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BASES FARMACOLÓGICAS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS NA ESTÉTICAS Fármacos e hipertricose Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar o conceito, os fatores desencadeantes e os sinais e sintomas da hipertricose. Descrever os medicamentos utilizados no tratamento da hipertricose. Listar os fármacos que podem desencadear o aparecimento excessivo de pelos. Introdução Os pelos e cabelos têm um papel importante na área da estética, e seu padrão, quando alterado, pode interferir nas necessidades socialmente criadas e gerar alguns transtornos psicossociais e perda de qualidade de vida. Dentre as síndromes que se caracterizam por esse desvio no padrão de pelos, destaca-se a hipertricose, uma doença rara que é classificada em congênita ou adquirida. A hipertricose adquirida pode ser ocasionada pelo uso de alguns medicamentos, enquanto a hipertricose congênita está relacionada com os fatores genéticos herdados pelo indivíduo. Neste capítulo, você vai estudar os sinais e sintomas dessa doença e conhecer os possíveis tratamentos que existem para minimizar os efeitos provocados por ela — em suma, o crescimento excessivo dos pelos. Você também vai verificar as diferenças entre hipertricose e hirsutismo, uma doença caracterizada pela presença de pelos terminais na mulher em áreas anatômicas características da distribuição dos pelos masculinos. Por fim, você vai verificar quais medicamentos podem desencadear o crescimento excessivo de pelos. 1 Hipertricose: conceito, fatores desencadeantes, sinais e sintomas Os pelos têm função protetora contra a luz solar e a perda de calor. No ser humano, os pelos e cabelos representam também uma importante função estética, que pode infl uenciar na inserção social. Assim, quando o padrão de pelos é alterado, isso pode gerar alterações psicossociais e perda da qualidade de vida, conforme destacam Gamonal e Gamonal (1999) e Rivitti (2018). Os pelos são estruturas finas e queratinizadas que se desenvolvem a partir de uma invaginação da pele, estando presentes na maior parte da superfície da pele, exceto na superfície plantar do corpo. O folículo piloso é uma estrutura complexa, composta por um fio de pelo ou cabelo, sendo a haste do pelo composta por córtex, medula e cutícula. As características de distribuição dos pelos variam nas diversas raças e idades e podem ser determinadas por alguns fatores, como os genéticos e hormonais (SOURTOR; HORDINSKY, 2015; RIVITTI, 2018). Os pelos se transformam de forma cíclica, passando pelas seguintes fases: anágena, catágena, telógena e exógena. Na fase anágena, há o crescimento ativo do pelo por um período de 2 a 6 anos. É nessa fase que se determinam o comprimento dos cabelos e a sua velocidade de crescimento (em média, 1 cm por mês). No couro cabeludo humano, 90% dos folículos se encontram na fase anágena. Na fase catágena, ocorre interrupção da proliferação celular e da produção de melanina e inicia a apoptose dos queratinócitos, durando, em média, três semanas. Na fase telógena, que dura em média três meses, os processos de síntese proteica e divisão celular não ocorrem, e o folículo piloso apresenta quase a metade do tamanho do folículo na fase anágena. Já na fase exógena, ocorre a sinalização e o desprendimento do pelo (SOURTOR; HORDISNKY, 2015). O ciclo do pelo (Figura 1) envolve grandes transformações do epitélio folicular, do mesênquima e da matriz extracelular, sendo regulado por vários fatores de sinalização, como: citocinas, hormônios, neurotransmissores e receptores, fatores de transcrição e enzimas que atuam nas vias endócrinas, parácrinas e autócrinas. Assim, ao longo do ciclo, o cabelo cresce, cai e renasce (SOURTOR; HORDISNKY, 2015). Fármacos e hipertricose2 Figura 1. Ciclo piloso e suas fases. Fonte: Adaptada de Boaventura (2019). Anágena Fase