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Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 1 Estudo dirigido CAPÍTULO 7 – As ideias jurídicas do século XVI ao século XVIII: o direito natural moderno e o iluminismo 1) O que nos trechos reproduzidos a p. 158-159 denota características relevantes do jusracionalismo ou direito natural moderno? Podemos perceber uma característica do jusracionalismo, o contratualismo na seguinte frase: Entre as coisas inerentes ao homem está o desejo de sociabilidade, ou seja, de comunhão, não de qualquer uma, mas tranquila e ordenada (...)”, uma vez que o contratualismo se baseia na ideia de uma sociedade como a soma de indivíduos isolados, que se organizam por forma de contrato social. Também podemos perceber no trecho: “ (...) que o homem empregando retamente sua razão e suas faculdades inatas que lhe foram dadas pela natureza, chegar ao conhecimento desta lei natural sem necessidade de que algum preceptor a esclareça (...)” a reafirmação do sujeito e das razões individuais, próprias o jusracionalismo. E, finalmente, no trecho: “Entre deveres absolutos ou de todos para com todos, o primeiro é este: ninguém cause dano a outrem. Este dever é o mais amplo de todos e abarca os homens enquanto homens.” Vemos o paradigma da nova ética, que abandonando a pesquisa de fins subjetivos gerais, comuns e universais, se muda para um ética dos deveres, do cumprimento de regras, de obediência e procedimentos. 2) Que problemas novos surgiram com a conquista da América? Com a conquista da América, vários novos problemas surgiram para os juristas, como os direitos de conquista e descoberta, de posse, invenção, tesouro, sobretudo a alteridade, a liberdade natural dos índios. 3) Como se pontuou a questão dos índios? Com a questão da liberdade dos índios a modernidade começa a enfrentar a tolerância do diferente. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 2 4) Quais são as consequências para o direito da reforma protestante? A reforma protestante impõem novos objetos de reflexão: o problema da pluralidade e da tolerância do dissidente de maneira nova. Antes a tolerância era corporativa, agora será distinta. Os Estados nacionais deverão encontrar uma solução, um meio para tratar os dissidentes religiosos. Este debate sobre a tolerância religiosa antecipará o debate a respeito da democracia, do respeito ao dissidente político. Obs: uma dissidência é o ato de discordar de uma política oficial, de um poder instituído (ou constituído) ou de uma decisão coletiva. Os indivíduos e grupos que optam pela dissidência são denominados dissidentes. 5) O mercantilismo traz algum desdobramento para o direito? Com desenvolvimento da economia monetarizada e mercantil, se desdobra o mercado capitalista, daí surgem o èconomistes franceses, ou fisiocratas. Eles definem o direito de propriedade e dos contratos, essenciais no Código Civil dos franceses, e aprofunda a relação entre direito natural e economia. 6) Qual é a influência da consolidação dos estados nacionais? A consolidação dos Estados Nacionais reivindicará uma exclusividade no poder político. Além disso muda a figura das guerras dos Estados: já não se tratam de guerras dinásticas, onde os senhores armam seus cavalheiros, os exércitos mercenários entram em cena e o crédito torna-se indispensável para financiá-la. Neste momento o créditos dos banqueiros aos reis tem efeito político e econômico, determinando um rearranjo das rendas feudais e sua destinação. 7) O que o jusnaturalismo moderno? Que modernidade é esta? O jusracionalismo moderno ou direito natural nasce do desenvolvimento capitalista de mercado, fim da cristandade, conquista da América, afirmação do Estado Nacional. Esta nova teoria política e jurídica deve entreter-se com os assuntos da soberania e do pacto de dominação (sujeição) entre soberano e súditos. O ambiente moderno é personalista e individualista, deste modo nele se encontram a reafirmação do sujeito e da razão individual. Assim, a liberdade moderna encontra-se em uma esfera individual e exclusiva de propriedade. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 3 8) O que é mos gallicus? Mos gallicus é uma corrente francesa, humanismo francês, que se reflete do tratadismo, uma das características do jusracionalismo. François Hotman é simbólico contra o método medieval: sua obra Antriboniano é um libelo contra o direito romano, pois segundo ele, ali não se encontra a razão escrita, mas leis que interessam a um povo particular e num momento particular. A razão mesma há de ser exercida por cada um em cada momento próprio. Pois o tratadismo era uma oposição ao gêneros medievais, o novo estilo é mais exposição sistemática, em princípios, em forma dedutiva. 9) Quais as principais características do jusnaturalismo? Como o ambiente do jusnaturalismo moderno é personalista e individualista há a reafirmação do sujeito e das razões individuais. Assim, a razão moderna é cada vez mais razão instrumental - capaz de operar relações entre meios e fins previamente dados e razão estratégica – capaz de operar as relações de oportunidade de cursos de ação para alcançar fins determinados. Outra característica importante é o contratualismo: a sociedade passa a ser encarada como soma de indivíduos isolados, que se organizam por contrato social. Tem-se uma nova ética, ética dos deveres, do cumprimento de regras, de obediência e procedimentos. Assim, o novo direito será procedimentalista, a justificativa do exercício do poder será o estabelecimento da paz civil. Surge também o tratadismo: é mais exposição sistemática, em princípios, em forma dedutiva, em oposição aos gêneros medievais. Quanto mais avança a modernidade, maus os jusnaturalistas abandonam as demonstrações por meio de exemplos históricos e mais se concentram nas demonstrações por dedução racional. 10) Quais as suas principais repercussões para o direito? A validade do poder soberano passa a ser encarada a partir da perspectiva do contrato social. A justificativa do exercício do poder se altera, será o de estabelecimento da paz civil (procedimentalista). A exposição do direito passa a ser mais sistemática, em formas dedutivas (tratadismo). Surgem os fisiocratas, que desenvolvem uma definição do direito de propriedade e dos contratos e aprofunda a relação entre direito natural e economia. Rompe com a tradição estabelecida no direito comum. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 4 11) Peter Stein diz que a origem do direito natural moderno (jusnaturalismo ou jusracionalismo) é a soma de dois métodos. Quais são eles? Segundo Peter Stein, a origem do direito natural moderno é marcado pela soma de dois métodos: a priori e a posteriori. A visão a priori afirma que a demonstração deve ser feita como na matemática, a partir de postulados. Já a visão a posteriori afirma que se sempre e em toda parte se encontram certas normas é porque a natureza humana assim o exige. 