (longitudinais) ou oblíquas (penifor- mes). Fibras com arranjo em paralelo se orientam paralelamente ao eixo longitudinal do músculo, como as fibras dos músculos sartório, reto abdo- minal e bíceps braquial; enquanto fibras com arranjo peniforme determi- nam um ângulo com o eixo longitudinal e cada fibra se conecta a um ou mais tendões, como os músculos reto femoral e tibial posterior (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 6.8 – Tipos de arranjos das fibras musculares: paralelas (A) e peniformes (B) A) B) Fonte: adaptado de Shutterstock.com/Timonina Quando a tensão é desenvolvida em um músculo longitudinal, qual- quer encurtamento do músculo constituirá, essencialmente, o resultado do encurtamento de suas fibras; mas quando a tensão é desenvolvida em mús- culos peniformes, as fibras rodam ao redor de suas inserções tendinosas – 123 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações e aumentam progressivamente o ângulo de inserção (Figura 6.9). Quanto maior for o ângulo de inserção, menor será a quantidade de força efetiva realmente transmitida aos tendões para movimentar os ossos articulados. Acima de 60° de inserção, a quantidade de força efetiva transferida ao tendão é menor que a metade da força realmente gerada pelas fibras mus- culares (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 6.9 – Aumento do ângulo de inserção pelo aumento progressivo de tensão Relaxado Com produção de tensão Fonte: adaptado de Shutterstock.com/Timonina O arranjo peniforme das fibras reduz a força efetiva gerada para determinado nível de tensão das fibras, mas permite o acomodamento de mais fibras que a quantidade capaz de ser acomodada em um músculo longitudinal que ocupa o mesmo espaço. Dessa forma, músculos penifor- mes contêm mais fibras por unidade de volume muscular e, consequente- mente, geram mais força que músculos longitudinais do mesmo tamanho – embora o arranjo em paralelo permita maior encurtamento de todo o músculo se comparado ao que seria possível em um arranjo peniforme (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Cinesiologia e Biomecânica – 124 – Quando a tensão aplicada a um músculo gera um torque superior ao tor- que resistivo em uma articulação, o músculo em questão se encurta (contração concêntrica), e o movimento articular resultante ocorre na mesma direção do torque efetivo gerado, acarretando uma mudança do ângulo ao nível da articu- lação. Por outro lado, se o torque na articulação atravessada pelo músculo for igual ao torque gerado pelo músculo (torque efetivo zero), haverá elaboração de tensão, mas sem encurtamento (contração isométrica); ou seja, o compri- mento do músculo se manterá inalterado e não haverá movimentação na arti- culação. Por fim, quando um músculo é alongado enquanto estimulado para o desenvolvimento de tensão, temos uma contração excêntrica, e a direção do movimento articular é oposta àquela do torque muscular efetivo (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Muitos músculos, como o bíceps braquial, os isquiotibiais e o reto femoral, atravessam duas ou mais articulações, afetando, simultanea- mente, o movimento em ambas ou em todas as articulações atravessa- das. A eficácia em causar movimento em qualquer articulação atravessada depende (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000): 2 da localização e da orientação da inserção desse músculo em relação à articulação; 2 da rigidez ou da frouxidão apresentadas pela unidade musculo- tendinosa; 2 das ações de outros músculos que atravessam a articulação. Por outro lado, músculos bi e poliarticulares são desprovidos da pro- priedade de encurtamento, concomitantemente, em um grau suficiente que possibilite uma amplitude plena de movimento em todas as articulações atravessadas (insuficiência ativa). Por exemplo, para o punho em posi- ção de flexão, os flexores dos dedos são incapazes de fechar a mão tão completamente como quando o punho está em uma posição neutra. Outra situação é que, para a maioria das pessoas, os músculos bi e poliarticulares não podem ser estendidos o suficiente para uma amplitude plena de movi- mento na direção oposta, em todas as articulações atravessadas (insufici- ência passiva). No caso da articulação do punho, uma maior amplitude de hiperextensão é possível quando os dedos se encontram incompletamente estendidos(LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). – 125 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações Figura 6.10 – Insuficiência ativa (A) e passiva (B) das articulações cruzadas no punho Fonte: Shutterstock.com 6.3.1 Interferentes da geração de força muscular A magnitude da força que um músculo é capaz de gerar também se relaciona à velocidade de seu encurtamento, a seu comprimento mediante uma estimulação e ao período a partir do estímulo. A força concêntrica exercida pelo músculo é inversamente proporcional à velocidade com que esse músculo é capaz de se encurtar; ou seja, quando um músculo desenvolve força concêntrica resistente a uma carga elevada, é esperada uma velocidade de encurtamento muscular relativamente baixa, e quando a resistência é baixa, é esperada uma velocidade de encurtamento relati- vamente alta. Entretanto, essa relação força-velo- cidade não quer dizer que seja impossível deslocar uma resistência elevada com alta velocidade, bem como deslocar uma carga leve com baixa velocidade (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Quanto mais forte for o músculo, maior será a magnitude da ten- são isométrica máxima (centro da Figura 6.11), Velocidade 0 Concêntrico Excêntrico Fo rç a Isométrico Máximo Figura 6.11 – Relação força-velocidade muscular Fonte: Elaborado pelo autor Cinesiologia e Biomecânica – 126 – que consiste na quantidade máxima de força que um músculo pode gerar antes de sofrer um alongamento real conforme a resistência é aumentada. Repare que o padrão geral da curva continua o mesmo, independente- mente da magnitude da tensão isométrica máxima. A maioria das ativida- des do nosso cotidiano requer movimentos lentos e controlados de cargas submáximas, e a relação força-velocidade indica de fato que, para certa carga ou demanda de força muscular, a velocidade máxima do encurta- mento é fixada conforme o padrão mostrado na Figura 6.11. Para movi- mentos com rapidez submáxima, a velocidade de encurtamento se sujeita ao controle voluntário; isto é, somente é ativado