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Teologia da Revelação Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Paulo Sérgio Lopes Gonçalves Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental • O que é Teologia da Revelação? (Latourelle, 1993); • A Apologética (Libânio, 1992); • Rumo à Teologia Fundamental (Torrel, 1993); • Teologia Fundamental: Novo Nome da Teologia da Revelação (Fisichella, 1999). • Conceituar teoricamente a Teologia da Revelação, concebida também como Teologia Fundamental. OBJETIVO DE APRENDIZADO A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental O que é Teologia da Revelação? (Latourelle, 1993) Nesta unidade, teremos como objetivo conceituar teoricamente a Teologia da Revelação, concebida também como Teologia Fundamental. Não se trata apenas de mudança de nomenclatura, mas de compreensão do que se pretende com um novo nome para tratar do mesmo assunto: a revelação de Deus em perspectiva cristã. Para que compreendamos conceitualmente esta Disciplina, torna-se necessário decifrarmos o significado do nome Teologia da Revelação, remetendo-nos ao sen- tido de cada palavra que compõe esse nome. Realçamos a relevância do nome porque é por seu intermédio que alcançaremos a compreensão da identidade desta Disciplina como uma Disciplina teológica e, com pertinência e importância ímpar, no corpus theologicus universalis. Quando pensamos no nome Teologia da Revelação, temos de dividi-lo em dois: Teologia e revelação. Por Teologia, etimologicamente, nós nos remetemo a duas palavras gregas: theós e logos, designando, respectivamente, a divindade ou as divindades e a sapiência ou, propriamente, o estudo de alguma coisa. Desse modo, afirma-se que Teologia é o estudo ou ciência referente a deus ou deuses – no caso das concepções religiosas politeístas, que são as que creem em diversas divindades. Na Grécia antiga, a theologia era concebida como a área filosófica que estudava a Mitologia, constituída de diversos mitos, concebidos como gêneros constituídos de deuses, heróis, animais fantásticos etc. e que serviam de explicação acerca do mundo e do homem. Quando o Cristianismo se inseriu na História, a Teologia passou a ser um discurso realizado mediante a fé em Jesus Cristo, concebido como Filho de Deus, Messias e Salvador da Humanidade, que viveu como missionário itinerante, sofreu, morreu, ressuscitou dos mortos e ascendeu-se aos céus para se sentar à direita de Deus Pai, deixando o Espírito Santo aos seus discípulos, a fim de que levassem a cabo o projeto de seu Reino, mediante a constituição da Igreja que evangeliza a Humanidade. Várias são as maneiras de se produzir Teologia, em função de que a fé se articula com a realidade cultural, social e política de cada época histórica, para se manifestar em sua inteligência, na condição de Teologia, ou propriamente, como scientia fidei – Ciência da fé, conforme designou Tomás de Aquino. A consideração da Teologia como Ciência da fé nos leva a perguntar o que é a fé? A fé corresponde ao ato de acreditar, de crer e confiar. Por exemplo, quando temos fé na amizade, confiamos em nossos amigos e com isso podemos contar- -lhes um segredo, ou ainda, quando temos acreditado em alguém, somos capazes de acolher a sua revelação sobre algo de sua vida ou de uma determinada situação, sem contar nada a ninguém ou sem tomar atitude que rompa com a confiança daquela pessoa. 8 9 Então, quando a intimidade ou segredo é compartilhado, tem-se confiança, credibilidade e fé na relação de amizade ou algo similar que estabeleceu entre as pessoas. Nisso consiste a revelação: o ato de desvelar o que estava velado ou guardado para alguém que merece a nossa confiança. E a revelação ocorre no interior da própria História da relação entre as pessoas; História que possui as marcas da vida de cada pessoa, situada em seu mundo próprio e em relação com o mundo de outras pessoas e com o seu mundo de circunstâncias, que também são sempre históricas. Nesse sentido, a revelação acontece sempre na História construída e produzida pelos seres humanos, imbuída de dinamismo que a Humanidade efetiva historicamente. Quando a fé é pensada teologicamente, logo a confiança e a credibilidade nos remetem a Deus, que só pode ser confiável e só pode confiar em nós ao se revelar como Deus. Nesse sentido, a revelação pressupõe o ato anterior de velar, guardar, zelar o que é de Deus. Nisso consiste o que se denomina mistério de Deus: o escondido que se revela e quando se revela demonstra que há algo ainda de escondido a ser revelado. Mas devemos nos perguntar: por que Deus se revela a nós? O que temos de importante para que Deus confie em nós e se nos mostre confiável? A fé na revelação bíblica responde: Deus é amor que nos amou por primeiro (1Jo 3,1). O amor, para se mostrar como amor sai de si e se apresenta ao outro, amando-o com toda profundidade que é própria do amor. Trata-se de uma profun- didade que se efetiva na própria História humana, compreendida como o campo da revelação de Deus aos seres humanos ou, ainda, como o espaço em que Deus se autocomunica ao ser humano, revelando o seu amor pela Humanidade. Ao considerarmos a concepção de Teologia e de Revelação, temos a Teologia da Revelação, cujo escopo é refletir a revelação de Deus ao homem à luz da fé. Essa teologia possui, historicamente, um caráter apologético em relação à fé, pois objetiva explicitar as razões do ato de crer, para que a fé seja vivenciada por quem a professa. A Apologética (Libânio, 1992) A Apologética é o ato de defender aquilo em que se crê ou em que