ativa de crescimento: 3-6 anos Catágena Fase de transição: 1-3 semanas Telógena Fase de descanso: 2-4 meses A papila dérmica se separa do folículo Formação de cabelo novo Reinício da fase anágena Diferentes tipos de cabelos podem ser produzidos pelos folículos, podendo variar com a idade ou a influência hormonal, sendo diferenciados em três tipos de pelos: lanugo, velos e terminais. Os lanugos são pelos finos semelhantes a uma penugem, não apresentam medula e pigmentos e recobrem a superfície cutânea do feto, com exceção do couro cabeludo. Após o nascimento dos bebês, os lanugos são substituídos por pelos velos. Os pelos velos são finos, sem medula, geralmente não pigmentados, estando presentes em adultos. Já os pelos terminais são mais grossos e compridos, possuem medula e são pigmentados (GAMONAL; GAMONAL, 1999). A cor desses pelos se dá em decorrência dos melanossomos, que estão presentes na matriz e no bulbo, depositando o pigmento (melanina) na célula do córtex e da medula (SANTOS, 2017; RIVITTI, 2018). Algumas doenças sistêmicas, bem como o uso de determinados medica- mentos, podem interferir no metabolismo das células, ocasionando a produção de uma haste mais fina e frágil dos pelos, segundo Gamonal e Gamonal, (1999) e Rivitti (2018). Existem algumas alterações nos pelos/cabelos que podem ser classificadas em qualitativas (distúrbios pigmentares, displasias pilosas) ou quantitativas (alopecia, hirsutismo e hipertricose). Dentre os distúrbios do ciclo capilar raros, serão abordados neste capítulo a hipertricose e o hirsutismo. 3Fármacos e hipertricose Na prática Veja, em realidade aumentada, como funciona o ciclo piloso na hipertricose. 1. Acesse a página https://bit.ly/2YQoFLK e baixe o aplicativo Sagah Bases farmacológicas e interações medicamentosas na estética. Se preferir, use o QR code ao lado para baixar o aplicativo. 2. Abra o aplicativo e aponte a câmera para a imagem a seguir: A hipertricose é caracterizada pelo crescimento exagerado de pelos de textura fina, que se transformam em pelos terminais em diversas regiões do corpo. Esse distúrbio do ciclo capilar é classificado como congênito ou adquirido e difuso ou localizado, conforme descrito a seguir, com base em Rivitti (2018). Hipertricose congênita difusa: esse tipo de hipertricose pode ser ocasio- nado em decorrência de doenças múltiplas hereditárias raras, podendo ser aparente ao nascimento ou se manifestar nos primeiros meses ou anos de vida. Quando é ocasionada devido à alteração genética única, a hipertricose pode ser classificada como: hipertricose lanuginosa, hipertricose pré-puberal, hipertricose dominante ligada ao X e síndrome de Ambras (RIVITTI, 2018). Fármacos e hipertricose4 Hipertricose lanuginosa congênita: é uma doença rara autossômica dominante, na qual não há substituição dos pelos lanugos por pelos terminais. Essa doença pode surgir ao nascimento ou na infância, com a presença de pelos lanugos finos, loiros, nas regiões pilosas do corpo (Figura 2). Algumas anormalidades, como alterações dentárias, das orelhas, estenose pilórica e retardo físico e mental, podem estar associadas, segundo Rivitti (2018). Figura 2. Hipertricose lanuginosa congênita. Fonte: Borges (2014, documento on-line). Hipertricose pré-puberal: em geral, esse tipo de hipertricose acontece em recém-nascidos e crianças saudáveis mediterrâneas e asiáticas, sendo caracterizada pelo aumento de pelos terminais nas regiões da face (têmporas e região pré-auricular). Outra característica observada em determinados pacientes é a elevação dos níveis hormonais de tes- tosterona (total e livre) (RIVITTI, 2018). Hipertricose congênita localizada: é caracterizada pela presença de pelos longos, terminais, em lesões névicas, como nevos epidérmicos, entre outros (RIVITTI, 2018). Hipertricose associada com espinha bífida: área de hipertricose na região sacral, caracterizada pela presença de tufos de pelos longos (Figura 3). 