16) O que é o usus modernus pandectorum? O direito civil (direito romano, direito privado), foi reformado e adaptado pelos civilitas, aqueles que se apropriaram do método da filosofia moral e política e da antropologia definida pelos jusnaturalistas, aos termos da nova filosofia. Este processo de reforma e adaptação do direito romano a modernidade é considerado o usus modernus padectorum. 17) Que relação se pode estabelecer entre o jusnaturalismo e a revoluções francesa e americana? Tanto a revolução Francesa quanto a Americana apropriam-se dos jusnaturalismo nascido no século XVII e enriquecido pela filosofia das luzes e dos enciclopedistas. Podemos perceber esta apropriação em diversas características destas revoluções, como, por exemplo, os direitos fundamentais e subjetivos não decorremde um arranjo social que os precede, mas não inatos, inalienáveis, precedem a tudo que é organização. Também retira-se do jusnaturalismo a ideia de que os direitos naturais são civis (de gozo de liberdade) e não políticos (exercício de decisão pública). 18) Que relação se estabelece entre direito natural e codificação? O jusnaturalismo e o Iluminismo são duas correntes que confluem no espirito de clareza e sistematização a impulsionar o movimento de codificação do direito. Podemos dizer também do Tratadismo, característica do Jusnaturalismo que coloca a sistematização em oposição ao estilo medieval. Este movimento de codificação do direito não pode ser confundido com uma compilação, na verdade reflete um desejo de ordem, de hierarquia e de concentração legislativa no poder central, contrariando os costumes e a tradição. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 5 19) O que foi a Lei da Boa Razão? A Lei da Boa Razão foi uma famosa sistematização das fontes, mandada a ser editada por Marques de Pombal. Ela permitiu que se incorporasse, como fonte subsidiária do direito nacional, a lei das nações polidas da Europa, ao mesmo tempo que rejeitou e proibiu os usos medievais. Por ela Pombal pretendeu remodelar as fontes do direito, introduzir novos métodos de interpretação, assegurar o primado da vigência das leis nacionais, eliminar extravagantes sutilezas. CAPÍTULO 8 – Metodologia e ensino do direito: a modernidade 1) O que se passa com as universidades a partir do século XVI? A partir do século XVI há um declínio das universidades. Estas perdem parte da sua importância e do vigor que tinham. Muitos professores passam a ser perseguidos durante a Reforma por não professarem a religião do príncipe ou do Estado. As universidades passam a ser dominadas pela teologia e pelos debates teleológicos, tanto nos países católicos quanto nos protestantes e reformados. Nos países católicos, algumas ordens religiososa, diretamente subordinadas a Roma, assumem o controle das escolas e universidades. Assim, a universidade perde o papel de liderança intelectual, dando lugar a uma nova instituição: a academia. 2. Como se relaciona isto com o surgimento do mos gallicus? Na modernidade, o direito medieval será substituído pelo modelo humanista, sobretudo francês, por isso chamado mos gallicus, e logo a seguir pelo predomínio do direito natural moderno. Antes do aparecimentos da nova ciência já os humanistas haviam iniciado uma crítica ao método antigo. O mos gallicus tentará desqualificar muito da jurisprudência anterior, tachando os comentadores de ignorantes da história. Criticava-os também pelo seu latim vulgar e pouco clássico. 3) De que forma a mudança da filosofia e da ciência influenciam o pensamento jurídico? O que acontece com os bellatores, oratores e laboratores medievais? A nova filosofia, impõem se pouco a pouco. Em primeiro podemos falar do Cogito cartesiano: a dúvida com relação a qualquer autoridade exterior à razão, a Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 6 dúvida com relação aos sentidos: só tenho certeza dos meus próprios pensamentos. Assim, cada um deve descobrir a verdade sem a ajuda de autoridades. Ao lado desta subjetividade afirma-se o empirismo moderno. Na modernidade, a autoridade começa a ser experimentada como heteronomia, a imposição de uma vontade alheia, que só faz sentido para com os incapazes. A pessoa capaz não se curva diante da autoridade ou da tradição: curva-se apenas diante da razão e de sai própria consciência. A individualidade das coisas permite-me aprender apenas sua regularidade, não a sua normatividade. Do fato de alfo ser não deriva que deva ser assim, há um fosso entre a moralidade e a ciência moderna. Daí, consequentemente, a velha sociedade de ordens bellatores, oratores,laboratores (dos guerreiros, religiosos e trabalhadores) cede lugar a uma vida crescentemente aburguesada, em que os deveres feudais e pessoais se transformam em prestações pecuniárias. A promessa e o exercício individual da vontade ganham uma dimensão nova. Da teoria dos contratos como realização de negócios essencialmente justos, passa-se a uma teoria dos contratos como obrigação derivada da vontade e de promessa. 4) Como este modo de pensar influencia o direito natural moderno? As mudanças filosóficas correspondem o novo direito natural que já estava em gestação desde o final do século XVI na Escola de Salamanca. Distingue-se do direito natural clássico por sua antropologia: o ser humano é essencialmente, para os modernos, um individuo que se associa, esta sociabilidade corresponde a uma tendência natural, mas não é sua condição existencial. Assim, o direito natural moderno deve ser uma regulação das individualidades, um mínimo que permita a convivência dos opostos, Deve garantir paz. 5) O que faz da reforma do ensino em Coimbra algo típico de sua época? Os reformadores portugueses percebem que ali ainda se estuda e se aprende à moda antiga, seguindo os Bártolos. Pela reforma de 1772, são introduzidos os manuais (ou compêndios), com aprovação régia. Os manuais devem ter uma ordem e este segue a ordem racional moderna o quanto possível. Passa-se à exposição a partir da ordem racional, iluminista e sobretudo do interesse do soberano. Assim, a reforma pombalina da Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 7 universidade de Coimbra é típica de sua época uma vez que substitui o direito medieval pelo direito natural moderno, característica das instituições modernas neste período. 6) Que papel se reserva aos juristas com o iluminismo? A modernização do Estado com a consequente transformação do príncipe ou do soberano de supremo juiz em supremo legislador marca a transformação simultânea do papel dos juristas. Estes são obrigados a cindir política e jurisprudência. Alguns passam a fazer parte das comissões legislativas, organizadoras das reformas das ordenações régias, ou do próprio Estado. Ao longo das décadas, começarão a preparar os códigos ilustrados ou jusnaturalistas. O interesse maior do príncipe já não é manter a paz ou fazer a justiça, mas promover a prosperidade do reino. Para promover a prosperidade, é preciso reorganizar tudo. O direito precisa ser radicalmente reorganizado, e os juristas da corte antes que prudentes à moda antiga precisam redigir as novas leis. 7) O que é a revolução positivista? O positivismo atinge o ensino do direito já no século XIX. O ideal de uma ciência positiva, ou positivista, assenta-se na tradição idealista da filosofia do fim do século XVIII. Em primeiro lugar, define-se uma distinção entre sujeito e objeto do conhecimento e suas relações recíprocas. Em segundo lugar, propõe uma objetividade do conhecimento demonstrável pela manipulação e pela experimentação. No direito, o positivismo deu uma sensação confortável de que estavam ainda atualizados com o desenvolvimento geral do pensamento. Os juristas elegeram um objeto e o privilegiaram: a lei, o ordenamento positivo. O positivismo também impôs uma ruptura com o senso comum. A legislação do Estado liberal, que visava substituir o Antigo regime, veio para pôr fim ao anterior e seu instrumento privilegiado foi o Código: uma lei que dispunha sistemática e completamente sobre um assunto determinado. O código pretendia ter caráter axiomático. 