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0 CONTEÚDOS E DIDÁTICA DA HISTÓRIA 1 ESDRA GOMES DOS SANTOS ÁGUA BRANCA-PI 2020 Fonte: https://www.estudopratico.com.br/temas-sobre-a-historia-do-brasil-no-enem/ Conteúdos e Didática da História 2 Diretor Geral Levi de Sousa Lima Secretária Acadêmica Ivânia Pires de Sousa Oliveira SANTOS, Esdra Gomes dos Santos. Conteúdos e Didática da História 1ª ed. Água Branca; FAS – Cursos de Graduação. 70p. Bibliografia 1. Pedagogia 2. Educação 3. Título. Ficha Catalográfica Todos os direitos em relação ao design deste material são reservados à FAS. Todos os direitos quanto ao conteúdo deste material são reservados ao autor. Todos os direitos de Copyright deste material didático são à FAS. Francisco Edesio Carlos Soares Joselina da Silva Costa 3 09 10 12 13 13 16 18 19 19 26 28 29 35 37 38 39 42 44 46 48 50 52 54 61 Apresentação do curso ..................................................................... 06 Apresentação da disciplina................................................. 08 27 UNIDADE 01 A HISTÓRIA NOS CURRÍCULOS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Introdução............................................................................................................... 1.1 O Ensino de História na História do Brasil.......................................................... 1.2 A LDB – Lei 9394-96, os PCNS e o Ensino de História............................ 1.3 O estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e dos povos Indígenas Brasileiros........................................................................................ 1.4 Os Livros Didáticos................................................................................... ATIVIDADE............................................................................................................ FÓRUM................................................................................................................. UNIDADE 02 SABERES E PRÁTICAS DE ENSINO DE HISTÓRIA Introdução........................................................................................................ 2.1 O que é História? Como a História é construída?..................................... 2.2 Diferentes Histórias, múltiplas interpretações............................................ 2.3.Modos de ensinar História........................................................................ ATIVIDADE...................................................................................................... FÓRUM........................................................................................................... 28 29 36 41 49 49 09 10 16 19 22 26 26 05 06 08 4 50 58 UNIDADE 03 FONTES E LINGUAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA Introdução.................................................................................................. 3.1 Literatura Infantil................................................................................ 3.2 Poesias e canções............................................................................ ATIVIDADE............................................................................................... FÓRUM..................................................................................................... 51 52 54 57 57 UNIDADE 04 FONTES DE PESQUISAS HISTÓRICAS 4.1 Documentos impressos e textuais..................................................... 4.2 Museus, Arquivos, Bibliotecas, Monumentos, Objetos...................... 4.3 Imprensa Periódica............................................................................ 4.4 Fontes Iconográficas......................................................................... ATIVIDADE.............................................................................................. FÓRUM.................................................................................................... 59 60 62 64 67 67 5 A concretização de um curso superior em Pedagogia na modalidade à distância tem como meta o atendimento às necessidades de toda comunidade quanto ao acesso e atendimento ao um ensino superior de qualidade. Desse modo, propõe-se a importância para o curso de Pedagogia numa perspectiva histórico- cultural, tendo como eixo articulador a interdisciplinaridade e a busca da construção de um currículo integrador. As disciplinas pedagógicas que formulam o currículo foram moldadas para uma sociedade cujo princípio da qualidade torna-se prioridade a partir da relação teoria-prática de um trabalho docente de qualidade que procure satisfazer as necessidades de aprendizagem, enriquecendo as experiências do educando no processo educativo. É dentro desta ideia que o curso de Pedagogia da FAS na modalidade à distância constitui-se de uma base comum formada pelos conhecimentos de ciências humanas aliadas a tecnologia, de uma parte diversificada com uma ampliação dos fundamentos na leitura do fazer pedagógico dentro da escola e da sociedade e uma parte complementar com o objetivo de trabalhar os problemas educativos da realidade educacional em vista a qualificação do professor com novas formas de intervenções como aplicações de ferramentas metodológicas. A FAS tem como recurso didático-educacional o uso de materiais como apostilas/livros, plataformas virtuais, internet, vídeos e principalmente um excelente sistema de acompanhamento à distância através de tutores e monitores. É válido salutar que este curso otimiza sempre seus resultados pelas experiências existentes e atendem a ampla procura de profissionais da área educacional. Os profissionais da área da educação serão orientados a sempre desenvolver a capacidade de intervenção científica e técnica assegurando a reflexão critica permanente sobre sua prática e realidade educacional historicamente contextualizada. O que espera deste docente é sua capacidade de (re) construir seu projeto pessoal e profissional a partir da compreensão da realidade histórica e profissional diante das políticas que direcionam as práticas educativas na sociedade. 6 O ensino de História na Educação Básica busca despertar reflexões a respeito de aspectos políticos, econômicos, culturais, sociais, e das relações entre o ensino da disciplina e a produção do conhecimento histórico. Para tanto, serão destacadas as permanências, mudanças e rupturas ocorridas no ensino de História e suas contradições frente à ciência de referência. A História passou a existir como disciplina escolar com a criação do Colégio Pedro II, em 1837. No mesmo ano, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que instituiu a História como disciplina acadêmica. Alguns professores do Colégio Pedro II faziam parte do IHGB e construíram os programas escolares, os manuais didáticos e as orientações dos conteúdos que seriam ensinados. Elaboradas sob influência da História metódica e do positivismo orientada pela linearidade dos fatos, pelo uso restrito dos documentos oficiais como fonte e verdade histórica e, por fim, pela perspectiva da valorização política dos heróis. O estudo desta importante disciplina fomenta no acadêmico o desejo de aprofunda-se na temática, além de como, educador realizar práticas educativas que sejam potencializados de aprendizagens. Bons estudos. 7 8 UNIDADE 01 A história nos currículos dos anos iniciais do Ensino Fundamental Fonte: https://ensinarhistoriajoelza.com.br/base-curricular-comum-o- que-ensinar-de-historia/ COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Analisar as mudanças que ocorreram no ensinode História nos primeiros anos da educação básica no Brasil. Entender a importância disciplinas, os currículos, os saberes e as práticas escolares têm histórias. 9 Conteúdos e Didática da História Introdução “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina (Cora Coralina)”. Vamos iniciar nossos estudos de Metodologia do Ensino de História analisando as mudanças que ocorreram no ensino de História nos primeiros anos da educação básica no Brasil. As disciplinas, os currículos, os saberes e as práticas escolares têm histórias. Como você sabe, na atualidade predominam nas escolas públicas brasileiras uma estrutura curricular nacional, definida pelo Estado, por meio dos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais – que prevêem o estudo da História e da Geografia como áreas autônomas desde os primeiros anos do ensino fundamental (MEC, 1997). Os estados – unidades da federação e os municípios também elaboram e implantam propostas curriculares. Mas nem sempre foi assim. No caso específico de História e Geografia várias mudanças ocorreram a partir dos anos 1960. Você se lembra dos Estudos Sociais? A construção curricular que temos hoje é produto de lutas sociais, políticas, educacionais, de um movimento acadêmico, de debates teóricos e políticos em defesa da valorização da História e da Geografia na educação escolar desde os anos iniciais. Foi construída nas lutas históricas dos movimentos sociais de professores de norte a sul do Brasil, da ANPUH (Associação Nacional de História) e da AGB (Associação dos Geógrafos do Brasil), sobretudo nas últimas décadas do século XX. Após o Golpe Militar de 1964 e, mais precisamente, a partir da Reforma Educacional de 1971, conhecida como Lei 5.692/71, ocorreu a consolidação do processo de fusão dos conteúdos de História e Geografia na disciplina de Estudos Sociais. A partir dos anos 1980, em vários municípios e estados da Federação, as disciplinas passaram a ser desmembradas. Em 1997, com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) e os novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o processo de autonomização das disciplinas foi consolidado em nível nacional. Assim, foi no interior do movimento político de lutas pela democracia e implantação de uma nova política educacional que se institucionalizou o novo lugar curricular da História no ensino fundamental. 