5Fármacos e hipertricose Figura 3. Hipertricose associada com espinha bífida. Fonte: Rivitti (2018,p. 459). A hipertricose adquirida, diferente da congênita, pode ser ocasionada devido ao uso de alguns medicamentos específicos ou em decorrência de algumas doenças específicas, conforme descrito a seguir. Hipertricose lanuginosa paraneoplásica: é caracterizada pelo apare- cimento súbito de pelos finos, lanugos difusos ou somente na face. Geralmente, esse tipo de hipertricose ocorre em mulheres e pode estar associada a tumores malignos, como câncer de pulmão, do colo do útero e de mama. Hipertricose em doenças sistêmicas e dermatoses: é caracterizada pelo aumento de pelos frequentemente na face, em populações específicas, como pessoas desnutridas, com endocrinopatias, dermatomiosite, porta- dores de epidermólise bolhosa distrófica, lipodistrofia e no mixederma pré-tíbia, bem como em portadores do vírus HIV. Hipertricose adquirida iatrogênica: ocorre como consequência de reação adversa ao uso de alguns medicamentos específicos, como fenitoína, corticoides com ação anti-inflamatória, estreptomicina, penicilinas e Minoxidil (Figura 4). Nesses casos, geralmente, a hipertricose ocorre principalmente na fronte, nas têmporas e na porção flexora das extre- midades e no tronco. Fármacos e hipertricose6 Figura 4. Hipertricose adquirida iatrogênica pelo uso de minoxidil. Fonte: Rivitti (2018, p. 459). Hipertricose adquirida localizada: esse tipo de hipertricose decorre de traumas repetidos, como atritos, coceira e mordedura, bem como em processos inflamatórios, os quais podem motivar o aumento de pelos no local do atrito. Diagnóstico e tratamento da hipertricose O diagnóstico da hipertricose é realizado pelo médico dermatologista. Esse profi ssional poderá solicitar alguns exames complementares, com o objetivo de relacionar a causa da hipertricose com outras patologias, com o uso de medicamentos, com fatores genéticos ou mesmo com fatores físicos (atrito). Embora seja uma doença rara, seu diagnóstico não é complexo, devido às características marcantes de seus sintomas (PAVONE et al., 2015). Após o diagnóstico, existem alguns tratamentos que podem ser inicia- dos, para minimizar ou mesmo erradicar a presença dos pelos. As doenças de base devem ser tratadas, e, no caso da hipertricose adquirida pelo uso de medicamentos, a suspensão ou mudança dos fármacos é suficiente para cessar o crescimento dos pelos nos locais indesejados. Assim, a escolha do tratamento se baseia no fator causal da hipertricose e em outros fatores, como o aspecto e a localização dos pelos em excesso, juntamente com a idade do paciente, segundo Pavone et al. (2015). O crescimento em excesso de pelos não dependentes de androgênio, como é o caso da hipertricose, é tratado 7Fármacos e hipertricose essencialmente por meio de métodos físicos para minimizar a aparência dos pelos ou para removê-los, conforme descrito a seguir. O tratamento cosmético consiste em utilizar produtos com o intuito de clarear os pelos e, com isso, minimizar a aparência dos mesmos, ou removê-los, com o uso de cremes depilatórios. A extração pode ser realizada também utilizando aparadores ou bar- beadores, os quais extraem os pelos somente na superfície da pele; ainda, pode-se utilizar a técnica de depilação com ceras quente ou fria, as quais promovem a extração pela raiz, tornando os pelos menos evidentes (PEREIRA; MACHADO; SOLARES, 2015). Os tratamentos com o uso de lasers e luz pulsada são mais eficientes, pois têm como objetivo promover a destruição do bulbo e, com isso, evitar o crescimento dos pelos (PEREIRA; MACHADO; SOLARES, 2015). No estudo disponível no link a seguir, há um relato de uma paciente de 5 anos que é portadora de hipertricose lanuginosa congênita, que é uma desordem genética rara, autossômica