8) Qual é a influência dela para a ciência do direito? O positivismo jurídico de um lado recebe do jusnaturalismo moderno a formação axiomática, transmitida junto com a ideia de legislação e código. De outro lado, recebe a concepção voluntarista de lei, histórica e positiva. Assim, o positivismo associa-se a um Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 8 método dedutivista que tem sua origem emdois fenômenos interligados: soberania do Estado nacional e movimento codificador. Dessa partição do positivismo surge a filosofia do direito: ela investiga o método e o objeto que os discursos jurídicos concentram. O direito, sendo conhecimento apenas das leis e do direito positivo, já não faz reflexão sobre o seu próprio saber e sua próprias condições de validade. Este exame passa a filosofia do direito, que se cria no século XIX. 9) Qual é a ligação do método positivista com o fenômeno da codificação, em especial pelo Código de Napoleão? O Positivismo, uma vez que se opunha à falta de sistema das ordenações anteriores, e que necessitava ser implantado, substituindo o Antigo Regime, teve na codificação o seu instrumento privilegiado: o código – uma lei que dispunha sistemática e completamente sobre um assunto determinado. Isso explica os vários códigos que surgiram na época, inclusive o Código de Napoleão. 10) Por outro lado, o que pretendia Savigny na Alemanha? Savigny opôs-se à codificação do direito alemão em nome da tradição popular e do “Espírito do Povo”. De fato ele estava defendendo o mundo antigo, inclusive o modelo antigo de professor, aquele que criava a ordem jurídica pelas suas intervenções cientificas e não se submetia à ordem criada arbitrariamente pela legislação que se tornava inviável, pois sua validade dependia de não haver um Estado legislador capaz de impor-se. Quando o Estado se instala, os professores deverão tornar-se exegetas do direito positivo. CAPÍTULO 9 – O regime colonial e o antigo regime 1) De que forma o Antigo Regime influencia o direito colonial brasileiro? Quando o Estado português começa a instalar-se no Brasil o faz sob a forma do Antigo Regime. Carrega ainda instituições formadas na Idade Média, de caráter feudal e corporativo; nele sobrevivem distinções de nascimento, estamentos, ordens e corporações. Tal arranjo institucional passa por diversas mudanças ao longo dos três séculos de vida colonial brasileira. Antes do liberalismo, o próprio iluminismo, a ilustração que se impôs em Portugal sob a forma do absolutismo esclarecido de Pombal já denunciavam o Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 9 esgotamento do Antigo regime e algumas tentativas de reforma iniciadas por Pombal serão antecipações da racionalização burocrática centralizadora que assumirá o Estado no século seguinte. Vigoraram na maior parte do tempo colonial (a partir de 1603) as Ordenações Filipinas. 2) Como era a relação entre público e privado neste período? Como não se distinguia a liberdade individual e de consciência no Antigo Regime não se opõem propriamente as esferas do público e do privado como hoje: distingue-se o interesse particular/privado, mas ambos são considerados elementos que se harmonizam para o bem comum. Ao contrário de nossa concepção contemporânea, para o Antigo Regime nem existe uma separação que oponha sociedade e estado civil, com esferas completamente distintas, nem o Estado é concebido como o exercício dos nossos três poderes. A divisão mais clara para os juristas do Antigo Regime é entre as tarefas do Estado: governo, guerra, justiça e fazenda. 3) Qual o papel do monarca? No Antigo Regime o papel do monarca – soberano- é o de protetor de seus vassalos e súditos. E ele o desempenha fazendo justiça, operando preferencialmente pela judicatura. Mediante reclamações e queixas concretas apresentadas aos tribunais e juízes régios, governa o rei arbitrando as disputas, atribuindo o seu a cada um. A feição legislativa do soberano consolida-se no absolutismo ilustrado, com o ideal iluminista de razão: trata-se então de legislar para determinar poderes a cada membro da burocracia, baixando regimentos e avisos cujo descumprimento resulta no afastamento dos oficiais dos seus cargos, ou seja, o poder do soberano passa a operar dentro da administração, antes que da justiça. 4) Como se dá a relação entre o direito oficial e o direito vivo na Colônia? O discurso da lei e da autoridade não é separado do estilo do discurso em geral. No período de predomínio do barroco, do gongórico, do rococó, do espetáculo, a linguagem Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 10 oficial da lei é também barroca, gongórica, rococó, espetacular. Mas a sua finalidade nem sempre é atuar conforme parece, senão muito frequentemente persuadir, intimidar, permitir o exercício do paternal, perdão da autoridade, fazer do rei um pai. As próprias condições materiais da colônia determinam que a autoridade chegue com força esmaecida nas enormes distâncias do Brasil. Neste sentido, se a burocracia busca estar presente em todo lugar, ela só pode fazê-lo contando com o poder local. A força do governo perde-se com o afastamento dos centros mais urbanos, tornando-se mais tênue quanto mais distante a “capital”. No Estado português, e por consequência na organização colonial, há uma permanente disputa de estamentos sociais entre um direito oficial, representado pelos juízes letrados e pelos tribunais régios, e um direito ou costume local, representado por seus juízes leigos eleitos. 5) Cite exemplos da unidade do império português do ponto de vista do direito. Do ponto de vista do direito, um traço marcante é a unidade do império português e esta unidade dependeu de inexistir uma separação de cargos entre brasileiros e portugueses e de não se criar uma universidade neste lado do Atlântico. Todos os cargos da carreira da justiça, por exemplo, eram comuns: o tribunal da Bahia, ou de Goa, ou o do Porto recebiam desembargadores provenientes de qualquer parte do império. A universidade de Coimbra formava todos os letrados do império. Finalmente, s compilação das Ordenações de 1602 (Filipinas) vigoraram no Brasil juntamente com o direito comum. 