o número necessário de unidades motoras. Para cargas maiores que o máximo isométrico, o mús- culo é forçado ao alongamento conforme o padrão mostrado na metade superior da Figura 6.11; e para cargas menores que o máximo isométrico, a velocidade de alongamento muscular se sujeita ao controle voluntário (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Na relação comprimento-tensão, podemos observar que o nível de tensão isométrica máxima que um músculo pode produzir depende, até certo ponto, de seu comprimento. Em uma única fibra muscular, a produ- ção de força é máxima quando o músculo não está contraído nem relaxado (comprimento normal de repouso). Conforme é aumentado ou diminuído o comprimento muscular para além do comprimento de repouso, a força máxima capaz de ser produzida pelo músculo diminui, gerando uma curva em formato de sino (Figura 6.12). Porém, no corpo humano, a capacidade de geração de força aumenta quando o músculo se encontra ligeiramente estendido: músculos longitudinais geram tensões máximas imediatamente acima de seu comprimento de repouso, e músculos peniformes geram tensões máximas entre 120% e 130% de seu comprimento de repouso (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Após um estímulo, demanda-se um curto período até que o músculo comece a desenvolver tensão, conhecido como retardo eletromecânico (REM), possivelmente indispensável para que o componente contrátil muscular consiga alongar o componente elástico em série (CES). Durante esse tempo, a frouxidão do músculo é eliminada, e, após o CES se apre- sentar alongado o suficiente, o desenvolvimento de tensão prossegue. A duração do REM varia significativamente entre os músculos nos seres – 127 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações humanos, tendo sido relatados valores de 20 ms a 100 ms. Estudos suge- rem a produção de REMs mais curtos por músculos com altos percentuais de fibras CR se comparado a músculos com altos percentuais de fibras CL; assim como REMs mais curtos em desenvolvimento de forças de contra- ção mais altas. No entanto, o REM parece não sofrer interferências devido a fatores como comprimento muscular, tipo de contração, velocidade de contração e fadiga, mas a idade parece interferir nesse período, visto que o REM em crianças é muito mais longo que em adultos (HAMILL; KNUT- ZEN, 2008; HALL, 2000). 6.3.2 Força, potência e resistência musculares A constância das adequadas força e resistência (endurance) mus- culares é imprescindível para a realização das atividades cotidianas e a prevenção de lesões, principalmente em idosos e indivíduos com distúr- bios ou lesões neuromusculares. Nos seres humanos, a avaliação direta da força produzida por determinado músculo comumente se dá por meio da mensuração do torque máximo gerado por um grupo muscular inteiro em uma articulação. Dessa maneira, a força muscular é mensurada como uma funcionalidade da capacidade mútua de um grupo de músculos em gerar torque sobre uma articulação específica (HALL, 2000). Considerando-se que o componente da força muscular dirigido per- pendicularmente ao osso articulado produz torque ou efeito rotatório, esse componente é denominado componente rotatório da força muscular. O tamanho do componente rotatório é máximo quando o músculo se encon- tra em 90° em relação ao osso, sendo progressivamente reduzido com uma mudança no ângulo em qualquer direção. Ainda, o componente de força muscular que se aplica de forma paralela ao osso articulado não gera tor- que, pois se dirige através do centro articular e, portanto, tem um braço de momento igual a zero (HALL, 2000). Todavia, esse componente pode proporcionar influência estabiliza- dora ou de deslocamento, conforme estiver sendo dirigido para o centro articular ou se afastando dele. Resumindo, a força muscular deriva tanto da quantidade de tensão que os músculos conseguem gerar quanto dos braços de momento dos músculos que contribuem em relação ao centro Cinesiologia e Biomecânica – 128 – articular, ambos afetados por diversos fatores. Especificamente, o braço de momento é afetado por dois fatores (HALL, 2000): 1. distância entre inserção anatômica do músculo no osso e eixo de rotação no centro articular; 2. ângulo da inserção do músculo no osso, constituindo típica função do ângulo articular relativo. Ou seja, a maior quantidade de torque é gerada pela tensão máxima em um músculo orientado em um ângulo de 90° em relação ao osso e anatomicamente inserido o mais longe possível do centro articular. A potência muscular constitui o produto da força muscular pela velo- cidade do encurtamento muscular, sendo que a potência máxima ocorre com cerca de um terço da velocidade máxima e um terço da força con- cêntrica máxima. Consequentemente, a potência muscular é afetada por força muscular e velocidade do movimento. A potência é um componente essencial para as atividades que exigem tanto força quanto velocidade. Sendo assim, um alto percentual de fibras CR em um músculo constitui uma vantagem para o atleta de um esporte baseado na potência muscular, uma vez que as fibras CR desenvolvem tensão mais rapidamente que as fibras CL. No músculo esquelético humano, a relação de produção média de potência máxima pelas fibras Tipo IIb, Tipo IIa e Tipo I é de 10:5:1 (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). O endurance muscular é a capacidade de o músculo exercer tensão durante determinado período, a qual pode ser constante, como durante a execução da cruz nas argolas por um ginasta, ou ciclicamente variável, como ao remar, correr e pedalar. Quanto maior for o período, maior será a resistência; e apesar de a força e a potência musculares máximas serem conceitos relativamente específicos, a resistência ou endurance muscular é menos bem compreendida porque as necessidades de força e de velo- cidade de determinada atividade afetam significativamente o período durante o qual ela pode sermantida (HALL, 2000). A resistência muscular é o oposto da fatigabilidade: quanto mais rapi- damente um músculo se fatiga, menor é sua resistência. Uma série de fato- res fisiológicos e neurológicos interfere no ritmo com que um músculo se fatiga, havendo evidências de que os mecanismos da fadiga podem ser espe- – 129 – Aspectos biomecânicos do tecido ósseo e das articulações cíficos para determinado músculo ou específicos para a duração do exer- cício. Além disso, no interior de