se acredita, mediante uma explicação plausível, com a devida argumentação. Por exemplo, quando gosto de um filme e desejo apresentá-lo a alguém, então, faço uma sinopse que sustente a ideia de que o filme é bom e possui valor para ser assistido. Algo similar acontece com a revelação cristã: a pessoa que adere a fé, que é sempre vivida na comunidade dos fiéis, buscará formas de defender a fé, expli- cando-a com a argumentação que seja razoável e plausível em termos de raciona- lidadeda fé. Isso significa que a fé possui inteligência e que a razão teológica é a razão dominando a fé à medida que é iluminada pela própria fé. 9 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental No desenvolvimento da racionalidade da fé, a Teologia tem, historicamente, diversos tipos de Apologética ou formas diferentes de defender a fé cristã. No entanto, é sempre importante dar-se conta de que essa apologia ou defesa existe por dois motivos. O primeiro é para explicitar as razões de professar a fé, compreendê-la e prá- tica-la. Ninguém pode assumir a fé cristã sem celebrá-la, entendê-la e vivê-la em sua vida. Assumir a fé somente celebrando-a é incidir no que se denominou de “fideísmo”, que é é uma forma de afirmar a fé sem a utilização da razão, ignorando o uso da Filosofia e das Ciências para compreender o mundo e homem a quem Deus se revela. Por outro lado, assumir a fé somente pela razão negando as dimensões de viên- cia e de celebração é incidir no racionalismo, que impede a compreensão do que é efetivamente revelado pela fé. Por isso, para ser equilibrada, a Teologia necessita sempre da articulação entre fé e razão, em que a razão explicita os valores da fé, iluminada pela própria fé. Desse modo, a Apologética se torna integral à medida que explica as razões do ato de crer em Deus, na perspectiva cristã, mediante uma racionalidade da fé, que não é racionalista e muito meno fideísta, mas integral, constituída da correta articulação entre fé e razão. O segundo motivo da apologética corresponde à ne- cessidade de defender a fé cristã das heresias ou das controvérisas que surgiram ao longo da História, tais como o racionalismo e o fideísmo modernos, as formas de afirmação dogmática acerca de Deus como Trindade, do Cristo, do Espírito Santo, de Maria e da prórpia essência do homem. Ao se defrontar com as heresias ou controvérsias, a Teologia da Revelação se caracteriza por afirmar a fé revelada mediante os símbolos da fé, a sistematização da fé por parte de alguns padres da Igreja, a dogmatização da fé em concílios dog- máticos e o aprofundamento da fé realizado por alguns teólogos. Os símbolos da fé são as profissões de fé que afirmavam Deus como Pai, Filho e Espírito Santo, cuja proclamação se efetiva nas celebrações batismais, pelas quais as pessoas iniciavam a sua vida eclesial. Também a celebração da eucarística, as práticas penitenciais e a imposição das mãos para o ministério episcopal e presbi- teral são formas em que a fé trinitária encontra o ápice de sua expressão. Esses símbolos encontraram diversas formas na História, mas cabe ressaltar dois dos mais importantes: o símbolo dos apóstolos e o símbolo nice-constantinopolitano. No primeiro, tem-se a profissão de fé simples, em que, mesmo com as versões etió- pica, copta e armênia, afirma-se a fé em um só Deus verdadeiro, Pai onipotente e no seu Filho unigênito, Senhor e salvador, e no seu Espírito Santo que vivifica a Trindade consubstancial; uma só divindade, uma única potestade, um só reino, uma só fé, um só batismo na santa Igreja católica e apostólica. No segundo, tem-se uma fórmula de maior sofisticação teológica, de forma bilingue – grego e latim – em que, além de afirmar a fé trinitária e eclesial, apri- mora categorias e atributos a Deus. 10 11 Desse modo, afirma-se um Deus único, que é Pai onipotente e criador, que ge- rou o Filho Jesus Cristo, mediador da criação e da mesma substância do Pai que, por obra do Espírito Santo, assumiu a carne humana no ventre de Maria, sofreu e morreu na cruz, ressuscitou dos mortos no terceiro dia, subiu ao céu e sentou-se à direita do Pai. Esse Filho é juiz, Senhor dos vivos e dos mortos e possui um reino que não terá fim. Afirma-se, também, a fé no Espírito Santo, senhor e doador de vida, que procede do Pai e junto como Pai e o Filho deve ser adorado e glorificado. A fé na Igreja una, santa, católica e apóstolica é também afirmada, bem como a confissão de fé num único batismo para a remissão dos pecados. Pela afirmação de fé monoteísta trinitária e de eclesialidade única, santa, cató- lica e apostólica, esses símbolos se tornaram instrumentos de defesa contra for- mulações constrastantes à regra de fé, em especial as interpreetações triteísta, subordinacionista e modalista da fé em Deus. O triteísmo afirmava que não havia um único Deus, mas três deuses, o Pai, o Filho e o Espírito. Com isso, negava-se a consubtancialidade da divindade, a singularidade de cada pessoa divina, a própria categoria pessoa e a comunhão eterna entre as pessoas divinas. O subordinacionismo era uma formulação em que a divindade era atribuída so- mente à pessoa do Pai, sendo que o Filho e o Espírito eram criaturas excelsas, que não se confundiam nem com a divindade, nem com os anjos e nem com os homens. O modalismo era a formulação em que se afirmava um único Deus, capaz de se manifestar de três modos ou com três máscaras diferentes, não havendo, então, o uso da categoria pessoa e, por consequência, nem a comunhão das pessoas divinas na única substancialidade divina. O uso desses símbolos se