dominante. Aos 5 meses de idade, os pelos da criança começaram a aumentar de tamanho e quantidade, atingindo toda a face, axilas, virilhas e membros inferiores, apresentando aspecto fino e claro. Nesse caso, houve sucesso no tratamento. https://qrgo.page.link/y2ruX 2 Hirsutismo O hirsutismo deve ser diferenciado da hipertricose, pois são doenças com causas e manejo clínico distintos. O hirsutismo é defi nido pela presença de pelos terminais na mulher em áreas anatômicas características da distribuição dos pelos masculinos, podendo ser manifestado de forma isolada ou acom- panhar outros sinais de hiperandrogenismo. O hirsutismo é classifi cado em três categorias, conforme sua causa: constitucional, idiopático e androgênico (SPRITZER, 2009). Fármacos e hipertricose8 Hirsutismo constitucional: ocorre sem qualquer anormalidade hormonal. O desenvolvimento dos pelos terminais na mulher é devido a fatores familiares e raciais. A transformação de pelos lanugos em terminais inicia durante a puberdade, e estes podem progredir na região do lábio superior, das mamas, do tronco, dos membros e do abdome (RIVITTI, 2018). Hirsutismo idiopático: desenvolve-se sem qualquer relação a fatores genéticos, familiares ou raciais. Nesse tipo de hirsutismo, não há al- terações hormonais ou anormalidades em exames como testosterona total e livre, prolactina e hormônio folículo-estimulante. O hirsutismo idiopático pode ser ocasionado pela maior capacidade do folículo piloso em utilizar os androgênios, segundo Rivitti (2018). Hirsutismo androgênico: é resultado de anormalidade endócrina, a qual envolve a ação dos androgênios sobre a pele por meio de dois mecanis- mos: alteração dos níveis circulantes de androgênios e sensibilidade cutânea a esses hormônios. Os androgênios promovem a conversão dos pelos velos em terminais na maioria das regiões dependentes de hor- mônios sexuais. Esse tipo de hirsutismo pode ser causado por algumas doenças endócrinas, como o ovário policístico, que leva ao aumento da produção de testosterona pelos ovários, aumentando os níveis de androgênios no sangue. Os tumores ovarianos também podem ser uma causa, uma vez que podem secretar androgênios. Por sua vez, a hiper- plasia adrenal, ou síndrome adrenogenital, é uma síndrome genética autossômica recessiva, na qual os níveis de testosterona se encontram elevados; sendo assim, é mais uma possível causa do hirsutismo an- drogênico. A hiperatividade hipofisária também pode determinar o aumento da produção de androgênios das adrenais e ovarianos e, por sua vez, ocasionar hirsutismo. Por fim, o hirsutismo iatrogênico é desencadeado devido à terapia hormonal com androgênios na mulher, ou devido ao uso de anabolizantes androgênicos pela mulher, os quais podem determinar a pilosidade facial ou em outras áreas do corpo (RIVITTI, 2018; SPRITZER, 2009). Outra causa de hirsutismo pode estar relacionada a doenças da tireoide, à hiperprolactinemia e ao uso de fármacos como fenotiazinas, danazol, ciclos- porina e metirapona, os quais podem apresentar como reação adversa essa síndrome, conforme aponta Spritzer (2010). 9Fármacos e hipertricose Diagnóstico e tratamento do hirsutismo Assim como na hipertricose, as análises dos casos suspeitos de hirsutismo deverão ser realizadas pelo médico dermatologista. Inicialmente, é realizada a investigação dos níveis hormonais do paciente. Após essa etapa, as estratégias adequadas para o tratamento serão montadas, a partir da defi nição da doença de base; assim, quando possível, trata-se a causa do hirsutismo (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA, 2017). O tratamento para o hirsutismo tem como objetivo suprir o excesso de androgênio, quando houver, e bloquear a ação dos androgênios no folículo pilossebáceo. Assim como na hipertricose, o tratamento pode ser farmacológico e/ou não farmacológico — isso dependerá da causa, da