determinado músculo, a composição dos tipos de fibras e o padrão de ativação das unidades motoras têm algum papel na determinação do ritmo com que um músculo se fatiga (HALL, 2000). A fadiga muscular se caracteriza por redução na capacidade de pro- dução de força muscular e velocidade de encurtamento, bem como rela- xamento prolongado das unidades motoras entre os períodos de recru- tamento. Atividades de alta intensidade durante certo período também resultam em duração prolongada das contrações, bem como em potencial de ação prolongado do sarcolema e de amplitude reduzida (HALL, 2000). A fadiga absoluta é atingida quando uma fibra muscular deixa de desenvolver tensão se estimulada por seu axônio motor, podendo também ocorrer no próprio neurônio motor, tornando-o incapaz de gerar um poten- cial de ação. As causas específicas da fadiga ainda não são totalmente elucidadas; entretanto, cada vez mais evidências sugerem a participação de uma redução no ritmo de liberação e de captação do cálcio intracelu- lar pelo retículo sarcoplasmático, havendo três mecanismos de captação reduzida de cálcio também ainda não completamente elucidados. Outra linha de pesquisa sugere que o deslizamento dos filamentos de actina e de miosina durante a contração muscular repetida reduz a afinidade pelo cálcio nos locais de captação sobre os filamentos finos de actina; além de vários outros fatores, como aumento na acidez muscular e no potássio intracelular e reduções nos suprimentos de energia ao músculo e do oxigê- nio intracelular (HALL, 2000). Síntese Os ossos têm as funções de sustentar e de proteger outros tecidos do corpo, além de atuarem como um sistema de alavancas rígidas manipu- ladas pelos músculos inseridos. A força e a resistência dos ossos depen- dem de sua estrutura e de sua composição material, sendo o osso cortical mais rígido e resistente que o osso trabecular, porém este apresenta maior capacidade de absorção de choques. As articulações determinam nossas capacidades de realizar movimentos direcionais dos segmentos corporais articulados, sendo que em questão de movimentos permitidos podemos Cinesiologia e Biomecânica – 130 – classificar as articulações em três categorias principais: sinartroses (imó- veis), anfiartroses (ligeiramente móveis) e diartroses (livremente móveis). Estabilidade articular é a capacidade da articulação em resistir ao deslo- camento dos ossos articulados, com seus principais interferentes sendo o tamanho e o formato das superfícies ósseas articuladas, bem como a organização e a resistência de músculos, tendões e ligamentos circundan- tes. A unidade funcional do sistema neuromuscular é a unidade motora, constituída de um único neurônio motor e todas as fibras musculares por ele inervadas. As fibras de determinada unidade motora podem ser de con- tração lenta, de contração rápida e resistentes à fadiga ou de contração e fatigabilidade rápidas. O músculo responde à estimulação por meio do desenvolvimento de tensão; porém, dependendo das outras forças que possam atuar, a ação resultante pode ser concêntrica, excêntrica ou iso- métrica, para que o comprimento do músculo possa diminuir, aumentar ou permanecer inalterado. Atividades 1. Diferencie osso cortical de osso trabecular em relação às respec- tivas estruturas e resistências: 2. Explique o que são fraturas de fadiga: 3. Qual tipo de articulação e planos de movimento são permitidos para as seguintes articulações: ombro, cotovelo, punho, quadril, joelho e tornozelo? 4. Quais são os três tipos principais de fibras musculares? Caracte- rize sucintamente cada uma delas: 7 Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais 7.1 Biomecânica dos membros superiores 7.1.1 Biomecânica do ombro A articulação do ombro compreende um conjunto de cinco articulações: glenoumeral, esternoclavicular, acromioclavicular, coracoclavicular e escapulotorácica, sendo a articulação mais complexa do corpo. A articulação glenoumeral (AGU) é a mais livre, permitindo movimentos nos três planos: sagital (flexão, extensão e hiperextensão), frontal (abdução, adução e abdução e adução horizontais) e transverso (rotação medial e lateral do úmero). Essa liberdade de movimento se deve ao formato quase hemisférico da cabeça do úmero, que apresenta área de superfície até quatro vezes maior se comparada à da superfície da estru- tura com a qual se articula (cavidade glenoidea da escápula) e à menor curvatura da cavidade glenoidea em relação à cabeça umeral, permitindo movimentação linear do úmero (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Cinesiologia e Biomecânica – 132 – As forças musculares atuantes durante a rotação ativa do ombro ten- dem a restringir sua amplitude de movimento, limitando translações do úmero. Na cápsula articular que circunda a AGU estão inseridos vários ligamentos (coracoumeral e glenoumerais superior, médio e inferior) e tendões (subescapular, supraespinhoso, infraespinhoso e redondo menor), contribuindo para a rotação do úmero e formando um manguito colage- noso que circunda a articulação e traciona a cabeça do úmero na direção da cavidade glenoidea, estabilizando a articulação. A posição trancada da AGU é a abdução lateralmente rodada do úmero (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). A articulação esternoclavicular (AEC) se constitui da extremidade proximal da clavícula, da chanfradura clavicular no manúbrio do esterno e da primeira cartilagem costal, proporcionando o eixo principal de rotação para a movimentação da clavícula e da escápula. Sendo do tipo esferoidal modificada, permite movimentação livre nos planos frontal e transverso e certa rotação para frente e para trás no plano sagital. A posição trancada da AEC é a elevação máxima do ombro (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUT- ZEN, 2008; HALL, 2000). A articulação acromioclavicular (AAC) é formada pelo processo acromial da escápula com a extremidade distal da clavícula, constituindo uma articulação diartrodial irregular, embora permita movimentação nos três planos de movimento. A posição trancada da AAC é a abdução em 90° do úmero. A articulação coracoclavicular (ACC), por sua vez, é uma sindesmose formada pelo processo coracoide da escápula, ligado pelo ligamento coracoclavicular à superfície inferior da clavícula, permitindo pouca movimentação. A articulação escapulotorácica (AET) se forma com a junção da região entre a escápula