10 Conteúdos e Didática da História Estamos vivenciando o retorno da História e da Geografia nos currículos dos anos iniciais da educação básica. Apesar da fusão e de todas as mudanças curriculares, é importante registrar que a História e a Geografia têm como objeto de estudo aspectos específicos da realidade e do conhecimento. As duas disciplinas têm em comum uma preocupação e um papel importante na educação: ajudam-nos a compreender o mundo, o tempo e o espaço, a experiência humana. A História nos auxilia nessa tarefa. Ela é fundamental para a formação da consciência histórica do educando, para a formação do cidadão. Por isso, convidamos você: vamos refletir sobre a história da disciplina? Qual o lugar ocupado pela disciplina no currículo dos anos iniciais? Isso nos ajudará a conhecer melhor sobre o que, por que, para que e o que estudar em História nos primeiros anos de escolaridade. Vamos lá? Bom trabalho! 1.1 O Ensino de História na História do Brasil Você bem sabe, há uma grande disputa teórica e política em torno dos processos de elaboração de currículo, especialmente de História. Estamos permanentemente debatendo e indagando: o que da cultura, da memória, da experiência humana devemos ensinar, transmitir aos alunos em nossas aulas de História? O que é significativo, válido e importante de ser ensinado da História do Brasil e do Mundo? Para que, por que, o que e como ensinar nas aulas de História? O ensino de História na escola fundamental brasileira esteve, desde sua inclusão nos programas escolares (século XIX), fortemente articulado às tradições europeias, sobretudo à historiografia francesa. Durante o século XIX e início do século XX, privilegiava-se o ensino da História Universal. O ensino de História do Brasil era visto em conjunto com a História Universal numa posição secundária. Essa concepção curricular ficou conhecida, entre nós, como “europocêntrica” ou “europocentrismo”. Ou seja, a história ensinada a partir de um centro – a história da Europa. As Reformas de Ensino de Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942), ao estabelecerem orientações metodológicas para o ensino de História, reafirmaram o estudo da História Universal e dividiram a História do Brasil em duas 11 Conteúdos e Didática da História séries: o primeiro conjunto que ia até a Independência e o segundo abrangendo a História do Brasil do 1º Reinado até aquele momento, o Estado Novo. A influência europeia, nesse período, se fazia não apenas nos currículos, mas também nos cursos superiores de História. As experiências norte-americanas chegaram ao Brasil no ensino de História e Geografia por meio da disciplina “Estudos Sociais”. Nos anos 1930, no interior do movimento de renovação educacional, o educador Anísio Teixeira publicou uma proposta de ensino de Estudos Sociais inspirada no modelo americano. A partir daí a possibilidade de implantação de Estudos Sociais nos currículos passou a ser parte do debate educacional. Há registros de experiências nas diversas épocas, com destaque para a introdução dos Programas de Estudos Sociais nos currículos das escolas experimentais e dos colégios vocacionais nos anos 1960. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, no novo contexto internacional, a presença norte-americana no Brasil e na América Latina tornou-se marcante nas esferas econômica, política e educacional. Em Minas Gerais, os Estudos Sociais foram implantados na escola primária no final da década de 1950, amparados pelo Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar (PABAEE). Esse programa é um dos frutos do convênio firmado em 1953, entre o governo federal do Brasil, o governo do estado de Minas Gerais e o governo dos Estados Unidos da América do Norte, como objetivo de formar e aperfeiçoar professores para a Escola Normal e Primária, além de produzir e distribuir materiais didáticos. Sob a influência de autores norte-americanos foram publicadas traduções de obras e estudos resultantes do trabalho desenvolvido pelo Programa em Minas Gerais e em outros estados. Essas obras tornaram-se referência para as experiências desenvolvidas em vários sistemas de ensino do território nacional Na década de 1960, os Estudos Sociais passam a ser considerados disciplina obrigatória na escola primária e disciplina optativa no ensino médio, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Após o Golpe Militar de 1964, cresceu a importância de Estudos Sociais relacionados à formação moral e cívica dos cidadãos. Da mesma forma, nesse momento histórico a política educacional brasileira passa a ter como principal referência o modelo de educação norte- americano. Os Estudos Sociais foram consolidados no currículo escolar dos anos iniciais da escolaridade obrigatória (FONSECA, 1993; PCNs, 1997). 12 Conteúdos e Didática da História Nos anos 1970, o ensino de História na escola fundamental norteou-se, basicamente, pelas diretrizes da Reforma Educacional de 1971. A Lei 5.692/71 consolidou medidas que já vinham sendo adotadas durante os anos 1960, institucionalizou algumas experiências já realizadas e estabeleceu as diretrizes educacionais em consonância com o projeto de educação mais amplo do Estado Brasileiro. Uma dessas medidas foi a criação dos Cursos de Formação de Professores - LicenciaturaCurta em Estudos Sociais, com o objetivo de formar professores para as disciplinas História, Geografia, Estudos Sociais, OSPB (Organização Social e Política do Brasil) e EMC (Educação Moral e Cívica). Essas últimas tornaram-se disciplinas obrigatórias do currículo com objetivos explícitos e implícitos de difundir valores, ideias e conceitos vinculados à ideologia do regime militar, instaurado no Brasil a partir do Golpe Militar de 1964. O ensino de História passou a ser objeto de controle dos Conselhos Superiores de Educação, e a discussão manteve-se, basicamente, limitada aos programas de ensino elaborados pelas Secretarias de Educação e aos livros didáticos escritos à semelhança dos programas adotados em grande escala. A história ensinada, seja na disciplina Estudos Sociais nos anos iniciais, seja na disciplina História nos demais níveis de ensino, foi alvo de controle e até mesmo pretexto para perseguições políticas durante a Ditadura Militar. A partir da Lei 5.692/71, o governo editou uma série de leis, pareceres e resoluções normatizando os princípios e doutrinas – enfim, regulamentando a implantação da reforma educacional. Uma das características da reforma é a centralização das decisões sobre o ensino nas esferas governamentais, reforçando uma tendência que vem desde a Escola Nova. Apesar de a considerarem uma “descentralização articulada”, o controle técnico-burocrático sobre a escola e o professor é acentuado. Os currículos foram reformulados. Os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais da Área de História nos lembram que a “a organização das propostas curriculares de Estudos Sociais em círculos concêntricos tinha como pressuposto que os estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados aos estágios de desenvolvimento psicológico do aluno, devendo, pois, partir do concreto ao abstrato em etapas sucessivas. Assim iniciava- se o estudo do mais próximo, a comunidade ou o bairro, indo sucessivamente ao mais distante, o município, o estado, o país, o mundo. Os conteúdos ordenados, hierarquicamente, deveriam respeitar a faixa etária do aluno, por isso a história do 13 Conteúdos e Didática da História mundo não deveria ser ensinada na escola primária, por ser considerada distante e abstrata” (PCNs, 1997, p. 26). Os “Estudos Sociais”, isto é, a disciplina assumiu diversas configurações nos estados brasileiros, mas a lógica da construção curricular, os objetivos e as concepções eram similares. Em Minas Gerais, a área de Estudos Sociais foi definida da seguinte forma: nas séries iniciais a disciplina recebeu o nome de Integração Social e, a partir da 5a série, História, Geografia, EMC e OSPB. A denominação “Integração Social” expressava um dos principais objetivos do ensino dos Estudos Sociais durante a Ditadura Militar no Brasil: “integrar o aluno ao meio físico e social” (Programa de Ensino de Minas Gerais, 1975). A disciplina “Integração Social” – preste atenção nesse título – tinha como conteúdo os conceitos geográficos e históricos, além da orientação cívica. Há uma fusão desses conceitos num único corpo, ou seja, na disciplina componente da grade curricular denominada Integração Social. Os conteúdos previstos para as quatro primeiras séries obedeciam à seguinte ordenação: 1a série: a comunidade mais próxima, a escola e a família; 2a série: a comunidade local, o bairro; 3a série: o município; e 4a série: o Estado de Minas Gerais. No estado de São Paulo, o conteúdo curricular prescrito para a disciplina “Estudos Sociais”, 1ª e 2ª séries, previa o estudo de dois grandes temas: “A criança e a sociedade em que vive” e “A criança e a sua comunidade”. Para a 3ª e 4ª séries os temas eram ampliados e desdobrados: “A criança e a sociedade em que vive” e “A criança e o estado em que vive”. Assim, o objeto de estudo das séries iniciais difundido pelos currículos padronizados, definidos e selecionados pelos sujeitos e órgãos competentes – especialistas das Secretarias de Educação – seguiam o mesmo esquema: o estudo do meio mais próximo para o distante, centrado nos aspectos histórico/geográfico/físico/humano/ cultural de forma sequencial, compartimentada, como se não fossem dimensões constitutivas da mesma realidade (Guia Curricular, São Paulo, 1975). Assim, os Estudos Sociais, de inspiração norte-americana, implantados há alguns anos, foram institucionalizados nos currículos das escolas brasileiras. Essa medida, em conjunto com as demais estratégias do Regime, provocou mudanças no ensino da área de Ciências Humanas, desvalorizando e até mesmo descaracterizando as áreas e disciplinas, o que gerou inúmeras resistências. 