gravidade e da distribuição do hirsutismo. O tratamento não farmacológico inclui métodos de remoção dos pelos, como depilação com cremes e ceras, uso de laser, luz pulsada ou eletrólise e uso de clareadores; no entanto, esses métodos não tratam a causa do hirsutismo (RIVITTI, 2018). Já o tratamento farmacológico, realizadocomo primeira linha em mulheres pré-menopausa, consiste no uso de anticoncepcionais orais combinados (compostos de etinilestradiol e um progestogênio), que possuem atividade antigonadotrófica, inibem a secreção de androgênios ovarianos e aumentam a síntese hepática dos hormônios sexuais, reduzindo as concentra- ções de testosterona livre (KATZUNG; TREVOR, 2017). Esses hormônios sintéticos atuam sobre os androgênios pelas três vias principais descritas a seguir. 1. O estrogênio é capaz de promover a produção hepática da globulina ligadora de hormônios sexuais, diminuindo a testosterona livre. 2. O progestogênio é capaz de promover a supressão da secreção de LH (hormônio luteinizante), diminuindo, assim, a produção de androgênios. 3. Os progestogênios agem como competidores com diferentes receptores de androgênios e de 5α-redutase, diminuindo os níveis, bem como a ação da di-hidrotestosterona (DHT). A progesterona é uma importante progestina que, além de exercer efeitos hormonais de extrema importância, atua como precursora de estrogênios, androgênios e esteroides adrenocorticais. A partir da progesterona, foram sintetizados vários compostos progestogênicos utilizados na prática clínica, incluindo no tratamento do hirsutismo, como desogestrel, noretinodrel, noretis- terona e acetato de noretisterona, conforme apontam Katzung e Trevor (2017). Fármacos e hipertricose10 Em casos leves de hirsutismo idiopático e androgênico, a utilização dos anticoncepcionais orais tem sido eficiente, mas, se necessário, são combinados a outros antiandrogênicos. A terapia com anticoncepcionais combinados se torna ainda mais eficaz quando associada a um antiandrogênico, como acetato de ciproterona, acetato de clormadinona ou drospirenona. O medicamento acetato de ciproterona é a progestina de maior potencial antiandrogênico, com alta biodisponibilidade, sendo muito utilizado para o tratamento do hirsutismo e da acne. Sua ação no organismo se dá: a partir de sua ligação com receptores de testosterona e DHT, inibindo sua atividade; devido ao seu potencial antigonadotrópico, o qual diminui a liberação de LH e, com isso, reduz a secreção ovariana de androgênios; devido também à inibição da 5-α-redutase, reduzindo, assim, a conversão de testosterona em DHT; e devido ao aumento da depuração de testosterona (VIGO; LUBIANCA; CORLETA, 2011). Existem apresentações desse fármaco do mercado em formas farmacêuticas isoladas ou em associação a outros hormônios sintéticos, sendo usado como contraceptivo oral e em alguns casos de acne (p. ex.: ciproterona 2 mg + etinilestradiol 0,035 mg), conforme destacam Rivitti (2018) e Spritzer (2009). O acetato de clormadinona é um progestogênio antiandrogênico cujo efeito se baseia em seu potencial de deslocar os androgênios de seus receptores. Com isso, apresenta efeitos benéficos no controle do androgênio endógeno nos quadros de acne ou hirsutismo. É comercialmente encontrado em associações, como acetato de clormadinona 2 mg + etinilestradiol 0,03 mg (BELARA, 2017). A drospirenona apresenta 30% do efeito antiandrogênico da ciproterona. Sua ação antiandrogênica se dá devido à redução da produção ovariana e adrenal de testosterona e seus derivados, bem como a partir do bloqueio de receptores androgênicos. Com isso, há melhora dos sinais clínicos androgê- nicos. Comercialmente, é encontrada na associação de drospirenona 3 mg + etinilestradiol 0,003 mg, conforme apontam Vigo, Lubianca e Corleta (2011). A flutamida também é utilizada no tratamento do hirsutismo, sendo um antiandrogênico não esteroide que inibe a captação dos androgênios e a união a receptores nucleares. Os medicamentos antiandrogênios são contraindicados no período da gravidez, devido ao risco de feminilização dos fetos masculinos (SPRITZER, 2009; RIVITTI, 2018). 