anterior e a parede torácica, o que permite a movimentação da escápula em ambos os planos sagital e frontal em relação ao tronco (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Durante os primeiros 30° de elevação do úmero, a escápula realiza apenas cerca de um quinto da contribuição feita pela AGU, rodando apro- ximadamente 1° para cada 2° de movimento do úmero quando a elevação prossegue além dos 30°, em uma coordenação de movimentos escapulares e umerais chamados ritmo escapuloumeral, possibilitando uma amplitude – 133 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais de movimento muito maior ao nível do ombro se comparado à escápula mantida fixa. A clavícula é elevada em cerca de 35° a 45° na AEC durante os primeiros 90° de elevação do braço nos planos sagital, frontal ou dia- gonal, enquanto na AAC ocorre uma rotação durante os primeiros 30° de elevação umeral e quando o braço passa de 135° para uma elevação máxima (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 7.1 – Ritmo escapuloumeral (abdução do úmero acompanhada de rotação clavicular) Fonte:Shutterstock.com/ SciePro Os músculos inseridos na escápula são elevador da escápula, romboi- des, serrátil anterior, peitoral menor, subclávio e quatro feixes do trapézio. O papel desses músculos é estabilizar a escápula, para que se forme uma base rígida para os músculos do ombro durante o desenvolvimento de ten- são e facilitar os movimentos dos membros superiores devido ao posicio- namento adequado da AGU. Os músculos na AGU, devido aos locais de Cinesiologia e Biomecânica – 134 – suas inserções e das linhas de tração, contribuem para mais de uma ação do úmero. Uma significativa parte da estabilidade da articulação do ombro deriva da tensão nos músculos e nos tendões que atravessam a AGU; entre- tanto, quando um desses músculos desenvolve tensão, pode ser necessário o desenvolvimento concomitante de tensão em um antagonista, para evitar a luxação da articulação (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). A Figura 7.2 mostra os músculos do ombro e suas respecti- vas inserção proximal, inserção distal e ações primárias. Figura 7.2 – Músculos do ombro Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) primárias(s) Inervação Deltoide Terço externo da clacívula, acrômio, espinha da escápula Tuberosidade deltoide do pumero Axilar (C5, C6) (Parte anterior) Flexão, adu- ção, horizon- tal, rotação medial (Parte média) Abdução, abdução horizontal (Parte posterior) Extensão, abdução hori- zontal, rota- ção lateral Peitoral maior Face lateral do úmero logo abaixo (Parte clavicular) Dois terços mediais da clavícula Flexão, adu- ção horizon- tal, rotação medial Peitoral late- ral (C5-T1) – 135 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) primárias(s) Inervação (Parte esternal) Face anterior do esterno e cartilagem das primeiras seis costelas Extensão, adução, adu- ção horizon- tal, rotação medial Peitoral medial (C5-T1) Supraespinal Fossa supra-espinal Tubérculo maior do úmero Abdução, ajuda na rota- ção lateral Supraescupu- lar (C5, C6) Coraco- braquial Processo coracoide da escápulo Face ante- romedial do úmero Flexão, adu- ção, adução horizontal Musculocutâ- neo (C5-C7) Latíssima do dorso Seis vértebras torácicas inferiores e todas as vértebras lombares, face, poste- rior do sacro, crista ilíaca, três costelas inferiores Face anterior do úmero Extensão, adução, rota- ção medial Toracodorsal (C6-C8) Redondo maior Margem late- ral e ângulo inferior da espápula Face anterior do úmero Extensão, adução, rota- ção medial Subescapular (C5, C6) Infraespinal Fossa infra-espinal Tubérculo maior do úmero Rotação late- ral, abdução horizontal Subescapular (C5, C6) Redondo menor Margem posterolateral da escápula Tubérculo maior, diáfise do úmero adjacente Rotação late- ral, abdução horizontal Axilar (C5, C6) Cinesiologia e Biomecânica – 136 – Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) primárias(s) Inervação Subescapular Toda a super- fície anterior da escápula Tubérculo menor do úmero Rotação medial Subescapular (C5, C6) Bíceps braquial Tuberosidade do radio Musculocutâ- neo (C5-C7) (Cabeça longa) Margem superior da cavidade glenoidal Ajuda na abdução (Cabeça longa) Margem superior da cavidade glenoidal Ajuda na flexão, adu- ção, rotação medial e adução horizontal Tríceps bra- quial (Cabeça longa) Logo abaixo da cavidade genoidal Olécrano da ulna Ajuda na extensão, adução Radial (C5-T1) Fonte: Hall (2000, p. 141). Uma vez que as articulações da cintura escapular estão ligadas, atuam, em parte, como uma única unidade na sustentação de cargas e absorção de choques, sendo que a AGU, por proporcionar apoio mecâ- nico direto ao braço, sustenta cargas muito maiores que as outras arti- culações do ombro. O peso do braço corresponde a apenas 5% do peso corporal, mas o comprimento do braço em extensão horizontal produz grandes braços de momento dos segmentos, portanto, grandes torques a serem contrabalançados pelos músculos do ombro. Quando esses mús- culos se contraem para sustentação do braço estendido, a AGU sustenta forças compressivas de até 50% do peso corporal. Os músculos inseridos no úmero contribuem principalmente para o cisalhamento em oposição à compressão, desempenhando o papel de estabilizar o úmero na cavidade glenoidea contra contrações poderosas que poderiam luxar a articulação (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). – 137 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais 7.1.2 Biomecânica do cotovelo O cotovelo é envolvido por três articulações (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000): 1. articulação umeroulnar (AUU) – formada pela tróclea ovu- lar do úmero com a fossa troclear da ulna, permitindo movi- mentos de flexão e extensão, embora em alguns indivíduos também seja possível hiperextensão, e cuja posição trancada é a extensão; 2. articulação umerorradial (AUR) – formada pelo epicôndilo esférico do úmero e a extremidade proximal do rádio, que res- tringe movimentos no plano sagital e cuja posição trancada é a flexão em 90° do cotovelo e a supinação em cerca de 5° do antebraço; 3. articulação radioulnar proximal (ARUP) – formada pela cabeça do rádio e pela chanfradura radial da ulna, unidas pelo ligamento anular, permitindo pronação e supinação do antebraço quando o rádio gira medial e lateralmente sobre a ulna, e cuja posição trancada é a supinação