14 Conteúdos e Didática da História Nos anos 1970, o processo de organização dos professores ganhou força no contexto de lutas pela democratização do país e por melhores condições de trabalho. No interior do movimento social organizado, multiplicaram-se as críticas ao ensino de História vigente, desencadeando um debate nacional acerca da História ensinada, dos currículos, dos livros didáticos e das metodologias de ensino. A partir daí, por pressões das associações científicas e sindicais, iniciam-se processos de mudanças em vários estados e municípios do Brasil. Em seguida às eleições diretas para os governos estaduais, com a vitória dos candidatos da oposição nos principais estados da Federação, tiveram início às mudanças nas Secretarias de Educação e, como ato contínuo, as reformas curriculares. Os anos 1980 foram marcados por um repensar coletivo, debates, discussões e publicações, enfatizando a renovação das práticas de ensino de História entre nós. No estado de Minas Gerais, o debate acerca das mudanças ganhou força a partir de 1983 e 1984, durante a realização do I Congresso Mineiro de Educação. Dentre as propostas que emergiram do Congresso, constava a de uma ampla discussão e reformulação curricular. Em 1986, os novos Programas de Ensino foram divulgados e implementados. A nova proposta curricular manteve a fusão de História e Geografia no ensino de 1a a 4a séries do ensino de primeiro grau (hoje 2º ao 5º ano do ensino fundamental). Mas outras mudanças foram feitas. Para diferenciar o currículo dos antigos “Estudos Sociais”, ou melhor, “Integração Social”, mudaram o nome da disciplina. Integração Social passou a denominar-se “Formação Social e Política”. Mudaram também os objetivos da disciplina: de “integrar o aluno ao meio”, passamos a “formar um novo tipo de homem, consciente dos problemas e do seu papel de cidadão” (Programa Curricular de História, MG, 1986). A proposta curricular previa o estudo sequencial e gradativo do espaço social produzido pelo homem e a história ali construída. Os conteúdos foram organizados da seguinte forma: 1a série: a comunidade; 2a série: o município; 3ª série: o estado de Minas Gerais; e 4a série: o estudo do Brasil. É interessante salientar que a proposta, ancorada na concepção marxista, possuía um eixo central: a concepção de homem que produz o espaço e faz a sua história em determinado tempo. A partir desse eixo norteador articulavam-se os temas a serem estudados: o bairro, o município, o estado e o Brasil como realidades em construção. A mudança curricular em São Paulo foi mais radical. Provocou inúmeras polêmicas e debates. A proposta da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas 15 Conteúdos e Didática da História Pedagógicas), órgão da SEE/SP, elaborada por professores e especialistas, opta pela autonomização da disciplina História. Inspirada nas experiências europeias e no movimento historiográfico ligado à nova história francesa e à historiografia social inglesa, propõe uma organização curricular por meio do eixo temático “O trabalho”, desdobrado em dois outros eixos temáticos. Para o 1º ciclo básico, 1ª e 2ª séries, o tema era “Diferentes formas de vida, diferentes formas de trabalhar”. Para o 3º ciclo o temaera “Trabalho”, abordando as diferentes maneiras de viver e trabalhar na localidade e em outros lugares. A proposta curricular apresenta também as noções a serem desenvolvidas nos dois ciclos de ensino: tempo e espaço; diferença e semelhança; permanência e mudança; relações sociais e trabalho; diferentes formas de viver e trabalhar. Vocês notaram que mudou o contexto social e político do país, mudaram as disciplinas: História e Geografia, Estudos Sociais, Integração Social, Formação Social e Política! Mas por que tantas mudanças? A História, por ser uma disciplina formativa, que lida com a realidade social, é certamente alvo do poder político nas diversas sociedades, sobretudo nas sociedades não democráticas. O Estado, por meio das políticas públicas, busca desde cedo formar nas crianças determinadas noções de homem, sociedade, política, etc. O Estado seleciona o que da cultura, da história e da sociedade deseja ver transmitido às novas gerações. Por isso o currículo não é neutro. Ele é, por definição, uma seleção cultural e política. Durante os anos 1980, houve um intenso diálogo entre professores de ensino fundamental, médio e superior acerca das mudanças no ensino de História. Ao mesmo tempo, as pesquisas em História e Educação foram revistas e ampliadas no interior das universidades; também cresceu, quantitativa e qualitativamente, a produção de livros acadêmicos, didáticos e paradidáticos. Nesse contexto de repensar as áreas da História, Geografia e Educação, ganharam força as propostas curriculares de ensino da História e da Geografia no currículo escolar desde os anos iniciais do ensino fundamental. Os currículos foram reformulados e as configurações da história ensinada revelaram uma diversidade de concepções. É interessante salientar que, no interior das mudanças, um dos vieses da renovação foi a introdução da concepção de ensino de História temático. A fragmentação, a linearidade, a chamada “história oficial”, até então características do ensino de História e Estudos Sociais, foram combatidas e substituídas por outras 16 Conteúdos e Didática da História histórias, outras abordagens problematizadoras de diversas dimensões da realidade social em diferentes tempos. Portanto, reafirmamos que a configuração e a construção de uma nova imagem do ensino de História dos anos 1980, manifestadas nas propostas curriculares dos estados de São Paulo e Minas, pelas experiências que as embasaram e os desdobramentos, ocorreram na tentativa de se enfrentar a problemática da exclusão no ensino fundamental. Por caminhos distintos, as duas propostas buscavam resgatar (palavra bastante utilizada na época) projetos históricos, os diversos agentes, as múltiplas vozes representativas de uma época. Procurava-se dar voz aos excluídos, ora tentando romper com a forma tradicional de ensinar história, ora tentando introduzir novos materiais, novas fontes, novas questões. O critério hegemônico passava pela ampliação. As propostas expressavam a necessidade histórica de trazer para o centro da reflexão ações e sujeitos até então excluídos da história ensinada na escola fundamental (FONSECA, 1993, p. 109). 1.2. A LDB – Lei 9394-96, os PCNS e o Ensino de História. Como vimos anteriormente, por pressões de movimentos sociais e acadêmicos, várias mudanças ocorreram no ensino de História. Em Minas Gerais, o retorno da História e da Geografia ocorreu em 1993, quando foi lançada a nova Proposta Curricular da Secretaria Estadual de Educação. Em 1997, esse processo de retorno foi consolidado em todo o Brasil, com a elaboração e publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais pelo Ministério da Educação (MEC). O texto dos PCNs reafirmou a importância do ensino de História desde os primeiros anos de escolarização. Segundo o documento, “a disciplina pode dar uma contribuição específica ao desenvolvimento dos alunos como sujeitos conscientes, capazes de entender a História como conhecimento, como experiência e prática de cidadania” (PCNs, p. 30). A finalidade educativa é parte constitutiva da política educacional implementada no período (anos 1990), no contexto político de globalização da economia, de desenvolvimento de novas tecnologias e consolidação da democracia. É importante registrar que esse processo foi desencadeado a partir da promulgação 17 Conteúdos e Didática da História da Constituição Federal de 1988 que prevê, dentre outros direitos, no Capítulo III, Art. 212: A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Esse artigo significou uma conquista importantíssima, pois favoreceu a significativa ampliação do acesso das crianças brasileiras à educação básica sem, contudo, melhorar o padrão qualitativo, conforme demonstram os indicadores educacionais obtidos a partir de então. Várias outras mudanças ocorreram: as disciplinas EMC (Educação Moral e Cívica), OSPB (Organização Social e Política) e EPB (Estudos dos Problemas Brasileiros) foram extintas. Os cursos superiores de Licenciatura Curta também, paulatinamente, foram extintos. Em 1994, instituiu-se o processo de avaliação dos livros didáticos do ensino fundamental, que teve continuidade nos governos posteriores. Em 1996, aprovou-se a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que desencadeou o processo de elaboração e implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais e a institucionalização de avaliações nacionais pelo MEC. Além disso, vários programas e projetos de formação inicial e continuada foram desenvolvidos pelos governos federal, estaduais e municipais. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, assim como as Leis anteriores, nos indicam caminhos, nos apontam diretrizes e algumas respostas a essas nossas perguntas. Em forma de diretrizes, o documento curricular oficial expressa o que da cultura e da História o Estado brasileiro considera necessário transmitir aos alunos nas aulas de História. Veja alguns dos objetivos gerais para o ensino de História estabelecidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais: Os alunos deverão ser capazes de: conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas e políticas reconhecendo diferenças e semelhanças entre eles; Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas presentes em sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço; Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e como elemento de fortalecimento da democracia. (1997, p.41) 18 Conteúdos e Didática da História Como afirmamos anteriormente, as diretrizes e textos curriculares como elementos de políticas educacionais são veiculadores de propostas culturais, pedagógicas e ideológicas. Nesse sentido, creio que analisar as diretrizes da nova LDB e dos Parâmetros Curriculares para o ensino de História nos remete à compreensão do papel da escola e da dinâmica escolar em relação aos saberes históricos nela transmitidos e produzidos. Os PCNs estabeleceram a separação das áreas/disciplinas História e Geografia. Para o ensino de História estabeleceu: “o ensino e a aprendizagem de História estão voltados, inicialmente, para atividades em que os alunos possam compreender as semelhanças e as diferenças, as permanências e as transformações no modo de vida social, cultural e econômico de sua localidade, no presente e no passado, mediante a leitura de diferentes obras humanas” (PCNs, 1997, p. 49). Os conteúdos foram organizados em dois eixos temáticos. O primeiro é “História Local e do Cotidiano”,subdividido em torno de estudos sobre a “Localidade e as Comunidades Indígenas”. O segundo eixo temático para o segundo ciclo é “História das Organizações Populacionais”, subdividido em “Deslocamentos Populacionais, Organizações e Lutas de Grupos Sociais e Étnicos, Organizações Políticas e Administrações Urbanas, Organização Histórica e Temporal”. Além disso, devemos considerar a inter- relação entre esses temas de estudo e os chamados temas transversais, em particular: Ética, Cidadania, Pluralidade Cultural e Meio Ambiente Esses temas passaram a fazer parte dos projetos curriculares das escolas públicas e privadas e nos conteúdos difundidos pelos livros didáticos. A ênfase em temas de História do Brasil no último ano do primeiro ciclo do ensino fundamental veio atender a uma antiga demanda de professores e educadores que consideravam um problema o aluno terminar essa fase da escolaridade sem ter estudado História do Brasil. Os antigos programas de ensino de Estudos Sociais, em geral, encerravam o ciclo com o estudo da história regional, do município e do estado. Assim, muitas vezes, as crianças chegavam ao final da 4ª série, hoje 5º ano, sem ter noção de temas da História do Brasil. O mesmo ocorria com os estudos de Geografia. Ora, considerando que grande parte dos alunos brasileiros não ultrapassava os limites da 4ª ou 5ª série, esse era um grande problema, pois muitos encerravam ou interrompiam a escolaridade sem conhecer aspectos, dimensões importantes da História do Brasil. Aqueles que prosseguiam os estudos chegavam, via de regra, à 5ª série (6º ano) sem uma base conceitual e temática de História e Geografia do Brasil. 19 Conteúdos e Didática da História O texto curricular dos PCNs (1997), ao propor um tema amplo para os dois últimos anos da primeira fase do ensino fundamental, possibilita a professores e alunos problematizar e compreender importantes dimensões da História do Brasil. 1.3 O estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e dos povos Indígenas Brasileiros No período da redemocratização, a partir dos anos 1970, cresceram as demandas dos movimentos sociais, em particular dos movimentos negro e indígena, contra o racismo, os preconceitos, a marginalização e diversas práticas e formas de exploração. Esses movimentos, paulatinamente, foram conquistando espaços por meio de lutas específicas no campo da cultura, da educação e da cidadania. Alcançaram vitórias expressivas no processo constituinte na década de 1980 e, em decorrência da Nova Constituição Federal de 1988, vários projetos de políticas foram implementados, tais como a demarcação de terras indígenas, ações afirmativas para a população negra de afrodescendentes, implementação de cotas nos concursos públicos e nas instituições de Ensino Superior, projetos de inserção do negro no mercado de trabalho e ações específicas na área da cultura e da educação de afrodescendentes e indígenas. No ano 2003 foi sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Federal nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, determinando a inclusão no currículo da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro- Brasileira” e outras providências. Em 2004, foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e a Resolução nº 1 do CNE, de 7 de junho de 2004, que institui as Diretrizes. Veja a imagem a seguir: 20 Conteúdos e Didática da História Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana. Assim, houve alterações na Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) –, com o acréscimo de dois artigos que se referem ao ensino de História, conforme descrito anteriormente. Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. (Incluído pela Lei nº 10.639, de 9.1.2003) Parágrafo 1º - O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil. (Incluído pela Lei nº 10.639, de 9.1.2003) Parágrafo 2º - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras ( ); (Incluído pela Lei nº 10.639, de 9.1.2003) Art. 79-A. (VETADO); (Incluído pela Lei nº 10.639, de 9.1.2003) Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra. (Incluído pela Lei nº 10.639, de 9.1.2003) Fonte: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília-DF, junho de 2005. 21 Conteúdos e Didática da História O artigo “26-A” trata da obrigatoriedade do ensino da História e Cultura da África e Afro-brasileira, e define “o que ensinar”, “o conteúdo programático”, “resgatando” a importância do estudo da luta dos africanos e afro-brasileiros, da História e da cultura desses povos. O parágrafo 2º estabelece que os conteúdos devem ser objeto de todas as disciplinas, em especial das disciplinas Educação Artística, Literatura Brasileira e História Brasileira. Registre-se que não é objeto apenas da disciplina História, mas também das correlatas. O artigo “79-B” das “Disposições Gerais” da LDB inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Trata-se de uma referência à memória (dia da morte) de Zumbi dos Palmares, um dos principais líderes da luta dos escravos no Quilombo dos Palmares pelo fim do regime escravocrata. Para muitas lideranças dos movimentos sociais e historiadores, a institucionalização do dia 20 de novembro no calendário escolar é um importante contraponto à memória oficial que comemora o dia da libertação dos escravos como uma dádiva da Princesa Isabel, consagrada na História como a Redentora dos Escravos. As lutas e as demandas dos movimentos sociais por mudanças nas políticas sociais culminaram com a publicação da Lei Federal nº 11.645, de 10 de março de 2008, que trouxe novas alterações à LDB e modificou a Lei Federal nº 10.639, determinando a obrigatoriedade da inclusão do estudo da História e Cultura Afro- Brasileira e Indígena nos ensinos fundamental e médio, públicos e privados. Foram feitas alterações e modificações no artigo “26-A” e respectivos parágrafos que passaram a ter a seguinte redação: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro- brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008) § 1° O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008) 22 Conteúdos e Didática da História § 2° Os conteúdosreferentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008) As alterações e modificações, inseridas na LDB pela Lei Federal nº 11.645, de 10 de março de 2008, não invalidaram nem revogaram as leis anteriores, mas acrescentaram os pressupostos dos estudos referentes à questão indígena. Esse complemento refere-se ao conteúdo, uma vez que vários outros aspectos importantes em relação à educação escolar indígena possuíam regulamentação. Portanto, o ensino de História, os conteúdos a serem ensinados, os objetivos de ensino, o papel das disciplinas, as intencionalidades educativas têm sido objeto de discussão, debates e disputas teóricas e políticas em diversos espaços formativos, de produção e transmissão de saberes. Por quê? Porque é necessário valorizá-lo como um campo de saber fundamental para a formação crítica dos cidadãos e para a construção de uma sociedade democrática. Concorda? As políticas públicas do Estado – que tem o poder regulatório da educação escolar no país – expressam, por meio de seus instrumentos legais, programas e projetos as correlações de forças sociais e políticas em determinados momentos históricos. 