efetivou no Cristianismo por intermédio dos padres da Igreja que, em seus escritos doutrinários e homiléticos, transmitiam a fé cristã católica, com a devida regra de fé: crer em um úncio Deus que é Pai, Filho e Es- pírito Santo, na única Igreja santa, católica e apostólica, na remissão dos pecados e na ressurreição dos mortos. Como exemplos de padres da Igreja cabe ressaltar, nos séculos II e III d.C., a presença de Tertuliano e Irineu de Lião, que escreveram respectivamente Contra Celso e Contra as heresias. Os Concílios de Niceía (325 d.C.), Constantinopla I (381 d.C.), Éfeso (431 d.C.) e Calcedônia dogmatizaram a fé para combater as heresias e encontraram em Atanásio de Alexandria, Gregório de Nissa, Gregório Nazianzeno e Cirilo de Alexandria exem- plos de padres que sustentaram teologicamente as formulações dogmáticas que as- sentaram os conceitos de Teologia Trinitária, Cristologia, Pneumatologia, Mariologia. Cabe, também, afirmar que a tradição teológica posterior a esses Concílios Ecumênicos, constituída por Ambrósio de Milão, Agostinho de Hipona, Cirilo de Jerusalém, Basílio de Cesareia e João Damasceno aprofundou as formulações 11 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental dogmáticas dos conceitos supracitados oriundos da fé revelada, colocando-as em um processo permanente de Hermenêutica para aprofundar o sentido dos dog- mas em cada época histórica. Disso resultou a Teologia posterior, em suas pers- pectivas ontológica, com Anselmo de Cantuária e Tomás de Aquino; personalista, com Boaventura e Dusn Scotto, e histórica, com Joaquim de Fiore e os vitorinos Hugo e Ricardo. Assim sendo, pensar teologicamente a revelação tornava-se, então, pensar os conteúdos da fé revelada em seu processo de transmissão e de formulação dogmática e teológica ao longo da tradição cristã. Na era moderna, a Apologética encontra, na Reforma Protestante, liderada por Lutero e também levada a cabo por Calvino e Zwinglio, em que a revelação era concebida tão somente pelo princípio solo scriptura, uma questão a resolver: a revelação está presente apenas na Sagrada Escritura ou também está presente na tradição eclesial e teológica. A própria Teologia de Tomás de Aquino, em especial presente na Summa Theologica, fundamentava toda a sua argumentação nos textos bíblicos e nos textos patrísticos, sustentando a teoria das duas fontes da revelação. O Concílio de Trento (1546-1563) foi um evento de fundamental importância para superar ou responder à crise trazida pela Reforma Protestante, embora havia necessidade de uma Reforma Católica também, especialmente, no âmbito das es- trutruas eclesiais e regras eclesiásticas. Assim, esse Concílio preocupou-se com a revelação, mediante os decretos sobre a “Justificação” (DH n. 1520-1583) e sobre “os Livros Canônicos e as Tradições” (DH n. 1501-1508), fazendo prevalecer quea verdade normativa consta nos livros canônicos e nas tradições não escritas, sempre contando com a inspiração do Espírito Santo. É importante realçar que, nesse Concílio, o cânone bíblico tornou-se oficial- mente constituído por 46 livros do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento, cuja fonte apropriada foi a vulgata. O tema da revelação também foi tratado em articulação com a soteriologia à medida em que foi tratado o tema da justificação em Cristo. Outra forma de Apologética está presente no contexto do Concílio Vaticano I, cujo maior problema enfrentado pelo magistério eclesiástico era a modernidade, cujas marcas principais eram o laicismo, o racionalismo e o naturalismo. O papa Pio IX foi o grande responsável por se defrontar com a modernidade, por meio de duas cartas encíclicas Qui Pluribus, de 1846 (DH n. 2775-2786), e Quanta Cura de 1864 (DH n.2890-2896), da bula Ineffabillis Deus de 1854 (DH n. 2800-2804), que proclama o dogma da Imaculada Conceição de Maria e, principalmente, do Syllabus (DH n. 2901-2980), escrito em 1864, e que se cons- tituía em um conjunto de 80 proposições de condenação da Modernidade, dentre os quais se destacam as que foram mencionadas acima. 12 13 É nesse contexto que o Concílio Vaticano I (1869-1870) foi convocado por Pio IX, por meio da bula Aeterni Patris, de 1868, tendo início em outubro de 1869, e sendo suspenso em setembro de 1870, em função da Guerra franco-prussiana. No entanto, dentre os cinquenta esquemas de assuntos a serem tratados, dois foram debatidos: De Revelatione e De Ecclesia. Desses esquemas, resultaram as constituições dogmáticas De Filius e Pastor Aeternus, referentes à revelação divina e à infalibilidade papal, respectivamente. A Constituição Dogmática Dei Filius (DH 3000-3045), aprovada aos 24/04/1870, com 667 votos de aprovação, sem nenhuma abstenção e nenhum voto contrário, está estruturada em Proêmio, quatro capítulos e conclusão. Os títulos dos capítulos são: a) I: Deus criador de todas as coisas; b) II: A Revelação; c) III: A fé; d) IV; A fé e a razão. Nessa estrutura, afirma-se que Deus é o criador de todas as coisas, que se revela plenamente em Jesus Cristo, doa a fé ao homem para que este recepcione a sua revelação e articula fé e razão para demonstrar como a revelação se faz presente na fé. Desta maneira, combate-se o Naturalismo, o Racio- nalismo, o Fideísmo, o Ateísmo, o Deísmo e todas as formas modernas que se opõem à revelação divina. O papa Leão XIII também defendeu a revelação cristã e a fé ao escrever as car- tas encíclicas Aeterni Patris, em 1879 (DH n. 3135-3140), e Providentissimus Deus, de 1893 (DH n. 3280-3294). Na primeira, retomou à Filosofia e à Teologia de Tomás