do antebraço em 5°. Diversos músculos atravessam o cotovelo (Figura 7.3), incluindo alguns que também cruzam o ombro e outros que se estendem até as mãos e os dedos. Os músculos que atravessam a face anterior do cotovelo (bra- quial, bíceps braquial e braquiorradial) são seus flexores, sendo o músculo braquial o mais forte deles. O principal extensor do cotovelo é o tríceps, atravessando a face posterior da articulação, auxiliado pelo ancôneo, unindo a superfície posterior do epicôndilo lateral do úmero ao olecrânio lateral e à face posterior da ulna proximal (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 7.3 – Principais músculos do cotovelo Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) Inervação Bíceps braquial Tuberosidade do rádio Flexão, ajuda na supinação Musculocutâ- neo (C5-C7) Cinesiologia e Biomecânica – 138 – Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) Inervação (Cabeça longa) Margem superior da cavidade genoidal (Cabeça curta) Processo coracoide da escápula Braquior- radial Dois terços superiores da crista supra- condilar late- ral do úmero Processo esti- loide do rádio Flexão, pro- nação a partir da posição em supino, supi- nação a partir da posição de pronoção a neutra Radial (C5, C6) Braquial Metade anteroinferior do úmero Processo coronoide da ulna Flexão Musculocutâ-neo (C5, C6) Pronador redondo Ponto médio lateral do rádio Pronação, ajuda na flexão Mediano (C6, C7) (Cabeça umeral) Epicôndilo medial do úmero (Cabeça ulnar) Processo cro- noide da ulna Pronador quadrado Quarto infe- rior da ulna, face anterior Quarto infe- rior do rádio, face anterior Pronação Interósseo anterior (C8, T1) Tríceps braquial Olécrano da ulna Extensão Radial (C6-C8) (Cabeça longa) Logo abaixo da cavidade glenoidal – 139 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) Inervação (Cabeça lateral) Metade superior do úmero, face posterior (Cabeça medial) Dois terços inferiores do úmero, face posterior Ancôneo Epicôndilo posterior late- ral do úmero Olécrano, face lateral, e ulna, face posterior Ajuda na extensão Radial (C7, C8) Supinador Epicôndilo lateral do úmero e da ulna Terço superolateral do rádio Supinação Nervo interósseo (C5, C6) Fonte: Hall (2000, p. 150). 7.1.2.1 Pronação e supinação Ainda no cotovelo, temos três articulaçõesradioulnares: proximal, média e distal, sendo a proximal e a distal em pivô, e a média uma sin- desmose na qual a membrana permite supinação e pronação, mas evita o deslocamento longitudinal dos ossos. O principal músculo pronador é o quadrado pronador, inserido na parte distal da ulna e do rádio, auxiliado pelo redondo pronador, que atravessa a articulação radioulnar proximal, quando a pronação é rápida ou sofre uma resistência (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). O cotovelo sustenta grandes cargas durante as atividades diárias, embora não seja considerado uma articulação responsável pela sustentação do peso: durante a flexão e a extensão dos braços, por exemplo, calculam- -se forças máximas de até 45% do peso corporal em cada cotovelo. Ainda, como a inserção do tendão tricipital da ulna fica mais próxima do centro articular do cotovelo que as inserções do braquial da ulna e do bíceps no Cinesiologia e Biomecânica – 140 – rádio, o braço de momento extensor é mais curto que o flexor, o que signi- fica que os extensores do cotovelo devem gerar mais força que os flexores para produzir a mesma quantidade de torque, equivalendo a maiores for- ças de compressão no cotovelo durante a extensão se comparado à flexão quando estão sendo executados movimentos com demandas comparáveis de velocidade e de força (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). 7.1.3 Biomecânica do punho O punho é envolvido por duas articulações (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000): 1. radiocárpica – formada pelo rádio e pelos ossos escafoide, semilunar e piramidal, permitindo flexão, extensão e hiperex- tensão no plano sagital, desvio radial e desvio ulnar no plano frontal e circundução, e cuja posição trancada é a extensão com desvio radial; 2. intercárpica – do tipo deslizante e pouco contributivo para a movimentação do punho. Figura 7.4 – Movimentos do punho Flexão Hiperextensão Desvio radial Desvio ulnar Fonte: adapatado de Shutterstock.com/ Auttapon Wongtakeaw Os músculos atuantes na flexão do punho são o flexor radial do carpo, o flexor ulnar do carpo e o palmar longo, se presente. Quando os dedos se encontram completamente estendidos, o flexor superficial e o flexor pro- fundo deles participam auxiliando a flexão do punho. A extensão e a hipe- – 141 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais rextensão do punho são conseguidas com a contração do extensor longo radial do carpo, do extensor curto radial do carpo e do extensor ulnar do carpo. Quando os dedos se encontram em flexão, o extensor longo do polegar, o extensor do indicador, o extensor do dedo mínimo e o extensor dos dedos contribuem para a extensão do punho. O desvio radial é pro- duzido pela contração do flexor radial do carpo e dos extensores curto e longo radiais do carpo, enquanto o desvio ulnar é produzido pelo flexor ulnar do carpo e pelo extensor ulnar do carpo (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). 7.1.4 Biomecânica da mão As extensas capacidades de movimentação da mão são devidas, principalmente, às articulações carpometacárpica, metacarpofalangiana e interfalangiana. A articulação carpometacárpica do polegar é formada por esse metacarpo e pelo trapézio, constituindo uma articulação em sela clás- sica, enquanto as demais articulações carpometacárpicas são consideradas deslizantes ou em sela modificadas. A articulação metacarpofalangiana é formada pelas cabeças distais dos metacarpos e as extremidades proxi- mais côncavas das falanges, constituindo articulações condiloideas cuja posição trancada é a flexão plena dos dedos e a oposição do polegar. A articulação interfalangiana (proximal e distal) dos dedos é do tipo dobra- diça, cuja posição trancada é a extensão plena (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). A articulação carpometacárpica do polegar permite movimentos semelhantes aos de uma articulação esferoidal, enquanto na segunda, na terceira e na quarta articulações carpometacárpicas a movimentação é pequena devido às contenções impostas pelos ligamentos – com movi- mentação ligeiramente maior