1.4 Os Livros Didáticos Como você bem sabe uma das políticas públicas do Estado brasileiro para o ensino de História no ensino fundamental que merece destaque é o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que prevê a avaliação periódica, a aquisição e a distribuição gratuita de livros para os alunos da rede pública de ensino. Desde o início dos anos 2000, em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997, o PNLD passou a exigir nos Editais de Livros Didáticos para os anos iniciais a inscrição, avaliação e aquisição de livros didáticos distintos para as duas disciplinas: História e Geografia. Mas nem sempre foi assim. A atual produção de obras atualizadas de História para os anos iniciais, após mais de uma década de avaliações sistemáticas, se difere fundamentalmente daquela analisada no ano 1994 (MEC, 1994). Exemplo disso pode ser apreendido em obras aprovadas no último Edital (Fonseca e Simon, 2008). Os resultados da 23 Conteúdos e Didática da História última avaliação foram divulgados e podem ser apreendidos no documento “Guia de Livros Didáticos - PNLD 2010 - História”. O texto traz, além dos critérios, as conclusões gerais sobre a avaliação dos livros de História, o perfil da produção apresentada (43 coleções e 72 livros regionais) e as resenhas específicas das 32 coleções e 36 livros regionais aprovados (MEC, 2009). É evidente a melhoria do padrão qualitativo dos livros didáticos – não apenas de História e Geografia, conforme demonstrado pelos Guias do Livro Didático, publicados pelo MEC e que contêm os resultados das avaliações, por estudos e pesquisas (Oliveira e Stamatto, 2007). Na Ficha de Avaliação do PNLD 2010 - História há um conjunto de critérios avaliativos que possibilitam diagnosticar não só a linguagem da obra, mas também as potencialidades de desenvolvimento de capacidades e competências de leitura, vocabulário, compreensão de gêneros textuais e produção de textos. Enfim, são avaliadas as possibilidades apresentadas pelos livros de História (anos iniciais) de aprendizagem histórica relacionada ao domínio da leitura e escrita da língua portuguesa (Guia, 2009, p. 327). Os PCNs contribuíram, decisivamente, para a construção de um novo perfil de livros didáticos de História e Geografia dirigidos aos alunos de professores dos anos iniciais. Considerações Finais O ensino de História, nos anos iniciais do ensino fundamental (nas diferentes versões), durante décadas da educação brasileira, foi marcadamente caracterizado por uma concepção pedagógica que separava rigidamente a transmissão da reflexão, da descoberta, da possibilidade de construção de saberes, do processo de alfabetização da criança. Essa concepção inibia o processo de compreensão do conhecimento histórico como uma elaboração, uma possibilidade de permanente reconstrução do saber articulada ao processo global de alfabetização da criança. Assim, o professor acabava por cristalizar fatos, ideias e valores como verdades absolutas, inquestionáveis, dificultando o desenvolvimento da criatividade e da criticidade do aluno. Os conteúdos priorizados e transmitidos durante anos foram, basicamente, os fatos políticos, as datas cívicas e os nomes de heróis. Esses eram, de modo geral, 24 Conteúdos e Didática da História memorizados de forma mecânica pelos alunos. O papel do professor limitava-se ao de mero reprodutor de conteúdos, e o dos alunos, ao de espectadores passivos de determinados “conteúdos”, o que acabava legitimando e perpetuando a “memória dos vencedores”, a chamada “História oficial”. E, ao mesmo tempo em que se dificultava a compreensão da história, como experiência humana de diversos sujeitos e grupos, constituía-se um limite ao desenvolvimento de novas práticas pedagógicas que visavam romper com a forma tradicional de ensinar História na sala de aula. No atual contexto histórico, vivemos um momento rico em propostas e debates. Pesquisadores, formadores e professores possuem uma clara compreensão de que a escola constitui um espaço complexo de debates, fontes históricas e diferentes propostas de saber, sendo o livro didático de História apenas uma das fontes de saber disponíveis. A escola constitui um espaço democrático, onde diversas possibilidades de ensinar e aprender estão presentes. Nesse sentido, a concepção de História como disciplina formativa, aponta para a construção de novas práticas e possibilidades metodológicas que potencializam, indicam outras relações educativas entre o ensino de História e o processo de alfabetização da criança nos primeiros anos de escolaridade. (Fonseca, 2009). Como afirma Goodson (1996, p. 15), “o currículo é uma invenção da tradição”. Como discurso, o livro didático, assim como o currículo prescrito, age especialmente no processo de formação inicial e continuada, no pensamento dos professores e na burocracia escolar. Afetam também os produtores (autores, editores) de material didático, que sempre se esforçam no sentido de reproduzir, nos livros didáticos, o formato e o conteúdo dos currículos. Assim, os livros didáticos no Brasil, como suporte curricular, elementos de políticas educacionais, são – como bem sabemos – veiculadores de ideologias, de propostas culturais e pedagógicas com grande poder de penetração na realidade escolar. As diretrizes legais, os currículos oficiais e o livro didático são apenas alguns dos níveis em que se opera a seleção cultural. O livro didático de História é apenas uma das fontes de saberes históricos. Logo, não pode ser tomado como “a única fonte”, ou “a mais verdadeira”, ou “a melhor”, nem tampouco “a pior”. Há inúmeras fontes, materiais e linguagens que têm sido incorporados ao processo de ensino e aprendizagem de História. 25 Conteúdos e Didática da História Defendemos, sempre, nos vários espaços e escritos, que os livros didáticos, em sala de aula, sejam ampliados, complementados, criticados, revistos. O professor deve ter uma relação crítica, nunca de submissão ao livro de História que, como todo texto, toda fonte, deve ser questionado, problematizado e amplamente explorado com os alunos. São inúmeras as possibilidades de leituras, interpretações e trabalhos pedagógicos. O que os alunos aprendem e deixam de aprender – o que é e o que não é transmitido a eles cotidianamente nas nossas escolas – é mais amplo e mais complexo do que o prescrito em qualquer documento. O chamado currículo real, vivido, ativo, é construído tendo por base uma série de processos e significadosque envolvem a cultura escolar e a cultura da vida cotidiana. As histórias das disciplinas (não apenas da História) nos auxiliam na busca da necessária compreensão do processo de (re) constituição dos saberes, dos currículos, dos livros didáticos, na busca da conscientização de nossa responsabilidade pela construção de outras histórias. 26 Conteúdos e Didática da História 1. Com base na leitura da Unidade I elabore um texto enfatizando a importância do ensino de história anos iniciais do ensino fundamental. Qual a importância do Programa Nacional do Livro Didático. 27 Conteúdos e Didática da História UNIDADE 02 Saberes e práticas de ensino de História Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/ensino-de- historia-no-brasil-em-xeque-35nkeucbmgck6v425c5ztkf6p/ COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Refletir sobre saberes históricos para a formação do educando e para a nossa sociedade. 28 Conteúdos e Didática da História Introdução Vamos aos estudos da Unidade, refletindo com você sobre a importância dos saberes históricos para a formação do educando e para a nossa sociedade. Ainda é comum em muitas de nossas escolas o desinteresse e até mesmo a apatia dos alunos durante as aulas de História. Muitos professores já ouviram de seus alunos afirmações do tipo: “não fazemos parte da História” ou “A História não serve para nada”, “O importante é estudar Português, Matemática” e por aí a fora. Aliás, muitas dessas ideias são compartilhadas por alguns colegas, professores e pais. Daí questionarmos: mas por que isso ainda ocorre em nossas escolas? Por que o ensino de História torna-se, muitas vezes, tão desinteressante e desvalorizado entre nós? Você certamente já pensou e estudou sobre esse assunto. Precisamos lutar por outras histórias no ensino de História! Como abordamos na unidade I, vivenciamos no Brasil um intenso debate sobre o ensino de História. Muitas propostas de renovação das metodologias, dos temas e dos problemas de ensino têm sido incorporadas em salas de aula. Como você sabe, durante os anos 1960, 70 e até 1980 do século passado, História e Geografia foram ensinadas juntas nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e, em algumas escolas, em todas as séries. Houve uma fusão dos conteúdos na disciplina denominada Estudos Sociais. Apesar da fusão e das mudanças curriculares, é importante registrar que a História ia Geografia estudam aspectos específicos da realidade e do conhecimento. Por isso, durante os anos 1990, as disciplinas foram desmembradas e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados e publicados pelo MEC em 1997, indicam o estudo dos conhecimentos históricos e geográficos. As duas disciplinas têm em comum uma preocupação fundamental que iremos dividir com você: é preciso compreender o mundo, para que nele possamos viver melhor! A História nos auxilia nessa tarefa. Ela é fundamental para a formação da consciência histórica do educando, para a formação do cidadão. Por isso, convidamos você a estudar nesse texto os princípios do ensino de História. Em outras palavras: o que, por que, para que e como se estuda a História nos primeiros anos de escolaridade? 