de Aquino, considerada um grande edifício sólido de pensamento filosófico e teológico que favorece a clarividência da fé revelada, para que a Igreja tenha eficácia em suas ações no mundo moderno. Desse modo, tem-se a revelação efetivada e a fé como princípio de compreensão da revelação, presente tanto na instância da fé, quanto na da razão, tanto no âmbito do sobrenatural, quanto no do natural. Na segunda, defende a verdade da revelação bíblica diante do Cientificismo e do Racionalismo que alguns pensadores tentavam empregar na compreensão dos textos bíblicos e do fideísmo que determinadas pessoas católicas e protestantes também buscavam empregar na compreensão da Bíblia. Resulta, então, que a Bí- blia é um livro da revelação de Deus, constituído de alocuções metafóricas, imbuído de inerrância e de inspiração divina. A modernidade também foi alvo de combate por parte do Papa Pio X que, me- diante as Cartas Encíclicas Pascendi dominici gregis, de 1907 (DH n. 3475-3500), e Sacrorum Antistitum, de 1910 (DH n. 3537-3550) evidencicou que a revelação é um conjnto de verdades divinas imutáveis, de modo que o relativismo e a própria perspectiva interpetativa, em que afirmava que “tudo era interpetação”, que começa- ra a se instalar na História do pensamento, com o Niilismo filosófico, por exemplo de Friedrich Nietzsche, passaram a ser combatidos pela doutrina católica da revelação. 13 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental Por sua vez, o papa Pio XII, considerado um grande papa intelectual, tendo escrito Cartas Encíclicas e Exortações Apostólicas sobre todos os assuntos do con- teúdo da fé, teve dois grandes escritos apologéticos da revelação cristã, que possi- bilitaram um início de maior abertura da fé cristã católica à Modernidade. O primeiro escrito é a Carta Encíclica Divino Afflante Spiritu, de 1943 (DH n. 3825-3831), elaborada por ocasião da comemoração dos cinquenta anos da Carta Encíclica Providentissimus Deus. Nesse documento, o Papa Pio XII afirmou que a Bíblia é o livro da revelação de Deus, culminada em Jesus Cristo, mas que possui gêneros literários – fábulas, novelas, mitos, sagas – que necessitam ser corretamente interpetados. Assim, em reconhecimento à Filosofia Hermenêutica emergente, assumia-se o método histórico-crítico para fazer a leitura da Bíblia. Tratava-se de iniciar um pro- cesso de diálogo com a Modernidade, admitindo o uso da Filosofia Hermenêutica e, posteriormente, de outras Ciências para melhor compreender os textos bíblicos. O segundo escrito é a Carta Humani Generis, de 1950 (DH n. 3875-3899), referente a algumas questões teológicas daquele momento, especialmente à relação entre o natural e o sobrenatural, e a relação entre fé na criação e evolucionismo. O papa defendeu a fé revelada diante da identificação entre natural e sobre- natural, feita por alguns teólogos, explictando que a perfeição da natureza só era possível em função de ser constituída do princípio do sobrenatural. Em outras palavras, Deus como criador de todas as coisas é o responsável pela perfeição da natureza humana e cósmica. Também realçou que a fé revelada não concorre com as Ciências, de modo que a afirmação na fé na criação não significa que as Teorias Científicas sobre a origem do Universo sejam, em seu todo, inverdades ou descartáveis. A fé na criação mostra que, por melhor que seja a explicação científica da ori- gem e do desenvolvimento do universo, Deus continua a ser o princípio criacional de todas as coisas. Por sua vez, o Concílio Vaticano II recepcionou um processo de renovação teológica, ocorrido no século XX. Em sua constituição dogmática Dei Verbum, de 1965 (DH n. 4201-4235), realiza a sua Apologética, tendo uma perspectiva ecumência, que era própria do Concílio, defendendo a teoria da centralidade da Palavra de Deus, contida na Bíblia e em realidades não escritas e transmitida como revelação divina ao longo dos séculos. Nesse sentido, atendia a Teologia católica que, no Concílio de Trento, defendia a teoria das duas fontes da revelação e recepcionava o princípio protestante de que a revelação está na Escritura. Realçava, ainda, a História da salvação presente na revelação bíblica e transmitida na tradição eclesial e teológica e a necessidade de buscar compreender e interpretar corretamente a Bíblia de acordo com critérios da fé cristã, salvaguardados sempre pelo magistério da Igreja, considerando o guardião da fé. 14 15 Conforme se atesta a Apologética é, então, uma forma de defesa da fé cristã contra formulações que ameaçam a fé, bem como uma maneira de explicar as razões de se professar essa fé. Por isso, a Teologia da Revelação, apoiando-se em ambos os modos apologé- ticos, principalmente, no segundo, que fora consagrado no Concílio Vaticano II, e na própria renovação teológica do século XX, pode ser considerada uma Teologia Fundamental, em que a revelação é pensada à luz da fé revelada, com o auxílio da Filosofia e das outras Ciências. A considerar a Teologia da Revelação Teologia Fundamental, pergunta-se: de que modo essa passagem ocorreu? Quais são os elmentos fundamentais que carac- terizam a Teologia da Revelação como Teologia Fundamental? Rumo à Teologia Fundamental (Torrel, 1993)Mencionou-se, acima, que houve um processo de renovação teológica no século XX (GIBELLINI, 1990). Esse processo teve como espírito fundamental a necessidade de efetivar o diálo- go da fé cristã com a modernidade, de modo que se tornasse possível pensar a fé, ou propriamente, fazer Teologia em consonância com o espírito antropocêntrico e