na quinta articulação. A articulação metacar- pofalangiana do polegar atua mais como dobradiça, permitindo somente movimentos de flexão e extensão, enquanto as articulações metacarpofa- langianas do segundo ao quinto dedos permitem flexão, extensão, abdução (afastamento do dedo médio), adução (aproximação do dedo médio) e cir- cundução. Articulações interfalangianas, dobradiças clássicas permitem flexão e extensão e, em alguns indivíduos, leve hiperextensão (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Cinesiologia e Biomecânica – 142 – Existem nove músculos extrínsecos e dez músculos intrínsecos no punho (Figura 7.5), respectivamente cruzando e se inserindo distalmente, sendo o flexor ulnar do carpo o mais forte, capaz de movimentar o punho na direção da flexão e do desvio ulnar. Os flexores extrínsecos da mão são mais de duas vezes mais fortes que os extensores extrínsecos, uma vez que os flexores da mão são vastamente utilizados em atividades diárias que envolvem movimentos de preensão, apertar ou pinçar (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 7.5 – Principais músculos da mão e dos dedos Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) Inervação Músculos extrínsecos Extensor longo do polegar Face dorsal média da ulna Dorso da falange do polegar Extensão nas articulações MF e IF do polegar, adução na articulação MF do polegar Radial (C7, C8) Extensor curto do polegar Face dor- sal média do rádio Dorso da falange proximal do polegar Extensão nas articulações MF e CM do polegar Radial (C7, C8) Flexor longo do polegar Face pal- mar média do rádio Face palmar da falange distal do polegar Flexão nas articulações IF e MF do polegar Mediano (C8, T1) Abdutor longo do polegar Face dorsal média da ulna e do rádio Base radial do primeiro metacarpo Abdução na articulação CM do polegar Radial (C7, C8) Extensor do dedo indicador Face dorsal distal da ulna Face ulnar do tendão do extensor digital Extensão na articulação MF do segundo dígito Radial (C7, C8) – 143 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) Inervação Extensor dos dedos Epicôndio lateral do úmero Base da segunda e da terceira falange, dígitos 2 a 5 Flexão nas articulações IF proximal e distal e MF, dígitos 2 a 5 Radial (C7, C8) Extensor do dedo mínimo Tendão proxi- mal do exten- sor dos dedos Tensão do extensor dos dedos distal à quinta arti- culação MF Extensão na quinta arti- culação MF Radial (C7, C8) Flexor profundo dos dedos Três quatros proximais da ulna Base da falange distal, dígitos 2 a 5 Flexão nas articulações IF proximal e distal e MF, dígitos 2 a 5 Ulnar e mediano (C8, T1) Flexor superficial dos dedos Epicôndio medial do úmero Base da falange média, dígitos 2 a 5 Flexão nas ariculações IF e MF proximaism dígitos 2 a 5 Mediano (C7, C8, T1) Músculos intrínsecos Flexor curto do polegar Face ulnar do 1º metacarpo Base pal- mar ulnar da falange proximal do polegar Flexão e adução na articulação MF do polegar Mediano (C8, T1) Abdutor curto do polegar Ossos trapézio e escafoide Base radial da 1ª falange do polegar Abdução na 1ª articulação CM o polegar Mediano (C8, T1) Oponente do polegar Osso esca- foide Face radial do 1ª metacarpo Flexão e adução na articulação CM do polegar Mediano (C8, T1) Cinesiologia e Biomecânica – 144 – Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) Inervação Adutor do polegar Capitato, 2º e 3º metacar- pos, extremi- dade distal Lado ulnar da base da falange proxi- mal, 5ª dígito Adução e flexão na articulação Ulnar (C8, T1) Abdutor do dedo mínimo Osso pisi- forme Lado ulnar da base da falange proxi- mal, 5º dígito Abduçãoe flexão na 5ª articulação MF Ulnar (C8, T1) Flexor curto do dedo mínimo Osso hamato Lado ulnar da base da falange proxi- mal, 5º dígito Flexão na 5ª articulação MF Ulnar (C8, T1) Oponente do dedo mínimo Osso hamato Lado ulnar do 5º metacarpo Oposição na 5ª articulação CM Ulnar (C8, T1) Interósseos dorsais (qua- tro músculos) Lados dos metacar- pos, todos os dedos Base da falange pro- ximal, todos os dedos Abduçãna 2ª ou 4ª articu- lação MF, desvio ulnar e radial na 3ª articulação MF e flexão nas articulações MF 2 a 4 Ulnar (C8, T1) Interósseos palmares (três músculos) 2º, 4º e 5º metacarpos Base da falange pro- ximal, dígitos 2, 4 e 5 Adução e flexão nas arti- culações MF, dígitos 2, 4 e 5 Ulnar (C8, T1) Lumbricais (quadros músculos) Tendões do flexor profundo dos dedos, dígitos 2 a 5 Tendões do extensor dos dedos, dígitos 2 a 5 Flexão nas articulações MF dos dígitos 2 a 5 Mediano e ulnar (C8, T1) Fonte: Hall (2000, p. 160-161). – 145 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais 7.2 Biomecânica dos membros inferiores 7.2.1 Biomecânica do quadril A articulação do quadril é formada pela cabeça do fêmur e pela fossa do acetábulo do osso do quadril e contém vários ligamentos volumosos e resistentes contribuintes para sua estabilidade (iliofemoral ou em Y, pubofemoral, isquiofemoral e redondo) e uma cartilagem resistente cobrindo toda a articulação. Devido ao encaixe do acetábulo ser muito mais profundo do que a cavidade glenoidea da escápula, a articulação do quadril é muito mais estável ou menos propensa a luxações do que a articulação do ombro. Os movimentos do fêmur são conseguidos prin- cipalmente por causa da rotação que ocorre na articulação do quadril, e, diferentemente da cintura escapular, a pelve é uma estrutura única e não articulada, mas capaz de rodar nos três planos de movimento, facilitando o movimento do fêmur. Ainda, os movimentos da cintura pélvica são coor- denados com alguns movimentos da coluna vertebral (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Os principais flexores do quadril são os músculos que cruzam a arti- culação na face anterior: ilíaco e psoas maior (conjuntamente denomina- dos iliopsoas, constituindo os mais importantes), pectíneo, reto femoral, sartório e tensor da fáscia lata. O reto femoral, um músculo biarticular, atua em flexão do quadril e extensão do joelho e funciona de maneira mais efetiva como flexor do quadril quando o joelho está em flexão. Os extensores do quadril são o glúteo máximo e os três isquiotibiais (bíceps femoral, semitendinoso e semimembranoso), que contribuem, respectiva- mente, para quando o quadril se encontra em flexão (ao subirmos escadas, por exemplo) e para a extensão ao nível do quadril e flexão no joelho (ao ficarmos em pé, caminharmos ou corrermos, por