29 Conteúdos e Didática da História O texto pretende estabelecer um diálogo com você sobre a História, possibilidades de ler, interpretar e ensinar História nos primeiros anos da educação básica. Desejamos contribuir de forma significativa para a re/construção dos saberes e das práticas pedagógicas em História. Os saberes históricos em diálogo com os saberes da experiência, os saberes pedagógicos e curriculares possibilitarão a reflexão de nossa prática, o repensar do nosso ofício! Por isso, desafiamos você a trilhar junto com seus colegas mais esse caminho! 2.1 O que é História? Como a História é construída? Vamos iniciar nosso diálogo conversando sobre a História. Você conhece esta canção? Leia cante e reflita. Se for possível ouça-a. Você conhece os compositores? Canción por la unidad latinoamericana Muitos jovens não conhecem essa canção, composta por dois importantes artistas, um cubano e um brasileiro, gravada em 1978. Certamente, muitos de vocês 30 Conteúdos e Didática da História não eram nascidos. Para as novas gerações, a citação dos trechos dessa canção pode parecer saudosismo, símbolo de uma época, de uma efervescência política que não tem retorno. Entretanto, ela nos faz relembrar a importância da história na vida e na luta de um povo, como algo vivo que acena, balança, ilumina, incendeia, também atropela, abre novos espaços, risca novas trilhas, inventa outras tramas. A história não é algo abandonado, parado à beira de uma estrada ou em uma estação. A história é movimento, transformação, contradição, diferença. Por isso, falamos em historicidade, ou seja, em processo da vida humana, em dinâmica da experiência humana no tempo e no espaço. Lembrando o historiador Rusen, “o termo ‘vida’ designa, obviamente, mais do que o mero processo biológico, mas sempre também – no sentido mais amplo da expressão – um processo social” (2001, p.58). O autor ainda acrescenta que, quando falamos em processo “histórico”, significa que o passado, a experiência é interpretada e essa interpretação, essa construção, passa a fazer parte da nossa cultura. Estamos vivenciando o retorno da História ao currículo dos anos iniciais. Mas, o que é História? Como a história é construída? Quais concepções de História chegam às salas de aula e são mais difundidas entre nossos alunos? Por que em muitas de nossas escolas, a História continua desvalorizada, em especial, nos anos iniciais do Ensino Fundamental? Pare, pense, tente se lembrar de coisas que você já aprendeu e viveu. O que você sabe é muito importante! Vamos relembrar o conceito de História! Para nós a História é o estudo das ações humanas no passado e no presente. A história busca compreender as diversas maneiras como homens e mulheres viveram e pensaram suas vidas e a de suas sociedades, nos diferentes tempos e dos espaços. Ela nos possibilita pensar as experiências sociais como um constante processo de transformação; um processo que assume formas muito diferenciadas e que é produto das ações dos próprios homens. O estudo da História é fundamental para que possamos compreender o movimento e a diversidade, possibilita-nos estabelecer comparações entre grupos, sociedades nos diversos tempos e espaços. Por isso, a História ensina a se ter respeito pela diferença e contribui para o entendimento do mundo em que vivemos e também do mundo em que gostaríamos de viver. Assim, a História é essencialmente formativa. 31 Conteúdos e Didática da História Biblioteca Central da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP Manifestação cultural no Brasil Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Unicamp_BC.jpg Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Berlin_Karneval.jpg Reunião do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE Coleta de dados do censo, para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE Fonte: http://www.rolimdemoura.ro.gov.br/img/noticias/ibge.j pg Fonte: http://www.aen.pr.gov.br/modules/galeria/uploads/ 7702/normal_IBGE1.jpg Fonte: http://www.bentogoncalves.rs.gov.br/ sites/6700/6728/Noticias2008II/BibliotecaPubl ica.gif Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Chicago_Illinois_-_Sue_the_TRex-_Field_ Museum2.jpg Biblioteca pública, Bento Gonçalves, RS Pessoas no museu, Illinois, Chicago http://www.rolimdemoura.ro.gov.br/img/noticias/ibge 32 Conteúdos e Didática da HistóriaMas como essa história é registrada, escrita e transmitida para as várias gerações? A resposta a essa pergunta está na explicação do oficio do historiador e das fontes que ele utiliza. Como já discutimos todas as pessoas fazem história o tempo todo, em todos os lugares! Não é mesmo? Pense na sua história de vida! Na história de sua comunidade, de sua família, de sua cidade! De onde você veio? E a sua família de onde veio? Em quais lugares você já viveu? Como eram esses lugares? O que mudou? O que permaneceu? Quais as principais transformações que ocorreram em sua vida e nos espaços em que viveu? Mas para responder a essas perguntas e escrever a sua história, é necessário pesquisar, relembrar, conversar com pessoas, rever fotos, diários. É assim que ocorre na pesquisa em História. O historiador investiga, faz um levantamento das fontes históricas, analisa-as e escreve a história. É por meio dos diversos registros das ações humanas, dos documentos, dos monumentos, dos depoimentos de pessoas idosas, de fotografias, objetos e roupas que obtemos informações sobre o real vivido por homens e mulheres nos diversos tempos e espaços. Portanto, todos os registros e as evidências das ações humanas são fontes de estudo da História. O historiador analisa as fontes, as evidências e produz os conhecimentos históricos. Veja, a história - experiência humana - torna-se objeto de investigação do historiador que a transformas em conhecimento histórico. Funcionário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE na rua, em coleta de dados para o censo Fonte: http://www.tocosdomoji.mg.gov.br/files/ibge.jpg 33 Conteúdos e Didática da História Observe as imagens a seguir: Objetos do Museu de Berlim Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Misc_ objects_Egyptian_museum_Berlin_(3).jpg Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Documentos_del_AHP_de_Cuenca.jpg Documentos Título Eleitoral Brasileiro Fonte:http://commons.wikimedia.org/wiki/Fil e:TituloeleitorBrasil_modelo.jpg Mapa político brasileiro Livro Fonte: Ensinar e aprender História: formação, saberese práticas educativas / Autora Selva Guimarães Fonseca, org.— Campinas, SP: Editora Alínea, 2009. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brazil_ Political_Map.svg Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tituloel eitorBrasil_modelo.jpg Livro brasileiro infantil Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Joao_V%C3%ADtor.jpg http://commons.wikimedia.org/wiki/File:TituloeleitorBrasil_modelo.jpg http://commons.wikimedia.org/wiki/File:TituloeleitorBrasil_modelo.jpg 34 Conteúdos e Didática da História Fonte: FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Campinas, SP: Papirus, 1993. – (coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) Fonte: FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Campinas, SP: Papirus, 1993. – (coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) Fonte: FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História. Campinas, SP: Papirus, 2003. Fonte: Brasileiro, Jeremias. (1959). Cultura Afro- Brasileira na Escola: o congado em sala de aula. Jeremias Brasileiro – Uberlândia, 2009. 64 p. Fonte: Brasil. [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996)]. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9394/96 / apresentação Carlos Roberto Jamil Cury; Edição Antônio de Paulo. 10. ed. - Rio de Janeiro: DP&A, 2006 (Legislação brasileira; 7. Série A) História. Campinas, SP: Papirus, 2003. Livro Livro Livro Livro Livro 35 Conteúdos e Didática da História Quando discutimos o que é história, os registros, as fontes perguntamo-nos como escrever, contar, ler, interpretar, estudar, ensinar e aprender conhecimentos históricos, não é mesmo? Para compreender melhor esse processo vamos voltar ao passado. Perguntamos como a história tornou-se disciplina escolar? Quais são as principais abordagens que norteiam as práticas educativas do ensino da disciplina? Fonte: SILVA, Marcos; FONSECA, Selva Guimarães. Ensinar História no século XXI: Em busca do tempo entendido. Campinas, SP: Papirus, 2007. – (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente. (CMDCA– Conselho Municipal dos Direitos da Criança e doAdolescente de Campinas). 