6) Como era o conflito entre o rei e a burocracia no Antigo Regime português? O Antigo Regime português é marcado por um conflito quase permanente entre rei e burocracia. O Antigo Regime em Portugal é um sistema de autonomia dos corpos administrativos e de indisponibilidade dos cargos por parte da coroa. A esta autonomia correspondiam duas teses: uma tendia a ver no soberano e sua corte os detentores únicos do poder político; outra era do corporativismo burocrático que salvava aos oficiais certa liberdade de atuação. O sentindo patrimonial difusamente existente limitava o poder real. 7) O que é patrimonialismo? Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 11 O patrimonialismo entende o cargo como uma distinção ou um dom recebido do senhor ou do rei. 8) O que é o ofício? O ofício (ou cargo) é um auxilium, servitium, da vassalagem correspondente à fidelidade pessoal que se estabelece. O oficial não é um mercenário mas um honoratior; ele não é remunerado pelo senhor que lhe deu a distinção, mas recebe uma renda, um provento ligado diretamente ao cargo. O cargo lhe rende alguma coisa, é um patrimônio por serviços prestados. 9) Havia disposições nas Ordenações Filipinas prevendo vendas de cargos públicos? Havia nas Ordenações Filipinas uma lei que proibia a venda de cargos públicos. Pela prática, porém, o rei dava licença a donatários e oficiais o direito de vender, renunciar em outrem ou nomear sucessor. Podemos perceber a distância entre a lei e a prática através dos ofícios públicos na existência de proibição formal da venda do cargo a despeito do costume e aceitação de renúncias a favor de outrem. 10) O cartório era público ou privado? 11) E a jurisdição? Ela tinha um lado patrimonialista? 12) O que é o regimento? O regimento continha a discriminação dos poderes, competência, jurisdição e condições de exercício dos poderes outorgados na ocasião ao funcionário ou órgão. O regimento continha muitas vezes ao mesmotempo o provimento. Na falta de regimento geral para certos cargos ou órgãos, a cada nomeação (provimento) a Coroa era obrigada a dar um regimento. 13) Quais as principais características da administração colonial no que concerne aos ofícios? Na história do Brasil, houve regimentos famosos, como no caso de Tomé de Souza, primeiro governador geral das capitanias que voltavam à Coroa. Tomé de Souza tem funções sobretudo militares (de defesa do comércio e de guerra aos tupinambás) e Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 12 fazendárias (controle e arrecadação das rendas e fixação de preços e mercadorias). Embora possa nomear oficiais de justiça e fazenda, esta competência parece bem mais restrita pela limitação de matérias em alguns casos ou pelo sistema de recursos. Do modelo vigente na metrópole resultam as características da administração colonial: ou os ofícios se incorporavam ao patrimônio de famílias importantes, ou conserva-se o costume de renunciar a favor de outrem ou nomear um sucessor. O rei não poderia recuperar o cargo, a não ser pagando, ou indenizando um oficial e sua família, com a justa causa. O poder régio dependia de oficiais para fazer cumprir sua política e vontade. Muitos oficiais estavam ligados diretamente ao corpo dos juristas, de quem dependia a produção do direito doutrinal com o qual se legitimava o direito real, seja na sua aplicação, seja na sua interpretação. 14) A privatização dos ofícios é um fenômeno restrito ao regime colonial? E o patrimonialismo? (*) Tornava-se necessário ir criando sua burocracia de câmara (os oficiais de câmara) à medida que os cargos anteriormente criados tornavam-se indisponíveis para o rei; embora o rei não pudesse vender os cargos, para reavê-los deveria comprá-los, o que ao mesmo tempo resultava na sua patrimonialização. 15) Como se dava a administração fiscal? 16) O que distingue o sistema tributário de então e o contemporâneo? No Antigo Regime os impostos, sendo principalmente rendas da Coroa, justificam-se por serem tradicionais. Assim acontece com os direitos reais (régios) de que tratam as Ordenações Filipinas. Sendo direitos régios, sua arrecadação, no entanto é particular (privada). Não há um aparelho de arrecadação compostos de funcionários, a cobrança é deferida por particulares que contratam, por meio de um leilão, a arrecadação. É uma forma privada de cobrança. Em segundo lugar, os impostos não são necessariamente pessoais e individuais, podem ser comunitários, coletivos, devidos por uma comunidade, tal como uma paróquia, chamados de impostos de repartição. Em terceiro lugar o sistema era relativamente estável, pois a criação de novos impostos deveria ser feita mediante a oitiva das cortes, por costumes institucionais. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 13 Já no sistema tributário contemporâneo tem funções próprias, fundamentadas na concepção do Estado dentro de uma sociedade capitalista e de mercado. Fala-se das funções fiscais, que significam a arrecadação para manutenção de serviços públicos gerais e universais. Fala-se também das funções extrafiscais, de orientação econômica geral (função promocional): de estímulo ou desestímulo de mercado. Além disso, existe uma moralidade presumida pelo modelo liberal capitalista, moralidade da economia politica: utilitarista, individualista, legalista, em que atividades públicas e privadas distinguem-se com clareza. Dela resulta princípio como defesa do contribuinte perante ou contra o Estado. 17) De que modo o sistema fazendário do Antigo Regime reflete a crise da organização política? Ao longo do tempo, o sistema fazendário do Antigo Regime reflete a crise da organização política e o nascimento de um novo Estado. A coroa é obrigada, à medida que se consolidam os interesses do mercado, a desempenhar funções novas: manter um exercito e uma armada profissionais, manter um sistema administrativo policial e fiscalizador permanente, fomentar atividades econômicas, zelar pela prosperidade do reino, etc. São tarefas desconhecidas da organização medieval. É preciso, progressivamente, reorganizar tudo: criando novos impostos sobre atividade e riquezas novas e montando um sistema arrecadador completamente novo. 18) Como era a arrecadação? Quem fiscalizava a arrecadação? Enquanto a Coroa é incapaz de realizar uma reforma no seu sistema tributário diante das novas necessidades (item anterior), ela deve arcar com as novas tarefas privatizando-as, delegando-as a agentes mais ou menos capazes. Os cobradores de impostos (odiados pela população) encarregam-se da tarefa de cobrar os tributos, e seu interesse é arrecadar o máximo possível para lucrar com aquilo que terminam entregando à Coroa. Os donatários eram quem fiscalizavam essa arrecadação. (*) 19) Quais eram as rendas ou receitas da colônia? 21) Como era a organização judiciária em Portugal? Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 14 Características da organização judiciária no Antigo Regime em geral: tendência a centralização, especialização, afastamento das “instituições democráticas” locais, controle estatal monárquico é crescente. Estrutura judicial portuguesa: - Ascensão da classe dos juristas profissionais sob os auspícios da Coroa. - Estabelecida progressivamente a hierarquia dos tribunais régios e a profissionalidade dos letrados, sobrepondo-se ao juízes eleitos e leigos, a magistratura começava a tornar-se uma carreira e uma corporação. - A estrutura judicial exemplarmente fomentada na reinado de D.João II tende a se subordinar à justiça régia. - Foram criados os juízes de fora e deu-se o regimento geral dos corregedores. Estes foram instrumentos diretos de intervenção régia nas autonomias locais. - Havia ainda os juízes de órfãos: sob a sua jurisdição ficavam as causas envolvendo interesses de órfãos, ausentes, escravos, irmandades ou associações religiosas leigas. 22) Qual era a atribuição principal dos juízes de fora e dos corregedores? Os juízes de fora e os corregedores foram instrumentos diretos de intervenção régia nas autonomias locais. Eram letrados nomeados pelo rei para exercerem jurisdição que competia com a dos juízes ordinários, leigos e eleitos pelas Câmaras. 23) E as vestes? Tinham elas alguma característica especial? Os juízes de fora portavam uma vara (bastão) branca em público. Visto que na sociedade daquele tempo todos deviam se vestir om as roupas que distinguissem ou identificassem por estamentos, profissão, ou grupo social (as leis regulavam esta prestação pública). 24) Qual a competência dos juízes de órfãos? Sob a jurisdição dos juízes de órfãos ficavam as causas envolvendo interesses de órfãos, ausentes, escravos, irmandades ou associações religiosas leigas, as casas de misericórdia, e outras estruturas paralelas que contassem com um provedor (um juiz interno, sobrevivente da autonomia jurisdicional das corporações). 25) Que papel foi sendo atribuído aos letrados? Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 15 Os letrados, guindados à condição de fidalgos (nobreza da toga) resistiam á legalidade moderna voluntarista, á centralização monárquica. Á medida que os procedimentos deviam ser levados eventualmente a um tribunal superior, sua uniformização dependeu de dois fatores: sua redução a escrito e profissionalização de seus agentes. Cresceram em importância os profissionais do direito letrados, oficiais de carreira ou detentores de cargos doados pela Coroa. 26) O que eram os juízes ordinários? Os juízes ordinários, eleitos pelas Câmaras entre seus membros, proferiam ou podiam proferir decisões não escritas, baseadas no costume local, mais do que na lei de origem régia, ou nos textos do direito romano (civil)ou canônico. A oralidade de tais procedimentos era reconhecida nas Ordenações Filipinas. Os juízes ordinários representavam também uma força de oposição à modernização do Estado. Deram voz sobretudo à nobreza rural. 27) Como era a organização judiciária nos tempos das capitanias hereditárias? E no tempo do governo geral? Característico do regime das capitanias hereditárias é uma tripartição de poderes jurisdicionais. Essencialmente, há os juízes municipais (ordinários, das Câmaras) que ocupam a base do sistema; no topo o rei que tem competência para ouvir apelações e agravos pelos seus tribunais próprios e superiores. Entre as duas justiças está uma espécie de justiça senhorial dos donatários e governadores: ora exclusiva (conforme a pessoa ou matéria), ora servindo como instância de recurso à decisão municipal. A justiça dos capitães é exercida pelos ouvidores. Embora exercendo funções públicas pela sua qualidade de donatários de terras, estas lhe vinham do rei mesmo. Com o fracasso das capitanias, Tomé de Souza, governador geral a partir de 1549, foi diretamente financiado pelo Tesouro real. No seu regimento mencionava-se o seu ouvidor geral, que ocuparia o primeiro lugar hierárquico na vida jurídica colonial, pois os donatários tiveram que dar apelo e agravo para o ouvidor geral. O cargo de ouvidor, no Brasil, equivalia-se ao de corregedor da Metrópole. Começaram a diminuição da justiça dos capitães. O regimento do ouvidor-geral do Brasil revogava expressamente o privilégio concedido aos capitães-donatários de fazerem justiça em suas terras. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 16 Com o Governo-geral foi de fato duplicada a estrutura judicial, pois sobreviviam parte dos poderes e competências das Capitanias e Câmaras ao lado da nova justiça, desempenhada pelo ouvidor geral. 28) Quais eram os principais conflitos de Salvador por volta de 1700? A cidade de Salvador, cidade colonial, apresentava problemas particulares de justiça: de um lado, a desordem e arruaças, de outro disputas de poder familiar, heranças e casamentos, grandes setores ausentes ou indesejosos de obedecer a ordem régia, conservando certa autonomia social e política associada ao mandonismo local. Outros problemas enfrentava o tribunal. Havia muitas ausências dos juízes. 29) Como é o caráter espetacular das punições? Os castigos ou penas mais comuns que se aplicavam, seguindo os critérios normais da época eram multas, degredo (obrigação de residência em determinado lugar), galés, marca com ferro (para identificação de certos tipos de criminosos), espancamento, e morte por enforcamento ou decapitação. A prisão não era propriamente dita: era preventiva, assegurando a devassa ou investigação, ou garantia contra certa desordem temporária. A prisão por dívidas também era usada. As punições tinham um caráter espetacular, querendo com isso instruir e advertir os outros. Os criminosos muitas vezes eram beneficiados por numerosas cartas de fiança, de modo que se livravam soltos. Os brancos compravam assim suas liberdades e os negros escravos eram assim resgatados por interesse de seus senhores. Quem sofria as penas, afinal, eram os brancos pobres, ou os libertos, os artesãos e os trabalhadores braçais. 30) Que problemas enfrentava o tribunal de então na Bahia? Havia muitas ausências dos juízes: sendo que o quórum para deliberação era de seis desembargadores, muitas vezes não se chegava a esse número. Suas tarefas não se resumiam ao que hoje propriamente se chama adjudicação contenciosa. Encarregou-se de estabelecer o preço do açúcar arbitrando disputas resultantes das queixas de que os comerciantes manipulavam os preços no embarque e na compra dos engenhos. O tribunal teve uma influência mais local do que geral. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 17 31) Qual é o papel das Ordenações Filipinas como fonte do direito? E da Lei das Boas Razões? No Brasil, vigoram como leis gerais por toda nossa vida colonial as Ordenações do Reino, ou Ordenações Filipinas. As ordenações não foram inovadoras, restringindo-se especialmente a consolidar o que já havia nas Ordenações Manuelinas e na Coleção de Leis Extravagantes. As Ordenações Filipinas dispõem a respeito dos oficiais da justiça no livro I, onde se encontram regimentos de diversos entes públicos (Casa da Suplicação de Lisboa, da Relação do Porto, dos outros juízes do rei (ouvidores), dos oficiais de justiça e advogados e, finalmente, dos cargos de justiça das câmaras ou concelhos). O livro II traz um conjunto de disposições sobre os estamentos privilegiados (nobreza, clero), fontes mat direito, jurisdição e poderes, privilégios do rei, etc. O livro III é essencialmente de caráter processual. O Livro IV traz muito do que hoje se considera matéria de direito civil, como as regras de contrato. O livro V trata dos crimes e do processo penal. Não de tratava de um código no sentido moderno, mas de uma consolidação de um direito real. A disciplina das fontes de direito é reformada pela lei de 18 de agosto de 1769, a Leo da Boa Razão. A Lei teve um impacto grande, mas não se impôs completamente ao abandono do direito romano. Mas a lei vai definir o critério de boa razão que passará a ser aceito. Esta boa razão “consiste nos primitivos princípios que contém verdades essenciais, intrínsecas e inalteráveis, que a ética dos mesmos romanos havia estabelecido, e que os direitos natural e divino formalizaram para servirem de regras morais e civis entre o cristianismo.”