exemplo) (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). O principal abdutor do quadril é o glúteo médio, com contribuição do glúteo mínimo, estabilizando a pelve durante a fase de apoio da marcha e da corrida, além de quando ficamos apoiados sobre uma única perna. Durante a deambulação, quando o peso corporal é sustentado pelo pé direito, os abdutores direitos do quadril se contraem isométrica e excen- Cinesiologia e Biomecânica – 146 – tricamente, a fim de evitar que o lado esquerdo da pelve seja tracionado inferiormente pelo peso da perna esquerda oscilante. Se essa compensação não fosse possível, uma inclinação pélvica lateral e um arraste do pé da perna oscilante ocorreriam em cada passada durante a deambulação. Os adutores do quadril são os músculos que cruzam a articulação na face medial: adutores (longo, curto e magno) e grácil, regularmente ativa- dos durante a fase de balanceio do ciclo da marcha a fim de que o pé per- maneça debaixo do centro de gravidade do corpo durante a fase de apoio. Os três adutores também contribuem para a flexão e a rotação lateral do quadril, especialmente quando o fêmur roda medialmente, e o músculo grácil contribui para a flexão da extremidade inferior ao nível do joelho (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Quando o quadril se encontra em 90° de flexão, com o fêmur em abdução ou adução, ocorre abdução e adução horizontais do quadril, exi- gindo a atuação simultânea e coordenada de diversos músculos para a ela- boração de uma tensão nos flexores do quadril que permita a elevação do fêmur. Os músculos da parte posterior do quadril são mais efetivos como abdutores e adutores horizontais, pois são estendidos quando o fêmur se encontra em 90° de flexão, enquanto a tensão nos músculos da parte anterior geralmente é reduzida quando o fêmur se encontra nessa posição (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Figura 7.6 – Músculos que cruzam o quadril Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) sobre o quadril Inervação Reto femoral Espinha ilí- aca anteoin- ferior (EIAI) Patela Flexão Femoral (L2-L4) Iliopsoas Trocanter menor Flexão L1 e femoral (Ilíaco) Fossa ilíaca e sacro adjacente (L2-L4) – 147 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) sobre o quadril Inervação (Psoas) 12ª vértebra torácica e todas as vér- tebras e dis- cos lombares (L1-L3) Sartório Espinha ilíaca ante- rossuperior Tíbia, parte medial superior Ajuda na fle- xão, abdução, rotação lateral Femoral (L2-L3) Pectíneo Crista pectínea do ramo púbico Porção pro- ximal medial do fêmur Flexão, adu- ção, rotação medial Femoral (L2-L3) Tensor da fáscia lata Crista anterior do ílio e EIAI Trato iliotibial Ajuda na fle- xão, abdução, rotação medial Glúteo supe- rior (L4-S1) Glúteo máximo Face ilíaca posterior, crista ilíaca, sacro e cóccix Tuberosidade glútea do fêmur e trato iliotibial Extensão, rotação lateral Glúteo infe- rior (L5-S2) Glúteo médio Entre as linhas glúteas poste- rior e anterior da face pos- terior do ílio Trocanter maior, faces superior e lateral Abdução, rotação medial Glúteo supe- rior (L4-S1) Glúteo mínimo Entre as linhas glúteas anterior e inferior da face poste- rior do ílio Face anterior do trocan- ter maior Abdução, rotação medial Glúteo supe- rior (L4-S1) Grácil Porção anteoinferior da sínfise púbica Porção pro- ximal medial da tíbia Adução Obturatório (L3-L4) Cinesiologia e Biomecânica – 148 – Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) sobre o quadril Inervação Adutor magno Ramo infe- rior do púbis e do isquio Toda a linha áspera Adução, rotação lateral Obturatório (L3-L4) Adutor longo Púbis, face anterior Linha áspera média Adução assiste na flexão Obturatório (L3-L4) Adutor breve Ramo infe-rior do púbis Linha áspera superior Adução, rotação lateral Obturatório (L3-L4) Semitendíneo Tuberosidade isquiática, parte medial Porção pro- ximal medial da tíbia Extensão Tibial (L5-S1) Semimen- branáceo Tuberosidade isquiática, parte lateral Portão pro- ximal medial da tíbia Extensão Tibial (L5-S1) Biceps femo- ral (cabeça longa) Tuberosidade isquiática, parte lateral Côndilo late- ral da tíbia, face poste- rior, cabeça da fíbula Extensão Tibial (L5-S2) Seis rotado- res laterais Sacro, ílio, ísquio Trocanter maior, face posterior Rotação lateral (L5-S2) Fonte: Hall (2000, p. 171). A carga compressiva que atua sobre a articulação do quadril é a soma do peso corporal, das forças de impacto transferidas para cima pelo esque- leto a partir do pé e da tensão corporal. Quando o peso corporal está dis- tribuído igualmente entre os dois membros inferiores, na posição ereta, cada quadril sustenta a metade do peso dos segmentos corporais acima dele (cerca de um terço do peso corporal total). Entretanto, a carga total imposta sobre cada quadril é maior que o peso sustentado porque a tensão nos grandes e resistentes músculos do quadril aumentaainda mais com a compressão na articulação – devido à tensão muscular, a compressão no – 149 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais quadril é praticamente igual ao peso corporal durante a fase de balanceio da marcha. Durante a deambulação normal, as forças articulares máximas podem corresponder de 300% a 400% do peso corporal, aumentando para 550% durante deambulação rápida ou trote e para 870% ao cambalear. Subidas e descidas de escada aumentam em cerca de 10% e 20% as car- gas impostas ao quadril, respectivamente (HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). 