cientificista, próprio do que se denomina Modernidade. Em outras palavras, emergiu o desafio de pensar teologicamente a revelação e a fé num momento histórico em que a Religião não é mais o centro da vida, mas um eixo entre diversos outros eixos, caracterizadores da Modernidade e, também, do que se denomina secularização. Dessa forma, categorias como “Cultura”, “História”, “Querigma”, “Hermenêu- tica”, “Antropologia Transcendental”, “Mistério”, “Palavra” tornaram-se fundamen- tais para a produção teológica contemporânea. Tratava-se de pensar de modo mais consistente a maneira como a revelação de Deus, em perspectiva cristã, efetiva-se na História humana e no Universo. Disso resultou um imenso pluralismo teológico, que se fundou originariamente em duas grandes vertentes: a Hermenêutica e a antropo- lógica (GONÇALVES, 2010). A vertente Hermenêutica decorre da própria Filosofia Hermenêutica que, des- de o século XIX, com Friedrch Schleiermacher, passou a se constituir uma disci- plina filosófica para compreender e interpretar textos a partir da articulação entre Gramática e Técnica ou Psicologia. Posteriormente, o filósofo Wilhelm Dilthey inseriu a categoria História, com- preendida como experiência de vivências humanas, no próprio processo de efe- tividade do que se denominou de “círculo hermenêutico” para compreender a vida humana. 15 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental Apropriando-se desses filósofos, da fenoneologia de Edmund Husserl e da Filosofia Existencial de Soren Kierkegaard, o filósofo Martin Heidegger elaborou a sua ontolo- gia Hermenêutica para compreender e intepretar o sentido da existência do homem. Assim sendo, a ontologia Hermenêutica é aquela Filosofia que propicia a com- preensão e a intepretação da existência humana, do ser do ente humano ou, pro- priamente, o encontro do ser com o homem, efetivado na linguagem, também de- nominada a “casa do ser”. Na esteira de Heidegger, situa-se Hans Georg Gadamer, que elaborou uma obra-prima sobre Hermenêutica , intitulada Verdade e Método e estruturada em três partes: Hermenêutica Estética, Hermenêutica Histórica e Ontologia Hermenêutica da Linguagem. Seu grande feito foi compreender a verdade a partir do diálogo e da “fusão de horizontes”. Por horizonte, o autor compreendia o âmbito pelo qual se vê alguma coisa, sendo que a mencionada fusão, que não é mera adição, propicia que os horizontes se conjuguem mediante o diálogo, que é um processo comunicativo de escuta e de pronúncia da palavra, de ambos os polos envolvidos, cujo resultado é sempre consensual. Paul Ricoeur, por sua vez, também desenvolveu um projeto de Filosofia Her- menêutica, com uma tripartição inédita: Hermenêutica do Texto, Hermenêutica Simbólica e Hermenêutica da Ação. Para esse autor, então, o texto possui um mundo que lhe é próprio e quando con- tactado pelo leitor há de ser intepretado dialogicamente em sua condição de mundo. A intepretação emergente respeita o contexto do texto, a conjugação entre o contexto e a mensagem do texto para o seu mundo, e o seu significado para o leitor. O símbolo pertence à cultura e à existência de um povo, está imbuído de lingua- gem e “dá o que pensar”. A ação é a ética Hermenêutica que se apresenta filoso- ficamente no âmbito da efetividade da justiça institucional, no reconhecimento da presença do outro e do estabelecimento de convivência justa que propicia a paz entre os povos. Essa Filosofia Hermenêutica muito influi na produção teológica, obtendo destaque na Teologia da História, edificada por teólogos franceses da escola de Saulchoir – Yves Congar e Marie Dominique Chenu – e da escola de Lyon – Henri De Lubac e Jean Daniélou – que pensaram a revelação mediante o desenvolvimento dos temas do ecumenismo, do diálogo inter-religioso, da relação entre Cristianismo e ateísmo, da Teologia como ciência prática da fé, da categoria “sinais dos tempos”. Esteve também presente a Hermenêutica na Teologia Querigmática – Rudolf Bultmann, que articlou fé e compreensão para pensar a autenticidade da existência à luz da fé cristã e a efetividade da palavra de Deus no anúnico do Evangelho e da salvação trazida por Cristo. A partir da Filosofia Hermenêutica, os teólogos Ernst Fuchs e Gerad Ebeling elaboraram, respectivamente, uma Teologia Hermenêutica a fim de compreender autenticamente a revelação divina e uma teoria Hermenêutica da linguagem da fé, visando a compreender a revelação de Deus em Jesus Cristo. 16 17 A vertente antropológica se desenvolveu a partir do teólogo Karl Rahner, que fora influenciado também por Heidegger e, principalmente, por Joseph Maréchal, importante teólogo jesuíta que articulou a filosofia de Immanuel Kant, marcada- mente moderna, com a filosofia e a teologia de Tomás de Aquino, que era o autor recomendado a ser utilizados por teólogos católicos. Rahner herdou de Maréchal a categoria transcendental, compreendida como o a priori infinito presente no espírito finito, o que evidencia que a graça de Deus é intrísenca à própria constituição fundamental do homem. Nesse sentido, Rahner entendia a revelação como o movimento de Deus – concebido como mistério santo e inefável, sujeito livre e responsável – de autocomunicação ao homem que, por sua vez, imbuído do transcendental, também é concebido como sujeito e pessoa, livre e responsável, capaz de responder sim ou não à interpelação divina. Nesse sentido, só é possível compreender a revelação de Deus a partir do homem, concebido a partir de sua condição transcendental e histórica. Assim, visualizamos a articulação entre Teologia