11Fármacos e hipertricose Já o fármaco eflornitina tópica, indicado para tratar o hirsutismo, atua como um inibidor enzimático que age sob a enzima ornitina descarboxilase. Essas enzimas estão presentes nos folículos pilosos e são responsáveis pela estimulação do crescimento dos pelos. Assim, o fármaco eflornitina bloqueia irreversivelmente as enzimas responsáveis pelo crescimento de pelos; com isso, esse fármaco inibe o processo de crescimento do pelo no folículo piloso. O creme com cloridrato de eflornitina foi aprovado pela Food and Drug Administration para a remoção do pelo facial em mulheres e não deve ser utilizado em outras partes do corpo. Recomenda-se a aplicação duas vezes por dia na zona afetada, com um intervalo entre as aplicações de pelo menos oito horas. Não existem dados sobre a sua utilização em idade pediátrica. Os resultados da terapia com eflornitina são visíveis após oito semanas de utilização. Após a interrupção do tratamento, em cerca de oito semanas, o crescimento do pelo retorna ao observado antes do início do tratamento. A absorção sistêmica da eflornitina tópica é muito baixa, sendo assim, apresenta segurança clínica favorável ao tratamento e poucos efeitos colaterais (PAVONE et al., 2015). Outro medicamento utilizado na terapêutica é a espironolactona, um diu- rético poupador de potássio que atua como antagonista dos androgênios, com ação dose dependente, competindo com o receptor androgênio e a enzima 5-α redutase. Geralmente, nessa terapia, utilizam-se doses de 50 a 200 mg/dia (2009). Após dois meses de tratamento, são observados os efeitos de redução da densidade, diâmetro e velocidade dos pelos faciais, com efeito máximo após seis meses de terapia (KATZUNG; TREVOR, 2017) 3 Fármacos que podem desencadear o aparecimento excessivo de pelos Na terapêutica, os fármacos devem alcançar seu sítio de ação após a admi- nistração e a absorção do medicamento, para, com isso, obter a fi nalidade terapêutica desejada. Juntamente com a ação terapêutica desejada, alguns medicamentos podem ocasionar efeitos adversos específi cos, dentre eles, a hipertricose (KATZUNG; TREVOR 2017). Os medicamentos da classe dos corticoides administrados por via tópica são um exemplo dentre os fármacos que podem ocasionar o aparecimento excessivo de pelos. Esses medicamentos possuem ação anti-inflamatória, e o uso prolongado pode provocar essa reação adversa cutânea. Alguns exemplos de medicamentos são beclometasona, betametasona, clobetasol, desonida, Fármacos e hipertricose12 dexametasona e triancinolona, conforme apontam Katzung e Trevor (2017). Além dos corticoides citados, outros medicamentos, como a fenitoína, um an- ticonvulsivante, e o minoxidil, utilizado na terapia da alopecia, também podem provocar a hipertricose como reação adversa (KATZUNG; TREVOR 2017). Os principais fármacos que podem desencadear a hipertricose como uma de suas reações adversas serão discutidos na sequência. Fenitoína A fenitoína, conhecida como difenil-hidantoína, é um anticonvulsivante não sedativo antigo, introduzido em 1938, utilizado como terapia da epilepsia e em crises convulsivas. Esse fármaco atua primeiramente sobre o córtex motor, inibindo a propagação da crise convulsiva, promovendo o efl uxo de sódio nos neurônios e tendendo a estabilizar o limiar contra a hiperexcitabilidade causada por estimulação excessiva ou por alterações ambientais capazes de reduzir o gradiente de sódio da membrana. A fenitoína promove a redução da atividade máxima dos centros do tronco cerebral, responsáveis pela fase tônica das crises tônico-clônicas. Após administração oral de fenitoína, a