12ª Ed. SP. 2003. Livro Livro Fonte: https://veja.abril.com.br/brasil/comi ssao-aprova-orcamento-que- beneficia-emissao-de-passaportes/ 36 Conteúdos e Didática da História 2.2 Diferentes Histórias, múltiplas interpretações A história das disciplinas escolares registra que a História e a Geografia passaram a ser consideradas ciências, tornaram-se disciplinas escolares, no século XIX, na Europa. Isto é, foram introduzidas nas escolas e nas universidades para serem ensinadas aos alunos e investigadas pelos pesquisadores. Desde então, é possível identificar diferentes maneiras de construir, interpretar e ensinar a História. As abordagens mais conhecidas e mais presentes no ensino podem ser agrupadas em duas grandes correntes conhecidas como “história tradicional” e “história nova”. Uma análise mais aprofundada dos livros e materiais didáticos e mesmo nas produções escolares revela a presença de outras perspectivas, como, por exemplo, o materialismo histórico e dialético. A história tradicional, conhecida também como positivismo histórico, dominou o século XIX, sendo discutida, questionada e transformada ao longo do século XX. Desse movimento de críticas e diálogo nasceu e desenvolveu-se na França, a partir da Escola dos Annales, nos anos 1920-30, a chamada “nova história”. A história tradicional positivista privilegiava como fontes de estudo, sobretudo, os documentos oficiais e não oficiais escritos (leis, livros), também valorizava os sítios arqueológicos, as edificações e os objetos de coleções e de museus como moedas e selos. Os sujeitos históricos, protagonistas, são as grandes personalidades políticas, religiosas e militares, reis, líderes religiosos, generais, grandes empresários. Enfim, são atores individuais, heróis que, geralmente, ap chamada história tradicional estuda os grandes acontecimentos: diplomáticos, políticos e religiosos do passado. Privilegia o estudo dos fatos passados que são apresentados numa sequência de tempo linear e progressiva. Muitas vezes, a pretensão de transmitir a “história universal”, como difundida pelo ensino tradicional, na prática, era um modo de excluir e silenciar outras histórias carecem como construtores da história. Assim, podemos afirmar que a Nessa perspectiva, a história dos povos, as experiências humanas, os fatos históricos deveriam ser tratados de forma objetiva a partir dos documentos oficiais. Por isso, o conhecimento histórico escolar era, basicamente, uma história política, factual, heroica que foi extremamente marcante no ensino e nos materiais didáticos nas escolas brasileiras durante todo século XX. 37 Conteúdos e Didática da História No Brasil, o ensino fundamental, em especial as séries/anos iniciais, tornou- se o espaço privilegiado para imposição das histórias dos grandes homens, das datas comemorativas, dos feitos dos heróis, veiculadas por meio dos livros didáticos e dos currículos oficiais, de modo especial, na versão “Estudos Sociais”. O objetivo, como vimos na unidade I, durante a Ditadura Militar, era introjetar a ideologia das elites dominantes em nossas crianças e jovens, não lhes possibilitando o exercício da crítica e da reflexão histórica em nossas salas de aula. Você se lembra o que e como estudou História quando cursou as séries iniciais? Como já afirmamos, a partir doinício do século XX, intelectuais franceses da chamada Escola de Annales, estabeleceram um diálogo crítico e de oposição a essa concepção, abandonando algumas posições, incorporando outras e fundamentalmente, transformando a forma de pesquisar e estudar a história. Desde então, as diversas gerações de historiadores que os sucederam passaram a defender uma história “problema”, mais plural, democrática que levasse em conta os feitos de toda a sociedade. Essa nova concepção de História, a chamada “história nova” ampliou as fontes de estudo e pesquisa, passando a utilizar também as fontes orais (entrevistas, depoimentos, narrativas), fontes audiovisuais, como, por exemplo, O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação fotografias, discos, filmes, programas de televisão. (Vieira, 2007). Além de obras de arte como pinturas e esculturas. Tudo aquilo que é registro da ação humana passou a ser considerado fonte da história. Logo, todos os homens e mulheres, ricos e pobres, pretos, índios, brancos, governantes e governados, patrões e empregados são sujeitos da história. A história não é feita apenas por atores individuais, mas também por movimentos sociais, pela classe trabalhadora, pelos militantes, etc. especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes: Veja as imagens abaixo e perceba que nelas há a demonstração do como: A história é construída por toda a sociedade. 38 Conteúdos e Didática da História Essa nova história preocupa-se também com os acontecimentos do cotidiano da vida humana, ligados à vida das famílias, às festas às formas de ensinar e aprender. Enfim, essa abordagem de fazer história ocupa-se de tudo aquilo que homens e mulheres fizeram no passado e também faz no tempo presente. Ela reconhece que há várias formas de marcar e viver o tempo. Os vários tempos convivem e o homem usa vários calendários. Portanto, a história nova não estuda Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Religious_Festivity_-_Tiradentes_- _Brazil.jpg Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Joao_ pequeno.JPG Manifestação cultural Figuras de barro Entrada do Espaço Cultural Tancredo Neves, Caruaru– PE Cultural Tancredo Neves, Caruaru– PE Fonte: http://www.sxc.hu/photo/582435 Fonte: http://commons.wikimedia.org/ wiki/File:Caruaru-figuras-de-barro.jpg Festa religiosa no Brasil Festa popular no Brasil – Grupo de capoeira 39 Conteúdos e Didática da História apenas os fatos passados apresentados de forma linear, mas a história nos diversos ritmos, tempos e espaços. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Objects_ of_Art_in_Rembrandt_House-Museum.jpg Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nu_A gusto.jpg Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Fil e:Xucuru.jpgof_Art_in_Rembrandt_H ouse-Museum.jpg Objetos de arte Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG Indígena Museu Histórico do Mati, Campo Largo, PR Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Apetre chosMateSeculoXIX.JPG 40 Conteúdos e Didática da História Os pesquisadores brasileiros, especialmente nas últimas décadas do século XX, se inspiraram nesse movimento. (Boschi, 2007) Por caminhos distintos, os historiadores brasileiros assumiram a possibilidade do alargamento dos conceitos de história e de fontes históricas. Assim temas, até então negligenciados, passam a ser objeto de investigação. A história social, dos operários, das mulheres, do cotidiano, da educação, da sexualidade, dos negros, por exemplo, passaram a fazer parte dos nossos estudos. Fontes como a literatura, música, obras de arte, cinema, TV e outros passaram a compor o universo de pesquisa dos historiadores. Assim, podemos dizer que um dos principais vieses de renovação da historiografia brasileira foram, nesse período, basicamente, a ampliação de temas, fontes e problemas. Os filmes são importantes fontes da história. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bibliot ecavictorcivita.jpg Biblioteca Victor Civita, São Paulo, SP Sugestão de filme: Narradores de Javé. Ao saber que Javé pode desaparecer sob as águas de uma hidrelétrica, os moradores do vilarejo decidem escrever sua história e transformar o local em patrimônio a ser preservado. Sessão de cinema. Sugerimos assistir e discutir com os colegas. Fonte: https://www.efdeportes.co m/efd150/narradores-de- jave-um-bocado-de- coisas.htm 41 Conteúdos e Didática da História A história construída por nós, no cotidiano, faz parte de um todo. Um coletivo. Não é? Ninguém faz história sozinho. A construção humana é complexa e dinâmica. Os conhecimentos históricos nos permitem ir além do que podemos ver, aos lugares e épocas distantes em busca de explicações, comparações e referências. No entanto, em muitas realidades escolares, ainda se prioriza o ensino do que está muito distante de nós, que não tem nada a ver com as nossas vidas, de forma simplista e factual. Como podemos mudar essa situação? Certamente um dos caminhos é renovando, cotidianamente, nossas práticas dentro e fora da escola. Professores e alunos são sujeitos da história e do conhecimento. É procurando agir como cidadãos, sujeitos da história e do conhecimento! Isso pressupõe um diálogo crítico com as concepções de educação, história, ensino e aprendizagem. Por exemplo, os professores escolhem, selecionam os livros didáticos de História que desejam receber do MEC pelo PNLD – Programa Nacional do Livro Didático (2009). Trata-se de um exercício interessante e importante, uma vez que os professores podem, a partir de critérios bem definidos, fazer uma opção por uma ou outra proposta de ensino de História. Como isso vem ocorrendo e, por consequência, que discussões foram suscitadas é o que iremos apresentar nos tópicos seguintes. No estudo da História é importante estarmos atentos para as mudanças, continuidades e também para as transformações menos perceptíveis da história, uma vez que a experiência humana se manifesta não apenas na natureza política da luta de classes, nos grandes feitos, mas também como sentimentos, valores e imagens. Não temos que estudar, compreender, e ensinar toda a história da humanidade. Tarefa impossível, não acha? Mas, podemos buscar possibilidades, formas de registro e compreensão da história, a partir de qualquer tema ou objeto do nosso cotidiano. A produção do conhecimento histórico, nos últimos anos, especialmente, os estudos da nova história têm avançado, enormemente, no processo de ampliação dos temas, das fontes, dos problemas e abordagens de estudo da História. 