e Antropologia, com funda- mentação na Filosofia em perspectiva transcendental, pela qual se compreende o homem, que é o canal de acesso a Deus. Nessa mesma vertente antropológica, encontra-se o teólogo Wolfhart Pannenberg, que se apropriou da Hermenêutica para articular a Antropologia com a Teologia, dando a esta um caráter de Ciência da fé revelada. Esse autor compreende que, nas fontes da Teologia – a Escritura e a Tradição – está intrinsecamente presente a Antropologia em sua condição de outra face da Te- ologia, pois é o homem o interlocutor de Deus em sua ação criadora e reveladora. Na esteira das vertentes Hermenêutica e antropológica, estão as teologias da práxis, cujo objetivo é pensar a revelação e a fé a partir da práxis histórica. A primeira forma de Teologia da práxis é a Teologia política elaborada por Johann Baptis Metz, teólogo alemão que escreveu as obras intituladas A teolo- gia no mundo (1968) e Fé, História e Sociedade (1977), que se tornam bases de sua Teologia política. O autor compreende que a política concebida como a práxis do bem comum a todos os seres humanos, em termos de organização social e cultural, é uma pers- pectiva da Teologia Fundamental, pela qual se pensa a revelação e a fé. A carcaterística principal de sua Teologia Política é que a Teologia possui a trípli- ce dimensão de memória da revelação de Deus em Jesus Cristo, da narrativa dessa revelação a partir da História da Humanidade, marcada por tanto sofrimento e dor, e da solidariedade e compaixão com quem sofre. A segunda forma de Teologia da práxis é a Teologia da experiência de Edward Schilebeeckx, teólogo holandês que compreendeu que a revelação é o elemento central a ser compreendido pela Teologia. 17 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental Por isso, entendia que a revelação realizada plena e completamente em Jesus Cristo há de ser metodicamente correlacionada com experiência de fé revelada das comunidades cristãs do Novo Testamento e dos leitores contemporâeos.Dessa for- ma, tem-se uma Hermenêutica da revelação que torna a revelação de Deus sempre histórica, pertinente e relevante à vida humana (GONÇALVES, 2008). A terceira forma de Teologia da práxis é a Teologia da esperança, desenvolvida por Jürgen Moltmann, em que apresenta a revelação a partir da recuperação da esperança como categoria fundamental na escatologia cristã. A esperança é o ato de esperar em atividade acerca do que se espera. E o que as pessoas cristãs esperam? Esperam pelo Cristo glorioso que passou pela cruz, vencendo a morte como inimiga e, pascalizando-a, revelou um Deus que é amor, sendo Pai, Filho e Espírito Santo, cuja habitação é a sua própria criação, compreendida em seu caráter de ecologia integral, denotativa de vida histórica, cósmica e eterna, sempre reveladora de Deus (GONÇALVES, 2005). As Teologias da práxis e o próprio espírito do Concílio Vaticano II propicia- ram que a revelação passasse a ser pensada mediante novas teologias, a saber: Teologias Contextuais, Teologias da Cultura, Teologias do Gênero e Teologias das Religiões. As Teologias Contextuais são aquelas Teologias que surgem em perspectiva contextual, relacionando a fé cristã com um lugar social e cultural do contexto em que é produzida. Assim sendo, temos a Teologia da Libertação latino-americana e caribenha, a Teologia africana, a Teologia sul-africana, a Teologia norte-africana, a Teologia asiática e a Teologia da Oceania. Nelas, a revelação é pensada mediante a articu- lação entre fé cristã e o lugar dos pobres e oprimidos, situados em seu respectivo Continente, o que possibilita a variação do modo como se aborda os temas de Deus, Igreja, homem e mundo. Disso resultam as concepções de Deus, da vida, dos pobres e oprimidos, do ser humano como pessoa solidária e livre, da Igreja dos Pobres e do mundo como nova criação redimida (GONÇALVES, 2015). As Teologias da Culturas são referentes às culturas indígenas e afro-americanas, desenvolvidas com o auxílio das Ciências Humanas, principalmente, a Antropologia Cultural, em que é possível afirmar Deus inserido nas culturas indígenas, sendo cha- mado de Pai e Mãe. Torna-se possível, também, pensar em um “Deus negro”, partidário dos oprimidos, cuja revelação ocorre a partir dos negros oprimidos dos Estados Unidos e de outros países latino-americanos e caribenhos. 18 19 As Teologias feminista, da mulher e do feminino pleiteam recuperar a reve- lação e a fé a partir do lugar social e antropológico da mulher oprimida pelo machismo uxoricida e do feminino compreendido como dimensão da própria constituição antropológica do ser humano. Desse modo, emerge a concepção fe- minista de Deus, em seu movimento de revelação, a ponto de afirmar que Deus é “Aquela que É”, a revelação de Deus na luta pela libertação das mulheres pobres e oprimidas e na harmonização entre o masculino e o feminino que constituem o ser humano (JOHSON, 1995). A Teologia das religiões é a forma de a Teologia pensar a revelação cristã no âmbito do pluralismo religioso, da relação do Cristianismo com as outras religiões e do convívio social e cultural das pessoas religiosas com as pessoas seculares. Nesse sentido, surgiu propriamente uma Teologia das religiões, principalmente, com o teólogo Paul Knitter, que se tornou uma grande novidade para pensar de que modo as religiões, concebidas em sua diversidade, podem denotar a revelação de Deus. Antes mesmo do Concílio Vaticano II, o teólogo francês Henri De Lubac já havia pensado a relação do Cristianismo com as outras religiões, o que