meia-vida plasmática em humanos é, em média, de 22 horas, com variação de 7 a 42 horas. Os níveis terapêuticos em equilíbrio são alcançados entre 7 a 10 dias (5 a 7 meias-vidas) após o início do tratamento com doses recomendadas de 300 mg/dia. Dentre as reações adversas que podem aparecer durante a terapia com a fenitoína está a hipertricose. No entanto, os fármacos antiepiléticos não devem ser abruptamente descontinuados, devido ao possível aumento na frequência de crises convulsivas.Assim, apesar de apresentar raros casos de hipertricose, quando estes ocorrem, somente o médico poderá avaliar a necessidade de troca ou redução da dose do medicamento (KATZUNG; TREVOR 2017). Minoxidil É um óxido derivado da 2,4-diaminopirimidina, que atua diretamente sobre as arteríolas, reduzindo a resistência periférica total. Esse medicamento possui como forma farmacêutica comprimidos de administração via oral, utilizados com fi nalidade anti-hipertensiva, em associação com diuréticos e/ou outros anti-hipertensivos. Na forma farmacêutica de solução capilar tópica, é indicado para reverter o processo de queda de cabelos em pacientes portadores de alopecia androgênica, quando aplicado localmente. O minoxidil, por ser um vasodilatador, prolonga a fase anágena. Seu mecanismo de ação ainda não foi 13Fármacos e hipertricose totalmente elucidado, mas se percebeu que ele diminui a queda de cabelo, sendo muito utilizado para tratamentos de alopecia androgênica tanto em homens quanto em mulheres (KATZUNG; TREVOR 2017). O tratamento deve ser realizado por, no mínimo, dois meses de aplicação de minoxidil, duas vezes ao dia, para que ocorra o crescimento capilar esperado. Uma das possíveis reações adversas causadas por esse fármaco é a hi- pertricose reversível, a qual desaparece algumas semanas após a suspensão do uso dessa terapia (KATZUNG; TREVOR 2017). É importante lembrar que o minoxidil não atua na prevenção da queda de cabelo provocada por alguns medicamentos prescritos ou não, problemas nutricionais graves (baixa concentração sérica de ferro e alta concentração de vitamina A), hipotireoi- dismo, quimioterapia ou doenças que causam cicatrizes no couro cabeludo (MINOXIDIL, 2019). Glicocorticoides de aplicação tópica Os glicocorticoides exercem potentes efeitos anti-infl amatórios e são utilizados para tratar doenças alérgicas e dermatites. A terapia com glicocorticoides atua estimulando a biossíntese da proteína lipomodulina, que inibe a ação da enzima da fosfolipase A2; assim, impede a liberação do ácido araquidônico, não formando metabólitos, prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos, que são os mediadores da infl amação. Um dos seus efeitos adversos promovido pelos glicocorticoides de aplicação tópica é o aparecimento excessivo de pelos. Uma vez suspenso, esse sintoma tende a reduzir até o desaparecimento e a normalização da área afetada. Beclometasona, betametasona, dexametasona, triancinolona clobetasol e desonida são exemplos de glicocorticoides de apli- cação tópica (KATZUNG; TREVOR 2017). Penicilina Os antibióticos β-lactâmicos são agentes antibacterianos que inibem irrever- sivelmente a enzima transpeptidase, catalisando a reação de transpeptidação entre as cadeias peptideoglicanas da parede celular bacteriana (GUIMARÃES; MOMESSA; PUPO, 2010); assim, ao interferir na síntese da parede celular dos microrganismos, impede o crescimento e a ação dos mesmos (KATZUNG; TREVOR 2017). A ação é rápida e permite a obtenção de níveis séricos entre 15 e 30 minutos após a administração, podendo se prolongar por um período de 12 a 24 horas, sendo excretada por via renal. Além do potencial terapêutico promovido pela penicilina, algumas reações adversas podem ser desencadeadas, Fármacos e hipertricose14 e uma delas é o aparecimento de pelos em excesso (KATZUNG; TREVOR 2017). Estreptomicina A estreptomicina é um