(*) Logo, o direito romano passava agora pelo filtro da modernidade e da razão moderna, jusnaturalista ou utilitarista conforme o caso. A Lei da boa razão ainda teve outros alvos. Em primeiro, quanto aos costumes: passou-se a exigir que fosse também conforme à boa razão, que não contrariasse o direito pátrio e que fosse antigo pelo menos 100 anos. CAPÍTULO 10 – As fontes: Constituição e codificação no Brasil do Século XIX 1) Como o liberalismo influencia o direito brasileiro no início do século XIX? Do ponto de vista da cultura jurídica, o liberalismo – como doutrina econômica mais que política – foi um elemento chave no discurso dos brasileiros. Não se confundia o liberalismo com democracia. O liberalismo inspirou uma carta de direitos que foi Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 18 incorporada à Carta constitucional de 1824, a Constituição do Império do Brasil. Mas a Carta aceitou a divisão entre cidadãos ativos e passivos, isto é, eleitores e não eleitores. O liberalismo da independência foi envolvido nos mesmo temas da autonomia nacional. E foi também contra o sistema colonial, contra os monopólios e estancos, o fisco, a antiga administração da justiça, a administração portuguesa. 2) Qual foi a principal tarefa dos legisladores após a independência? Qual foi o resultado dela? (*) A primeira tarefa dos legisladores foi dotar um país de um quadro legal e institucional. Era preciso garantir liberdades públicas escritas na carta de direitos do art.179 da Carta Constitucional do Império, que por sua vez incorporava muito das declarações de direitos do final do século XVIII. Era preciso formar os quadros do Estado. Era necessário reformar as instituições do Antigo Regime: a justiça, o governo, a fazenda e a guerra. 3) O que caracterizou a opção de Frei Caneca à Constituição de 1824? Qual era sua posição sobre o Poder Moderados? Frei Caneca se opôs à Constituição de 1824. Suas objeções ao projeto são as seguintes. Em primeiro lugar, não havia determinação do território do Império, o que punha em risco a independência. Também criticava o caráter centralizador, que retirava das Províncias poderes de legislar sobre o seu interesse. E a terceira série de críticas se refere ao poder moderadorpois segundo ele consiste em uma desigualdade que se refunde toda em aumentar os interesses do imperador. E seria o meio de criar a classe da nobreza opressora dos pobres. No discurso de Frei Caneca, já se encontram os temas que atravessarão o debate jurídico e político do Império: poder moderador e centralismo, soberania popular e representação política, entre outros. 4) O que caracterizava o Poder Moderador? O Poder Moderador da ao Imperador o direito de ser, ao mesmo tempo Chefe do Supremo e Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes Políticos. O sistema brasileiro delegara ao imperador uma representação não eleitoral dos interesses gerais e permanentes Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 19 de todo (a nação) e não das partes (os partidos). Este poder incluía interferências no funcionamento legislativo. O Poder Moderador não era defendido como um poder absoluto, mas como um remédio aos impasses do partidarismo. O imperador acumulava ainda o chefia do Executivo exercida pelos seus “Ministros de Estado”, pela qual provia cargos públicos, inclusive nomeando bispos e administrando os benefícios eclesiásticos. 5) Quais eram os objetivos do Código Criminal? Quais as suas características principais? O Código Penal precisava ser feito para revogar o Livro V das Ordenações, ainda em vigor de forma geral. Devido ao caráter excessivamente rigoroso do Livro V das Ordenações o resultado vinha sendo o oposto do esperado. A lei excessivamente rigorosa provocava nos juízes desejo de mitiga-la. Afinal, terminava-se com uma crescente impunidade. O estilo do código penal nos é familiar e escapa àquela das Ordenações, casuístico aos nossos olhos. Abre-se com uma parte geral sobre os crimes e as penas. O título I define de forma abstrata o crime, os “crimes justificáveis”, o criminoso, as circunstâncias agravantes e atenuantes. A satisfação (indenização) da vítima também é objeto do Código. Apesar de todo o empenho em dar ao país um Código liberal, é claro que o direito penal de uma sociedade desigual conservou as desigualdades. 6) Como se dividiam os crimes no Código Criminal? Os crimes dividiam-se em públicos e privados, conforme a vítima. Eram públicos os crimes contra a existência do Império, contra o livre exercício dos poderes políticos, contra o livre exercício dos direitos políticos do cidadão, contra segurança interna do império e a tranquilidade pública. Eram particulares os delitos contra a liberdade individual, contra a segurança individual (incluído o homicídio), contra a propriedade (furto), contra a pessoa e contra a propriedade (roubo). 7) Por que o Código de Processo Criminal é a grande vitória legislativa dos liberais? O Código de Processo Criminal é a grande vitória legislativa dos liberais. Põe fim, praticamente, ao sistema judicial antigo, introduz novidades complexas, trazidas da Inglaterra, especificamente o Conselho de Jurados e o recurso de habeas-corpus, Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 20 inexistentes na tradição do direito continental. A investigação criminal das Filipinas, a devassa, de tom inquisitorial, desaparece e é substituída por um juizado de instrução, de perfil contraditório, sob a direção do juiz de paz, leigo e eleito. 8) Quais as suas características e como ele se organizava? O Código se divide em duas partes. A primeira reorganiza a justiça criminal. A justiça disciplinada no Código de Processo passa a contar basicamente com juízes de direito, juízes municipais, juízes de paz, promotores de justiça e jurados. Em grau de recurso, haveria juntas de paz ou as Relações. O código incorporou a publicidade de todas as audiências, embora tenha conservado muito destacado o papel dos escrivães. A segunda parte do Código dispunha sobre o processo em geral. O processo poderia ser sumario ou ordinário. Eram sumários os processos da competência do juiz de paz. O processo ordinário era de competência do Conselho de Jurados, tanto na fase de denuncia quanto na de julgamento. 