propiciou, posteriormente, a Jacques Dupuis, jesuíta que viveu mais de 30 anos na Índia, pensar uma Teologia Cristã no âmbito do pluralismo religioso (DUPUIS, 1997) e ao teólogo Claude Greffé pensar uma Teologia Hermenêutica interreligiosa (GEFFRÉ, 2012). A denominada cultura pós-moderna, em que predomina o paradoxo de con- tinuidade e descontinuidade da Modernidade, marcadamente antropocêntrica e cientificista, carcateriza-se por trazer à tona a forma nômade de pensar, a transver- salidade na maneira de fazer Ciência, a flexibilidade das expressões da verdade, a efemeridade de costumes e das prescrições morais, a midiatização e a virtualização das relações humanas, os sacrifícios políticos e econômicos dos pobres, a ambigui- dade dos modelos políticos, a relação entre nacionalização e internacionalização dos povos em suas relações, as religiosidades novas com marcas de espetáculo. Em termos interrogativos: com pensar a revelação cristã nesse contexto? Emerge, então, uma Teologia da Revelação pós-moderna, em que se prioriza a Hermenêutica para pensar a fé e a revelação nesse contexto, a teodiceia para pensar o problema do mal e a revelação de Deus na compaixão com os sofredores. Acompanha a Hermenêutica a Filosofia, que possibilita pensar teologicamente a revelação na perspectiva ecológica, remetendo à Teologia da Criação, em que o universo e o ser humano são criaturas de Deus (MENDONZA ALVAREZ, 2013; DUQUE, 2016). Essas formulações teológicas acerca da revelação de Deus denotam que a revelação é um evento fundamental na perspectiva da fé cristã e que, por isso, a Teologia da Revelação pode ser chamada de Teologia Fundamental. 19 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental Trata-se, então, de pensar teologicamente a revelação à luz da própria revelação de Deus como evento e a fé como resposta humana a essa mesma revelação. No entanto, conforme se observa nas formulações teológicas, a revelação não acontece abrupta e magicamente, mas na História produzida pelos seres humanos. A História é, então, o palco do encontro entre Deus e o homem, cujo ápice encon- tra-se em Jesus Cristo, que é o Filho de Deus que assumiu a condição humana em sua historicidade. Teologia Fundamental: Novo Nome da Teologia da Revelação (Fisichella, 1999) Ao considerar que a Teologia Fundamental, novo nome para a Teologia da Re- velação, articula a Antropologia e Hermenêutica para compreender a revelação, visualizamos algumas carcaterísticas cruciais desaa área teológica. A primeira é que a revelação há de ser pensada na positividade da fé, presente na Bíblia, na tradição eclesial, no encontro com as religiões e na História humana em geral. Isso significa que a revelação estará presente na própria vinda de Deus ao en- contro dos seres humanos, ao criar o ser humano e o colocar no jardim do Éden – Paraíso, ao realizar a aliança com o povo de Israel, ao enviar o seu Filho Jesus Cristo para redimir a criação e salvar a todos os seres humanos, ao adoar o Espírito aos apóstolos para a formação da Igreja e a transmissão do Evangelho, sempre boa notícia a todos os povos. A segunda carcaterística é que a revelação se efetiva na via apofática ou via da Teologia negativa, em que Deus se manifesta na compaixão do povo que era es- cravo no Egito (Ex 3,7-14), na ira surgida em função da infidelidade de seu povo, no sofrimento do inocente, na morte dos que se empenham pelo reino de Deus, na cruz de seu Filho Jesus Cristo, na presença da Igreja junto aos doentes e aos sofredores deste mundo, nos dramas e nas tensões da História. A terceira carcaterística é que a revelação não se realiza sem a História que, como já afirmamos, é o palco do encontro de Deus com os seres humanos. Dizemos palco, por ser a História marcada por dramas e tensões vivenciadas pela Humanidade. Portanto, quando o teólogo pensa a revelação, deve inferir da História a presença de Deus encontrando-se com o homem. Esse ato de inferir a revelação da História é denominado “maiêutica histórica” (TORRES QUEIRUGA, 2010), comparado ao trabalho da parteira que retira a criança do ventre da mãe. 20 21 A quarta carcaterística é que a revelação será teologicamente defendida como forma de explicar as causas da fé cristã ou, propriamente, as razões de professar, compreender e viver a fé cristã. É esse o sentido largo da apologética da Teologia da Revelação ou, propriamente,Teologia Fundamental: afirmar a revelação como fundamento da própria fé revelada à pessoa que crê em Deus na perspectiva cristã. Expostas essas carcaterísticas, definimos, então, a Teologia da Revelação como Teologia Fundamental, por ser uma Disciplina ou um Tratado Teológico que pensa a revelação e a fé cristã à luz da fé revelada. O espírito é de uma apologética alargada e dialógica, em que se busca explicar as razões em afirmar a fé cristã nas situações históricas encontradas. Por isso, o método propiciará articular a fé com a razão e com a História. Isso significa que a fé cristã haverá de apresentar sensibilidade pelos aconte- cimentos históricos e capacidade de dialogar com a Filosofia e com as diversas Ciências, a fim de compreender o homem e o mundo situados historicamente. Desse modo, a Teologia Fundamental buscará desenvolver a revelação como seu assunto, utilizando a Filosofia e as Ciências na compreensão da Bíblia e da tradição patrística, dogmática e teológica. A coleta de dados dos textos bíblicos e da tradição, dos símbolos da fé e de documentos eclesiais e teológicos haverão de ser relacionados à historicidade do homem e à dinâmica do mundo, visando à constituição