aminoglicosídeo inibidor irreversível da síntese proteica, sendo utilizada no tratamento de tuberculose e brucelose. Os aminoglicosídeos são administrados por via endovenosa em infusão de 30 a 90 minutos. A meia vida normal dessa classe no soro é de 2 a 3 horas, aumentando para 24 a 48 horas para pacientes com problemas renais. Uma das reações adversas provocadas pela ação da estreptomicina é a hipertricose (KATZUNG; TREVOR, 2017). Hormônios esteroides Os hormônios são substâncias químicas produzidas por células endócrinas, transportadas até os órgãos‐alvo, onde vão exercer uma resposta fi siológica. Os esteroides podem ser sintetizados em locais como testículos, ovários e glândulas suprarrenais (ROCHA et al. 2014). Os esteroides anabólico-androgênicos (EAA) são um grupo de compostos naturais e sintéticos formados pela tes- tosterona e seus derivados, sendo a testosterona um esteroide androgênico e anabólico e o principal hormônio sexual masculino. A testosterona é convertida no metabólito ativo DHT, um potente androgênio; a dehidroepiandrosterona e a androstenediona são precursores da produção endógena da testosterona, cujo efeito androgênico é fraco — portanto, tem potencial para abuso. Atualmente, os EAA têm sido usados abusivamente por não atletas com fins estéticos, pelo desejo de ganhar peso e melhorar a aparência (LISE et al., 1999; ROCHA et al., 2014). Dentre os androgênios sintéticos, estão os derivados alquilados como danazol, estanazolol e derivados da nortestosterona (decanoato de nandrolona). A administração exógena de EAA leva à supressão do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal; com isso, há redução dos hormônios luteinizante e folículo estimulante. No homem, os efeitos colaterais podem promover alopecia e ginecomastia. Já nas mulheres, pode ocorrer alteração da voz, hirsutismo, atrofia mamária e alterações da libido (ROCHA et al., 2014). Esses esteroides anabolizantes sintéticos, como a nandrolona, são capazes de aumentar a síntese de proteínas e, com isso, promover a melhora considerável do desenvolvimento muscular, sendo seu uso clínico indicado no tratamento da anemia falciforme. No entanto, assim como a testosterona, esses fármacos são utilizados de forma abusiva por alguns atletas, o que causa reações adversas como as descritas anteriormente (ROCHA et al., 2014). 15Fármacos e hipertricose Segundo Rivitti (2018), quando o aparecimento de pelos em excesso for de origem adquirida pelo uso de medicamentos, após a suspensão destes, na maioria dos casos, essa reação adversa se torna reversível em algumas semanas. No link a seguir, você pode conferir o caso de uma menina brasileira de 2 anos que nasceu com hipertricose lanuginosa. https://qrgo.page.link/uyPE2 BELARA: comprimidos revestidos: acetato de clormadinona e etinilestradiol. Respon- sável técnico Marcelo Mesquita. São Paulo: Grünenthal Do Brasil Farmacêutica, 2017. (17 p.). Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33868/3219152/Belara %C2%AE+%28acetato+de+clormadinona+e+etinilestradiol%29+-+advert%C3%AA ncia+para+tratamento+de+acne/d9d34458-a3cc-40c2-8e85-60b5288c4c2b. Acesso em: 14 jan. 2020. BOAVENTURA, G. Estrutura e fisiologia dos cabelos. Cosmética em foco, 2019. Disponí- vel em: https://cosmeticaemfoco.com.br/artigos/estrutura-e-fisiologia-dos-cabelos/. Acesso em: 17 jan. 2020. BORGES, F. Menina com síndrome tem pelos do corpo removidos, em Goiás. G1, 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/goias/noticia/2014/05/menina-com-sindrome- -tem-100-dos-pelos-do-corpo-removidos-em-goias.html. Acesso em: 14 jan. 2020. GAMONAL, S.; GAMONAL, A. Tricologia. HU Revista, v. 25, n. 2, p. 118-137, 1999. Disponível em: http://www.ufjf.br/hurevista/files/2016/11/80-97-PB.pdf. Acesso em: 14 jan. 2020. GUIMARÃES, D. O.; MOMESSA, L. S.; PUPO, M. T. 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