2.3.Modos de ensinar História Reconhecemos que esse título é bastante pretensioso, pois nesse espaço textual não é possível registrar a complexidade e a riqueza de modos 42 Conteúdos e Didática da História de ensinar História nos primeiros anos de escolarização. Nossa pretensão, aqui, é introduzir a discussão sobre metodologias de ensino. Nos próximos unidades e nas sugestões de leituras você terá oportunidade de aprofundar e ampliar seus conhecimentos nesse campo. Inicialmente é importante registrar que tradicionalmente, no Brasil, nos primeiros anos do ensino fundamental, o peso da história tradicional foi muito forte. Por quê? Por várias razões. Mas, talvez o mais importante seja o fato de ter se consolidado, entre nós, uma concepção de História, compartilhada por pais, alunos e muitos professores,identificada, muitas vezes, apenas com grandes feitos dos heróis, com as comemorações cívicas. Isso dificultou a incorporação de novos campos temáticos, de novos problemas e fontes. Uma única história, muitas vezes, era transmitida como a verdade histórica, quando bem sabemos que é apenas uma versão. No entanto, nos últimos anos está ocorrendo um movimento de renovação, e a nova história social e do cotidiano está, cada vez mais, presente na sala. Esse processo de mudanças depende, fundamentalmente, de nós, professores. Do movimento historiográfico e educacional nas últimas décadas do século XX e primeira do século XXI, é possível apreender uma nova configuração do ensino de História. Coexiste, no Brasil, uma diversidade de formas de se ensinar e aprender História, mesmo considerando existência dos Parâmetros Curriculares Nacionais e dos sistemas nacionais e estaduais de avaliação da aprendizagem e de padronização dos critérios de avaliação dos livros didáticos. É interessante observar que num contexto de homogeneização curricular consolidou-se, entre nós, uma pluralidade de concepções teóricas, políticas, ideológicas e metodológicas no ensino de História desenvolvidas nas redes pública e privada, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. O sistema educacional brasileiro é diverso e plural. No interior dessa diversidade, é possível destacar algumas perspectivas comuns trilhadas pelas histórias ensinadas. Digo “histórias” no plural, pois não se trata mais de uma única história, verdade absoluta, pronta e acabada. Trata-se de uma abordagem que valoriza a história temática e multicultural. Essa é uma perspectiva que valoriza os diversos sujeitos, ações históricas. Uma história não excludente, democrática. Isto é evidente não só nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), nos textos curriculares das escolas, nos novos livros didáticos avaliados e aprovados pelo PNLD/MEC (2009), como também na prática cotidiana dos professores. São, 43 Conteúdos e Didática da História dentre outros, os vieses de renovação que mais se destacam nas propostas de ensino de História. Consideramos importante a introdução de novos temas, novas metodologias. No entanto, lembramos que aquilo que o professor ensina e deixa de ensinar, bem como aquilo que o aluno aprende e deixa de aprender, vai muito além do que está “prescrito” nos currículos e nos livros didáticos. É preciso auscultar o currículo vivido (Goodson, 1995) que é re/construído no cotidiano escolar. Nesse sentido, a linguagem dos professores, os exemplos que utilizam, suas atitudes com os alunos de diferentes culturas e níveis sociais, as relações entre os alunos, as formas de agrupá-los, as práticas de jogo e brinquedo fora da sala de aula, os estereótipos e preconceitos que, algumas vezes, são transmitidos, constituem historicamente mecanismos de seleção e exclusão. Por exemplo, a obrigatoriedade legal do estudo da cultura afro-brasileira e indígena está sendo cumprida, incorporada à prática de ensino de História? Portanto, a postura do professor, a forma de se relacionar com crianças de diferentes meios sociais e culturais têm uma importância central nesse processo. Você já observou como um pequeno gesto do professor, algumas vezes, afeta de maneira diferente os alunos? Nessa perspectiva, defendemos alguns pressupostos metodológicos para o ensino de História nos anos iniciais do ensino fundamental. Esses princípios foram construídos ao longo de nossa experiência com o ensino e a pesquisa em ensino de História. (Fonseca, 2009). Desde o início da escolarização da criança, defendemos o desenvolvimento das noções de sujeito histórico, identidade, sociedade, cultura, trabalho, poder e História. Nossa concepção de educação e ensino de História compreende e defende a formação do educando como um processo amplo, em que a socialização e a aprendizagem de noções históricas se iniciam na socialização anterior à etapa escolar e prosseguem ao longo desse processo de desenvolvimento, no interior de diferentes espaços educativos. A escola não constitui o único e exclusivo espaço de formação da identidade, de educação histórica. Portanto, faz-se necessário estabelecer, na e por meio da relação de ensino e aprendizagem, um diálogo com os diversos ambientes sociais de formação histórica, como museus, arquivos, bibliotecas e outros cenários ambientais e arqueológicos. Assim, a aprendizagem histórica pode ser ampliada e enriquecida. 44 Conteúdos e Didática da História No processo de ensino, as noções e os múltiplos saberes dos alunos podem ser incorporados e desenvolvidos nas situações e estratégias de aprendizagem de História na escola. A historicidade, o caráter construtivo e aberto dos espaços (como, por exemplo, a escola e o seu entorno), dos grupos sociais, das noções e conceitos pode embasar e permear as práticas pedagógicas do professor, sujeito mediador do processo. Portanto, o desenvolvimento dessas noções se dará a partir do diálogo entre os sujeitos, os saberes e as práticas nos diferentes espaços educativos. A exploração das noções de tempo e espaço proporciona a percepção dos diferentes ritmos e temporalidades: o passado, o presente, o futuro; as noções de sucessão, duração, ordenação, simultaneidade; as transformações e as permanências no processo histórico. As noções espaciais e temporais são chaves para a compreensão das ações humanas, pois o tempo é entendido aqui não como algo vazio, congelado, natural, que submete o homem. É um tempo preenchido de ações que está sempre em movimento, que manifesta diferenças, semelhanças, transformações, continuidades e contradições. O espaço é construído pelos homens que, através do trabalho, transformam a natureza, modificam o meio, a paisagem e produzem os meios necessários à sua sobrevivência. Portanto, o espaço é uma construção histórica de homens e mulheres na dinâmica das relações sociais, de trabalho, políticas, econômicas e culturais. Ensinar história implica ajudar o aluno a compreender a história como uma construção de múltiplas leituras e interpretações. Esse princípio pressupõe a reflexão permanente sobre o conhecimento histórico, combatendo os maniqueísmos, os vieses heroicos das vozes dominantes da cidade, da região ou do país que perpassam, algumas vezes, os saberes escolares. Nesse sentido, acreditamos que não há espaço para simplificações, para a imposição de uma única e determinada versão, ou de preconceitos sobre a família e a escola, ou de mitos e estereótipos políticos, associações e grupos que fazem parte da realidade da criança. Compete ao professor explorar a diversidade de ações, os múltiplos sujeitos e as diferenças e desigualdades que permeiam a sociedade brasileira, assim como as distintas visões. Isso deve permitir o confronto e o debate em sala de aula. A incorporação, em sala de aula, de textos de diferentes autores, por exemplo, de modo a expressar contradições e diferenças, contribuirá para o debate com diversas visões a respeito das questões em estudo. 45 Conteúdos e Didática da História A organização temática do ensino História propicia a ampliação e a compreensão da historicidade das ações, a diversificação de registros e fontes e o trabalho inter e transdisciplinar em sala de aula. O estudo de História, quando não limitado e organizado por datas, períodos históricos e fatos políticos considerados mais importantes alargam o campo de estudo para abarcar as diversas dimensões da vida em sociedade, tais como o cotidiano, as mentalidades, as relações políticas, sociais, afetivas, familiares, a cultura, as festas, a alimentação, o lazer, etc. Os livros didáticos e as diferentes fontes e linguagens – mapas, artigos de jornal, canções, poemas, cinema, fontes orais, objetos, obras de arte e outras – contribuem para um trabalho que articula as experiências
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