de uma Teologia Fundamental, em que a revelação não é apenas um conjunto de doutrinas imutáveis, mas um acontecimento histórico sempre atual, entre Deus e o homem. O uso da Filosofia na Teologia Fundamental (GONÇALVES, 2014) propicia a compreensão do homem e do mundo em suas dimensões e características funda- mentais, trazendo à tona as categorias de transcendência e imanência, tanto em termos antropológicos, quanto em termos cosmológicos. Além disso, a reflexão filosófica sobre o mal e o sofrimento, denominada teo- dicéia, será de crucial importância à compreensão da revelação de Deus em sua bondade e benevolência diante das realidades de sofrimento de pessoas incoentes, de injustiças sociais, de violência, de depredação do Planeta, de possibilidade de destruição do Universo. Em termos interrogativos: como se revela o Deus bom e benevolente diante de todas essas realidade “malignas”? O que dizem os textos bíblicos e da tradição da fé cristã, bem como os símbolos da fé? A Filosofia será utilizada tanto em sua vertente metafísica, quanto em sua vertente Hermenêutica, a fim de que as fontes sejam correta e adequadamente compreendidas e interpretadas à luz da fé revelada. 21 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental O uso das Ciências propiciará a compreensão da situação localizada e real do homem e do mundo, acerca das mesmas realidades analisadas filosoficamente; porém, as ciências, devido à sua carcaterística ôntica, descrevem analiticamente a região em que o homem e o mundo se situam, estando elas mesmas tam- bém direcionadas em seu próprio estatuto teórico como Ciência. Destacam-se a Sociologia, Antropologia, a Psicologia, a História, a Física – especialmente a Quântica, a Biologia – principalmente, no âmbito da Neurobiologia, as Ciências Sociais Aplicadas e as Ciências da Saúde. A Teologia Fundamental será, então, dialógica em relação à Filosofia e às Ci- ências, sensível aos acontecimentos humanos e cósmicos, apta a desenvolver des- critiva e analiticamente o mistério global de Deus, que se revela ao homem e no mundo. Desse modo, a Teologia Fundamental irá se mostrar fiel à própria reve- lação, concebida na História da salvação, cuja compreensão por parte da fé se efetiva em estreita correlação com a História humana e com a História do mundo. Enfim, o caminho da Teologia Fundamental é analisar a revelação e a fé me- diante a Bíblia e a tradição teológica e dogmática, olhando a História dos seres humanos e do Universo, especialmente, nos desafios de cada época histórica. Nesse sentido, todos estamos convidados a fazer uma passeio pela Bíblia, pela tradição cristã e pela História concebida em sua atualidade pertinente e relevante ao próprio sentido de nossa existência (LIBÂNIO, 2003). 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Teologia da Revelação a partir da Modernidade LIBÂNIO, J. B. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 15-28. Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação LIBÂNIO, J. B. Crer num mundo de muitas crenças e pouca libertação. São Paulo/Valência: Paulinas/Siquém, 2001, p. 13-22. Repensar a Revelação TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a Revelação. A Revelação divina na realização humana. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 23-104. Deus Inefável GONÇALVES, P. S. L. (org.) Deus Inefável. Tratado temático da Revelação. Aparecida: Santuário, 2015, p. 51-98. Teologia da Revelação a partir da Modernidade LIBÂNIO, J. B. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 29-51. Catolicismo e sociedade contemporânea GONÇALVES, P. S. L.; SOUZA, N. Catolicismo e sociedade contemporânea. São Paulo: Paulus, 2013. Questões contemporâneas de Teologia GONÇALVES, P. S. L. Questões contemporâneas de Teologia. São Paulo: Paulus, 2010. Teologia da Revelação a partir da Modernidade LIBÂNIO, J. B. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São Paulo: Loyola, 1992, p. 51-110. Repensar a Revelação TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a Revelação. A Revelação divina na realização humana. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 105-164. Pensar a fé teologicamente XAVIER, D. J.; SILVA, M. F (org.) Pensar a fé teologicamente. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 79-114. 23 UNIDADE A Teologia da Revelação como Teologia Fundamental Referências DENZINGER, H.; HÜNERMANN, P. Enchiridion Symboloroum. Definitionum et declarfationum de rebus fidei et morum. Bologna: Dehoniane, 1995. DUPUIS, J. Rumo a uma Teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 2000. DUQUE, J. M. Para o diálogo coma pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 2016. FISICHELLA, R. Introdução à Teologia Fundamental. São Paulo: Loyola, 1999. GEFFRÉ, C. De Babel a Pentecostes. Ensaios de teologia inter-religiosa. São Paulo: Paulus, 2013. GONÇALVES, P. S. L.; SOUZA, N. Catolicismo e sociedade contemporânea. São Paulo: Paulus, 2013. ________. (org.) Deus Inefável. Tratado temático da Revelação. Aparecida: Santuário, 2015, p. 51-98. ________. A consciência histórico-hermenêutica na Teologia contemporânea: aproximação entre Gadamer e Schillebeeckx, Religião & Cultura, São Paulo, v., n. 14, p. 97-117, jul/dez 2008. ________. Da possibilidade de morte da Terra à afirmação da vida. A Teologia ecológica de Jürgen Moltmann, Cadernos Teologia Pública, São Leopoldo, v. III, n. 23, p. 5-53, 2006. ________. Teologias pós-conciliares. In: PASSOS, J. D.; SANCHEZ, W. L. Dicionário do Concílio Vaticano II. 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