9) O que eram os juízes de direito, os juízes municipais, os juízes de paz? Os juízes de direito eram nomeados pelo imperador e atuavam na Comarca. Sua função principal era presidir o Conselho de jurados e “aplicar a lei aos fatos”. Substituíam os juízes de fora, eram vitalícios e deviam ser bacharéis em direito, com prática de um ano no foro. Os juízes municipais seriam nomeados pelos presidentes de Província. Ou eram formados em direito ou advogados hábeis. Substituíam os juízes de direito e NÃO eram vitalícios (nomeados por três anos). Juízes de paz tinham função de polícia e de jurisdição no processo sumário. Eram cargos eletivos criados em 1828, que se renovavam a cada ano. Principalmente, tiveram função investigativa, como juízes de instrução. 10) O que eram as Relações? 11) Quais as características e motivações da reforma do código de 1841? A reforma do código de 1841 foi resultado da reação dos conservadores. A lei de 3 de dezembro de 1841, reformando o Código do processo, esvaziou as atribuições de um juiz Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 21 de paz. A reforma foi centralizadora e potencializante. O imperador passava a nomear o chefe da polícia na Corte e nas Províncias, escolhido dentre desembargadores e juízes de direito. Os chefes de polícia seriam auxiliados por delegados e assumiam funções dos juízes de paz, não apenas fazendo o inquérito como também dando as sentenças de pronuncia em certos crimes. 12) Quais os principais aspectos disciplinados no Código Comercial de 1850? O Código comercial viria pôr fim a muita coisa que existia em função das Ordenações. Viria também no bojo das reformas que se faziam em outras áreas, especialmente a Leid e Terras e Lei Eusébio de Queirós, que poria fim ao tráfico. O Código servirá em parte de direito privado comum enquanto não surgir o Código Civil. O Código propriamente se divide em três parte: (1) do comércio em geral, (2) do comércio marítimo, (3) das quebras. 13) Qual era o objetivo do Regulamento n. 737, de 1850 e quais as suas principais contribuições? O regulamento n. 737 ,de 1850, previa, nas formas de execução, verdadeiros casos de prisão civil por dívida. Este regulamento não alterou substancialmente o processo. Apenas lhe deu ordem e sistematicidade de exposição. De modo geral, o Regulamento de 1850 criou uma cultura e manteve grande parte da cultura antiga. (*) 14) O que é o Projeto Teixeira de Freitas? Teixeira de Freitas rejeitou o modelo francês de códigos, sendo assim muito original. Sua obra foi a Consolidação das Leis Civis, que foi aprovada pelo governo em 1858. A Consolidação obedeceu às seguinte divisão das matérias: uma parte geral sobre as pessoas e as coisas; uma parte especial dividida em dois livros, o primeiro sobre os direitos pessoais, incluindo relações pessoais em função da família e as funções derivadas dos contratos e dos atos ilícitos, o segundo tratando dos direitos reais, inclusive matérias de sucessões, e direitos reais de garantia. Pode se dizer que os projetos Teixeira de Freitas tem um fundo burguês e ao mesmo tempo aceitam alguma forma de direito natural, ou seja, certa concepção do que é razoável e racional em direito. Mas ele é sobretudo um romanista dos novos tempos. Quer organizar tudo sob um sistema conceitual. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 22 A Consolidação se tornou um texto de referência obrigatória. CAPÍTULO 11 – As instituições e a cultura jurídica: Brasil – Século XIX 1) O que significa a afirmativa de que a Constituição era fruto dos tempos da restauração? O Estado nacional do Brasilnasce diretamente com o propósito reformador e a ordem antiga precisava de reforma e nascia dentro da tradição unitária do direito português. Essa concepção do papel do direito, como instrumento de poder e reforma demonstra como a primeira geração de legisladores adotou sem problemas o estilo da nova lei. A legislação brasileira nasce moderna. E seus autores parecem convencidos de que com ela vão reformar o país, modernizando-o no limite da manutenção de uma parte da velha ordem. A Constituição do Império foi fruto de sua época e de suas circunstâncias. 2) Como a Constituição tratou a questão da escravidão? Ao contrário dos outros países latino-americanos, que aboliram a escravidão junto com seus respectivos processos de independência, a escravidão no Brasil era um grande embaraço à forma republicana. A Constituição cala sobre os escravos, mas garante aos cidadãos passivos (os que não gozam do direito de votar e serem votados) os direitos civis de liberdade, propriedade e segurança de suas vidas e bens. 3) Qual era o papel das províncias? As províncias são meras divisões administrativas do mesmo governo e Estado embora tenham Conselhos e elas dependem ou de atos da Assembleia Geral (para transformá-las em lei quando necessário), ou de ato do Executivo ( e por isso devem remeter o assunto ao Executivo imperial pelo Presidente da Província). 4) Como ela se comparava à Constituição Americana de 1787 e suas emendas? A Constituição garantia direitos civis a todos, mesmo que os direitos políticos fossem diferenciados. Nestes termos, a Constituição inseria-se na recente tradição de declaração de direitos. Esta tradição vem muito especialmente dos Estados Unidos e da França. Em 1791, Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 23 em aditamento (emendas) à Constituição aprovada em 1787, aparecem as famosas dez primeiras emendas ao texto constitucional dos Estados Unidos, que se tornaram conhecidas como Bill of rights (carta de direitos). 5) O que é o Poder Moderador? Como foi o processo para que ele fosse consagrado na Constituição? Por que ele representou um problema? Qual foi a crítica de Joaquim Nabuco? A constituição do Império do Brasil definia o Poder Moderados como um quarto poder – ao lado do Executivo, do Legislativo, do Judiciário – na forma de poder “neutro”. Como força conservadora, competia ao Poder Moderador, isto é, ao Imperador, nomear os senadores – que eram vitalícios -, sancionar leis feitas pela Assembleia Geral, aprovar e suspender as resoluções dos Conselhos Provinciais, prorrogar ou adiar a Assembleia Geral, dissolvendo a Câmara dos deputados e convocando outra, nomear e demitir Ministros de Estado, nomear os magistrados, conceder perdão e “moderar” as penas impostas aos réus, conceder anistia. O Poder Moderador foi sempre um enorme problema para as instituições brasileiras. Pretendia responder ao problema fundamental de todas as democracias, ou seja, como impedir que as maiorias eleitorais, passageiras e eventualmente pouco representativas, dominem o Estado de modo que eliminem as minorias. De outro lado, como impedir que as minorias, também episódicas e passageiras, destruam o Estado quando se apossam dos cargos? Como o Poder Moderados pertencia ao Imperador e como estava acima dos outros poderes, não havia responsabilidade institucional para seus atos. A queixa maior acabou sendo a de Joaquim Nabuco, provocado pela destruição do gabinete Zacarias. O Imperador convocava alguém quando julgava que se estabelecera algum impasse na Câmara, e este escolhido era encarregado de organizar um novo ministério, ao mesmo tempo em que de dissolvia a representação. Dizia Nabuco que o novo partido escolhido para o Ministério seria o vencedor e assim confirmava-se a escolha do Imperador. Assim, segundo Nabuco, o Poder Imperador transformava o Estado em um Estado Absolutista. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 24 6) Qual era (ou quais foram) o (s) papel (eis) do Conselho de Estado? O Conselho de Estado era uma instituição da monarquia o oitocentista e surgiu em toda a parte. No Brasil houve três conselhos. O primeiro foi o Conselho dos Procuradores Gerais das Províncias. O segundo, criado na dissolução da Assembleia Constituinte, foi incorporado pela carta de 1824. O terceiro foi criado, já sem status constitucional, por lei ordinária e, junto com o Poder Moderador, era objeto de debate entre liberais e conservadores. O Conselho de Estado era ouvido em questões, que dissessem respeito ao Poder Moderador e também em pelo menos duas hipóteses que terminam por interferir m controvérsias que hoje diríamos judiciais. O Conselho de Estado pronunciava-se em conflitos de jurisdição entre as autoridades administrativas e entre estas e as judiciárias; sobre decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis. Opinava ainda sobre propostas que o poder executivo enviasse à Assembleia Geral e sobre “abusos das autoridades eclesiásticas.” 7) Sobre temas eram feitas consultas ao Conselho de Estado a partir de 1841? (*) O Conselho de Estado operava dividido em quatro seções, conforme o seu regulamento: (1) negócios do Império, (2) da Justiça e Estrangeiros, (3) da Fazenda, (4) da Guerra e Marinha, reproduzindo a divisão clássica dos assuntos de Estado em governo, justiça, fazenda e guerras. 8) Como era a estrutura do Poder Judiciário? A reforma do Judiciário começou de fato com o Código do Processo Criminal de 1832. Por ele foram extintos os cargos anteriores e a aparto judicial começou a tomar forma em torno dos cargos de juiz de paz, juiz municipal e juiz de direito na primeira instância. A segunda instância manteve-se com as Relações criadas antes da Independência e com o Supremo Tribunal de Justiça. O Conselho de Jurados (ou Tribunal do Júri), presidido pelos juízes de direito, tratava normalmente de todos os feitos criminais. 9) O que se disputava em juízo? A matéria que domina a jurisprudência é o assunto das classes possuidoras: heranças, compras e vendas de terras, forma de tratamento de escravos, negócios societários e Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 25 circulação de mercadorias e títulos. O Código Comercial tornou-se importante no Império: ele ajudava a interpretar as Ordenações em muitos pontos em que não havia sido revogado. Outros casos frequentes diziam respeito a falências e concordatas e a substituição de sócios, seja por herdeiros, seja por outros sócios. Chama também atenção os casos relacionados aos escravos, em que princípio sujeitavam-se à jurisdição dos juízes de órfãos. Duas questões: (1) em que caso poderiam haver emancipação (alforria) de negros independentes da vontade de seus senhores, e (2) casos de maus-tratos. 10) Quem foram os principais juristas desta época? Qual o seu papel? Onde se formaram? A primeira geração de juristas veio toda de Coimbra. A primeira turma de bacharéis brasileiros formou-se em 1831 e foi fornecendo quadros para o Estado. Pimenta Bueno, Marques de São Vicente, foi desta primeira turma em São Paulo. Os magistrados desenvolveram um papel político duplamente importante, pois lhes era permitido candidatar-se a deputado e terminavam sendo também legisladores. Enquanto juízes, na esfera local, estavam em função carregada de matizes políticos. 11) Quando foram criados os primeiros cursos jurídicos no Brasil? Separados de Portugal, os brasileiros perderam o único centro de cultura do mundo de língua portuguesa, a Universidade de Coimbra. Foi então preciso criar os cursos jurídicos entre nós, o que terminou sendo feito pela Carta de Lei de 11 de agosto de 1827. Buscando seu próprio curso, no entanto, o Brasil reproduziria em grande parte o enfoque adotado em Coimbra. 12) Quais as principaisreformas curriculares realizadas no período? A reforma pombalina de 1722, pretendia-se ilustrada, capaz de trazer uma racionalidade moderna, dedutivista e sistemática o quanto possível, mas não era nem democrática e nem liberal, o que vinha a calhar no Brasil escravocrata. Em primeiro lugar, foi introduzida a exposição sistemática das matérias, pela sua ordem naturalmente dedutiva, abandonando as questões escolásticas. Os cursos jurídicos brasileiros também deviam ser assim. Estudo Dirigido – O direito na história – José Reynaldo de Lima Lopes 26 13) Qual é a posição de Tobias Barreto sobre o bacharelismo? Tobias Barreto rejeitava o jusnaturalismo tradicionalista e propunha a compreensão do direito como um fenômeno histórico, cultural, social. Para compreender o Brasil e dotá-lo de instituições, era preciso deixar o idealismo dos tipos puros de legislação e investigar em primeiro lugar a natureza de nossa sociedade. 14) Como se dá o problema da escravidão? Em relação aos índios? E em relação aos negros? No momento em que a servidão estava desaparecendo na Europa Ocidental, a descoberta da América revitalizaria a escravidão. A escravidão moderna distingue-se da antiga por algumas marcas: quanto ao regime de produção, ela se insere no pacto colonial de produção das grandes fazendas de produtos de exportação. Quanto aos sujeitos da escravidão sua marca mais forte será de exclusividade étnica: negros africanos e indígenas. Desta forma as marcas da escravidão ficariam inscritas em grupos sócias determinados. Os primeiros sujeitos da escravidão, os índios, foram logo protegidos – teoricamente, nem sempre praticamente – por esforços missionários. Após a restauração (1640), cresce o esforço para declarar liberdade dos indígenas. Era preciso atrair os indígenas para a América portuguesa e impedir que fossem aldeados nos territórios espanhóis. A questão indígena não parecia resolvida nem mesmo no inicio da republica, em pleno século XX. João Mendes Junior defendia que a posse dos indígenas não estava sujeitas as formalidades da lei de terras, pois era originária e não tinha ocupação recente. Sendo originaria, distinguia-se da posse para cultivo que a lei pretendia disciplinar; Segundo ele, a posse para o cultivo sim, precisava de legitimidade, mas a dos índios era congênita; os indígenas não tinham simples posse, mas um título imediato de domínio. A escravidão dos africanos, porém, era sempre um instituto admitido. Apesar dos esforços argumentativos de Joaquim Nabuco durante a campanha abolicionista. O centro a discussão entre abolicionistas e antiabolicionistas pode ser localizado no art. 170 paragrafo 22, da Constituição do Império, que garantia o direito de propriedade. Dizia-se que os senhores de escravos eram legítimos proprietários e que a abolição significava simplesmente desapropriar sem indenizar, o que era inconstitucional. ....
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