7.2.2 Biomecânica do joelho A articulação do joelho é envolvida por duas articulações condilares do complexo articular tibiofemoral e pela articulação patelofemoral, tam- bém ligeiramente influenciada pela articulação tibiofibular por meio de conexões de tecidos moles. As duas articulações condilares são formadas pelos côndilos medial e lateral da tíbia e do fêmur, funcionando simulta- neamente como uma junta tipo dobradiça modificada, que torna possíveis apenas alguns movimentos laterais e rotacionais e cuja posição trancada é a extensão plena do joelho. A articulação patelofemoral é formada pela patela e pelo sulco troclear entre os côndilos femorais, tendo a patela algumas funções biomecânicas importantes (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000): 2 aumenta o ângulo de tração do tendão do quadríceps sobre a tíbia, crescendo em até 50% a vantagem mecânica do quadríceps no sentido de produzir a extensão do joelho; 2 centraliza a tensão divergente exercida pelo quadríceps, que é transmitida ao tendão patelar; 2 amplia a área de contato entre o tendão patelar e o fêmur, redu- zindo o estresse de contato da articulação; 2 proporciona certa proteção para a fáscia anterior do joelho e auxilia na proteção do atrito entre o tendão quadricipital e ossos adjacentes. Muitos ligamentos também cruzam o joelho, aumentando significati- vamente sua estabilidade. Os ligamentos colaterais medial e lateral, tam- bém denominados respectivamente de tibial e fibular, atuam na prevenção Cinesiologia e Biomecânica – 150 – da movimentação lateral ao nível do joelho. O ligamento colateral medial se funde à cápsula articular e ao menisco medial para unir o epicôndilo medial do fêmur à tíbia medial, enquanto o ligamento colateral lateral une o epicôndilo lateral do fêmur à cabeça da fíbula, contribuindo para a estabilidade lateral do joelho (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). Os ligamentos cruzados anterior e posterior limitam o deslizamento do fêmur para frente e para trás sobre os platôs tibiais durante a flexão e a extensão do joelho, também limitando sua hiperextensão. O ligamento cruzado anterior une a parte anterior da fossa intercondiliana da tíbia à superfície medial posterior do côndilo lateral do fêmur, enquanto o liga- mento cruzado posterior une a parte posterior da fossa intercondiliana tibial ao côndilo medial anterolateral do fêmur. Os demais ligamentos que contribuem para a integridade do joelho são os ligamentos poplíteos oblíquo e arqueado, o ligamento transverso e o trato iliotibial (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). O joelho, assim como o cotovelo, é cruzado por muitos músculos biarticulares (Figura 7.7). O músculo poplíteo atua rodando medialmente a tíbia em relação ao fêmur, tornando possível a flexão, assim como os demais flexores do joelho: isquiotibiais, grácil, sartório e gastrocnêmio. Os extensores do joelho são os músculos que compõem o quadríceps: reto femoral, vasto lateral, vasto medial e vasto intermédio, os quais se inse- rem distalmente no tendão patelar (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUT- ZEN, 2008; HALL, 2000). A rotação medial da tíbia é produzida com o desenvolvimento de tensão nos músculos semimembranosos, semitendinoso e poplíteo, com participação dos músculos grácil e sartório, enquanto a rotação lateral da tíbia é produzida exclusivamente pelo bíceps femoral. Por outro lado, o deslocamento da patela sobre o fêmur se subordina à direção da força gerada pelo quadríceps nela inserido: a tendência do vasto lateral é de tracioná-la lateralmente, ao mesmo tempo em que o vasto medial oblíquo traciona no sentido oposto, mantendo-a centralmente no sulco patelofe- moral (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). – 151 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais Figura 7.7 – Músculos que cruzam o joelho Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) sobre o joelho Inervação Reto femoral Espinha ilí- aca anteroin- ferior (EIAI) Patela Extensão Femoral (L2-L4) Vasto lateral Trocanter maior e linha áspera lateral Patela Extensão Femoral (L2-L4) Vasto intermédio Fêmur, face anterior Patela Extensão Femoral (L2-L4) Vasto medial Linha áspera medial Patela Extensão Femoral (L2-L4) Semitendíneo Tuberosidade isquiática, parte medial Porção pro- ximal medial da tibia na pata de ganso Flexão, rotação medial Isquiático (L5-S2) Semimem- branáceo Tuberosidade isquiática, parte lateral Porção pro- ximal medial da tíbia Flexão, rotação medial Isquiático (L5-S2) Bíceps femoral Côndilo late- ral da tíbia, parte poste- rior, cabeça da fíbula Flexão, rota- ção lateral Isquiático (L5-S2) (Cabeça longa) Tuberosidade isquiática (Cabeça curta) Linha áspera lateral Sartório Espinha ilíaca ante- rossuperior Porção pro- ximal medial da tíbia na pata de ganso Ajuda na flexão e na rotação lateral da coxa Femoral (L2-L3) Cinesiologia e Biomecânica – 152 – Músculo Fixação proximal Fixação distal Ação(ões) principal(ais) sobre o joelho Inervação Grácil Porção ante- roinferior da sínfise púbica Porção pro- ximal medial da tíbia na pata de ganso Adução da coxa, flexão da perna Obturatório (L2-L3) Popliteo Côndilo late-ral do fêmur Porção posterome- dial da tíbia Rotação medial, flexão Tibial (L4-L5) Gastrocnêmio Côndilos femorais medial e lateral, parte posterior Tuberosidade do calcâneo pelo tendão do calcâneo Flexão Tibial (S1-S2) Plantar Porção distal posterior do fêmur Tuberosidade do calcâneo Flexão Tibial (S1-S2) Fonte: Hall (2000, p. 180). A articulação do joelho é a principal responsável pela sustentação do peso; por estar localizada entre as duas alavancas ósseas mais longas do corpo (fêmur e tíbia), o potencial para o desenvolvimento de torque nela é muito grande. A articulação tibiofemoral sustenta ambas as car- gas de compressão e cisalhamento, acarretadas pela sustentação do peso e pela produção de tensão nos músculos que cruzam o joelho. A força de compressão nessa articulação é cerca de três vezes maior do que o peso do corpo no decorrer da fase estática de marcha, aumentando para cerca de quatro vezes durante a subida de escada. Com o joelho estendido durante o apoio estático, a força compressiva é sustentada pelo platô tibial medial, enquanto o platô tibial lateral suporta maior percentual das forças compressivas muito menores, aplicadas durante a fase de balanceio. Os meniscos agem na distribuição das cargas sobre uma área mais ampla, reduzindo a magnitude do estresse articular e auxiliando diretamente na absorção das forças ao nível do joelho, suportando cerca de 45% da carga total (LIPPERT, 2018; HAMILL; KNUTZEN, 2008; HALL, 2000). – 153 – Aspectos biomecânicos dos segmentos corporais Durante a flexão do joelho e quando o ângulo na articulação aumenta para 90°, o componente de cisalhamento da força articular gerada pela sus- tentação do peso aumenta. As cargas de cisalhamento ao nível do joelho devem ser resistidas pelos ligamentos e por outras estruturas de apoio que cruzam a articulação, porque causam uma tendência para o deslocamento anterior do fêmur sobre os platôs tibiais. Durante a marcha normal, as forças compressivas na articulação patelofemoral correspondem à metade do peso corporal, aumentando para mais de três vezes durante a subida de escada, pois o aumento
Compartilhar